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ARTIGO ORIGINAL
CARVALHO, Elen Lúcia Marçal de [1], SOUZA, Reinaldo Antônio do Amor Divino de [2]
CARVALHO, Elen Lúcia Marçal de. SOUZA, Reinaldo Antônio do Amor Divino de. As
condições do trabalho docente na Universidade da Amazônia/Grupo Ser
Educacional: Efeitos da financeirização no Ensino Superior Privado. Revista
Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 03, Vol. 10, pp. 133-
154. Março de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de
acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/trabalho-docente
Contents [hide]
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
1.1 O TRABALHO DOCENTE NO CENÁRIO DA FLEXIBILIZAÇÃO MUNDIALIZADA DO
TRABALHO
2. GRUPO SER EDUCACIONAL NA AMAZÔNIA: ATUALIZADAS CONFIGURAÇÕES NO
TRABALHO DOCENTE
2.1 GOVERNANÇA CORPORATIVA COMO MECANISMO GERADOR DE
INTENSIFICAÇÃO E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
4. REFERÊNCIAS
APÊNDICE – REFERÊNCIAS DE NOTA DE RODAPÉ
RESUMO
Este artigo versa sobre o trabalhador docente inserido no Ensino Superior privado
mercantil. A investigação centra-se na Universidade da Amazônia (UNAMA)
comprada pelo Grupo Ser Educacional S.A em 2014. Pretende-se identificar pontos
na tomada de decisões da Gestão desta Empresa que resultam em intensificação e
precarização do trabalho docente. Atualmente este trabalhador tem seu universo
constituído por transformações do mundo do trabalho resultantes da crise estrutural
do capital, fatos que representam em mais exigências no desempenhar de suas
funções, o qual deverá ser flexível, polivalente e multifacetado. Essa configuração se
acentua ainda mais por conta das circunstâncias financeirizadas em que o ensino
superior privado brasileiro se encontra repousado, aspecto que se exige mais da
força de trabalho para aumentar as taxas de juros do capital. Abordar o trabalho do
docente na atual conjuntura de crise do capital é inserir no campo do debate a
reflexão sobre o mundo do trabalho na contemporaneidade e suas atualizadas
exigências de adequação deste trabalhador aos princípios da competitividade,
individualidade e produtividade. Os dados apontam que existe uma lógica
homogênea entre as empresas educacionais mercantilizadas quanto a reorganização
do trabalho docente, todas suas ações são orientadas pelas exigências do mercado e
do capital.
1. INTRODUÇÃO
Além disso, tomamos como hipótese os arranjos identificados por Andréa Araujo do
Vale (2011) em sua Tese de Doutorado, ao estudar a Universidade Estácio de Sá,
mantida também por empresa de capital aberto. A ideia de que as formas de
organização do trabalho no capitalismo dito flexível afetam diretamente a
subjetividade do trabalhador, produzindo uma série de práticas que visam
desmontar suas resistências, de maneira a atingi-los em sua dignidade,
desqualificando-os e assediando-os moralmente (VALE, 2011).
Para Marx (2004), o trabalho representa atributo inerente aos seres humanos, é
atividade vital de satisfação das carências necessárias à manutenção da sua
existência física, um meio fundamental para o processo de humanização (MARX,
2004, p. 84). Por intermédio do trabalho, o homem se transforma e transforma a
natureza, ou seja, o homem, ao transformar a natureza, humaniza-se e objetiva-se
a partir daquilo que constrói (Ibidem, 2004).
Esta conjuntura, por outro lado, não se manifestou como algo desconectado da
dinâmica histórica, tampouco, apresentou-nos como algo surgente. São resultados
de processos complexos ocorridos, mais decididamente, a partir da década de 1970,
momento em que tivemos a transição do padrão taylorista/fordista de acumulação
do capital e produção concentrada à uma organização do trabalho e produção
caracterizada como flexível, fragmentada e enxuta, um sistema inaugurado e
implementado nas fábricas da Toyota (Toyotismo).
Temos, portanto, um momento histórico no capitalismo em que modelos de
produção e acumulação racional do capital são ressignificados, de forma a ampliar
marginalmente o seu mais-valor. Neste cenário de transformações profundas, o
trabalho torna-se flexibilizado e fragmentado, o trabalhador é estimulado a ser
polivalente e adequar-se rapidamente às mudanças do processo produtivo. Quanto
ao mercado, este torna-se mundializado, competitivo, financeirizado[6], uma
condição que não se encontram prostradas apenas no plano econômico, mas que
interfere em todas as dimensões (CHESNAIS, 1996).
