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Escrito com Veneno

Lois Tilton

Fã-traduzido por Cristiano Rohling


cristiano.rohling@gmail.com

Escrito com Veneno


Lois Tilton

Prólogo

Esse conto está sendo escrito com veneno: amargo, ardente, escuro. Ele queima cada runa
no pergaminho. Mas, ainda mais amargo é o purulento veneno em meu coração.

Esta não é a história que os skalds1 têm cantado. Os skalds são homens de Odinn e estão
embriagados em suas palavras, engolindo todas as mentiras por ele derramadas em seus
chifres. Eles festejam em seus salões lambendo seu vômito como cães.

Odinn, meu inimigo, meu irmão de sangue, você se intitula “Pai de Todos” e os homens
mortais em sua ilusão o cultuam como um deus — pai da mentira! Eu todavia sei todos os
seus verdadeiros nomes: Bolverkr, “malfeitor” é como verdadeiramente você é chamado.
Enganador, senhor da forca.

Os skalds têm colocado mentiras em minha boca. Às suas ordens, eles me tratam por
malicioso, trapaceiro. Ninguém ousa dizer a verdade. Ela está enterrada aqui comigo, atada
a esta pedra com as gélidas entranhas de meu filho assassinado. Você tomou meu filho
pelo seu, sim, você teve sua vingança. Mas Hel tem a ambos, agora.

Minha hora está chegando. Eu sei o seu Wyrd2, meu irmão, você que misturou o meu
sangue com o seu próprio. Como as Nornes predisseram há muito, teu fim virá nos dentes
do lobo. Então Asgard cairá, todos os salões com telhado de ouro dos Aesir se tornarão em
cinzas e a lâmina flamejante de Surtr incendiará o céu.

Uma era do machado, uma era da espada. Nada que você faça poderá impedir. Uma era
dos ventos, uma era do lobo. Seu Wyrd, Odinn. Ninguém pode escapar, nem mesmo
aqueles que se intitulam deuses. O fim do mundo.

1
Skalds: Escaldo (norueguês: skald) era antigamente a denominação dada a um poeta ou a um
contador de estórias, na Noruega e Islândia, e em sentido lato nos Países Nórdicos. Nesses tempos,
em que o acesso à escrita era menos frequente, o escaldo era também um narrador popular de
episódios mais ou menos históricos.

2
Wyrd: conceito anglo-saxão que corresponde aproximadamente ao “destino” ou “sina”. No conceito
clássico, ninguém pode resistir ao seu wyrd, que está escrito de antemão. A palavra é a ancestral
etimológica da palavra inglesa “weird” (estranho), embora o sentido tenha se alterado com o passar
dos séculos: o sentido moderno data do século XIX.
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Aqui eu repouso até que chegue essa era, aprisionado sob as presas gotejantes da
serpente. Muitas vezes penso em você, meu irmão, nas mandíbulas do lobo.

Mas o veneno! Ele queima!

CAPÍTULO I

Eu o encontrei pela primeira vez quando o mundo ainda era jovem, nascido do fogo e do
gelo, quando os fogos de Muspelheim ainda eram recentes.

Muspell é o domínio de Surtr. Sua espada é uma marca brilhante e, a seu toque, florestas
explodem e o oceano ferve. Por onde ele anda, a terra irrompe em chamas, as pedras se
quebram e derretem sob seus pés. Cinzas preenchem suas pegadas.

No extremo norte do mundo o gelo se levantou, montanhas congeladas, vastas geleiras que
cobriram os montes e encheram as bacias dos mares. Esta foi a era dos Jotuns, gigantes
do gelo,com suas barbas cobertas de geada e cristais congelados.

Sou um filho de Muspell, o flamejante sul, terra das chamas. Meu pai era Farbauti, atacante
cruel, o relâmpago. Um dia ele viu a verdejante e agulhada Laufey em sua ilha coberta
pelos pinheiros. Ele atacou e a consumiu, e das cinzas nasci: Loki, o brilhante, a luz
bruxuleante e multiforme.

Por conta de meus dons Surtr me favoreceu acima de todos os outros filhos de Muspell. Eu
era um metamorfo capaz de assumir quaisquer formas e tamanhos a meu bel prazer. Era
jovem então, despreocupado e sem cicatrizes. Era bonito, inteligente, rápido de língua.
Nenhuma das filhas de Muspell podia resistir os encantos que eu despejava sobre elas, e
eu ia de umas às outras, inflamando seus desejos, estocando no calor de seus receptivos
lombos.

Acima de todas as outras havia Sinmora, esposa de Surtr. Em seus olhos ardiam brasas, e
um único olhar deles era o suficiente para me deixar queimando de desejo. Oh, Sinmora!
Sua memória é marca gravada em meu coração. Você foi a primeira, embora outras
tenham-me sido mais fiéis.

Meus irmãos e eu construímos o salão3 de Sinmora cercado com um muro de chamas azuis
brilhantes. Seu nome era Okolnir, “o que nunca esfria”, e lá existem dois grandes tesouros
guardados. O primeiro é o grande caldeirão onde Sinmora produz seu incomparável

3
No original, “Hall”. Trata-se de um prédio formado principalmente por um único e grande cômodo,
destinado a banquetes e comemorações (Nota da Tradução).
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hidromel, que tem sabor de mel maduro na língua mas que desce como fogo líquido
fumegante nas entranhas. Oh, o que faria eu por uma única gota de hidromel agora, quando
tudo quanto tenho provado é este amargo veneno!

O outro tesouro está em seu cofre, guardado com nove fechaduras inquebráveis. Lá, ela
mantém a espada flamejante de Surtr, Laegjarn, a “vara que fere”. Nenhum poder pode
resistir a quem a maneja. Foi predito a partir do início dos tempos que um dia o mundo
inteiro se tornará uma desolação de cinzas sopradas a seu toque, e como anseio por esse
dia! De certa forma, foi a espada de Surtr quem trouxe a minha queda, pois sua fama se
espalhou até mesmo na desolação gelada do norte distante.

Certo dia ao passar próximo ouvi o uivo dos cães a Okolnir. Quando me aproximei, os vi
forçando suas cadeias: Gifr e Geri, os ferozes cães acorrentados aos umbrais de Sinmora.
Seus dentes brancos estalavam e a saliva sangrenta escorria de suas mandíbulas, ansiosos
para a caça. À distância, pude ver uma figura fugindo do salão envolta em um manto cinza
com um capuz puxado por cima da sua cabeça.

Mesmo então você procurava esconder seu rosto, Odinn, para esconder seus crimes!

- Um Ladrão! - exclamei e passei a segui-lo na forma de um lobo. Corri facilmente atrás


dele, ganhando terreno a cada passo, mas quando estava perto de ultrapassar o ladrão ele
se voltou contra mim, levantando-se. Ele inchou em tamanho e sua capa tornou-se no pelo
marrom desgrenhado de um urso. Sua bocarra se escancarou em um rugido, expondo
dentes brancos e uma língua vermelha gotejando saliva. Circulei com cautela como lobo,
pois sabia que as poderosas garras de um urso poderiam me destroçar. No entanto, ao
mesmo tempo estava com a curiosidade em chamas para saber quem seria esse estranho,
pois até aquele dia eu fora o único transmorfo em Muspelheim, sem nunca conhecer outro
com este poder que era meu.

Nos encaramos um ao outro rosnando, nossos pelos eriçados, mas não me atrevi a atacar
por causa de sua força superior. Por fim, o estranho caiu de quatro patas e se arrastou de
novo com a marcha normal de um urso. Mudei imediatamente para a forma de um falcão e
voei para o céu a seguir, mas assim que me viu acima dele, tomou a forma de uma águia e
subiu para o ataque.

Foi uma perseguição selvagem! Falcão e águia, circulando um após o outro no mais alto
dos céus. Eu podia ouvir o vento crescendo na poderosa esteira de suas asas. Eu era mais
rápido, mais ágil, mas suas garras enormes eram mortais, isso eu sabia. Um ataque direto
teria sido o meu fim. Quem seria esse transmorfo? De onde teria vindo?

Nossa perseguição levou-nos para longe das terras flamejantes de Muspelheim. Gritando,
feríamos um ao outro em pleno ar, e nossas penas caíam sobre os desertos de Midgard, as
brilhantes geleiras brancas de Jotunheim. Continuei tentando ficar acima dele,

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inclinando-me para atacar às suas vistas, mas nosso longo voo nos levou até os confins da
terra e de volta e, dessa forma, eu estava exausto.

Quando finalmente ficamos ambos exauridos, caímos no solo e retomamos nossas formas
originais. Eu olhava o estranho com desconfiança, enquanto ele me observava. Seu capuz
foi jogado para trás, e seus olhos cinzentos eram penetrantes em sua intensidade frígida.
Fizeram-me desconfortável, mas sua presença era como um impetuoso e frio vento do
norte, enchendo-me com um senso tremendo de emoção. Eu sabia de alguma forma que
minha vida nunca mais seria a mesma.

"Então," ele disse finalmente, "quem é você, transmorfo?"

"Meu nome é Loki, filho de Farbauti. E quem é você, que também é um transmorfo? É a
minha vez de fazer perguntas, você sabe. Você é o estranho aqui, depois de tudo. Um
ladrão que fugiu de nossos salões."

"Eu atendo por muitos nomes", respondeu ele evasivamente. "Mas, no momento, você pode
me chamar Gangleri, o andarilho, caminhante cansado."

Eu ri. "Um longo caminho para vir praticar furtos em Muspelheim, não é mesmo? Diga-me,
Gangleri, o que você estava tentando roubar? Nunca ouviu que ninguém pode penetrar as
proteções ao redor do salão de Sinmora?"

"Eu já ouvi", disse ele lentamente, sem dúvida perguntando o quanto poderia confiar em
mim, um filho de Muspell, “que ela guarda uma espada chamado Laegjarn, uma arma que
nenhum poder pode suportar."

Meus olhos se arregalaram. "Você tencionava roubar a espada de Surtr! Oh, estranho, você
não sabe a sorte que tem por não ter chegado a passar pelos cães! Escute, ladrão, e saiba
disso. Essa lâmina é o coração da chama. No instante em que sua mão se fechasse em
torno do punho da espada, sua carne queimaria até os ossos e eles se transformariam
então em cinzas. Ninguém além de Surtr jamais poderá empunhar essa espada, nem
mesmo um outro filho de Muspell. Eu nunca ousaria sequer tocá-la".

Suas sobrancelhas baixaram em uma carranca, pois até mesmo naquela época ele não
poderia suportar ter uma de suas vontades frustrada. Mesmo assim, ele estava conspirando
para escapar de seu Wyrd.

"Além disso," eu disse levemente, "qual o sentido de roubar uma espada quando você
poderia roubar o hidromel de Sinmora? Ou melhor ainda, um beijo dela?"

Ele se levantou e falou com desdém. "Todos os filhos de Muspell são frívolos como você?
Ou vocês são todos tão covardes e fracos?"

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"Fracos?" Levantei-me pensando em dar-lhe um gostinho de meu real poder. No entanto,


algo me parou, e admito que estava relutante em desafiá-lo novamente. Havia algo de
assustador em sua presença, uma espécie de força fria, irresistível. Acho que mesmo
naquela época ele já possuía o poder de iludir as almas alheias a seu favor, e já tinha se
apoderado da minha.

