Secretário Executivo
Luciano Oliveira Patrício
Madikauku
os dez dedos das mãos
MEC
1998
Secretaria de Educação Fundamental:
Iara Glória Areias Prado
Endereço:
MEC/SEF/DPEF
Coordenação Geral de Apoio às Escolas Indígenas
Esplanada dos Ministérios Bloco L Sala 615
70.047-902 - Brasília - DF
Telefone: (061) 224 9598-410 8630
FAX: 321 5864
E-mail:
1
O professor Jaime Llullu Manchineri, do povo Manchineri, foi parecerista da Área de Matemática, no documento
"Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas" (MEC, junho de 1998).
Madikauku
os dez dedos das mãos
Dentro das políticas definidas pelo MEC, pará a área de educação escolar indígena,
estão o incentivo e o apoio à produção de material didático e pedagógico para uso nas
escolas das aldeias e em cursos de formação de professores.
Partindo do pressuposto fundamental de que diferentes culturas têm formas distintas
de manejar quantidades, números, medidas, formas e relações geométricas, o MEC propôs a
elaboração de MADIKAUKU - Os dez dedos das mãos, que apresenta um trabalho em
Etnomatemática.
Este livro oferece uma contribuição ao estudo da Matemática na escola indígena. É
uma proposta pedagógica que ajuda os professores a desenvolver trabalhos de pesquisa e
ensino, reconhecendo a pluralidade de sistemas e concepções numéricas de povos
culturalmente distintos.
Nota da Autora 7
Bibliografia 176
NOTA DA AUTORA
de uma proposta pedagógica, cuja finalidade é levar para a sala de aula a pluralidade
para os alunos.2
2
Madikauku - os dez dedos das mãos trabalha na área da Etnomatemática. O Professor Ubiratan D'Ambrósio define a
Etnomatemática como um programa de pesquisa e ensino que procura "identificar técnicas ou mesmo habilidades e práticas
utilizadas por distintos grupos culturais na sua busca de explicar, conhecer e entender o mundo que os cerca" (Ver o livro
Etnomatemática, de Ubiratan D'Ambrosio, 1990, página 6).
de diferentes povos.
Madikauku, os dez dedos das mãos mostra que isto não é verdade. O contato entre
tornou-se inevitável.
Números, contas e mapas - A segunda parte do livro trabalha com idéias matemáticas
escrita e o valor posicionai dos números. Oferece sugestões para lidar com estas
No Capítulo I, Sinaã, o grande pajé Juruna, cria a humanidade. O pajé mostra a base
sociodiversidade no país.
O Capítulo II relata como os Palikur classificam os seres do universo. A teoria de
nos conceitos matemáticos. Os numerais Palikur ensinam o que o povo pensa sobre o
organização social. Sem respeitar esta lógica, a escola não respeita o povo.
no dia-a-dia dos povos indígenas. Traz atividades para serem trabalhadas na escola.
O Capítulo VII refere-se à importância das idéias de legenda, escala, perímetro e área,
que a maioria dos professores e alunos gostam. É uma ação educativa fundamental
Brasil.
Sobre a Autora
Parque Indígena do Xingu, entre os Kayabi, Suyá, Juruna e Panará (1980-1984). Desde
1985, tem prestado assessoria para organizações indígenas no Brasil (como a COIAB -
América (como a United Indian Health Services - UIHS). Mariana é mestre em Antropologia
Universidade da Califórnia em Berkeley. É autora de Com Quantos Paus se Faz uma Canoa!
e de Histórias do Xingu.
INTRODUÇÃO
Ubiratan D'Ambrosio
O interesse pela Educação Indígena vai muito além das necessidades específicas
das populações indígenas e do trabalho nos ambientes indígenas. Há um interesse
educacional muito amplo. A capacidade de trabalhar em ambientes naturais e
culturais distintos, até contraditórios, de conhecer e utilizar experiências da vida
diária em ambientes muitas vezes desconhecidos do professor, e de fazer repousar
a prática pedagógica sobre memórias culturais muitas vezes adversas, está se
tornando cada vez mais comum em cidades de porte médio. E, sobretudo, nas
grandes metrópoles.
O fluxo migratório nessas cidades nos revela uma enorme variedade de experiências
prévias, de expectativas e intenções e de estilos de aprendizagem. Na Educação
Indígena isso se manifesta muito fortemente. Daí o crescente interesse de
educadores em conhecer as propostas e as experiências da Educação Indígena.
Talvez seja menos difícil ensinar uma matemática prática, sobretudo artesanal e
comercial, pois a motivação, resultante de necessidade, é grande. A exploração da
matemática lúdica do ocidental - um lúdico novo, desafiador - deve também ser
naturalmente atrativa.
O livro que Mariana Kawall Leal Ferreira nos oferece é de grande importância para
educadores em geral. Revela muito e nos aproxima de povos com os quais
queremos nos irmanar para construir uma verdadeira civilização planetária. E isso
não se conseguirá sem o respeito e o reconhecimento mútuo das culturas, em todas
as áreas do saber.
Parte 1
A matemática
é uma criação humana
Capítulo l
1
A história "Como os povos se separaram" foi contada por Carandine Juruna na Aldeia Tuba-Tuba,
Parque Indígena do Xingu, em fevereiro de 1990. A íntegra do relato está em Histórias do Xingu.
Coletânea de Depoimentos dos índios Suyà, Kayabi, Juruna, Trumai, Txucarramãe e Txicão.
Organização: Mariana K. Leal Ferreira (ver bibliografia).
A história de Carandine mostra, entre outras coisas, a maneira como
os Juruna explicam, no começo dos tempos, a divisão dos povos. A língua
que Sina'ã deu para cada um, simbolizada pelo barbante vermelho, foi
usada para organizar os acontecimentos ao longo do tempo, incluindo a
aquisição de tecnologia (a fabricação de armas, motores, etc); a criação e
a separação dos povos; a formação dos rios e lagoas; a descoberta de
alimentos e do fogo. Tudo faz parte do processo de criação do universo
Juruna.
Cada povo tem a própria versão histórica de como o mundo foi
criado, ou seja, uma teoria de mundo. Para que essas teorias façam
sentido, ordenam e classificam os seres e os elementos culturais (fogo,
água, comida, etc), todos elementos do universo. Para formular a teoria de
mundo, ou seja, a cosmologia, cada sociedade recorre a maneiras
diferenciadas de ordenar, classificar e quantificar a própria realidade, e os
respectivos elementos culturais.
O conhecimento que Sina'ã deu para os brancos deu muita força para
eles. Parece que a matemática do branco nasceu assim, dando força.
Por isso que para nós é difícil. Antigamente, a gente brigava com a
boca, com a borduna, com o arco e flecha. Hoje a gente tem que
aprender a brigar com o lápis e o papel, entender os escritos, as leis,
saber mexer com os números. O mundo está mudando.3
3
Depoimento de Carandine Juruna á autora em fevereiro de 1990 na Aldeia Tuba-Tuba, Parque
Indígena do Xingu.