A partir do trecho destacado podemos considerar que quanto mais a lógica desta
nova ordem capitalista se intensifica, em bases financeiras e de amplitude
mundializada, acentuam-se os elementos destrutivos do corpo social. Ao aumentar a
competitividade e a concorrência entre os capitais, isto é, quanto maior for a
necessidade dos capitalistas em maximizar seus lucros, e de seus acionistas, maior
será a degradação da força humana que vive do trabalho. Isto é, mais expressivo
será a amplitude do trabalho abstrato, entendido por Marx (2004) como algo
alienante, patogênico, nocivo à saúde, uma atividade estranha que “inverte a
relação a tal ponto que o homem […] faz de sua atividade vital, da sua essência,
apenas um meio para sua existência” (MARX, 2004, p. 85).
Razão A/B
Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados coletados pelo mestrando Tarcísio
Cordeiro nos Microdados do INEP. A relação realizada entre as categorias foi uma
construção nossa, adequada para este estudo.
No ano anterior a compra da UNAMA, 2013, temos uma relação entre número de
matrículas efetivadas e número de Docentes contratados na razão de 24 estudantes
matriculados para cada docente. No período da efetivação da compra, 2014, até os
momentos seguintes da transição da administrativa anterior, caracterizada por uma
gestão tradicional (familiar), para a organização profissional da nova empresa, não
tivemos uma alteração significativa. Contudo, no ano de 2015, com a gestão do
Grupo Ser Educacional implementada, a relação entre a quantidade de matrículas
por docente passou para 33, um acréscimo de 33,5% em referência a 2013. O salto
quantitativo mais expressivo houve em 2017, quando tivemos na UNAMA 71
estudantes para cada docente, razão que diminuiu em 2018 para 46. Quando
relacionamos com o início do período histórico apresentado, temos um crescimento
de 92% da relação entre matrículas de estudantes para cada trabalhador docente.
Total!! E vai desde o terceirizado até os professores. […]. [o] professor na maioria
das vezes tem que trabalhar em casa, às 11 da noite, com celular do lado para
resolver problemas da universidade. É um trabalho quase que integral, é um assédio
que eles sofrem também, por conta dessa dinâmica. Então, depois de dar aula, o
professor tem que organizar a turma, ver nota, e de noite ficar resolvendo coisas da
universidade. Você sai do trabalho, mas ele chega na sua casa, e não recebe nada a
mais por isso. Tem um professor que foi demitido que falava assim: “0800 não vou
fazer”. Ele sempre teve um bom currículo, doutor, sempre bom professor, sempre
respeitou a UNAMA, uma figura importante, mas foi demitido. […]. Então o cara vai
ser sugado a todo o momento. Além disso, alguns deles ainda são requisitados para
fazer a propaganda da UNAMA nas escolas particulares, para encher a UNAMA. Eles
fazem isso. Eles levam alunos que ganham hora complementar. Aí você vai para o
Santa Rosa, Santa Catarina. Eles levam toda a equipe de marketing, eles vão
[professor e alunos] montam barraquinha, dão caneta, dão lanche, camisas. E aí?
Os estudantes têm que estar lá de graça, só ganhando hora complementar, e os
professores no “0800” como se estivessem recebendo, sem reclamar e, às vezes, no
sábado e no domingo (risos). Porque prova do ENEM é no domingo, de concurso é
no domingo (C. G. J., 2018, acréscimos nossos).
Esta totalidade apresentada, mediada pela GC, apresenta a sequência lógica que as
empresas educacionais de capital aberto seguem, nada relacionado à qualidade
educacional, tampouco valoriza o trabalho docente, deste requer apenas sua
intensificação para extrair a mais-valia. A função destas empresas educacionais
restringiu-se, portanto, a obtenção do mais-valor aos acionistas, pois o “mais-valor
está na raiz do lucro monetário” (HARVEY, 2018, p. 23). Não se tem o interesse de
valorizar o ensino superior no sentido de qualificar indivíduos críticos de seu mundo,
com visão e atitudes coletivas, apenas a reprodução de características neoliberais,
da concorrência, individualismo e competição. Elementos esses que alcançam as
relações entre os próprios professores, os quais perpetuam este individualismo
competitivo acarretando o aumento do sofrimento subjetivo destes trabalhadores.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
4. REFERÊNCIAS
SILVA JUNIOR, João dos Reis; SGUISSARDI, Valdemar. A nova lei de educação
superior: fortalecimento do setor público e regulação do privado/mercantil ou
continuidade da privatização e mercantilização do público? Rev. Bras. de Educ.,
São Paulo, n.29, 2005 p. 5-27, online. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n29/n29a02.pdf. Acesso em: 10 jan. 2020.