Ele era muito maior que eu, com braços e coxas amplamente musculosos. Nesses tempos
de juventude, seu cabelo brilhava claro e seus olhos eram de um cinza penetrante. Ele
estava diante de mim como um campeão, quase um… não, eu nunca vou chamá-lo de
“deus”. Deixo esse titulo a cargo dos mortais ignorantes que o adoram, seu exércitos de
homens assassinados.

"Fraco", disse ele de novo, em voz baixa marcada pelo desprezo. "Há apenas dois tipos de
pessoas no mundo, os fracos e os fortes. Poder! Poder é tudo! Eles acham que podem
mantê-lo à parte de nós para sempre. Eles pensam que Odinn não tem importância
alguma!"

— Odinn — então esse seria seu verdadeiro nome — "Ah? Eles quem?" — me perguntei
em voz alta.

"Os Jotuns, nossos pais. Os gigantes de gelo. Eles mantêm todo o poder para si, todo o
conhecimento, tudo!"

Era um pensamento inquietante, se considerarmos os seres que Odinn chamava de


gigantes. "E a espada de Surtr? Como ela resolveria o problema, então?"

"Nós precisamos de alguma vantagem. Eles são feiticeiros. Eles acumulam a sabedoria, o
conhecimento para si mesmos! Não temos nada, não temos nossos próprios salões,
nenhum tesouro, nem mesmo esposas. Eles mantêm as mulheres para si, em seus próprios
salões. Tudo porque não temos nada parecido com essa espada. Com ela, poderíamos
tomar tudo deles. Nenhum poder pode resistir a ela — não era essa a profecia, nenhum
poder poderia resistir a mão que a empunhasse? ".

Claro, eu não tinha minha própria esposa, mas isso nunca foi um problema insolúvel para
mim. Na verdade, havia esposas de outros homens por toda a parte.

Eu nunca havia sentido necessidade de “poder”, só de mulheres. Neste quesito jamais fui
como ele. Mas as mãos de Odinn jamais serão aquelas que empunham a espada de Surtr -
disso estou certo, pois assim foi predito.

Na época, porém, eu só pensava em meu próprio entretenimento, queria me divertir com


esse estranho, em busca de aventuras. Esta sempre foi o meu próprio Wyrd, eu nunca teria
uma vida pacífica. Então eu lhe disse: "Estranho, eu poderia ajudá-lo, se pudesse. Vejo que
invadir o salão do Sinmora é uma tarefa não muito de acordo com seus talentos."

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"Mas não além dos seus, ou entendi errado? Acho que você poderia roubar a espada para
si. Passar por aqueles malditos cães, adentrando os salões."

Eu ri. "Eu lhe digo, esses cães comiam de minhas mãos quando filhotes."

"Isso é verdade?" Ele agarrou meus ombros ansiosamente. "Se você fizer isso por mim,
filho de Farbauti, eu te juro, nenhuma recompensa será grande o suficiente! Haverá um
lugar para você em meus salões, ao meu lado, para sempre! Nunca levantarei um chifre
para beber se não houver outro em suas mãos, certamente! "

"Não, espere! Eu posso levá-lo através dos cães e para o salão de Sinmora sem grandes
problemas. Mas roubar a espada de Surtr? Não, te disse, nem mesmo um filho das chamas
pode tocar aquela lâmina! Além disso, há uma profecia, se você acredita nesse tipo de
coisa de prever o futuro."

Ele franziu a testa. "Que profecia?"

"A espada nunca foi desembainhada. O que foi profetizado: se ela for tirada da bainha, será
o fim do mundo”.

Ele praguejou com óbvia frustração, o filho do gigante do gelo, mas eu sentia que ele teria
se arriscado até mesmo ao fim do mundo se isso pudesse lhe trazer o poder que ele tanto
procurava. Quão sombria deve ser essa tribo de Jotunheim, pensei, ainda não sabendo
sobre os Aesir e sua tenebrosa capacidade para a traição.

Então sem me preocupar com o perigo, eu disse a ele: "Há ainda um outro tesouro no salão
de Sinmora. Ela fabrica o melhor hidromel em toda Muspelheim. Eles dizem," acrescentei
maliciosamente, "que ele pode trazer inspiração. Sabedoria. Talvez até mesmo a solução
para seu problema . "

"Hidromel?" Seu tom era francamente intrigado.

"Quer dizer que vocês não produzem hidromel no norte?" Eu ri. "Não me admira que você
não tenha nenhuma alegria na vida! Volte comigo ao salão de Sinmora! Vou lhe mostrar que
tipo de ladrão eu sou, e aposto que depois que você provar um ou dois chifres do hidromel
de Sinmora, você trocará todo o gelo de Jotunheim em um caldeirão de sua bebida
dourada!"

Oh, o quão despreocupado estava naquelas últimas horas inocentes, tão desavisado a
respeito do meu Wyrd!

O estranho caminhante cansado concordou com relutância, então tomamos novamente a


forma de pássaros e subimos para o céu. Odinn parecia ser carregado ao longo de sua

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própria corrente de ventos gelados, tão poderosamente quanto voa uma águia. Ao sul
voamos, deixando as terras de gelo e neve para trás, até que chegamos novamente a
Muspell, a terra que o frio não pode tocar.

Fora do portão de Sinmora estavam os dois cães, ainda acorrentados em guarda. Gifr
estava enrolado em seu sono, mas Geri saltou esticando sua corrente, acordado e alerta.
Acariciei seu queixo, fazendo-lhe agrados com as mãos no lugar por trás de suas orelhas e
então disse a Odinn, "Siga-me", deixando-o passar pela viciosa besta, que abanou sua
cauda enquanto adentrei o salão. Próximo à lareira estava o caldeirão transbordando de
hidromel espumante e dourado. Enchi os chifre até transbordar, um para Odinn e outro para
mim mesmo, para saciar a sede ardente que nosso longo voo tinha me dado.

Depois de um só gole, a carranca de Odinn se relaxou. Depois de outro, ele já estava rindo
ao meu lado. "Esta bebida é uma maravilha!" exclamou. "Faz o sangue cantar em minhas
veias! Não me deixe esquecer de trazer um pouco disso de volta para Jotunheim." Ele
tomou outro profundo gole.

Vi que sua língua se soltou e, pensei em aproveitar a oportunidade para aprender alguns
segredos. "Diga-me, andarilho Gangleri, meu amigo, todos os gigantes de gelo são
transmorfos como você? Devo admitir, fiquei surpreso quando vi você mudar para a forma
de um urso hoje. Eu pensei que este meu talento fosse mais exclusivo. "

"Ah", disse ele, limpando a espuma da barba dourada e abrindo seu manto para me mostrar
as peles nas quais estava envolto, “aqui, você vê? Feitiçaria, um presente de uma mulher
sábia, as peles de um urso e de uma águia. Posso tomar essas formas quando estiver
usando estas vestes. De todos os meus irmãos, apenas Heimdall é transmorfo desde o
nascimento. Ele pode tomar a forma de uma foca, pois suas mães eram filhas de Aegir — o
rei dos mares — ou pelo menos eu sempre achei que fosse assim."

"Você disse “mães”? Quantas ele tem?"

"Nove delas — todas irmãs. Ele é um bom sujeito, Heimdall. Brilhante, face luminosa.
Nunca dorme. Ele pode ver um pernilongo saltando no ar uma centena de léguas de
distância. Ele ouve a grama crescendo. Você deve encontrá-lo algum dia, eu gostaria que
você conhecesse todos os meus irmãos — Tyr, Honir e, especialmente, o meu filho de
criação Thorr. Você me lembra um pouco o Thorr, por conta de sua cabeleira ruiva".

"Eu herdei os cabelos de meu pai", disse eu a ele.

Ele me deu um tapinha nas costas, que me obrigou a expelir o ar dos pulmões e fazendo
minhas costelas doerem. "Você sabe, filho de Farbauti, gostei de você. Você não roubou a
espada para mim, mas que me importa. Essa bebida — Este “hidromel” — é ainda melhor!
Quase posso sentir a inspiração fervendo em mim agora mesmo! É quase tão bom quanto
as águas do poço de Mimir, e tem um gosto muito melhor!" Ele esvaziou seu chifre e arrotou

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com satisfação. "Você terá um assento em meu salão em qualquer momento que desejar!
Você tem meu juramento."

Ele colocou o braço em volta do meu ombro e me puxou para perto contra ele. "Na verdade,
gostei tanto de você que quero ser seu irmão. Venha! Vamos misturar nosso sangue, você e
eu! Um juramento de fraternidade!" Ele puxou uma faca do cinto, a qual tomei dele, já que
estava bêbado e eu não confiava nada na firmeza da suas mãos. Sem se importar com
qualquer possibilidade de traição, fiz um corte em cada um dos nossos antebraços. O
sangue escuro brotou para fora, e nós pressionamos nossas mãos, braço com braço, carne
com carne, meu sangue com o dele, o dele com o meu.

Então, quando separamos nossos braços, olhei por um instante em seus olhos, e lá vi um
brilho gelado e calculista que me fez tremer incontrolavelmente, tocado por calafrios embora
estivéssemos em Muspelheim, terra das chamas. Pois, quando misturamos nossos sangues
uma parte de mim passara para ele, e a partir daquele momento ele poderia mudar de sua
forma à vontade, e os homens mais tarde o chamariam Fjolnir, “o de muitas formas”.

Enquanto olhava para meu braço manchado de sangue, perguntava-me de onde essa
suspeita havia vindo, essa sugestão de frio calculismo, ele se levantou para sair. "Você deve
visitar o meu salão um dia, meu novo irmão de sangue. Oh, não se preocupe, eu ainda vou
ter um salão para mim, isso mais cedo do que você imagina. E não se esqueça de trazer
um pouco deste hidromel com você quando vier! "

Em seguida, ele se foi, sobre fortes asas de águia e um furioso vento gelado.

Odinn, meu recém-conquistado irmão.

CAPÍTULO II

Eu podia sentir o frio queimando na cicatriz em meu braço. Uma tempestade soprava
através da minha alma, vinda do norte. A partir do momento em que o sangue de Odinn
passou para minhas veias me vi inquieto e insatisfeito. Sua maldição havia me
contaminado, alterando meu Wyrd, projetando o destino à minha frente qual sombra. Ao
contrário de meu recém encontrado irmão, não era poder aquilo que eu almejava da vida —
quando teria eu ansiado por poder? E, certamente, eu não tinha a intenção de desafiar Surtr
para usurpar seu lugar no trono em Muspelheim. Claro que seu lugar em sua cama, ah, isso
já se tratava de um assunto bem diferente!

Era verdade que todas as filhas de Muspell eram donas de coxas quentes e envolventes, e
isso foi suficiente para mim por muito tempo, mas agora não mais. Passei a retornar mais e
mais aos umbrais rodeados por chamas de Okolnir, o salão de Sinmora. Antes, o meu

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desejo pela esposa de Surtr não passava de uma diversão inofensiva. Meus irmãos e eu
competíamos por olhares favoráveis daqueles olhos ardentes, e eu me excitava imaginando
o quão rapidamente uma centelha de meu calor poderia inflamá-la. Todavia, a simples
lembrança da ira de Surtr sempre fora o suficiente para me impedir de quaisquer ações
precipitadas.