A posse do território Juruna, no Mato Grosso, foi contestada na Justiça por
fazendeiros, por meio de um processo aberto em 1994. A pedido do juiz
encarregado do caso, a antropóloga Vanessa Lea elaborou um laudo, atestando
que a área é mesmo terra imemorial Juruna. Saber matemática é requisito
obrigatório pará entender os vários documentos nos quais esse laudo é baseado.
O documento inclui depoimentos de índios, como Carandine Juruna, além de
mapas, decretos e portarias, que delimitam ou demarcam terras Juruna ao longo
dos anos. Um dos documentos utilizados é a tabela abaixo:4
4
Laudo Antropológico Kapoto, de Vanessa R. Lea (Campinas: UNICAMP, 1997).
A primeira coluna, "Fonte", traz o nome do autor do estudo publicado sobre
foram extraídas. Na segunda coluna, aparece a data da coleta dos dados, que
coluna, a localização desta população ao longo dos anos. Das várias análises
possíveis, a que mais salta aos olhos é a drástica redução dos Juruna. Em 1842,
dados indicam que, em 125 anos, a população Juruna foi quase extinta.
coisas semelhantes,
estabelecendo relações
entre os grupos ou
países também é fruto de uma visão de mundo específica, que valoriza a "terra", o
conflitos. Muitas vezes, teorias de mundo distintas entram em choque: o que foi
estados ou municípios, ou mesmo estar localizado entre dois países. É o caso dos
Isto tem, é claro, muitas implicações. As políticas públicas para povos indígenas,
por exemplo, são regidas por leis federais, estaduais e municipais. Apesar de as
as regras oficiais, por região ou estado, mas usa, em alguns casos, nomes dos
comum.6
Essa divisão dos povos indígenas, dentro do território brasileiro, pode ser
6
Mapa "Povos Indígenas no Brasil - Regiões Geográficas" Povos Indígenas no Brasil 1991/1995
Instituto Socioambiental, São Paulo, 1996, pg. 114.
LEGENDA
5. Javari (Isolados do Alto Jutaí, Isol. Quixito, Isol. do São José, Korubo...)
7
O Parque Indígena do Xingu foi criado oficialmente como Parque Nacional do Xingu em 1961.
indígena vivendo em terras indígenas, hoje, no Brasil. Apesar de não haver
informações disponíveis sobre a população de várias sociedades indígenas
(como os "povos isolados" e outros), os dados permitem estimar a existência de
280.000 índios no Brasil, divididos em 206 povos diferentes.
8
Fonte de informações: Povos Indígenas no Brasil 1991/1995, ISA, 1996, páginas 387 e 599.
Atividades
Nome da Tabela:
9. Crie suas próprias tabelas. Aqui estão algumas sugestões:
A região do Uaçá
1
Dados demográficos de Artionka Capiberibe (MARI - Grupo de Educação Indígena da USP), em
abril de 1998. A Área Indígena Uaçá foi homologada em 1991 (decreto número 298 de 29/01/91;
vendidos por famílias Palikur. Cerâmica e objetos de madeira são confeccionados
para uso próprio. Valiosos e de difícil transporte, os objetos raramente são
encontrados entre os diversos produtos transportados nas canoas e voadeiras.
2
Fonte de informações: "Palikur", em Povos Indígenas no Brasil, Vol. 3 - Amapá / Norte do Pará,
CEDI, São Paulo, 1983, páginas 18-39.
produtos agrícolas, caça, pesca e coleta, de acordo com as atividades de
subsistência.
Os rios, riachos, caminhos, canoas, árvores e produtos da roça são, para
os Palikur, seres inanimados, isto é, sem vida. Têm, na maioria, sexo feminino. Já
seres humanos, animais, o sol, a lua, as estrelas, o trovão e o relâmpago são
vivos e masculinos. Seres masculinos têm papel de destaque na mitologia Palikur,
porque são heróis culturais e responsáveis pela criação do mundo.
Para os seres femininos, o que importa é o formato geométrico. Rios,
caminhos, fileiras de canoas e enfeites de penas tecidos em fio pertencem à
mesma classe porque possuem formato extenso, comprido. Uma fileira de
pessoas pertence à mesma classe que uma fileira de plantas na roça.
3
É claro que a palavra "dezoito", formada pela junção de dez e oito, indica um sistema de
contagem decimal.
intimamente ligada à visão de mundo, à própria cosmologia. Além disso, o critério
Palikur para "ser vivo" tem a ver com o papel que os seres desempenham na
mitologia do grupo. Plantas, ao contário do que poderíamos pensar, não são
consideradas vivas. Já a lua, o sol, as estrelas, o trovão e o relâmpago são vivos.
O gênero (se masculino, feminino ou neutro) também varia conforme a
importância do elemento na mitologia.4
Em suma, entender a matemática Palikur exige compreender a
classificação do universo Palikur. Não há como pensar exclusivamente em
"números" na língua Palikur. Na prática, os numerais não existem fora da
concepção de mundo.
O mesmo pode ser dito em relação às idéias e os conceitos matemáticos,
como ordem numérica, adição, subtração, multiplicação, totalidade e ordenação
em conjuntos. O sentido exato do termo numérico ou do conceito matemático vai
depender do contexto em que está sendo usado. A medida de comprimento
"braço" (pahat iwanti; um-cilíndrico braço), por exemplo, pode indicar três
comprimentos diferentes: 220, 170 ou 40 centímetros. O contexto determina a
medida exata.
4
Conforme o trabalho de Diana Green, "O Sistema Numérico da Língua Palikur", 1992, pg. 272. A
língua Palikur pertence ao grupo lingüístico Arawak. É falada por cerca de 750 Palikur no Amapá e
aproximadamente 400 Palikur na Guiana Francesa.
5
Na língua Palikur, Nu-was-ra a-yabwi paxnika madikwa iwanti (meu-roça / comprimento / quatro /
dezenas / braço; "O comprimento da roça é quarenta braços (40 x 220 centímetros = 88 metros).
Conforme o trabalho de Diana Green, já citado, p. 286-287.
Foto de Artionka Capiberibe, Aldeia Kumenê, Área Indígena Uaçá, 1996.
6
Conforme o trabalho de Diana Green, já citado, p. 286-287.
Tabela 1. A estrutura do sistema numérico da língua Palikur (reproduzido de D Green, já citado, p. 265)
Para numerais acima de 100, os Palikur incorporaram os termos numéricos
de um dialeto da área, o crioulo francês. Podem, no entanto, combinar as duas
línguas, principalmente para numerais elevados, como na contagem de dinheiro.
Veja como se formula "trezentos":
mpama-put sah
mpama -put sah
7
Diana Green, já citado, p. 299-300.
A matemática na classificação dos seres vivos
Duas moças Palikur descascam mandioca na Aldeia Kumenê, Área Indígena do Uaçá. Foto de
Artionka Capiberibe, 1996.
8
Conforme Diana Green, p. 271.
