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AS APARÊNCIAS ENGANAM: DIVERGÊNCIAS ENTRE O MATERIALISMO

HISTÓRICO-DIALÉTICO E AS ABORDAGENS QUALITATIVAS DE PESQUISA -


FICHAMENTO

referência bibliográfica:

MARTINS, Lígia Márcia. As aparências enganam: divergências entre o materialismo histórico


dialético e as abordagens qualitativas de pesquisa. Anais... Reunião Anual da ANPED, 29, p. 1-17,
2006

Lígia Márcia Martins busca no trabalho em questão esmiuçar os contrapontos presentes entre
as posturas qualitativas de pesquisa e o método do materialismo histórico-dialético, proposto
por Marx e de longo debate na tradição marxista.

“o materialismo histórico como possibilidade teórica, isto é, como instrumento lógico de


interpretação da realidade, contém em sua essencialidade a lógica dialética e neste sentido,
aponta um caminho epistemológico para a referida interpretação” (p, 2)

"A preocupação central do estudo pela via da análise qualitativa dos dados observados instala
o confronto entre princípios teóricos e conteúdos apreendidos no transcurso da pesquisa.
Deste confronto, resultam as questões analíticas, isto é, sistema de significações pelos quais
procede-se a decodificação hermenêutica dos fenômenos” (p, 06)

“os modelos qualitativos defendem que a melhor maneira para se captar a realidade é aquela
que possibilita ao pesquisador colocar-se no lugar do outro, apreendendo os fenômenos pela
visão dos pesquisadores” (p, 06)

“a qualidade das percepções do pesquisador é alvo contínuo de atenção, pois a fidedignidade


pela qual vai expressar os pontos de vista dos participantes dependerá substancialmente de
sua acuidade perceptiva” (p, 7)

- a compreensão da dinâmica histórica exige a compreensão da produção e reprodução


material da vida social

propostas convergentes entre as abordagens:

❖ Contraposição em relação aos modelos positivistas de investigação; (concepção positivista de


ciência passou a receber críticas filosóficas, políticas e técnicas a partir dos anos 70; aplicação
de modelos das ciências naturais para as ciências humanas, forma de pensar que estabelece
dicotomias entre fatos e contextos, entendendo a realidade como um conjunto de fatos
naturalmente ligados) - necessidade de uma forma alternativa para determinados problemas
de pesquisa e suas análises.
❖ afirmação da impossibilidade de separação sujeito/objeto do conhecimento;
❖ negação da possibilidade de juízos neutros na construção do conhecimento.
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS BÁSICAS CONSTITUTIVAS DA METODOLOGIA
QUALITATIVA:

1) Ambiente natural como base dos dados investigados, do que resulta o grande valor conferido ao contato
direto e preferencialmente prolongado do pesquisador com o campo de estudo - “a pessoa do pesquisador
é considerada importante instrumento para a observação, seleção, análise e interpretação dos dados
coletados e em face desta tarefa, poderá utilizar recursos tais como filmagens, fotografias, gravações,
documentos históricos, registros escritos etc com o objetivo de ampliar a confiabilidade de suas
percepções” (p, 5)

2) O caráter fundamentalmente descritivo destas investigações. A relação entre os dados e o contexto na qual
ele pertence; verificar como os fenômenos se manifestam, tendo em vista uma compreensão holística,
histórica e processual. Postura atenta do investigador que deve se atentar ao maior número de elementos
constitutivos do fenômeno. - técnicas de observação; realização de entrevistas, análises de conteúdo e
análises históricas - as investigações que se apóiam na análise descritiva qualitativa, frequentemente, têm
como objeto situações complexas ou estritamente particulares, nas quais a exatidão das quantificações
pode ser impossível, relativa ou desconsiderada.

3) a pesquisa de tipo qualitativo é voltada para o processo, ou seja, o objetivo da investigação assenta-se nas
descrições dos problemas estudados tal como manifestos nas atividades, nos procedimentos e nas
interações cotidianas. Busca compreender os mecanismos do fenômeno em âmbito mais imediato. - “passa
a ser requerida uma atitude específica nesta busca compreensiva, qual seja, a submersão do pesquisador no
campo real da existência, campo este que comporta um dinamismo pré-dado e altamente complexo” (p, 6)
- resultando na compreensão dos vários sentidos, valores, presentes no campo na qual se articula o
fenômeno.