Bem, agora não mais. Descuidadamente, passei a traçar meu caminho para a sua cama.
Minha respiração soprava quente em seus ouvidos, e minha mão queimava entre suas
coxas. Eu era jovem naquela época, minha aparência ainda era brilhante e sem cicatrizes, e
ela me correspondeu como a palha responde à chama. Ah, Sinmora! Não passei de uma
breve e brilhante diversão para você, não é verdade?

Sim, fui imprudente, e bem sabia que minha ousadia era o que me fazia mais atraente a ela.
E era verdade para mim também, uma vez que os riscos fizeram de nossa paixão algo
muito mais excitante. Até nos atrevemos a nos divertir na própria cama de Surtr, e o perigo
nos trouxe emoções muito além da imaginação. Hoje sei que essa era a minha Wyrd, como
as Nornes diriam, embora no momento as três ainda me fossem desconhecidas. Busquei
sua cama de novo e de novo, desafiando o destino e, certamente, o bom senso. Na
verdade, hoje sei que cortejava o desastre ainda mais avidamente do que perseguia a
Sinmora.

Só me pergunto como pôde ter demorado tanto tempo até que Surtr nos descobrisse — oh,
sim, flagrados em pleno ato, copulando tão furiosamente que sequer ouvimos a porta do
quarto a se abrir. A ira quente de Surtr explodiu como um vulcão. Saltei da cama de
Sinmora apenas um instante antes que a mesma explodisse em chamas, enquanto o meu
doce e traiçoeiro amor gritava para o marido, "Oh meu senhor! Ele invadiu meu salão e me
violentou!"

O relâmpago voou da mão de Surtr, explodindo no ar. Desviei-me de modo selvagem,


correndo de um canto para outro. Eu sabia que ele poderia me consumir, reduzindo-me a
cinzas, mesmo eu, nascido filho do raio!

Sinmora assistia ao embate na segurança de sua cama, totalmente entretida. Me perguntei


sobre quantos outros amantes teria ela descartado dessa maneira, e até admirei sua
crueldade, ao mesmo tempo corajosa e sem nenhum resquício de vergonha. Eu só podia
imaginar como seu marido a puniria depois de me haver eliminado, e até de certa forma por
um breve momento invejei dele esse prazer.

No entanto, eu ainda me esforçava para fugir, e finalmente voei na forma de um falcão


diretamente rumo aos olhos de Surtr, surpreendendo-o de modo que eu pudesse passar
como um dardo entre suas mãos e a porta, com as penas de minha cauda em chamas.

A ira de Surtr me perseguiu com a rapidez de um incêndio, mas minhas asas de falcão me
carregaram a norte, para a segurança da fronteira de Muspell, chamuscado, cheio de

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bolhas, exausto, mas muito vivo. O mundo estava aberto diante de mim, e me recusei a
olhar para trás para contemplar o lar para o qual nunca retornaria. Desafiadoramente, me
vangloriei em meu exílio enquanto voava alto sobre o verde mundo de Midgard.

E aqui estava uma maravilha inesperada! Na última vez em que sobrevoara Midgard, ainda
em busca daquele ladrão que se intitulava Gangleri, este vasto, amplo centro do mundo era
ainda um desolado deserto que separava os limites gelados do norte daquelas terras
flamejantes a sul. Mas agora, florestas surgiram sobre a terra: freixos, vidoeiros e carvalhos,
abetos perfumados e pinheiros. O cheiro das árvores acordou o sangue de minha mãe em
minhas veias, e me lembrei que também era filho de Laufey, não só de Farbauti. Eu era
tanto filho da floresta quanto do relâmpago.

Galguei uma corrente de ar ascendente e percebi que os bosques se estendiam quase sem
limites, coroando tudo, mesmo as montanhas mais altas. Ainda não existiam mortais que
ferissem as florestas com machados e incêndios, por isso foi essa a primavera de um
mundo que era, assim como eu, jovem e intocado por cicatrizes. Rios corriam pelas
encostas das montanhas, e os oceanos quebravam contra suas margens vazias.

Enquanto voava rumo ao norte, pude ver que os vastos lençóis de gelo haviam recuado das
terras que um dia fizeram parte de Jotunheim. O domínio do gelo havia sido derrubado. Meu
braço cicatrizado se arrepiou com a memória de seu frio toque — Odinn. O frio e poderoso
vento que parecia estar me soprando em direção ao norte! De repente, retrocedi e voei
rumo ao sul novamente, lutando contra a sua atração sobre minha alma, mas agora sei que
era meu próprio sangue nele me chamando, e o seu no meu a corresponder.

Então, ao longe eu pude vagamente divisar o maciço tronco da Árvore do Mundo, um freixo
gigantesco com sua copa perdida entre as nuvens. Tinha vindo à vida a partir da fonte
chamada Hvergelmir, o caldeirão fervente, que brotara eras atrás no lugar onde a neve e o
gelo do norte, com seu frios vendavais, se encontravam com o hálito quente de Muspell, ao
sul. Seu poder era tão forte e profundo que mesmo Odinn se curvava a ele.

Então, o encanto que me compelia a seguir em frente foi quebrado. Circulei sobre as
florestas de Midgard, livre das correntes do céu. A Árvore do Mundo era antiga mas, ainda
assim, este verde mundo era jovem como eu, jovem e ansioso para explorar essas novas
maravilhas. Parti em forma de lobo, trotando incansavelmente pelos bosques verdes,
enquanto os aromas do mundo inundavam meu cérebro. Alegremente, cacei uma lebre, abri
sua garganta e lambi o doce sabor quente de seu sangue. Esta seria uma vida que eu
poderia amar!

Dias depois, adentrei o domínio de uma matilha de lobos selvagens. Seu líder me
confrontou, rosnando, pois minha presença ameaçava sua liderança. Eu era maior e mais
poderoso, e ele circulou com as pernas rígidas em torno de mim com os pelos das costas
eriçados. Senti a pelagem em minhas costas também a se levantar, e meu faro captou o
almíscar sedutor de suas fêmeas, ansiosas para acasalar com o mais forte. Seria uma luta

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até a morte, e nós dois sabíamos disso. Saltei sobre ele. Minhas presas brancas afiadas
rasgaram seus flancos, sua barriga. Ele morreu choramingando, com suas quentes
entranhas rasgadas espalhadas sobre o chão.

O resto da matilha se arrastou até mim com as caudas abaixadas, e eu aceitei sua
submissão. Cruzei com todas as fêmeas e assisti suas barrigas a inchar com meus filhotes.
Levei a matilha através das florestas, à noite, e, juntos, derrubamos veados e magníficos
javalis de presas afiadas. Nossos focinhos permaneciam manchados com sangue, que
parecia negro ao luar. Nós uivávamos alto pelo prazer de matar.

Os filhotes cresceram. Os velhos lobos morreram. Acasalei com as fêmeas mais jovens e
elas tiveram seus próprios filhotes. Eu repousava ao sol e assistia entretido enquanto eles
lutavam entre si por um pedaço de couro, vendo suas barrigas a crescer redondas, repletas
de leite e carne. Eles saltavam em bandos sobre mim e mordiscavam minha cauda,
​rosnando com suas pequenas gargantas.

Mas, quando à noite a lua subiu, vi suas formas mudarem, agora sobre duas pernas, de pé.
Esta visão me perturbou. Deixei para trás a matilha e corri sozinho pela floresta. Percebi
que a vida lupina estava lentamente dominando a minha alma. Minhas memórias de
Muspelheim foram desaparecendo. Saltei ao longo de trilhas invisíveis, saboreando os
aromas da noite, em uma inquieta busca por algo que eu não conseguia lembrar. Chamas
dançavam dentro dos meus olhos. Eu era Loki, os ventos sussurraram, assobiando por
entre os galhos das árvores. Loki, filho da floresta. Loki, o brilhante, aquele que pode mudar
de forma. Mas então meu focinho capturou o cheiro quente de meus companheiros, e esses
sussurros morreram enquanto eu corria ansioso de volta à minha matilha.

Como o passar dos anos, os sussurros foram esvanecendo e se tornando cada vez mais
difíceis de ouvir. Eu poderia ter continuado assim para sempre, imortal em forma de lobo,
mas certa noite uma figura apareceu na trilha à minha frente, camuflada e encapuzada em
vestes cinzas. De repente, a pelagem de minhas costas se eriçou com o reconhecimento de
uma ameaça familiar. Logo assumi novamente minha própria forma, estranhando a
sensação de ter apenas dois pés no chão. Na verdade, penso que depois de todo aquele
tempo a forma lupina havia se entranhado em meu sangue, e lá permanecendo, em mim e
em meus filhos, suspeito eu.

Então Odinn me cumprimentou, "Irmão lobo! Filho de Farbauti! É bom encontrá-lo


novamente aqui em Midgard. E como anda a vida em Muspelheim? Ainda fermentam
hidromel no salão de Sinmora?"

"Pode até ser, mas faz muito que não tenho o prazer de tomar um chifre de tal bebida,"
disse eu, brevemente relatando as circunstâncias de meu exílio.

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

Fã-traduzido por Cristiano Rohling


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Ele me deu um tapa nas costas e soltou uma gargalhada. "A esposa de Surtr! Oh, eu sabia
que tinha bons motivos para ter gostado tanto de você, transmorfo! Você não roubaria a
espada de seu mestre, mas certamente subiria em sua cama pra lhe foder a esposa!"

Estremeci com a força de sua saudação. "O que é feito de você, meu irmão Gangleri? O
que o traz aqui para a floresta? Você ainda anda a vagar? Está ainda à procura de meios
para derrubar os gigantes do gelo?"

Sua expressão mudou, seu rosto tornou-se sério. "Eu lhe disse que em breve teria um salão
para mim, e agora tenho. Houve muitas mudanças no Norte. Grandes mudanças.
Certamente você as deve ter notado." Ele acenou com mão em nosso entorno, abrangendo
toda a floresta e as montanhas distantes. Comecei a entender. Grandes mudanças de fato.
"Você quer dizer tudo isso foi obra sua? Todo esse mundo verdejante?"

"Houve uma inundação", disse ele, friamente, "e muitos dos antigos gigantes se afogaram.
O gelo está recuando, Jotunheim já passou. Temos uma nova ordem agora. Os Aesir estão
no poder."

Então ele sorriu, quase caloroso em seu convite. "Mas venha comigo e veja por si mesmo.
Lembro-me da promessa que fiz a meu irmão de sangue. Pelo tempo que você, você terá
um lugar no meus salões. Particularmente agora, desde que você não é mais bem-vindo em
Muspell! "

Eu sabia que era verdade, eu jamais poderia retornar para a minha terra natal, no domínio
das chamas. Eu estava cansado, até então, da forma lupina, a vida com a matilha
selvagem. Então eu me permiti desta vez ser levado por ele ao norte, para o recém-fundado
domínio de Asgard, encantado, finalmente, mesmo sem conhecê-lo.

****

Eu nunca me esquecerei de minha primeira visão do reino de Odinn. Chegamos a ele


apenas ao nascer do sol, e Odinn segurou em meu braço. "Veja!"