1. huwipatip 2. huwipti-min
redondo / quadrado redondo e longo (cilíndrico)
Ex: pedra, caixa Ex: flecha, espingarda
classificador: -u classificador: -t
3. sababoye 4. sababo-min
plano plano e fundo (côncavo)
Ex: esteira, rede, remo Ex: barco, canoa
classificador: -k /-bu classificador: -mku
5. taranad 6. imuad /imihad /huwigakup
extenso alto / fundo / largo; com perímetro
Ex: caminho, rio extenso e incluindo extremidades
classificador: -tra Ex: roça, raiz
classificador: -iku
7. huwibakup 8. kataunabet
oval / retangular / irregular com ramos, foliforme
Ex: casa, ovo Ex: árvore, colar de dentes
classificador: -a classificador: -kti
Vejamos, em detalhes, como estes formatos geométricos são
representados nos termos numéricos Palikur. A geometria é, justamente, o
estudo das formas.10
10
Antigamente, as questões geométricas estavam ligadas aos problemas da Terra, como indica o próprio
nome: GEO (Terra) + METRIA (medida). Hoje, a geometria está por toda a parte, isto é, vai além de questões
sobre medidas da Terra.
Redes penduradas pará a Festa da Virgem Maria, na Aldeia Kamarumã, Área Indígena do Uaçá.
Foto: Artionka Capiberibe, agosto de 1996.
3. sababoye (sababo plano; ye em estado durável). É usado pará objetos planos
como esteiras, redes, tábuas, remos, livros, tecidos, abanos e peneiras. O
têrmo para o numerai 1 é paha-k, para o 2 é pi-ka-na e para todos os
numerais acima de 2 o classificador numérico é -bu. Assim, o numerai 3 é
mpana-bu, o 4 é paxnika-bu, etc. Vejamos:
4. sababo-min (sababo plano; min profundo). É usado para descrever objetos
côncavos, como canoas, barcos, navios, cuias, bacias, tigelas, etc. A classe
sababo-min foi ampliada para incluir objetos planos e metálicos não-côncavos,
como facas, terçados, serrotes, lâminas, tesouras, etc. O classificador para
todos os termos numéricos referentes a objetos deste formato é -mku.
"Minhas plantas [são] duas unidades (extensas) por conjuntos de quatro (com
ramos)"
Idéias Abstratas
11
Adaptado de D. Green, já citado, p. 279.
idéias que não têm gênero (sexo), ou seja, são idéias "neutras". Não dizem
respeito a seres ou objetos concretos, que podem ser tocados ou vistos. Por estas
razões, são consideradas como "abstrações".
É importante ressaltar as idéias "abstratas" Palikur. É comum ouvir dizer
que povos "primitivos" não têm capacidade de abstração, ou seja, de raciocinar
abstratamente. O pensamento desses povos, nessa maneira de ver as coisas, é
"concreto", ou seja, voltado exclusivamente para as necessidades econômicas e
orgânicas (do corpo humano). Isto excluiria, do universo Palikur, idéias e
interesses teóricos e intelectuais. E mais: a matemática escolar teria a capacidade
de "estimular" ou "desenvolver" o raciocínio abstrato desses povos.
Este tema já foi amplamente debatido pela Antropologia e outras ciências
humanas. Ficou provado que todos os povos têm capacidade de abstração e,
antes de uma planta ou animal ser simplesmente útil ou necessário para a
sobrevivência de qualquer sociedade, os povos têm a capacidade de conhecê-lo
com amplitude.13 E este conhecimento é atividade intelectual, construído a partir
de visões de mundo, que são próprias a cada povo.
Os Palikur quantificam idéias abstratas, associando a todos os numerais o
classificador -f para unidades abstratas, e -/' aos numerais 1 e 2 para conjuntos
abstratos:
12
Notem que, entre os Palikur, "riqueza" é uma abstração, porque está classificada juntamente com
"doença", "mentira" ou "perigo". Esta classificação mostra, entre outras coisas, que a concepção
que o povo tem de "riqueza" é essencialmente diferente da concepção ocidental, que geralmente
associa riqueza ao acúmulo de bens "concretos".
13
O famoso antropólogo francês Claude Lévi-Strauss dedicou-se a este tema em "A Ciência do
Concreto" (ver nas Referências bibliográficas: Lévi-Strauss, Claude 1970).
p-i-na muwok-we-kri p-i-na mtipka
"2-conjunto abstrato chuva-vasto-época" "2-conjunto abstrato noite"
Paha-i-e in madik-e
"De repente acabou"
Paha-i-e in madik-e
"1-conjunto abstrato-ação completa neutro acabar-ação completa"
Conjuntos
14
Conforme o trabalho de Diana Green, p. 282.
paha-bru kuhipra pi-bohr-a arehwa-keputne
"1-conjunto pássaro" "2-conjunto jogador futebol"
Frações
Existem outros termos para frações na língua Palikur, tais como: abusku
("porção"), abuskuh-wa ("uma metade"), kaba abushkuh-wa ("quase uma metade"
ou "um terço"), abusku a-tusi ("uma porção igual a um canto").
As operações de adição, subtração e multiplicação
adição (-wa)
subtração (-e)
multiplicação (-put)
Vejamos ainda:
Recentes estudos sobre a matemática Palikur refutam, mais uma vez, "a
idéia de mentes 'primitivas' que não podem pensar de forma abstrata ou analítica",
e que a matemática de povos indígenas é "inferior" ou "simples". Além disso, os
estudos revelam que o sistema numérico Palikúr é "uma referência fora de nossa
própria cultura através da qual podemos medir nossos próprios conceitos
matemáticos".15 "Nossos", aqui, significa a matemática ocidental, aquela ensinada
na grande maioria das escolas brasileiras. A matemática ocidental é sempre a
15
Conforme o trabalho de Diana Green, já citado, p. 263.
referência a partir da qual as outras matemáticas são avaliadas. Isto, infelizmente,
produz conseqüências.
Ainda prevalece, no senso comum, a idéia de que povos indígenas "não
têm" matemática, ou possuem uma matemática inferior. Explica-se que os povos
contam "apenas até dois ou três", e não possuem registro gráfico dos numerais.
Em geral, os sistemas numéricos de diferentes povos são avaliados a partir do
sistema numérico ocidental, que é decimal. É uma perspectiva etnocêntrica, isto é,
que faz com que idéias e conceitos matemáticos de outros sistemas sejam
julgados a partir do modelo ocidental. Este modelo privilegia o significado dos
números, ou seja, as funções e utilidades. Cálculos são, é claro, essenciais. Desta
perspectiva, os sistemas matemáticos indígenas são considerados "simples",
"inferiores", "pouco elaborados", "primitivos", etc. Os Yanomami, por exemplo,
foram considerados o povo "mais primitivo" do planeta, em reportagem publicada
no jornal O Estado de São Paulo, porque, entre outras razões, "não sabem
contar". A elaborada visão de mundo Yanomami, expressa na complexa
concepção de espaço do povo, não foi levada em consideração.16
16
O Estado de São Paulo , Clipping do Estadão, ano 2, n° 17, agosto de 1993.
17
Conforme mostra o trabalho de Ubiratan D'Ambrosio, Etnomatemática (São Paulo, Editora Ática,
1990).
18
Na Vida Dez, na Escola Zero , de Terezinha Carraher, D. Carraher e A. Schliemann
(São Paulo: Cortez Editora, 1991).