VALE, Andréa Araujo do. “As faculdades privadas não fazem pesquisa porque
não querem jogar dinheiro fora”: a trajetória da Estácio de Sá da filantropia ao
mercado financeiro. 2011, 446f. Tese (Doutorado em Políticas Públicas e Formação
Humana) – Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2011.
4. Ver nos artigos de Silva Jr. & Sguissardi (2005), Chaves (2010) e Sguissardi
(2015), a transformação dos direitos sociais em mercadoria, inclusive o ensino
superior brasileiro: formação de oligopólios, abertura de capitais na bolsa de
valores, o fenômeno da desregulamentação da legislação, políticas de contensão dos
gastos públicos, processo de privatização/mercantilização da educação superior
brasileira, expansão e massificação do segmento educacional superior pelo setor
privado, exame das reformas do ensino superior, anulação da fronteira entre o
público e o privado/mercantil etc., são algumas temáticas abordadas por estes
autores.
7. Termo utilizado por Carcanholo e Sabadini (2009, p. 40), em seu artigo “Capital
fictício e lucros fictícios”. Para o autor, a categoria “Capital fictício” é central na obra
de Karl Marx, imprescindível na compreensão da atual configuração do capitalismo.
A valoração do lucro a partir da comercialização de títulos é a representação legal do
Capital fictício (CARCANHOLO; SABADINI, 2009).
9. Para este estudo utilizamos o entendimento de Ruy Braga (2017) sobre o conceito
de precariado. Para este autor o termo refere-se ao proletariado precarizado e a
superpopulação relativa (termo marxista) que assegura às empresas fonte
inesgotável de força de trabalho barato, uma forma de ganho substancial de mais-
valor por meio da compressão salarial e diminuição dos custos da produção (BRAGA,
2017, p. 31).
11. Carvalho (2013) apresenta de forma quantitativa as aquisições e fusões por ano,
ver página 769.
12. Constam em Atas tanto empréstimos com organismos financeiros, como envio
emissão de debêntures a bancos internacionais. Exponho alguns exemplos: em 21
de novembro de 2012 ocorreram duas reuniões do Conselho Administrativo do
Grupo Ser Educacional em que foram aprovadas a emissão de debêntures no valor
de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) junto ao Banco Santander e o
empréstimo junto ao International Finance Corporation (IFC), financeira vinculada
ao BM, no valor de R$ 80.000.000,00 (oitenta milhões de reais) (GRUPO SER
EDUCACIONAL, 2012a; 2012b).
13. Autorização da oferta de ações da Ser Educacional S.A registrada na CVM sob o
nº 23.221 em 18/10/2013. Dias antes, a IPO da companhia foi autorizada pelo seu
Conselho Administrativo em reunião datada em 30/09/2013, tendo o fato da
abertura de capital como primeiro ponto de pauta segundo Ata da reunião (GRUPO
SER EDUCACIONAL, 2013). Conhecida por sua expressão em inglês Initial Public
Offering, é o termo técnico que designa o primeiro movimento de uma empresa na
direção de abrir seu capital no mercado de ações. Conforme a Price Water House
Coopers, Auditores Independentes, este procedimento é solicitar à CVM autorização
para realizar a venda de ações ao público (PRICE WATER HOUSE COOPERS, 2011, p.
07). Com a aprovação do órgão regulamentador, a empresa emite e vende as ações
no mercado. Os recursos obtidos são destinados ao caixa da empresa (Ibidem,
2011, p. 08).
15. Ver o documento “Grupo Ser Educacional assina contrato de compra da UNAMA
e FIT” (GRUPO SER EDUCACIONAL, 2014). Ver também duas publicações do
Diretório Central dos Estudantes em que oferecem um olha crítico a respeito da
venda da UNAMA: (1) “Na calada da noite: vendida a Universidade da Amazônia ao
Grupo Ser Educacional! Vamos à Lua por qualidade!” e (2) “Grande manifestação na
UNAMA contra Reitoria omissa questiona venda, cobra melhorias e delibera
campanha de paralisação de cursos” (DIRETÓRIO CENTRAL DOS ESTUDANTES DA
UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA, 2013a; 2013b).
16. Trecho de entrevista realizada com o estudante C.G.J., na cidade de Belém (PA),
no dia 20 de setembro de 2018.
20. Cf. afirmação em Leda Paulani (2009), em que divulga números indicativos da
sobrepujança da órbita financeira. Seus dados denunciam o movimento de
transferência da riqueza produtiva para a esfera financeira.
[1]
Doutoranda em Educação – PPGED/UFPA, Mestrado em Serviço Social-PPGSS-
UFPA, Graduada em Serviço Social.
[2]
Doutorando em Educação- PPGED/UFPA, Mestre em Educação PPGED/UFPA,
Graduado em Ciências Sociais.