À distância, uma ponte de gloriosa luz se arqueava no céu, desaparecendo além do


horizonte. Era feita de fios de todas as cores, luzes fraturadas e polidas como pedras
preciosas. Me doía só de contemplá-la, e foi também doloroso quando finalmente tive que
desviar dela meu olhos.

Odinn brilhava com um orgulho que eu, naquele momento, estava muito disposto a perdoar.
"Este é Bifrost, o caminho brilhante", disse ele. "Foi criado por meu irmão Heimdall, o qual
permanece vigiando a seus pés, guardando o caminho para Asgard. Nós o encontraremos
lá."

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

Fã-traduzido por Cristiano Rohling


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Heimdall. Lembrei-me esse nome. "Ele não é o transmorfo que pode tomar forma de foca?
Aquele com nove mães? Você nunca me disse que ele poderia criar algo parecido com
isso!"

Talvez ele tenha sentido minha inveja. Ou talvez tenha até mesmo sido um pressentimento
do futuro, da batalha final, quando a profecia prediz que lutaremos até a morte. Oh, como
darei boas vindas a este grande dia que virá, Heimdall, meu inimigo!

Fosse o que fosse, detestamo-nos à primeira vista, Heimdall e eu. No momento em que me
viu me aproximando da ponte, ele levou sua mão à corneta, pronto para soar o alarme.
Odinn interveio antes que ele pudesse levar sua trombeta à boca. "Tenhamos uma melhor
recepção para meu irmão de sangue de Muspell! Este é Loki, o filho de Farbauti, e eu lhe
prometi um assento de honra em meus salões."

"Filho de Muspell," Heimdall disse, e as palavras soavam em sua boca como uma maldição.
"Irmão, não se lembra da profecia, esta ponte cairá no dia que os filhos de Muspell puserem
sobre ela seus pés?"

Mas quando Odinn lhe dirigiu um olhar furioso, ele deu um passo para o lado para me
liberar a passagem. E a ponte, devo acrescentar, não desabou enquanto eu passava por
sobre ela com seus olhos fixos às minhas costas, tão penetrantes como pontas de lança.
"Eu não acho que ele tenha gostado de mim, este seu irmão", comentei com Odinn, um
tanto irritado com sua recepção.

"Não importa. Este é o nosso portal para Asgard, e Heimdall é nosso vigia, o guardião da
ponte. Assim deve ser." Odinn conduziu-me junto a ele, superando quaisquer pensamentos
de oposição com uma onda de promessas que diziam que Asgard detinha maravilhas muito
além de qualquer coisa que eu já tinha visto.

"Asgard? Então esta seria a fortaleza dos Aesir?"

"Como eu lhe disse, Jotunheim é coisa do passado. Os Aesir detêm o poder agora, meus
irmãos e eu." Ele soou defensivo, assim como deveria, pois havia assassinado seu próprio
pai para usurpar seu lugar.

Logo passamos através de uma cortina de nuvens e percebi que estávamos sobre uma
ampla planície sobre a qual existiam magníficas construções, seus telhados brilhando como
ouro batido. "Seja bem-vindo a Asgard!", anunciou Odinn. Tive que admitir, aquele lugar era
uma grande melhoria sobre o deserto gelado dos gigantes do gelo. Árvores cresciam por
todos os lugares oferecendo frutos dourados, e o céu brilhava sobre verdes prados.

"Veja, naquela colina", disse Odinn. "Meu próprio salão, Gladsheim!"

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

Fã-traduzido por Cristiano Rohling


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Eu observei abertamente. O salão de Odinn situava-se muito acima dos demais, olhando de
cima sobre toda Asgard, e era tudo o que ele havia prometido, todo feito de ouro polido,
mesmo o telhado, as paredes e as portas. Esse deveria ser meu novo lar, onde eu durante
o tempo em que desejasse teria um lugar de honra como irmão de Odinn. Eu estava, é
claro, lisonjeado e satisfeito.

"Onde você conseguiu tudo isso?" perguntei, boquiaberto. "Todo esse ouro!"

"Oh," ele disse casualmente, "isso veio dos anões."

"Anões?"

"Você não os conhece? Não, suponho que não. Eles nasceram das larvas que se
alimentaram do cadáver de Ymir — o primeiro do Jotuns, pai de todos eles. Por conta disso,
pertencem a nós. Eles vivem em cavernas em seu próprio mundo, Nidavellir, sempre
cavando o solo como vermes — escavando, minerando, sempre em busca de tesouros.
Eles odeiam a luz, o sol pode até mesmo matá-los. Nunca confie neles, especialmente
quando o assunto envolver ouro. Todavia, eles têm uma habilidade especial com ele, não há
como negar. É uma pena que toda essa sabedoria seja desperdiçada nesses gananciosos,
dissimulados e maliciosos pequenos vermes."

"Vejo que você não gosta muito deles. Então por qual razão teriam eles lhe oferecido todo
esse ouro?"

"Eles acham vantajoso agradar aos Aesir. Eles se lembram do dilúvio", disse ele,
enigmaticamente. Este meu novo irmão tinha muitos segredos, e enquanto falava sobre os
anões algo nas palavras de Odinn me fazia vacilar, sendo que resolvi descobrir mais sobre
este assunto em algum outro dia.

Nesse momento minha atenção foi distraída pela visão de uma enorme figura que se
aproximava de nossas vistas, entrando em Asgard não através da ponte cintilante, mas a
caminhar com grande esforço sobre um dos rios que a rodeavam, formando sua fronteira
exterior.

"Thorr!" Odinn o chamou. E disse a mim, com uma estranha espécie de orgulho: "Agora
você conhecerá Thorr, meu filho adotivo. Seu peso quebraria a ponte caso tentasse
atravessá-la. Ele é o mais forte de todos os Aesir!"

Enquanto ele se aproximava, pude ver que Thorr se agigantava em estatura sobre Odinn.
Era um sujeito enorme com aspecto imbecil, rosto cheio de caroços cercado por um
desalinho de cabelos e barba ruivos. Odinn me apresentou a ele alegremente, anunciando:
"Aqui está meu irmão de sangue Loki, que veio de Muspell para ficar conosco! Você se
lembra quando lhe disse a respeito do hidromel?"

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

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"Você trouxe hidromel?" o grande idiota perguntou, ansiosamente.

"Bem, na verdade não. Tive que sair com um pouco de pressa", expliquei.

"Oh." Thorr franziu o cenho com tristeza.

"Sabe, Loki, você sempre me lembrou um pouco do Thorr, aqui", disse alegremente Odinn.

Contive meu fôlego em quente indignação. O cabelo vermelho, é claro, tornava Thorr
diferente dos demais Aesir, mas era um traço comum em Muspelheim. Certamente não
poderia haver outro motivo para comparação entre nós, tal ideia seria ridícula.

Esta foi então a minha apresentação à peculiar meada de relacionamentos que compunha a
família dos Aesir. A mãe de Thorr era Jord, esposa de um gigante do gelo chamado
Fjolsvid, mas tal giganta era como a própria Terra, pois dava fruto a qualquer homem que
nela enfiasse o arado. Fjolsvid odiou aquele pirralho de cabelos vermelhos, então o surrou
impiedosamente, expulsando-o de seu salão. Este era um comportamento nada incomum
entre os Jotuns. Na verdade, eles sempre foram muito mal sucedidos em inspirar devoção
entre seus filhos, o que naturalmente acabou causando a sua queda. Thorr veio a odiá-los
todos com paixão obcecada — afinal, sua mente fraca só conseguiria lidar com uma paixão
por vez. Jord mais tarde veio a se tornara primeira esposa de Odinn, motivo pelo qual
tomou Thorr como filho adotivo, tratando-o como seu primogênito. Odinn, desta feita, o
elevou para a segunda posição dentre os Aesir, acima até mesmo de seus próprios irmãos
Heimdall e Tyr, pois sem a força de Thorr eles jamais teriam conseguido destruir o poder de
Jotunheim.

Esta é a verdade, não o conto que os skalds têm cantado: de como Odinn e seus irmãos se
levantaram contra o domínio maligno dos Jotuns, criando a Terra Média com seus restos
mortais. Os skalds são todos dele e têm engolido suas mentiras, bêbados com a bebida
barata por ele chamada de “hidromel da poesia”.

Ouçam agora: como o mundo nasceu do fogo e do gelo no início dos tempos, quando a
fonte Hvergelmir veio a existir. Neblina e nevoeiro dela se levantaram, novamente a se
congelar como um enorme ser com forma humana. Esta foi a origem de Ymir, pai de todos
os Jotuns, pelo qual foram eles chamados de gigantes do gelo. Por ser o primeiro, deles foi
o mais sábio. Ymir criou seus filhos moldando-os ao juntar terra com sua própria substância,
seu sangue congelado e saliva. Então ele se ordenhou até que sua semente gelada
jorrasse sobre a mistura, e assim os seres por ele formados vieram à vida, seus filhos e
filhas.

Eles eram um grupo de brutos disformes, estes primeiros Jotuns, com nomes
desfavorecidos como Buri, Bor, Bolthorn e Bergelmir. Mas Ymir se deitou com suas filhas e
deu origem a uma outra geração mais sábia. Entre estes estavam as crias assassinas de
Bestla, filha de Bolthorn, que agora se chamam de os Aesir.

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Escrito com Veneno
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Sim, vocês até poderiam acreditar que os Aesir sejam filhos de uma raça inteiramente
diferente, como os skalds têm contado em seus relatos, mas aqui está a verdade: Odinn e
seus irmãos eram filhos de Ymir, nascidos como todo o resto nas geladas planícies de
Jotunheim. Mas Odinn invejava a sabedoria de Ymir, e tinha ciúmes de seus salões, de
suas filhas e de seu poder. Tudo isso queria para si mesmo, e isso é o que o levou, ainda na
aurora do mundo, para Muspelheim em busca da espada flamejante de Surtr, que ainda
reside sob os cuidados de Sinmora, à espera do fim.

Muito acima dos salões de Jotunheim, o rio Iving fluía para um grande lago, retido por uma
represa de gelo. Foi Thorr, filho adotivo de Odinn, que com sua grande força partiu a geleira
de modo a abrir a represa. A gélida inundação correu por sobre Jotunheim, lavando os
salões dos gigantes e afogando Ymir. O parricida Odinn e seus irmãos assassinos cortaram
o corpo do pai em pedaços, sendo que dele fluíram nove rios de sangue nas vastidões
vazias da Terra Média. A partir deste solo enriquecido, surgiram as florestas que encontrei
enquanto fugia do salão de Sinmora sob a forma de lobo.

Liderados por Bergelmir, os Jotuns sobreviventes escaparam para norte, nos confins do
mundo. Lá estabeleceram Utgard, sua nova fortaleza, lugar onde vivem a tramar sua fria
vingança contra os assassinos Aesir. Desde então houve guerra entre Utgard e Asgard,
sendo que um dia haverá uma batalha final que destruirá a ambas as raças, deixando o
mundo em chamas.

Oh, como eu aguardo por esse dia!

CAPÍTULO III

Sim, as fundações de Asgard foram construídas sobre o assassinato e a traição. Na época


eu ainda não sabia disso, apenas entendia ser o salão do Odinn um lugar impressionante e
que lá ele me havia oferecido morada, direito este por mim perdido em minha terra natal.