O pouco que se conhece a respeito da matemática Palikur é suficiente para
refutar idéias preconceituosas sobre os conhecimentos matemáticos de povos
indígenas. O estudo da matemática Palikur revela não apenas como o povo conta,
mas um sistema complexo, inteligente, capaz de permitir a extensão do
pensamento geométrico e o entendimento de vários conceitos matemáticos.19
19
Além dos conceitos explorados aqui, Diana Green analisa em profundidade as flexões dos termos
numéricos Palikur (ordem numérica, adição, subtração, totalidade, limitação numérica,
multiplicação, ação simultânea e seqüencial em conjunto (ação simultânea e ação seqüencial), as
funções sintáticas dos termos numéricos Palikur (função adjetiva, função adverbial, função
pronominal, função verbal, função substantiva) e a ordem relativa dos afixos dos termos numéricos
Palikur.
Atividades
• Meu pai saiu para caçar com 8 flechas. Ele perdeu 2 flechas. Com quantas
flechas voltou para a aldeia?
No caso das flechas, somavam 8+2 ou 8+8 ou, ainda, subtraíam 2-8
ou mesmo 8-2, o que seria a "resposta correta". Em relação às pilhas, as
respostas variavam de 12+12, o "correto", a 12-12, 12+2 (duas caixas de
pilha) ou mesmo 12-2. Esta "incapacidade" dos Xavante de resolver
problemas mereceu a seguinte crítica: "índio não aprende matemática. Não
adianta". Este fracasso era a "verdadeira" prova, para os educadores da
Funai, de que os Xavante não eram inteligentes.
1
Os Xavante deste capítulo são aqueles que, em 1978-79, habitavam as 3 aldeias -
Ubãwãwé, Rituwãwé e Ritubre - da Área Indígena Kuluene, no estado do Mato Grosso. A
população da área era de 1500 indivíduos, aproximadamente. Em 1979-80 este território
ampliou-se com a inclusão da Reserva Indígena Couto Magalhães e de terras Xavante até
então não demarcadas, passando a chamar-se Reserva Indígena Parabubure. Em
Parabubure vivem hoje cerca de 2800 Xavante (ISA, Povos Indígenas no Brasil 1991/1995,
página 669), distribuídos em mais de 30 aldeias. Os demais grupos Xavante vivem em outras
9 áreas ou reservas indígenas no Estado, totalizando aproximadamente 6.500 índios.
A corrida do buriti na Aldeinha. Desenho de André Tsererãpré Xavante.
2
A tentativa de atração e conversão dos Xavante por missionários salesianos data do início
da década de 1930. Para informações detalhadas sobre a história Xavante, consulte o artigo
de Aracy Lopes da Silva, "Dois séculos e meio de história Xavante" (ver na bibliografia).
Para dar nome aos numerais 7, 8 e 9, os salesianos seguiram a lógica
do sistema dual da numeração Xavante. A partir do número 10, o significado
semântico ("sozinho", "união das metades", "sem companheiro", etc.) foi
substituído pela descrição do sinal gráfico. O zero, por exemplo, foi chamado
de "bolinha", descrevendo o símbolo 0. De acordo com a lógica Xavante, o
siqnificado do zero seria algo como babadi, isto é, "vazio". Mas os salesianos
seguiram outra lógica, chamando o numerai 10 de mitsi tomai'ã (mitsi um,
tomai'ã bolinha), e não de algo equivalente a "cinco casais" ou "pares".
Confira na tabela abaixo o sistema numérico na língua Xavante inventado
pelos salesianos:
1000 mitsi tomai'ã dzahu dure (1, bolinha, 2 vezes, dure mais 1), etc.
Respostas:
• 9 + 9=18
• 9 + 11 = 101 ("montagem" da conta errada)
• 11 + 2 (as duas casas) = 13
• 11-9 = 2
• 9+11=20
E sucessivamente:
Tsda´ro, Ai'rere, Hötörã...3
3
As classes em negrito formam uma metade; as demais, outra. Pará saber mais sobre a
organização social Xavante, consulte o livro Nomes e Amigos: da prática Xavante a uma
reflexão sobre os Jê. de Aracy Lopes da Silva (São Paulo, FFLCH-USP, 1986).
meses e anos), remetem a um acontecimento, na tentativa de localizá-lo no
tempo. Quando os rapazes da classe de idade Tsda'ro furaram a orelha (um
rito importante da iniciação masculina), por exemplo, ou então quando
rememoram a ocasião em que os Tirowa mataram uma onça preta. A classe
de idade funciona, neste sentido, enquanto unidade de medida do tempo. Em
suma, pode-se dizer que o tempo Xavante é calculado em conjuntos ou
classes.
Na escola, os problemas matemáticos inventados pelos alunos
traziam, boa parte das vezes, outras unidades temporais, em vez de datas
numericamente grafadas (como 09/04/1998). Remetiam às classes de idade
ou, ainda, às categorias de idade - as fases do ciclo de vida Xavante. Estas
categorias poderiam ser comparadas ao que chamamos de infância,
adolescência, vida adulta e velhice. Todo Xavante passa, necessariamente,
por cada uma dessas fases no decorrer de sua vida. Cada categoria serve,
portanto, como medida de passagem do tempo.
Para trabalhar os problemas numericamente, ou seja, para saber
quantos anos passaram desde determinado acontecimento, era necessário
traduzir estas unidades temporais em unidades grafadas numericamente.
Isto, implicava não só o uso de algarismos arábicos mas, ainda, outra
maneira de classificar o tempo, a partir do calendário ocidental, cristão.
4
Conforme o relato de professores indígenas do estado do Amazonas, durante o Encontro de
Coordenadores de Projetos de Educação Indígena organizado pelo MEC em Brasília, em
outubro de 1997.
apropriado para ensinar. Era o método de ensino a que estavam
acostumados, largamente utilizado nas escolas dos missionários salesianos.
Os professores Xavante argumentavam, ainda, que o modelo
Salesiano de ensino - baseado na repetição, "decoreba" (memorização) e
testes de inteligência - era de mais fácil aplicação. Permitia, além disto, a
avaliação mais objetiva dos alunos. No final do mês ou do bimestre, bastava
aplicar uma prova. Quem obtivesse nota igual ou maior a 5 estaria aprovado.
Em caso de reprovação, a solução era a repetência.
Argumentar contra esse modelo, consolidado ao longo de décadas em
escolas missionárias, não é tarefa fácil. Hoje argumenta-se que a postura
avaliativa do professor deve ser constante: ele deve analisar a dinâmica do
grupo e o desempenho de cada aluno. Não se avalia apenas o que os
estudantes sabem ou não, mas a própria proposta pedagógica e a atuação
do professor. Além disso, o processo de avaliação continuada dá importância
aos saberes que promovam a autonomia das comunidades indígenas, na
busca e na construção do conhecimento.