4) Confronto vertical entre os pressupostos teóricos e os conteúdos apreendidos, observados no decorrer da


pesquisa, resultando nas questões analíticas a serem desenvolvidas - “o pesquisador deve exercer o papel
subjetivo de participante e o papel objetivo de examinador vinculado, para a assimilação da realidade em
estudo, a percepção imediata e espontânea própria da vida cotidiana e a percepção objetiva própria da
investigação reflexiva” (p, 7) - trata-se de “capturar a perspectiva dos participantes”, ou seja, identificar os
significados atribuídos pelas pessoas às questões em foco na pesquisa.

- suas conclusões não podem ser subjetivas, mas devem expressar objetivamente os resultados encontrados a
partir das análises e a sua complexidade
- classificação e compreensão dos processos dinâmicos presentes e em especial da apreensão das
particularidades deste objeto

5) As pesquisas qualitativas possuem natureza indutiva. É comum pesquisas com esse enfoque que afunilam,
delimitam, ao longo desenvolvimento. Focos amplos que vão se tornando mais diretos e específicos no transcurso
do trabalho.

“embora o pesquisador parta de alguns pressupostos teóricos iniciais, deverá manter-se atento aos novos elementos
que podem emergir durante o estudo, a orientarem outras buscas teóricas. O quadro teórico, como referência de
investigação será, portanto, construído no processo de estudo, concomitantemente à coleta e exame dos dados
verificados” (p, 7-8)
- a dimensão indutiva desta metodologia é bastante enfatizada por todos os autores referidos neste artigo, que
apresentam-na como importante traço distintivo em relação aos modelos positivistas de pesquisa.
associar processos, objetos amplos e complexos, compreendendo seus mecanismos inerentes, suas relações
processuais.

(A SEGUNDA E TERCEIRA CARACTERÍSTICAS SÃO CO-DEPENDENTES POIS A IDENTIFICAÇÃO


DAS MANIFESTAÇÕES FENOMÊNICAS DO OBJETO DO ESTUDO É INDICADA COMO CONDIÇÃO
PARA UMA COMPREENSÃO DINÂMICA E PROCESSUAL DO MESMO)

A prioridade por esse enfoque se dá nas seguintes situações:

1. substituir informações estatísticas por dados qualitativos// romper com o positivismo e o


tronco naturalista que o sustenta.
2. quando os objetivos do estudo apontam que os dados não podem ser coletados de modo
completo por outros métodos tendo em vista sua complexidade// necessidade de um olhar
mais amplo.
3. situações nas quais as observações qualitativas são utilizadas como indicadores do
funcionamento das estruturas sociais.

analisando o método qualitativo a partir do enfoque do materialismo histórico-dialético:

Rompimento das dicotomias: quantitativo X qualitativo // subjetividade X objetividade //


Indução X dedução

- o dualismo encontrado nessas unidades, provocam uma tensão que traz


questionamentos acerca da própria possibilidade de construção do conhecimento
racional e objetivo da realidade humana em sua complexidade

A postura qualitativa atende ao princípio da exclusão, isto é, não existem opostos que
produzem uma nova qualidade a partir de um salto dialético, pelo contrário, a existência de
um pólo representa a negação de outro - um dos pólos da oposição acaba por ser excluído.

no entanto, a lógica dialética, basilar do método do materialismo histórico, concatena as


unidades, atendendo ao princípio da não-exclusão, pois incorpora à sua processualidade a
superação desses opostos, resultando em uma nova qualidade. tese-antítese-síntese

em conformidade, com este princípio falamos então, na unidade indissolúvel dos opostos, o
que determina saber o objetivo como subjetivo, o externo como interno, o individual como
social, o qualitativo como quantitativo

e este é o mais absoluto significado da contraposição marxista aos dualismos dicotômicos


asseverados nos princípios de identidade e exclusão próprios à lógica formal.
ao precisar a relação mais empírica, a saber, o imediato do fenômeno, ignorando outros
elementos que fazem também parte do movimento da realidade e que naquele influencia, a
efetivação, simplesmente, qualitativa de pensar é a própria negação desse fluxo, afirmação do
fetiche, do real, da sociabilidade capitalista. “Descentrando suas análises das metanarrativas,
os percursos qualitativos aprisionam-se ao empírico, ao imediato, furtando-se ao
entendimento essencial dos fundamentos da realidade humana.”