Hoje sei que teria sido melhor permanecer como lobo nas verdes florestas de Midgard,
mesmo com o risco de perder inteiramente minha alma à vida lupina. Seria melhor que uma
vida em meio à maldade e a traição de Odinn e sua tribo. Mas, como as Nornes já
disseram, ninguém pode escapar de seu Wyrd, e meu fio já estava sendo tecido em
conjunto com o de Odinn.

Foi assim que tomei meu próprio assento em Gladsheim, uma construção impressionante e
elevada, com seu alto teto suportado por pilares esculpidos em ouro. Havia bancos e uma
ampla mesa para os banquetes, assim como fogo sempre a arder na lareira. Odinn me
honrou com um assento próximo ao seu, mas fui friamente recebido pelo resto dos Aesir, já

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que os irmãos de Odinn ficaram enciumados com a presença de um estranho e temiam a


influência de Muspell.

Heimdall, como comentei, detestou-me desde o primeiro momento. Creio que isso de deve
ao fato de ele ter o dom de ver o futuro, sendo que foi profetizado que na última batalha do
mundo seremos a causa da morte um do outro.

Além de Heimdall, Tyr era o mais influente de todos os Aesir, o mais velho, o primogênito na
prole de Bestla, muito embora Odinn desde então tramasse para usurpar seu lugar de
direito. Tyr era um guerreiro sem muita inteligência, e Odinn sempre foi um estrategista. Ao
me trazer para seu salão, Odinn conseguiu desviar as suspeitas naturais de seu irmão para
mim, o estrangeiro, o estranho. A quem foi dado o assento de honra ao lado de Odinn?
Quem era o novo companheiro de todas as suas viagens? Quem estava sempre envolvido
nas últimas intrigas e conspirações? Então, o pobre e estúpido Tyr se assentava no salão a
roer sua carne, olhando em minha direção a tocar na borda de sua lâmina, enquanto seu
irmão trabalhava o tempo todo de modo a minar sua influência e garantir lugar como
primeiro dentre os Aesir .

De todos, apenas Honir falava comigo de forma civilizada, mas Honir era a sombra de
Odinn, sua voz fazia eco à de Odinn. Ainda assim, ele foi para mim um amigo nesses
primeiros dias e, de todos os Aesir, será ele o único a quem não tentarei destruir no final
dos tempos.

Então essa era Asgard, meu novo lar. Eu apreciava suas maravilhas, mas depois de
encontrar pela primeira vez os Jotuns fiquei imaginando como o domínio dos Aesir poderia
suplantar sua força e feitiçaria obviamente superiores. A resposta estava em Odinn. Thorr
era o mais forte, eram profundas a prudência e a sabedoria de Heimdall e Tyr era o mais
hábil na guerra. Mas o poder exclusivo de Odinn era o de ligar as almas de seus
seguidores, dobrando-as à sua própria vontade. Quando ele ordenava, eles obedeciam.
Mesmo eu havia caído sob seu feitiço, ainda em Muspelheim, quando fiz o juramento de
sangue.

Em contraste, os Jotuns eram grosseiros, brutos solitários, e cada um deles vivia tão
enciumado de seu próprio poder e de suas riquezas que não podiam confiar em ninguém,
nem mesmo em seus irmãos. Suas fortalezas eram isoladas, no alto dos rochedos
desolados de Utgard, que escaparam à devastação do dilúvio de Odinn. Penso que se
tivessem eles combinado suas forças, teriam esmagado Asgard como pó sob seus pés,
mas eram muito desconfiados uns com os outros. Eles não tinham Odinn para uni-los.
Ainda assim, como indivíduos, eram inimigos poderosos e os Aesir permaneciam em alerta
contra eles, especialmente nos primeiros dias, quando seu domínio era novo.

No entanto, não foram o Jotuns que derrubaram as muralhas de Asgard, mas uma outra
raça de feiticeiros para mim desconhecidos, os Vanir.

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Até aquele momento, as esposas dos Aesir eram filhas de Ymir e dos Jotuns, tão
deselegantes e grosseiras quanto a terra da qual foram formadas: Bestla, Jord e Fjorgyn
eram seus nomes, e embora prontamente dessem frutos quando lavradas, não havia calor
entre suas coxas irregulares que servisse para aquecer os lombos de um homem e excitar
seu sangue. Naqueles dias, amargamente eu sentia a falta das tórridas e luxuriosas filhas
de Muspelheim!

Então a feiticeira Gullveig apareceu no salão de Odinn, deixando-o em chamas.

Ela apareceu pela primeira vez para Heimdall ao pé da ponte Bifrost. Heimdall tinha vistas
aguçadas e era capaz de enxergar a grama crescendo num prado a cem léguas de
distância — mas para seus olhos aquela era uma visão totalmente nova. Brancos eram
seus braços nus, com braceletes que lembravam serpentes gêmeas de ouro incrustadas
com brilhantes olhos de ametista. Alva era sua garganta nua, circulada por um belo colar de
ouro esculpido. Apertado era seu vestido, acinturado com elos de ouro que revelavam a
redondeza exuberante de seus seios, barriga e quadris. Mais brilhante que o ouro era seu
cabelo, trançado como coroa sobre a cabeça.

Gullveig era seu nome, e foi com o enfeitiçado mel de suas palavras que Heimdall o
guardião foi logo enganado e retirado de seu posto aos pés da brilhante ponte do arco-íris,
deixando o caminho para Asgard aberto e desguarnecido enquanto Gullveig ensinava-lhe
sobre os doces prazeres que podem ser encontrados entre as coxas de uma mulher
experiente.

Não foi nenhum bando de inimigos armados que invadiu Asgard naquele dia, somente uma
mulher, mas nenhuma banda marcial poderia ter mais eficazmente semeado confusão entre
as hostes dos Aesir que apenas Gullveig. A única coisa semelhante que eu já havia visto
era a matilha quando uma loba entrava no cio e desfilava entre os frenéticos cães com sua
cauda levantada e convidativa, seu perfume almiscarado deixando-os em um frenesi de
luxúria enquanto o líder arreganhava os dentes, rosnando e salivando em sua fúria para
manter seus favores apenas para si. Era dessa forma que Gullveig flanava pelo salão de
Odinn, com seus ornamentos de ouro brilhando à luz do fogo.

Foi o ouro de Gladsheim que a atraiu, pois acima de todas as coisas ela amava o brilhante
metal do qual o salão era repleto, sendo encrustadas de ouro até colunas douradas que
brilhavam mais que o sol. No início, como todo o resto dos Aesir, Odinn se encantou com
seus engôdos, sempre cheio de luxúria. Ele seguiu Gullveig ofegante em seu desejo,
despejando por entre suas coxas todo o seu vigor. Tamanha era dela a bruxaria que, uma
vez esgotado, o desejo de Odinn novamente se elevava como se nunca tivesse sido
satisfeito.

Entretanto, Gullveig era ainda mais insaciável, e quando o vigor de Odinn deu mostras de
estar se esgotando ela encontrou Heimdall mais que disposto a retomar seu lugar entre
suas coxas, e isso se repetiu com Tyr, Thorr e Honir — todos os Aesir eram agora seus

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Escrito com Veneno
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escravos na luxúria, e um a um ela exauriu, drenando seu vigor junto com sua semente.
Eles disputavam entre si por suas atenções, trazendo presentes de ouro. Como lobos em
uma matilha, rosnavam com os dentes à mostra, caminhando com as pernas rígidas pelos
salões e se entreolhando com ciúmes quando um deles obtinha os favores que tanto
desejavam apenas para si próprios. Tyr afiou sua espada, Thorr flexionou seus músculos,
Heimdall observava a todos. E Odinn, o Pai de Todos, percebeu que seu domínio sobre os
irmãos estava diminuindo, pois a paixão deles por ela colocava-os uns contra os outros —
e, por extensão, contra ele.

Lentamente, seu desejo por poder superou sua natural lascívia, e Odinn começou a meditar
sobre a situação. Ele me confidenciou: "Esta mulher, esta bruxa, ela coloca meus irmãos
uns contra os outros, ela perturba a ordem em meu salão. Pensei a princípio que fossem
apenas os ardis de uma mulher sem-vergonha, mas agora me pergunto — estará ela
usando de feitiçaria contra mim? "

"Por que você se importa?" perguntei a ele. "Que diferença faz se é feitiçaria aquilo que traz
calor a seus lombos, e não somente a visão dos seios brancos nus de uma mulher? Você
não gosta dela? Não é bom arar o sulco entre suas coxas, semeando sua semente em uma
terra tão bem trabalhada? "

"Mas qual preço terei que pagar por este prazer?" respondeu ele. "O que sabemos desta
bruxa? Quem são os Vanir, o povo dela? E se eles a tiverem enviado apenas para semear
discórdia e dissensão em meus salões, para enfraquecer meu poder? Olhe para os meus
irmãos! Heimdall não vigia mais contra nossos inimigos, Tyr tem deixado sua espada a
acumular ferrugem. Mesmo Thorr só pensa nessa mulher, e se esquece de sua ira contra os
Jotuns! "

"Por que simplesmente você não a manda partir de seu salão, então?"

"Eu faria isso", disse severamente ", mas temo que meus irmãos abandonem Asgard para
seguir atrás dela."

"Aqui está uma solução," ofereci sem seriedade. "E se eu a seduzisse? Logo, ela não teria
tempo livre para os outros Aesir, e seu problema estaria resolvido!" Esta era de certa forma
uma mentira da minha parte, pois na verdade eu também já estava tão tomado de desejo
por Gullveig que planejava fazê-la minha própria esposa.

Sigyn, você é quem agora escreve estas palavras com o negro veneno da serpente,
ajoelhada ao meu lado. Você me deu meus filhos. Ninguém poderia querer uma esposa
melhor, mais dedicada e mais leal, certamente, do que eu mereço. Você é a última, a
melhor coisa que um dia amarei. Mas Gullveig — ela foi a minha primeira.

Senti-me como se atingido por um relâmpago semelhante ao que me concedeu vida quando
pela primeira vez contemplei Gullveig, seus alvos braços rodeados por dourados braceletes.

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Escrito com Veneno
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Cheguei a pensar que o calor de meu desejo terminasse por derreter o cinto que ela trazia
em torno de seus bem torneados quadris. No entanto, os Aesir a seguiam como cães
perseguem uma cadela no cio. Nada mais certo que todos se virariam contra mim caso eu
tentasse tomar para mim seu favor.

Então usei contra eles sua própria concupiscência, tomando a forma de Gullveig para
levá-los para longe dela, aparecendo primeiro aqui e depois ali, sempre desaparecendo no
último momento para que eles a acusassem de ser uma bruxa — ah, se soubesse quais
consequências este meu fraudulento esquema teria!

O que eu sabia então é que finalmente a teria somente para mim. Aproximei-me com minha
mais brilhante aparência e me apresentei: "Meu nome é Loki, filho de Farbauti, irmão de
sangue de Odinn, e dou-lhe tardiamente minhas boas-vindas a Asgard". Toquei de leve sua
mão com meus dedos e tive certeza que meu toque fora suficiente para aquecer seu
sangue.