A resistência inicial dos Xavante a uma proposta pedagógica
inovadora, de autoria dos próprios índios, foi se diluindo. Os professores e
lideranças Xavante perceberam que, na vida diária, o treino escolar era
pouco eficiente. Em outras palavras: notaram que os conhecimentos
adquiridos na escola não eram automaticamente transferidos para os
"problemas" da vida cotidiana. Ficou claro que "fazer contas" e resolver
problemas matemáticos criados em sala de aula, por mais difíceis que
fossem, não era suficiente para interpretar mapas, fazer a contabilidade do
posto indígena, analisar projetos governamentais, comercializar produtos
agrícolas, etc.
Ficou claro, também, que o conhecimento matemático de adultos
Xavante que nunca haviam freqüentado escolas missionárias era mais útil na
vida diária que o treino escolar. Estes adultos efetuavam cálculos
matemáticos, exatamente como aqueles feitos por crianças na contagem da
população Xavante junto aos técnicos da Sucam. Aqueles indivíduos mais
ligados às atividades de administração do posto indígena e os motoristas,
tratoristas e enfermeiros, apresentavam maior domínio de problemas que
envolviam o pensamento matemático, pois o próprio trabalho propiciava
situações concretas para trabalhar com cálculos.
• Meu pai vai caçar paca. Ele tem uma caixa de cartuchos. Quantas pacas
vai matar?
Nancy Redzatse, de 9 anos, formulou o seguinte:
• Na roça do meu pai tem muito milho. Minha mãe vai fazer bolo de milho.
Quantos bolos ela vai fazer?
Nestes 2 problemas fica claro que não existe relação estreita entre a
quantidade de espigas de milho ou cartuchos de espingarda e a quantidade
de bolos ou de pacas caçadas, respectivamente. As soluções para esses
problemas envolvem outras relações, que não estão incluídas nos
enunciados matemáticos.
No caso dos cartuchos, Leandro respondeu:
Com a caça cada vez mais rara, é comum o Xavante ir para a mata com
muitos cartuchos, para garantir o maior número de animais possível, ou seja,
"quantos conseguir matar". Mais importante do que o número exato de pacas
a ser mortas, é o fato de se conseguir garantir alimento em quantidade.
Quanto às espigas de milho, Nancy afirmou:
• Ela vai fazer 3 bolos bem grandes, pará todo o mundo comer.
5
Mais detalhes sobre a o ensino da matemática entre os Xavante podem ser encontrados no
livro Com quantos paus se faz uma canoa! A matemática na vida cotidiana e na experiência
escolar indígena, de Mariana K. Leal Ferreira (Brasília: Ministério da Educação e do Desporto,
1994).
Capítulo IV
' Aturi Kaiabi, "Quando os Kaiabi não conheciam os caraíbas", em Histórias do Xingu, pg. 59.
2
De acordo com depoimento de Canísio Kaiabi, "A situação dos Kaiabi no Xingu hoje", em Histórias
do Xingu, pg. 132.
3
lawyt Kaiabi, "O sofrimento dos Kaiabi", em Histórias do Xingu, pg. 64. 3 Pelo menos quatro
grandes surtos de sarampo atingiram os Kaiabi na região do rio Teles Pires, segundo o relato
destes índios, por volta de 1927, 1932, 1943 e 1965. Ver as histórias Kaiabi em Histórias do Xingu,
pgs. 43-142.
aos índios (SPI), que começavam a se instalar na região, a partir de 1920. Os
Kaiabi punham fogo nos pertences dos brancos.
Movimentos migratórios de grupos Kaiabi em direção ao Brasil-Central, nas
décadas de 1920 e 1930, visaram manter distância das frentes pioneiras, que
entravam no território indígena procurando riquezas minerais e vegetais. As
primeiras tentativas de "pacificação, por volta de 1922, foram rechaçadas. Os
Kaiabi destruíram o Posto Indígena Pedro Dantas, instalado no rio Verde. A partir
de meados da década de 1920, porém, algumas famílias Kaiabi começaram a se
aproximar de postos do SPI, onde ainda, em alguns casos, permanecem.
5
Permanecem hoje no rio dos Peixes, na Reserva Indjgena Apiaká -Kaiabi, 171 Kaiabi juntamente
com índios Munduruku e Apiaká . Algumas famílias encontram-se na área Indígena Umutina
(população: 191), a oeste de Cuiabá , entre índios Iranxe, Nambiquara, Pareci, Terena e Umutina.
Os Kaiabi que permaneceram no Pará estão localizados em duas áreas indígenas contíguas - A.I.
Cayabi e A.l. Cayabi Gleba Sul, com índios Munduruku (ver, na bibliografia, CEDI/PETI 1990).
6
Fonte de informação: "A Educação no contexto das teorias do contato: perspectivas
antropológicas e indígenas", pgs. 40-55 (ver bibliografia, Mariana K. Leal Ferreira 1992); e Povos
Indígenas no Brasil 1991/1995, pg. 599 (ver bibliografia, ISA 1996).
7
Um cronograma detalhado destes conflitos pode ser encontrado em "'A Guerra no Xingu':
Cronologia", de Mariana K. L. Ferreira e Vanessa R. Lea, 1985, pgs. 246-258 (ver bibliografia).
Como a gente está aqui no Xingu, a gente quase não tem invasão de terra.
Pelo jeito que a gente está vendo, não tem mais invasor. Mesmo assim, tem
gente aí meio pesquisando a gente, principalmente os garimpeiros e os
madeireiros. De onde os Kaiabi vieram, do rio Teles Pires, eu estou indo lá
visitar, todo ano: cada vez mais, os garimpeiros estão invadindo, os
madeireiros estão acabando com os paus, com a floresta.8
8
Canísio Kaiabi,"A Situação dos Kaiabi no Xingu hoje", em Histórias do Xingu, pg. 131.Ver também duas
versões da "História dos Kaiabi", de Canísio Kaiabi, no mesmo volume, (pgs. 72-77 e 78-83).
Xingu. As famílias foram reunidas em aldeias maiores. Maku Kaiabi enumera os
argumentos usados para convencer os índios a fundar a aldeia Tuiararé:
Explicamos que nós temos que ficar juntos, porque os brancos não dão
mais presentes. Então precisamos estar reunidos para produzir
bastante coisa, para vender e comprar o que precisamos: sal, sabão,
botina, munição, fósforo e outras coisas.
Se nós fizéssemos roças comunitárias grandes, o governo daria
ferramentas para a gente trabalhar. Sem reunir os Kaiabi seria
impossível fazer roças grandes. Resolvemos trabalhar unidos, para o
trabalho nunca falhar.9
9
Maku Kaiabi, ""A Formação da Aldeia Tuiararé", em Histórias do Xingu, pg. 126.
A Aldeia Tuiararé. Desenho: Aturi Kaiabi.
Será que não vai sobrar nada para nós? Será que não vai mais ter
água limpa? Será que não vai mais ter caça, mais macaco, mutum e
peixe? Pelo que eu estou vendo, vai estar cheio de madeireiras por
aqui. Perto, na "Serra da Macelândia", já são 150 serrarias. Lá no rio
Arraia, mais 150. Eu estou preocupado.
10
Canísio Kaiabi,"A Situação dos Kaiabi no Xingu hoje", em Histórias do Xingu, pg. 131-132.