- o fetichismo é um fenômeno próprio do mundo da cotidianidade alienada

Para o materialismo histórico-dialético o mundo empírico representa apenas a


manifestação fenomênica, o que define o objeto exteriormente. Acompanhar o movimento do
real exige transpor a aparência fenomênica do objeto.

Assim, entende-se que as representações primárias na consciência dos homens


desenvolvem-se à superfície da essência do próprio fenômeno, (consigo relacionar com o
comentário da Sol sobre a aproximação do movimento da realidade) - SOL: sim, meu bem, e
isso está ligado a aproximações da realidade, compreensão de como ela funciona e que medeia
melhores formas de intervenção, entende? Não usamos o materialismo por que gostamos do
Marx, é por que ele foi o que amis se aproximou como método e teoria da explicação do
capitalismo europeu. isso também vale para a teoria HC... qndo vc ler a entrevista do Luis verá
que ele descreve e explica a mudança das pessoas do acampamento para assentamento de um
jeito muiiito semelhante a HC, contudo, quando vai usar termos uso a psicanálise, é bem
explícito o desserviço que a psico fez.. vc entende o que quero dizer? sobre coletivo e
movimento do real?

“a essência do fenômeno não está posta explicitamente em sua pseudoconcreticidade


(concreticidade aparente), não se revelando de modo imediato mas sim, pelo desvelamento de
suas mediações e de suas contradições internas fundamentais”

A construção do conhecimento demanda: a apreensão do conteúdo do fenômeno:

conteúdo entendido como singular-particular-universal e isto sendo a expressão do processo


ontológico da realidade humana e das formas pelas quais estes processo tem se
desenvolvido historicamente e que só podem ser compreendidos à luz das abstrações do
pensamento, ou seja, o pensamento teórico.
- abstração como a tentativa de mediar a realidade
- oposição // contradição

Considerar a tensão dialética entre forma:

forma: expressão manifesta do dado da realidade (sendo necessária compreendê-la enquanto


dimensão parcial, superficial e empírica do mesmo)
que é o ponto de partida para se chegar à superação da aparência, se direcionando a essência
do fenômeno, que por sua vez requer a descoberta das tensões imanentes na intervinculação e
interdependência entre forma e conteúdo.

“Portanto, se queremos descobrir a essência oculta de um dado objeto, isto é, superar sua
apreensão como real empírico, não nos bastam descrições acuradas (escritas, filmadas,
fotografadas etc!!!), não nos bastam relações íntimas com o contexto da investigação, isto é,
não nos basta fazer a fenomenologia da realidade naturalizada e particularizada nas
significações individuais que lhes são atribuídas. É preciso caminhar das representações
primárias e das significações consensuais em sua imediatez sensível em direção à descoberta
das múltiplas determinações ontológicas do real” (p, 10-11)

- o conhecimento da realidade, em sua objetividade, requer a visibilidade da máxima


inteligência dos homens. Não pode nos bastar apenas o que é visível aos olhos

Para Marx, a realidade encerra a materialidade histórica dos processos de produção e


reprodução da existência dos homens. O conhecimento é apenas um meio de reproduzi-la
intelectualmente (do sonho as coisas, das maiores abstrações às menores)
- a atividade teórica é apenas a compreensão, o nível abstrato, mas que por si só não
altera a realidade, a existência concreta do fenômeno
- assim, a atividade teórica deve orientar a intervenção prática transformada da
realidade

a compreensão dos fenômenos em sua processualidade e totalidade (conteúdo) encontra


respaldo apenas na dialética entre singularidade, particularidade e universalidade, onde
para Lukács reside o fundamento que sustenta uma autêntica e verdadeira aproximação e
compreensão da realidade.

singular: onde o fenômeno revela o que é a sua imediaticidade (sendo o ponto de partida do
conhecimento)

universal: onde o fenômeno revela suas complexidades, suas conexões internas, as leis de
seu movimento e evolução, enfim a sua totalidade histórico-social

A contínua tensão entre o universal-singular manifesta-se na configuração particular do


fenômeno.