Inesperado, porém, foi o calor que dela fluiu para mim, em retorno. "Você não é como o
resto dos Aesir!" ela riu. "Estou surpresa por encontrar um homem com fogo nas veias ao
invés de gelo!"

"Você não tem medo que meu toque lhe queime?"

"Ainda não conheci nenhum fogo capaz de me consumir."

Claro que depois disso fomos obrigados a tentar descobrir qual seria a exata quantidade de
calor que poderíamos gerar juntos, e em pouco tempo nosso amor já havia sido capaz de
reduzir sua cama a cinzas fumegantes. A partir desse momento, me vi determinado a tê-la
somente para mim, mas sabia que teria que andar cuidadosamente tendo Odinn como meu
rival.

O que eu ainda não compreendia eram as reais dimensões de sua maldade, o fato de ele
ser capaz de destruir qualquer coisa que não pudesse possuir.

Então me disse meu traiçoeiro irmão, repetindo suas preocupações sobre os Vanir, o povo
da bruxa. "Que tipo de feiticeiros devem ser seus homens", perguntou ele, "se suas
mulheres têm tanto poder? Como vou proteger Asgard contra eles? O que preciso é de uma
arma. E quem além de você seria mais capacitado para me trazer tal objeto?"

Eu protestei: "Já lhe disse, se ainda quer roubar a espada de Surtr..."

"Não, não é a espada de Surtr. Preciso de uma arma própria, e eu sei onde obtê-la. Quero
que você vá até os anões."

"Os anões?" me perguntei "E que as armas que eles teriam?"

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"Eles têm habilidades." Havia uma negra inveja e grande ódio em sua voz, pois não era
capaz de suportar que outros detivessem algum saber que ele não possuísse. "Eles podem
me fazer uma lança que nunca vai perder seu alvo."

"Mas por que me mandar para trazê-la? O que sei eu sobre os anões?"

Ele me encarou com seus olhos cinzentos de forma que senti como se uma lança
perfurasse minha alma. "Porque você é inteligente, meu trapaceiro irmão. Você pode
persuadi-los com essa sua língua escorregadia."

Oh sim, eu era esperto, mas absolutamente não consegui naquele momento ver a traição
em seus olhos. Então fiz o que ele pediu, deixei Gullveig em Asgard e fui a Nidavellir
encontrar os anões em suas cavernas escuras — uma raça verdadeiramente maldosa,
grosseira e egoísta, apesar de sua grande habilidade em arrancar metais das pedras da
terra.

Odeio o subsolo, odeio a escuridão. Odinn sabe disso, claro, e é por isso que ele me
mantém acorrentado aqui, na mais profunda e negra caverna, junto aos umbrais do trevoso
salão de Hel. Minha viagem ao reino dos anões me levou quase a essas mesmas
profundezas, até uma caverna enfumaçada onde os filhos de Ivaldi trabalhavam em sua
forja. Estes irmãos tinham a fama de figurar entre os mais hábeis de sua raça.

"Vim de Asgard com um pedido de Odinn", anunciei.

"Odinn que vá se foder," disseram-me sem desviar o olhar de seu trabalho. "Ele não vai
pegar mais nem um pouco do nosso ouro."

Eu não estava de bom humor por causa da longa viagem no subsolo, e a perspectiva de
voltar até Odinn com as mãos vazias não contribuiu em nada para a sua melhoria. Por isso,
em vez de usar minha língua inteligente para persuadir o anão, agarrei-o pela barba e o
segurei acima do fogo de sua própria forja. Enquanto ele uivava de dor, sibilei em seu
ouvido, "Escute, seu pequeno filho de uma larva, você tem uma chance, apenas uma, de
impedir que os Aesir inundem esta caverna afogando você como um verme, por isso forje
para o senhor dos Aesir uma lança capaz de trazer a vitória em cada arremesso! Ou você
se esqueceu de como sua raça foi gerada a partir da carcaça inundada de Ymir? "

O anão choramingou e acenou com a cabeça chamuscada. Eles são uma raça covarde,
entre outras falhas de caráter, e a memória do dilúvio ainda é afiada em suas mentes.
Então, os filhos de Ivaldi passaram a trabalhar com martelos, foles e pinças.

A lança ficou pronta muito antes que eu imaginasse ser possível, e o anão logo a atirou em
minhas mãos (sem dúvida desejando em vez disso trespassar minhas costelas com sua

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ponta afiada). Pude perceber em sua voz um orgulho taciturno e relutante a respeito de sua
obra. "Seu nome é Gungnir, a lança da vitória, e ela jamais perderá um alvo."

"Tenho certeza que Odinn ficará grato e satisfeito com este presente", disse eu com voz
suave. E, de fato, era uma obra de grande habilidade. Runas de vitória estavam gravadas
no ferro em intrincados padrões que em nada prejudicavam sua força.

Eu agora havia começado a apreciar as habilidades dos anões, mas não estava em nada
satisfeito com minhas próprias. Odinn havia me enviado para dobrar os anões com a
inteligência, não com a força bruta que até mesmo Thorr poderia ter usado. Talvez eu
devesse tentar novamente. Então, em vez de retornar a Asgard com meu prêmio, procurei a
forja dos irmãos Sindri e Brokk. Ao lado dos filhos de Ivaldi, não existiam outros ferreiros
entre os anões com reputação tão grande no trabalho de metais.

"Bom dia!" cumprimentei-os alegremente.

Eles me voltaram um olhar azedo, pois todos os dias são igualmente miseráveis nos
subterrâneos, mas pude perceber seus olhos gananciosos sobre a lança que eu carregava.
"Vejo que notaram minha lança. Um belo trabalho, não é mesmo? Uma lança feita para o
próprio Odinn. Ele encomendou diretamente aos filhos de Ivaldi, pois queria o melhor
resultado possível. Vocês já viram trabalho que pudesse se equiparar a esse? "

Seus lábios se curvaram em desprezo. "É competente", disse Brokk.

"Só competente? Suponho que você faça melhor que isso?"

"Eu poderia", vangloriou-se categoricamente Sindri.

Sorri para mim mesmo. Eu havia conseguido! "Podemos fazer uma prova. Ou você está
com medo de uma pequena aposta para medir a qualidade de seu trabalho com a dos filhos
de Ivaldi?"

Sindri apertou os olhos. "Você quer que façamos uma lança como essa — mas melhor, é
isso?"

Balancei minha cabeça, pois tinha uma ideia completamente diversa. "Odinn só precisa de
uma lança, e esta já é boa o suficiente. Não, o que tenho em mente é algo mais, algo que
realmente possa demonstrar seu talento artístico. Algo em ouro, possivelmente."

Brokk bufou, "Ouro! É típico de Odinn! Sempre ouro."

Na verdade, eu tinha em mente uma destinatária diferente e mais agradável, pois Gullveig
amava o ouro acima de tudo, e eu desejava levar um presente para celebrar nosso

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casamento. Mas eu sabia que os anões nunca resistiriam a uma aposta. Na verdade Brokk
acabara de perguntar: "O que está em jogo?"

"O vencedor leva tudo", disse eu levianamente, pois ele não havia perguntado quem seria o
juiz. Não importa o que houvesse, eu sabia que não poderia me dar ao luxo de perder a
lança de Odinn.

"Feito!" Nesse mesmo instante os irmãos anões começaram a trabalhar, Sindri trabalhava o
metal e seu irmão bombeava o fole na forja. Eu assisti àqueles braços suados e musculosos
a trabalhar incansavelmente, sem parar. Sindri derramou o metal vermelho derretido, uma
visão que me fez lembrar por instantes de meu lar perdido em Muspell, onde as fontes
fluem com lava. Alguns momentos mais tarde, o artesão endireitou e ergueu um bracelete
brilhante. "Aqui está! Seu nome é Draupnir, e a cada nona noite ele vai dar à luz a oito
novos anéis iguais a ele em peso."

Tive grande dificuldade para manter neutra minha expressão. O bracelete era nada menos
que uma obra-prima. Seria um ótimo presente para Gullveig, que tanto amava o ouro! Eu
até podia imaginá-la com seu rosto iluminado de puro prazer quando eu o colocasse em
torno de seu braço, e como ela iria me recompensar por isso.

"Bem", exigiu Brokk de forma truculenta, "não há dúvida, aqui está, qual é o melhor
trabalho? Só preciso pegar a lança agora."

Rapidamente, pus o bracelete em torno de meu braço, enquanto empunhava com firmeza a
lança de Odinn. "Não tão rápido! O juiz terá que ser Odinn. Assim que ele tenha decidido,
farei com que você seja informado." Em um instante eu já tinha dado o fora, correndo para
fora da caverna muito mais rápido do que seriam capazes de perseguir aqueles nanicos de
pernas tortas.

Uivei em voz alta assim que alcancei os limpos e abertos ares de Midgard, rindo-me
alegremente com o sucesso de meu plano. No entanto, muito em breve meu tom mudaria
para a raiva e para a tristeza, pois a capacidade de Odinn para a traição era muito maior
que a minha.

Isso eu deveria ter sido percebido apenas pela visão dos olhos de Odinn quando
entreguei-lhe a lança Gungnir. Eu deveria ter percebido que aquele frio brilho de malícia não
poderia significar nada de bom.

"Vitória!" exclamou ele, passando o dedo pelas runas entalhadas na lâmina e no eixo, e
confesso que falhei em perceber a ameaça em sua voz. "Eu sabia que os anões eram
capazes disso, mas… mas isso é muito melhor do que eu esperava!"

Então fui até Gullveig com o bracelete Draupnir, o qual ofereci como presente de
casamento, e a maneira como seu rosto se iluminou de alegria era tudo o que eu esperava.

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Caímos um sobre o outro em uma ardente chama de desejo, e nosso amor foi tão quente
que os pilares de ouro de Gladsheim quase derreteram.

Eles esperaram até que eu finalmente a deixasse. Eu não estava lá, não testemunhei o que
aconteceu, mas posso imaginar como você deve ter liderado, meu irmão, com sua nova
lança em punho para lhe dar coragem. Seria realmente ela uma ameaça ao seu poder —
uma única mulher?

Ouvi os choros e os gritos e corri em retorno, imaginando que os Jotuns ou algum outro
inimigo estivessem atacando Asgard. A porta de Gladsheim estava completamente aberta
e, no centro do salão eu pude ver — Gullveig, minha esposa, empalada da virilha até a
garganta pela lança de Odinn. No entanto ela ainda vivia, tão forte era seu poder.

Gritei e corri até o salão, pensando apenas em chegar até ela e salvá-la. Tyr, porém, me
segurou e sorriu de meus esforços, enquanto Odinn e o resto dos Aesir a arrastavam para
uma fogueira escavada no chão, apoiando a lança em suas bordas de modo a assar minha
esposa como fariam a um javali no rolete.

A fumaça se levantou, as chamas estalavam e dançavam. Eu uivava, amaldiçoava e


chorava enquanto a via começando a se queimar. Seu corpo se retorcia na lança até que a
fumaça engrossou, escondendo de mim tal visão.

Ela queimou a noite toda enquanto eu lutava contra o cruel e implacável aperto de Tyr, cego
por minhas lágrimas. O fogo baixou e as chamas morreram. Em seguida, dos Aesir veio um
suspiro de desânimo e descrença, pois o fogo se extinguiu revelando uma Gullveig intocada
pelas chamas, embora ainda perfurada pela lança. Lembrei-me então o que ela me dissera
certa vez, que nunca havia conhecido um fogo capaz de consumi-la.