" "Ocupação desordenada ameaça o Parque Indígena do Xingu", Equipe de Redação do ISA, a partir do
relatório citado acima, em Povos Indígenas no Brasil 1991/1995 , p. 614.
12
Depoimento de Maku Kaiabi à autora, na Aldeia Tuiararé, Parque Indígena do Xingu, em fevereiro de
1990.
Limpando ouro na bateia com mercúrio: poluição. Desenho: Vareraí Kaiabi.
13
As 5 fases são: identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação física e homologação (demarcação
administrativa).
Neste capítulo, destacamos a sua importância, desde o primeiro contato com
seringueiros, no século XIX. Vimos que, durante as primeiras negociações com
não-índios, os Kaiabi lutaram pelo território enquanto seringueiros e fazendeiros
achavam desperdício "tanta terra para pouco índio".
O decisão de aceitar a proposta de transferência para o Parque Indígena
do Xingu também exigiu elaboradas avaliações matemáticas. O valor dos
presentes oferecidos pelos irmãos Villas-Bôas, na tentativa de convencer os
Kaiabi a deixar o próprio território, também entrou em consideração. Uma vez no
Xingu, os líderes Kaiabi precisaram mapear o espaço para, estrategicamente,
construir as novas aldeias. A localização delas vem mudando ao longo dos anos.
O mapa a seguir mostra a situação em 1996.
Brigar pela demarcação do parque e vigiar as fronteiras do território exigem
a compreensão de muitas idéias matemáticas. A leitura e traçado de mapas é
essencial. Trabalhar com medidas de superfície, escalas e cálculos de áreas e
perímetro, também.
Uma forte preocupação Kaiabi desde o final dos anos 80 é a elaboração de
projetos comunitários que proporcionem a autonomia econômica do povo. O
conhecimento da matemática tem se mostrado fundamental para a elaboração de
propostas. São projetos de proteção das cabeceiras dos rios, de vigilância de
fronteiras, de apoio às escolas indígenas e de promoção da saúde. Todos pedem
noções de diferentes campos da matemática (como veremos na segunda parte do
livro).
O estudo da matemática nas escolas Kaiabi parte de situações da vida
cotidiana. Vejamos como um projeto comunitário pode fornecer valiosas
informações para o estudo da matemática em sala de aula. Reproduzimos
adiante, na íntegra, o texto do projeto, elaborado em 1997 pelos professores Aturi
Kaiabi, da Aldeia Tuiararé, e Awatat Kaiabi, da Aldeia Capivara.
PROJETO PE APOIO ÀS ESCOLAS INDÍGENAS TUIARARÉ E CAPIVARA
DO PARQUE INDÍGENA DO XINGU
UMA INICIATIVA COMUNITÁRIA
1. Apresentação
3 Materiais Necessários
Necessitamos de combustível para transportar de uma aldeia pará outra as
pessoas que trabalharão no mutirão e os materiais, ferramentas, materiais de
pesca e caça e de gêneros alimentícios.
4. Orçamento
4.1. Combustível:
Além destes cálculos mais complexos, problemas mais simples podem ser
formulados. Alguns exemplos:
4. Se cada carretei de linha de pesca tem 100 metros, quantos metros de linha
estão sendo solicitados?
5. Entre os materiais de caça e pesca, qual é o item mais barato? E o mais caro?
6. Dos 4 tipos de materiais orçados, qual é o tipo mais caro (combustível, caça e
pesca, ferramentas e alimentação)?
14
Êste problema de Paiê Kaiabi foi discutido originalmente em Com quantos paus se faz uma canoa! A
matemática na vida cotidiana e na experiência escolar indígena, de Mariana K. Leal Ferreira (MEC 1994).
Serviu como subsídio para o documento Referencial Curricular Nacional pará as Escolas Indígenas (MEC
1998).
• estratégias de vigilância das fronteiras do parque, incluindo a análise de imagens de
satélite; a criação e administração de postos de vigilância; planejamento de viagens
às áreas mais vulneráveis do entorno, entre outras;
• discussão de processos que correm na Justiça, cujas ações foram movidas pelos
povos xinguanos para garantir a incorporação de terras de ocupação imemorial; e
de processos movidos por não-índios contra os povos xinguanos, contestando a
posse de terras indígenas, inclusive dentro do próprio Parque do Xingu;
3. Dos 206 povos indígenas, 71 (34%) têm população de até 200 indivíduos.
503 hectares.
Atividades
território?
mora? E do professor?
de não-indígenas?
decimal, da maneira como este sistema tem sido trabalhado no Brasil. Povos
respeito ao significado dos números: como são usados, para que servem e de
dos algarismos - regras da numeração decimal. Isto fica claro quando analisamos
1
Ver o Capítulo II Deste volume.
111
Tabela 1. A SITUAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS NO BRASIL2
Em identificação/revisão 35 11.168.031
2
Fonte: Povos Indígenas no Brasil 1991/1995. pg. 69, ISA, em 10/03/96.
Atividades
Consulte a tabela anterior e escreva por extenso (por exemplo, 416.100 por
extenso é quatrocentos e dezesseis mil e cem):
quantidades. O povo Ikpeng (ou Txicão), que hoje vive na região do Médio Xingu,
origem do sistema decimal está relacionada à contagem dos 10 dedos das mãos.
mesma associação :
outra mão").5
3
Conforme a proposta curricular para a "Área de Matemática", do documento Referencial Curricular
Nacional para as Escolas Indígenas (MEC 1998).
4
Ver o Capítulo 2 deste volume.
5
Conforme a proposta curricular para a "Área de Matemática", do documento Referencial Curricular
Nacional para as Escolas Indígenas (MEC 1998).
Atividade
criados do dia para a noite. Estes algarismos foram inventados por matemáticos
hindus, no Vale do Rio Indo que, atualmente, faz parte do Paquistão, um país
6
Adaptado do livro The Crest of the Peacock. Non-European Roots of Mathematics , de George
Joseph(Londres: Penguin Books, 1990, p. 314).
Mapa do Vale do Rio Indo7
representar os números foi o egípcio, que vivia no vale do Rio Nilo, no nordeste
da África. Vejam os símbolos criados pelos egípcios por volta do ano 3.000 AC,
7
Reproduzido do livro Matemática Atual. 5a. Série, de Antônio José Lopes Bigode, pg. 8 (Atual Editora,
1994V
Símbolos criados pelos egípcios por volta do ano 3.000 A.C.
assim:
Reparem que o valor dos números é a soma dos valores dos símbolos. O
base 20, isto é, agrupando de 20 em 20. Por volta do ano 500 A.C., os Maias já
8
Fonte de informações: "Representação dos Números", em Matemática Atrual. 5a. Série, de Antônio José
Lopes Bigode, pgs. 13 e 14 (Atual Editora, 1994).
O sistema de numeração romano, também criado na antigüidade, é usado
(século XX, por exemplo) e os capítulos de livros (como este Capítulo V, por
algarismos romanos pelos indo-arábicos, porque era mais fácil fazer cálculos com
os indo-arábicos.