"em sua particularidade ele assume as especificidades pelas quais a singularidade se constitui
em dada realidade de modo determinado, porém não completo, não universal" (p, 11-12)
de acordo com Lukács o particular representa para Marx a expressão lógica da categoria de
mediação entre o específico (singular) e o universal (geral).

- Compreender as múltiplas relações que compõem o objeto//fenômeno


- Superação das falsas dicotomias

Há mediadores (particular) para relação entre o aspecto mais geral (universal) e o específico
(singular) de um dado objeto.
"concretização da universalidade do vir-a-ser da singularidade, mediada pela particularidade"
- Impossível construir qualquer entendimento da realidade fragmentando, separando
tais unidades.

qualquer uma pode ser a referência primária, mas é apenas pela análise dialética entre a
tensão do singular e universal que se torna possível a construção do conhecimento concreto

"A adesão teórico-metodológica ao materialismo histórico dialético exige a compreensão do


historicismo concreto presente nas obras de Marx e Engels, para os quais a produção material
da vida engendra todas as formas de relações humanas e assim sendo, a categoria ontológica
do trabalho torna-se imprescindível em qualquer estudo que se anuncie na perspectiva da
totalidade histórica" (p, 12-13)

"A organização social capitalista calcada na propriedade privada dos meios de produção; tem
obstruído esse desenvolvimento, uma vez que a atividade do indivíduo e seu resultado,
tornando-se independentes, acarretam a subordinação do produtor ao produto de seu
trabalho" (p, 13)

"Sob tais condições de alienação as capacidades dos homens, bem como as possibilidades
para seu pleno desenvolvimento, se reprimem e se deformam pois obliteram a efetiva
utilização de todas as suas forças criadoras. Assim sendo, a condição para a efetivação do
verdadeiro ser humano se coloca na transformação das condições e instituições que
alienam o trabalho e o trabalhador, e este é o mais profundo significado do
materialismo histórico." (p, 13)

"Na medida em que as abordagens qualitativas privilegiam as dimensões da realidade em


suas definibilidades exteriores em detrimento de seus fundamentos ontológico-históricos,
incorrem num grande risco: caminhar da pseudoconcreticidade para um pseudoconhecimento,
a ser, muito facilmente, capturado pelas ideologias dominantes e colocado a serviço da
manutenção da ordem social que universaliza as relações sociais de alienação." (p, 13)

"Diferentemente, a produção intelectual marxista, ou seja, sustentada pela ontologia


marxiana, constrói um tipo de conhecimento que para além de explicitar o real em sua
essencialidade, coloca-se claramente a serviço da implementação de um projeto social
promotor de uma nova sociabilidade, isto é, a serviço do socialismo. Neste sentido, buscar no
materialismo histórico dialético os fundamentos para o trabalho de pesquisa é também uma
questão ético-política. (p, 13)

"O materialismo apresentado por Marx aponta, necessariamente, na direção do trabalho social
dos homens e nas propriedades que adquire historicamente. O materialismo dialético se
apresenta em seu pensamento, como possibilidade para a compreensão da realidade resultante
do metabolismo homem-natureza produzido pela atividade humana em sua complexidade e
movimento." (p, 14)

"A implementação do método marxiano; aqui apresentado de forma extremamente resumida;


pressupõe como ponto de partida, a apreensão do real imediato, isto é, a representação inicial
do todo, que convertido em objeto de análise por meio dos processos de abstração resulta
numa apreensão de tipo superior, expressa no concreto pensado" (p, 14)

apreensão do imediato (representação inicial do todo) - abstração (convertendo o imediato em


objeto de análise) - concreto pensado (apreensão de tipo superior)

"a unidade sujeito/objeto do conhecimento exige a compreensão concreta de ambos, dado não
atingível pela representação imediata e idealista do que seja sujeito e do que seja objeto" (p,
15)

"mais que nunca é necessária a crítica ao que se produz e se ensina em nome do que seja
a construção do conhecimento científico"

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