Odinn todavia se enfureceu, comandando os Aesir para reacender o fogo de forma que as
chamas ficassem duas vezes mais intensas. Ela foi atirada ao fogo somente quando ele
ficou tão quente quanto a forja de Sindri.

Todavia desta vez a esperança fez com que minha dor fosse ainda mais acentuada, pois a
feitiçaria de Gullveig novamente pôde ser mais poderosa que o fogo! Eu ainda estava
imobilizado, e assisti até não mais poder perceber sua forma através da fumaça e das
chamas. Pela segunda vez eles a queimaram, e pela segunda vez as chamas morreram, e
novamente chorei em voz alta, pois lá estava ela, intocada ainda pelo fogo!

Mas Odinn não seria frustrado em sua maldade, então ordenou aos Aesir que trouxessem
toda a lenha de Asgard para seu salão. Ele ainda quebrou a mesa e os bancos destinados
aos banquetes de Gladsheim para juntar ao monte de lenha. Em seguida, a pira foi acesa
novamente, e desta vez o calor era tão feroz que nenhum deles pôde suportar permanecer
dentro da sala. Me arrastaram para fora, embora ainda pudesse ver através da porta, no

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branco coração do incêndio, uma figura escura lentamente a se contorcer enquanto ia


sendo consumida pelo fogo.

Esperei por lentas e atormentadas horas até que novamente as chamas enfim morreram,
mas desta feita havia sido demais, e ela não pôde sobreviver à queima. Odinn adentrou a
sala e ajoelhou-se ao lado do poço de fogo. Ele tomou um objeto reluzente da forma
enegrecida entre as cinzas. Era o bracelete Draupnir, forjado por Sindri com tal habilidade
que havia ressurgido intocado pelas chamas. Sorrindo com cruel satisfação, Odinn o
colocou em seu próprio braço e deixou a sala enegrecida pela fumaça.

Finalmente Tyr me soltou e eu tropecei, cego pelas lágrimas, para derramá-las sobre os
restos carbonizados de minha esposa. Mas, enquanto as cinzas se moviam, pude ver algo
que se encontrava dentro daquela gaiola em ruínas de ossos enegrecidos, e o peguei com
cuidado. Uma parte de Gullveig, pelo menos, não havia sido consumida pelo fogo: seu
coração permanecera intacto. Reverentemente, com o meu próprio coração a doer, eu o
levantei da fogueira e o trouxe aos meus lábios.

Um choque sutil correu através de mim quando o toquei com minha boca, e pude sentir algo
a mudar dentro de mim. Minha mente fervia como um caldeirão espumante de hidromel e
meus dedos formigaram com a sensação. Era este o poder!

Trêmulo com isso, sem parar para pensar, eu rapidamente devorei por inteiro o seu
coração. Convulsionei imediatamente, tomado pela mudança. Eu era novamente o lobo,
mas agora sabia meu nome: Eu era Fenrir, também chamado Fenriswulf, e vingança era
meu único propósito — a morte de Odinn. Eu quase pude sentir minhas mandíbulas se
fechando em torno dele. Uivei meu ódio em alta voz, e os corredores dos Aesir ecoaram
com ele.

Sim, meu irmão, era este o poder que você procurava e você o deixou para trás, nas cinzas!
Você o desprezou pelo ouro!

Voltei logo, trotando pelo salão de Odinn em forma de lobo, mas pela primeira vez meu
irmão de sangue não me reconheceu. Ele nunca conheceu o lobo. Eu podia ver a confusão
nele quando me viu entrar em seu salão, o modo como seus dedos se apertaram em torno
do eixo de sua lança. “Esse é Loki? Como pode ser?” Eu sorri, expondo minhas presas
brancas afiadas. Sentei-me sobre meus quartos traseiros no centro do salão e gritei:
"Saudações, Odin, Pai de Todos, irmão de meu pai!"

"Você me conhece, lobo, mas eu não lhe conheço. Qual é o seu nome?" — perguntou, as
sobrancelhas levantadas.

"Meu nome é Fenrir, filho de Loki, o Fenriswulf. Minha mãe é Angrboda — raiva remoída".

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"Filho de Loki!" exclamou Odinn como se compreendesse o mistério que o havia deixado
perplexo.

"Meu pai está enlutado pela morte de sua esposa, então me enviou para tomar seu lugar
por um tempo entre os Aesir no salão de Odinn."

Nenhum dos Aesir parecia estar feliz em me ver por lá. Ouvi Heimdall murmurando, "Se já
não fosse ruim o suficiente ter filho de Muspell no salão, receber sua cria é ainda pior! Ele
só vai causar problemas, isso posso dizer. Você ouviu o nome de sua mãe, Angrboda? Este
lobo tem sangue ruim em ambos os lados ".

"Eu não sei quem vai alimentá-lo", disse nervosamente Honir. "Certamente não colocarei
minha mão em qualquer lugar próximo a essas presas."

Mas Odinn disse incisivamente, "Dei minha palavra ao filho de Farbauti. Seu filho terá um
lugar em meu salão, gostem vocês ou não."

Mas foi ao lado de Tyr que assumi meu lugar no salão, e Tyr atirou os restos de um pernil
da mesa de banquetes de Odinn em minha direção. Eu o engoli em uma única mordida, e a
partir desse momento Tyr era o único dos Aesir a quem eu permitia que me alimentasse,
embora na verdade ele fosse o único que se atrevia a isso. Eu sabia que iria finalmente
chegar o momento de um ajuste de contas, pois nunca perdoarei a forma como ele me
segurou enquanto minha esposa Gullveig queimava.

CAPÍTULO IV

Odinn logo teria assuntos muito mais urgentes que um simples lobo para lhe preocupar,
pois os Vanir, povo de Gullveig, ficaram furiosos com o tratamento por ela recebido em
Asgard. Eles exigiram wergild4, mas o preço imposto pelos Vanir pelo assassinato de
Gullveig vinha a ser muito mais ouro do que até mesmo os anões possuíam.

Agora eu entendia a razão de Odinn ter insistido para que eu obtivesse Gungnir, a
verdadeira razão de ele ter esperado até que a lança fosse forjada para então se virar
contra Gullveig. Ele nunca teve a intenção de manter a paz. Ele nunca teve a intenção até
mesmo de evitar um ataque inimigo. Em meio às negociações, sem qualquer aviso, ele se
levantou e arremessou Gungnir nos Vanir, uma irrevogável declaração de guerra.

4
Wergild: do velho saxão “were” (homem) e “geld” (ouro), traduzido como “preço por homem”.
Segundo a velha lei germânica, se uma propriedade fosse roubada, ou caso alguém fosse ferido ou
morto, a pessoa culpada teria que pagar o wergild como restituição à família da vítima ou ao
proprietário do imóvel.
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Tamanha era sua inveja para com a feitiçaria dos Vanir que ele foi capaz de assumir um
novo inimigo enquanto os Jotuns ainda vagueavam livremente além dos muros de Asgard,
ainda a remoer sua própria vingança. Todavia, ele calculou mal as suas forças pois confiava
demais em seu poder, mesmo empunhando a lança da vitória.

As duas forças se confrontaram abertamente na planície chamada Vigrid, onde a batalha


final entre os Aesir e todos os seus inimigos está destinada a ter lugar. Sim, o Aesir eram
grandes guerreiros, isso posso garantir. Eram corajosos o suficiente, se bravura fosse o
suficiente para se obter a vitória. Os Vanir não tinham ninguém com a habilidade de Tyr na
esgrima ou com a força de Thorr, e de fato a lança Gungnir nunca deixou de atingir seu
alvo, como os filhos de Ivaldi haviam prometido.

Mas a magia guerreira dos Vanir se igualava à força dos Aesir. Odinn poderia ter Gungnir,
mas todos os seus inimigos tinham armas de igual potência. Eles varreram o campo de
batalha e forçaram as forças de Odin a bater em retirada, tomando sua vingança por
Gullveig enquanto eu me alegrava a cada golpe desferido.

O dia chegou, finalmente, quando a feitiçaria guerreira dos Vanir abriu uma brecha nos
muros de Asgard. Sob o ataque, as pedras caíram e se estilhaçaram e as fundações
desmoronaram. Apenas Bifrost permanecia em pé, a ponte cintilante. Isso talvez por conta
da feroz defesa de Heimdall, mas creio que nem mesmo os Vanir poderiam querer trazer
abaixo uma maravilha tal como o caminho do arco-íris. No entanto, em outros lugares todas
as terras do Odinn estava abertas e desguarnecidas. Agora, pensei, agora ele vai se
arrepender pelo assassinato de minha esposa!

O clima foi sombrio no conselho de guerra dos Aesir naquela noite.

"Acabou", disse Tyr friamente.

Thorr assentiu, incapaz de falar, mas ninguém de qualquer maneira poderia esperar que ele
dissesse alguma coisa importante.

Honir gritou: "Perdemos! Nossos muros foram abaixo e não podemos mais defender este
lugar agora! Irmão, temos que implorar aos Vanir por termos!"

Mas a astúcia do Odinn não o tinha deixado, nem sua ousadia. Ele levantou a cabeça
bruscamente com as palavras de Honir. "Você está certo, meu irmão! Não podemos
defender este lugar por mais tempo."

"Então nós desistiremos?"

"Não. Nós vamos atacar."

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Rapidamente ele delineou um plano que, caso falhasse, teria significado o fim de Asgard
para sempre. Sob o manto da escuridão, as hostes dos Aesir abandonaram seus próprios
salões, deixando as muralhas em ruínas e dando a volta por trás das forças dos Vanir. Eles
pegaram o caminho para Vanaheim, sua fortaleza, que agora estava indefesa com todos os
seus guerreiros acampados ao lado das arruinadas muralhas de Asgard. Odinn e seus
seguidores atacaram, rompendo as paredes de Vanaheim e tomando as esposas e filhos
dos Vanir como reféns.

Cada lado agora ocupava os salões do outro. A situação era sombria. Mas a essas alturas
ambas as forças estavam já cansadas ​da longa luta, e estava claro que a guerra não levaria
a nada, senão à ruína para ambos os lados, deixando por sobreviventes apenas os Jotuns.

Então, um evento foi realizado para fazer as pazes, finalmente e, para selar a paz os
membros de ambos os lados cuspiram em um vaso de barro. Muitos feitiços foram
proferidos sobre ele, e nele runas foram esculpidas pelos Vanir, que conheciam tal feitiçaria.
Em seguida, um homem saiu de dentro do vaso em meio ao grupo reunido. Seu nome era
Kvasir, e ele possuía a sabedoria combinada dos Vanir e dos Aesir. Ainda mais, ele sabia o
segredo da fermentação do hidromel! E foi exatamente isso o que transbordou do vaso que
lhe havia dado à luz, sendo Odinn o primeiro a pegar seu chifre para preenchê-lo com o
dourado licor.

Na festa que se seguiu, tanto os Vanir quanto os Aesir ficaram magnificamente e


gloriosamente bêbados. Thorr caiu roncando em profundo estupor. Eu lambia o hidromel
com minha língua de lobo nas poças no chão. Minha cabeça girava. O hidromel de Kvasir
era tão potente quanto qualquer coisa que Sinmora fermentasse em seu caldeirão.