1500 1998
MD MCMXCVIII
1000 + 500 1000 + 1000 -100 + 1 0 0 - 1 0 + 5 + 1 + 1 + 1
679 2001
DCLXXIX MMI
500 + 1 0 0 + 50 + 1 0 + 1 0 + 1 0 - 1 1000 + 1000 + 1
Atividades
CX CCC DC DCL
M MC MCM MMD
O sistema de numeração decimal e os algarismos indo-arábícos.
9
O precedente é aquele que vem antes: a unidade vem antes da dezena; portanto, a dezena vale
dez vezes a unidade. E assim por diante.
Reparem, nos números abaixo, como o valor do 5 depende da posição
ocupada:
5 50 500 5 000
unidades unidades unidades unidades
~ invenção do 0;
O ábaco
Atividades
compreender o sistema decimal. Cada jogador desenha numa folha de papel uma
centenas, etc. O jogador lança o dado uma vez (ou mais vezes, a combinar) e
substitui por uma pedrinha no segundo círculo, das dezenas. Depois de várias
rodadas, ganha o jogador que tiver o maior número registrado no ábaco. Ou,
então, ganha aquele que chegar primeiro ao número 100. É possível, ainda, usar
+ adição
- subtração
X multiplicação
— divisão
Nem todos gostam de fazer contas, mas muitos querem aprender. Dominar
as 4 operações não significa apenas saber efetuar contas. A compreensão do
significado dos cálculos permite resolver situações práticas da vida, que são úteis
no dia-a-dia.
Na grande maioria dos livros de matemática, as operações são
apresentadas nesta ordem: adição em primeiro lugar, a divisão em último. Explica-
se que a adição é a forma mais fácil e "natural" de aprender. A conta de dividir,
por sua vez, deve ser a última, por ser a mais difícil, já que exige o conhecimento
anterior da adição e da subtração.
Entre diversos povos indígenas, porém, como os Juruna, Kaiabi e Xavante,
a atividade de dividir é realizada com freqüência nas atividades cotidianas. É isto
que Jaime Llullu Manchineri quis dizer quando afirmou, na abertura do livro, que o
amor também é matemática, porque se faz necessário repartir os bens com os
outros. A divisão de alimentos, por exemplo, é feita de acordo com vários critérios,
como as relações de parentesco.
Repartir carne de caça envolve estimativas e cálculos precisos. Muitas
vezes, não se trata de dividir em partes exatamente iguais, porque casas com
mais moradores ou idosos são privilegiadas, ou então a família do caçador tem
mais direito. Podem entrar em consideração, ainda, dívidas anteriores.
Atividade
Adição e subtração
A adição
10
Ver Capítulo III deste volume.
alunos tem a escola?
17 + 7 = 24
A escola tem 24 alunos.
- A subtração
~ A idéia mais comum associada à subtração é a de tirar.
~ Outras idéias que pedem a subtração são: dar, diminuir, perder, reduzir,
abandonar, descontar, cortar e comparar a diferença.
A população da Aldeia do Rio Branco é de 26 Guarani e a da Aldeia da Ilha do
Cardoso é de 21 Guarani. Ambas estão localizadas no litoral sul do Estado de
São Paulo. Quantos Guarani há a mais na Aldeia do Rio Branco?
~ Uma última situação que pede uma subtração é ligada à idéia de completar
ou quantos faltam para...
Agua- 32 28 ?
peupe
X A multiplicação
Alunos da Escola do
Bananal, município de
Peruíbe, S.P. Foto:
Mariana K. L. Ferreira,
1998
Atividades
A divisão
Esta é uma conta sem restos, ou seja, é exata porque não sobraram lápis. Se ao
invés de 50 lápis eu tenho 55, então 50 * 25 = 2 e sobram 5 lápis, que não
podem ser divididos entre os 25 alunos. A conta, no caso, não é exata.
Observem:
~ Outras idéias que pedem divisão são as seguintes: partir, fracionar, separar,
formar grupos e repartir.
A divisão também deve ser vista como uma operação inversa da multiplicação.
Isto quer dizer que se 5 x 7 = 35, então 35 * 7 = 5.
Outros exemplos de situações-problema em que podemos usar a divisão:
Comprei 50 quilos de arroz. O arroz veio embalado em 10 sacos. Quanto
pesa cada saco?
50 : 10 = 5 Cada saco pesa 5 quilos.
Um quilo de prego custa 2,00 reais. Quantos quilos de prego posso comprar
com 20,00 reais?
2 0 , 0 0 : 2 , 0 0 = 10
Posso comprar 10 quilos.
Atividades
~ Entre as divisões seguintes, quais são exatas? Faça as contas no
caderno.
a) 75 :5 b)85:10 c) 240 : 2 d)240: 4
e)100 :20 f)1233 :3 g) 1234 :4 h) 1234 : 5
A matemática na farmácia
Catarina
Guarani
pesquisa a
saúde de
povos
indígenas.
Aldeia
Itaóca,
1988.
Foto:
Mariana K.
Leal
Ferreira
COMO CALCULAR A SOLUÇÃO REIDRATANTE ORAL
Se a diarréia continuar, use o método 1 ou o método 2 para prevenir que a desidratação volte
Note que há uma relação entre o peso da criança (ou do adulto) e a
quantidade da solução reidratante oral. Para cada quilo, a tabela estipula que
se ofereça entre 65 e 100 ml da solução. As medidas são aproximadas. Quem
pesa 3 quilos toma cerca de 200 ml, e quem tem 4 quilos toma 400. Quem
pesa entre 3 e 4 quilos deve beber entre 200 e 400 ml, ou seja, cerca de 300
ml.
Quem tem 15 quilos recebe 1200 ml e quem pesa 20, 1500 ml. Uma
criança pesando 17 ou 18 quilos vai tomar, portanto, entre 1200 e 1500 ml.
Quem pesa 30 quilos precisa beber 2500 ml, e quem pesa 40 quilos 3500.
Neste caso, o médico que elaborou a tabela calculou 100 ml para cada quilo
de peso. Temos, portanto, a seguinte relação:
30 quilos: 2500 ml 36 quilos: 3100 ml
31 quilos: 2600 ml 37 quilos: 3200 ml
32 quilos: 2700 ml 38 quilos: 3300 ml
33 quilos: 2800 ml 39 quilos: 3400 ml
34 quilos: 2900 ml 40 quilos: 3500 ml
35 quilos: 3000 ml
O mesmo acontece com uma pessoa que tem entre 40 e 50 quilos. É fácil
calcular, assim, quantos ml um adulto com 60 quilos deve tomar. Para 50
quilos são 4500 ml. Se forem mais 10 quilos, são mais 1000 ml. É fácil:
10 x 100 ml = 1000 ml . Quem pesa 60 quilos, portanto, vai tomar 5500 ml:
4500 + 1000 = 5500.
O soro de reidratação oral permite trabalhar com medidas aproximadas,
como 1 copo alto, que tem 200 ml. Para calcular a quantidade de soro em
copos, divida os ml por 200. Por exemplo:
4500 ml -=- 200 = 22,5 (22 copos e meio). Esta quantidade é para um adulto
com 50 quilos, durante as primeiras 4 ou 6 horas de desidratação.
Sabendo que 1 litro tem 1000 ml, podemos fazer o cálculo também em litros:
4500 :1000 = 4,5 litros (4 litros e meio).
Atividades
~ E um adulto de 60 quilos?
Tabelas de horários
Repare que o paciente vai tomar o remédio sempre no mesmo horário. Fica fácil
para ele e o agente de saúde.
Atividades
~ Qual é a melhor hora (ou horas) para o paciente que vai ser medicado
de 8 em 8 horas tomar o primeiro comprimido?
1
Reproduzido de Geografia Indígena, de autoria dos professores indígenas do Acre, pg. 59
(Comissão Pró-índio do Acre, Rio Branco, 1992).
O mapa de Antônio Shawanawá mostra, entre outras coisas, a Amazônia, o
Brasil e outros países, como o Peru e a Espanha. Antônio situa estas terras no
"mundo inteiro", juntamente com os planetas, o sol, a lua e as estrelas.
A leitura e o traçado de mapas são atividades ligadas ao estudo do espaço
e das formas. Este campo da matemática, tratado neste capítulo, inclui idéias e
intuições sobre a forma e o tamanho de figuras e objetos, bem como a posição ou
a localização que ocupam no espaço. Diz respeito, também, às noções de direção
e de orientação espacial. O estudo do espaço e das formas é muito útil para
descrever ou representar o mundo que nos cerca.
Veja, na página seguinte, outro mapa de Antônio Eutxishane Shawanawá.
Antônio quer mostrar as águas, isto é, os rios e os igarapés da terra indígena onde
mora. O mapa de Antônio inclui "legenda" e "escala".
A legenda indica os sinais usados para representar, no mapa, os rios
principais, igarapés, igarapezinhos, lagos, cabeceiras dos rios, etc.
Atividades
~ os rios principais
~ os igarapés
~ os igarapezinhos
~ os igapós e
~ os lagos
Legenda
2
Livro de Mapas - Território Waiãpi. Centro de Trabalho Indigenista, São Paulo, 1992, pg. 5.
Veja alguns sinais usados em mapas do Instituto Socioambiental, em
publicações sôbre povos indígenas no Brasil:
Direção
A maioria dos mapas desenhados por cartógrafos indica o norte pará cima,
o sul para baixo, o leste para o lado direito do mapa e o oeste, para o lado
esquerdo. A rosa dos ventos indica esta orientação. Veja na página seguinte o
mapa de Matari Kaiabi feito para o livro Geografia Indígena:3
3
Reproduzido de Geografia Indígena, de autoria dos professores indígenas do Parque Indígena do
Xingu, pg. 4 (Instituto Socioambiental, São Paulo, 1996).
O lugar onde o sol nasce é chamado de leste. *
Atividades
~ É possível criar uma legenda para o desenho que você fez? Por exemplo,
invente um símbolo para as casas, outros para as roças, os caminhos,
ruas ou estradas, etc.
- o norte
- o sul
Exemplos de ESCALA
Escala gráfica:
4 X 6 = 24 km
A distância entre a Aldeia Paraíso e a Aldeia Pedra Preta, no mapa, é de 6
=
centímetros. Portanto, 6 X 6 36 k m .
Notem que estas distâncias são medidas em linha reta, como a trajetória
de um avião. A pé ou de carro, a distância deve ser maior, por causa das curvas
dos caminhos.
60 metros : 6 = 10 metros
Portanto, 1 centímetro do mapa de Tarinu vale 10 metros do tamanho
1710 : 9 = 190
Atividades
Perímetro e Área
Para entender como são calculadas estas medidas, vamos estudar a planta
da Escola da Aldeinha, localizada na Área Indígena Parabubure e apresentada na
página seguinte. A planta é um tipo de mapa. É feita em escala pequena para
mostrar os detalhes da construção de uma casa, escola ou prédio. Vamos
calcular os perímetros e áreas das salas de aula e da casa da professora.
Esta escola foi construída pelos Xavante em 1978. É feita de adobes
(tijolos que não são queimados) e coberta de palha de buriti. A construção tem 3
divisões principais: 2 salas de aula e a casa da professora. Esta casa é dividida,
por sua vez, em quarto e cozinha.
Vamos às medidas representadas na planta:
~ o comprimento total da construção é de 12 metros;
~ cada sala de aula mede 4 metros de comprimento por 4 metros de largura
(4 x 4);
~ a casa da professora também mede 4 metros de comprimento por 4 de largura
(4x4);
~ a cozinha da professora mede 4 metros de comprimento por 2 metros de
largura (4 x 2);
~ o quarto da professora também mede 4 metros por 2 metros (4 x 2).
Usando estas medidas podemos calcular o perímetro e a área da escola.
12 + 12 + 4 + 4 = 32
O perímetro da escola é de 32 metros. Observem que 2 lados da escola
medem 12 metros e 2 lados medem 4 metros. Uma figura de 4 lados como esta é
chamada de retângulo.
4 + 4 + 4 + 4 = 16
4 + 4 + 2 + 2 = 12 metros
Área das salas de aula. O mesmo procedimento deve ser seguido para calcular a
área das salas de aula.
4 m x 4 m = 16 m2
dificilmente são iguais. Não é fácil, portanto, calcular áreas e perímetros dessas
A madeira utilizada para fazê-lo é cedro, pois é leve, boa para pregar, não racha e
é resistente. São necessários 4 folhas de tábua, 2 quilos de corrente, 1 cadeado, 3
quilos de piche e 1 quilo de pregos de tamanho médio.
~ centímetro (cm) 1 cm = 10 mm
4
O Projeto TUCUM tem como objetivo a formação de professores indígenas. Possui 4 pólos de atuação:
Paranatinga, Água Boa, Juara e o Polo III, localizado na Aldeia Meruri, no município de General Carneiro, no
Mato Grosso. O Polo III produz o Jornal do Tucum Boe-Bororo. que publicou as indicações para a construção
do bote cuiabano na edição de setembro de 1997, na página 7.
Quando eu dou aula de geografia, eu uso muita matemática. Os alunos gostam de
aprender a desenhar mapas e para isso temos que calcular todas as medidas: a
área, o perímetro, o tamanho das aldeias, a distância das cidades. Hoje nós
a cor que simboliza a nossa luta pela demarcação. (Professor Luiz Xavante, da
Aldeinha)
CEDI/PETI
1990 Terras Indígenas no Brasil São Paulo: CEDI.
D'Ambrosio, Ubiratan,
1990 Etnomatemática São Paulo: Editora Ática.
Ferreira, Mariana K. Leal
1981 "Uma Experiência de Educação para os Xavante" In: Aracy
Joseph, George
1990 The Crest of the Peacock. Non-European Roots of Mathematics
Londres: Penguin Books.
Lea, Vanessa
1997 Laudo Antropológico Kapoto Campinas: IFCH/UNICAMP.
Lévi-Strauss, Claude
1970 "A Ciência do Concreto" O Pensamento Selvagem São Paulo: Cia.
Editora Nacional.
Projeto TUCUM
1997 Jornal do Tucum Boe-Bororo. Cuiabá: Projeto TUCUM - Polo 3.