Quando finalmente acordei eu era Loki novamente, com uma dor latejante em meu crânio.
O lobo se fora, mas ainda assim ele um dia voltaria a Asgard.

Antes que os Vanir retornassem à sua terra, ambos os líderes fizeram uma troca de reféns.
Odinn concordou em enviar seu irmão Honir para Vanaheim, e em troca os Vanir lhe deram
Njord, que consigo trouxe a Asgard seus gêmeos, Freyr e Freya — depravação e luxúria.
Outros Vanir logo vieram a habitar entre os Aesir, e eles obtiveram novas esposas para eles
mais agradáveis que as filhas dos Jotuns. Odinn se casou com Frigg, que conhecia todos
os segredos que regem o nascimento, e Thorr ganhou Sif, cujo cabelo dourado fluía até os
pés como um manto cintilante. No entanto, o nome de minha esposa Gullveig, causa das
hostilidades, logo foi praticamente esquecido tanto em Asgard quanto em Vanaheim. Só em
meu coração sua memória ainda vivia, embora eu muito mais tarde fosse descobrir que ela,
mesmo na morte, nunca me esqueceu.

****

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Nesta nova ordem das coisas em Asgard tive que tomar um lugar menos importante no
salão de Odinn, enquanto os novos hóspedes Vanir tomaram lugares de honra ao seu lado
— Njord e sua cria dupla. Njord gerou a ambos na própria irmã, costume de Vanaheim que
os gêmeos passaram a honrar a partir do momento em que Freyr descobriu que poderia
usar seu pau para outras coisas além de derramar mijo perna abaixo. Todavia, suspeito que
foi a puta da sua irmã quem lhe ensinou.

Ambos eram os favoritos dos Aesir, e Odinn favoreceu tanto a Freyr que para ele construiu
um novo salão em Alfheim, quase tão magnífico quanto o seu próprio. No entanto, tudo o
que esse favoritismo lhe ensinou foi a cobiçar mais.

Um dia Odinn veio me dizer: "Irmão, você sabe o quanto todos honramos o filho de Njord.
Eu vi como ele admira o bracelete de ouro Draupnir, que você me trouxe dos anões. Talvez
você possa persuadi-los a forjar um presente ou dois para Freyr. "

A raiva momentânea tomou conta de mim, e senti a força do lobo em meu interior, tentando
se libertar. Teria esquecido ele a forma com que havia tomado Draupnir dos braços
carbonizados da ossada de minha esposa por eles morta? Mas, ao mesmo tempo, houve
uma certa emoção ao ouvi-lo a me chamar mais uma vez de "irmão". Assim, eu estava sob
seu domínio naquele momento.

"Você sabe que eu não gosto dos anões", disse eu com relutância.

"E quem gosta? Mas obviamente, você tem jeito para obter o melhor deles. Você já obteve a
lança e o bracelete. Esse seu cérebro astuto pode pensar em alguma outra coisa, tenho
certeza. E isso também ajudaria a convencer os outros que você realmente merece seu
lugar aqui juntamente com o resto de nós, quando poderíamos ter usado sua ajuda durante
a guerra". Assim, acrescentou uma ameaça à sua bajulação para se certificar de que eu iria
fazer sua vontade.

Mas de fato, apesar de tudo isso um plano estava se formando em minha mente, uma outra
forma para enganar os grosseiros anões. "Tudo bem", concordei, "farei isso, vou visitar os
anões de novo, mas preciso levar Draupnir comigo."

Agora foi a vez de Odinn me olhar azedamente. Ele empurrou o bracelete para cima em seu
braço, em um gesto possessivo.

"Não se preocupe, não vou perdê-lo. Só preciso dele como isca, isso é tudo."

A contragosto, ele tirou o bracelete do braço e eu o enfiei com segurança na bolsa de meu
cinto. Então tomei a úmida e escorregadia passagem até Nidavellir, até as cavernas onde
os barbudos filhos das larvas trabalham em suas forjas fumarentas.

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Encontrei primeiramente os filhos de Ivaldi — não foi nada difícil com o barulho que faziam
com seus martelos, suficiente para fazer a cabeça de um troll zumbir. Eles me
cumprimentaram com a hospitalidade costumeira de sua raça. "Lá vem novamente o
mensageiro de Odinn. Acho que quer roubar mais do nosso ouro!"

Em resposta tirei Draupnir do braço, segurando-o casualmente no ar para que eles


pudessem admirar a técnica com a qual foi produzido. "Odinn não precisa do seu ouro.
Basta olhar para este anel. A cada nove dias ele produz oito com seu próprio peso. Todos
nós temos um ou dois como este em Asgard. Odinn usa um em cada braço."

Os olhos dos anões se iluminaram com ansiosa ganância, e fui forçado a manter Draupnir
alto, fora do alcance de suas mãos — o que em si não é uma tarefa muito difícil. Eu não
poderia me atrever a perder o tesouro de Odinn.

"Agora, este anel em particular foi forjado por Sindri e Brokk," continuei eu, agora que tinha
sua atenção. "Eles são uma dupla bem desagradável, e eu não me importaria de não ter
mais relações com eles, se possível. Mas vejam, quando Freyr se admirou do bracelete de
Odinn, o Pai de Todos lhe disse que qualquer um dos anões seria capaz de lhe fazer um
presente de qualidade praticamente igual. Claro, se vocês acreditam não estar à altura
desta tarefa, tenho certeza que posso encontrar algum outro ferreiro para levá-la adiante."

"Absolutamente não", disseram ambos ao mesmo tempo. "Nós ficaríamos honrados em


fazer um presente para o nobre Freyr! Nossa obra fará Sindri e Brokk arrancarem suas
barbas de inveja!"

"Mas não um bracelete," avisei. "Realmente não precisamos de mais braceletes em Asgard.
Isso deve ser algo diferente, algo único do qual Freyr poderá se orgulhar ao exibir para os
outros Vanires quando eles vierem para os banquetes em seu novo salão em Alfheim."

"Nós garantimos", prometeram ambos com uma avidez quase lamentável.

Então esperei enquanto eles começavam a trabalhar com suas batidas e sons de metal
ressonante. Não demorou muito para que eles terminassem, voltando para mim
enegrecidos e suados pela forja, com sorrisos orgulhosos em seus feios rostos. "Este é o
navio Skidbladnir", gabavam-se eles. "Como você pode ver, dobrado ele pode caber até
mesmo na bolsa em seu cinto. Porém, ao ser desdobrado, ele poderá carregar todas as
hostes dos Aesir em seu tombadilho, e logo que a sua vela for içada os ventos sempre virão
para preenchê-la, levando Freyr para qualquer lugar onde deseje ir em todos os nove
mundos. "

Apesar de tudo, fiquei impressionado, e prometi entregar seu presente para o nobre Freyr.
Mas, em vez disso corri para a caverna onde Sindri e Brokk mantinham sua forja. As
boas-vindas foram ainda menos entusiasmadas quanto as anteriores. "Vejam, é o

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trapaceiro!" rosnou Brokk. "Não creio que ele tenha vindo para saldar sua dívida — eu não o
vejo a nos trazer a lança Gungnir."

"Talvez vocês dois superestimem seus próprios talentos", respondi bruscamente, pois de
toda a sua raça, estes eram os piores em temperamento e ganância. "Agora, vejam este
bracelete" — girei-o casualmente em volta de meu dedo indicador, mas imediatamente o
arrebatei quando suas mãos imundas pela fuligem da forja tentaram agarrá-lo "— os Aesir
admitem que se trata de um penduricalho bonito, é claro. Todavia, vejam só o presente que
os filhos de Ivaldi produziram para Freyr! "

Peguei o navio Skidbladnir e o exibi a eles, apreciando a visão de seus rostos com os
queixos caídos de amarga inveja. "Para a sorte de vocês dois, consegui convencer Odinn a
dar-lhes outra chance de redenção. Ou vocês não se acham capazes de superar a técnica
utilizada na construção deste navio? Como sabem, vocês sempre poderão desistir da
aposta."

Eles rosnaram e resmungaram ressentidos, mas como seu orgulho profissional de ferreiros
estava em jogo, por fim concordaram. Mais uma vez Brokk foi trabalhar no fole enquanto
seu irmão pegou um par de pinças e começou a trabalhar com pequenas extensões de fios
dourados. Finalmente, exibiram-se orgulhosos diante de mim com o tesouro em suas mãos
— ele foi batizado Gullinbursti, um javali com cerdas de ouro reluzente. "Ele levará Freyr
mais rápido que qualquer cavalo, em terra, no mar ou pelo ar," declarou Brokk.

Era de fato um magnífico tesouro! Ambos os presentes eram certamente muito mais que o
luxurioso Freyr merecia, mas eu estava convencido de ter finalizado minha missão para
Odinn, e assim poderia novamente contar com seu favor. Rapidamente, enfiei o javali em
minha bolsa e deixei o repugnante reino subterrâneo dos anões, prometendo aos dois
irmãos que os Aesir iriam julgar o valor dos presentes, fazendo conhecida sua decisão e
fazer a sua decisão conhecida no tempo devido.

Freyr, é claro, ficou satisfeito com seus presentes, e se vangloriou deles por toda Asgard.
Então, naturalmente Freya, sua irmã meretriz, foi imediatamente consumida pela inveja e
passou a cobiçar seus próprios tesouros feitos por anões.

Freya — a prostituta favorita de Asgard. Sua feminilidade é uma porta que se abre para
qualquer homem que ali bater. Não é nenhum segredo que Odinn a favorece — afinal, ela
lhe deu uma filha —, mas ele não foi o único a trilhar aquele já bem gasto caminho para
entre suas coxas. Sessrumnir é o nome de seu salão, um salão de muitos lugares, tudo
esculpido e incrustado com ouro. Tudo isso para aquela que veio a Asgard como refém,
sem nada. Mas ela nunca estava satisfeita. Sempre precisava ter mais.

Fiz-lhe uma proposta simples. Tudo o que lhe pedi foi uma ou duas noites em sua cama, e
em troca eu iria lhe trazer os melhores tesouros dos anões subterrâneos, o ouro que ela
tanto desejava. Não que eu estivesse exigindo muito — apenas uma amostra ou duas do

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que ela tinha dado a qualquer outro homem em Asgard. Em resposta, ela riu — riu em voz
alta na minha cara. Ela não precisava dos truques de Loki para encher as mãos com o ouro
dos anões!

Eu poderia ter lhe dito que mulheres melhores que Freya já me tiveram em suas camas e
não se queixaram depois. Quem era ela para recusar Loki, filho de Farbauti, irmão de
sangue de Odinn? Quem era ela para se negar a mim? No entanto, ela o fez.

Em uma noite sem lua ela se arrastou para fora de sua porta, com seu corpo nu escondido
sob um manto. Eu a segui com os pés sem som de uma marta através da ponte cintilante
para Midgard e abaixo até Nidavellir, para o reino dos anões. Um brilho intermitente e opaco
surgia na noite a partir das profundezas de suas cavernas — a luz de suas forjas. Eu podia
ver seu reflexo nos olhos de Freya, a ganância nua. Senti uma súbito, incontrolável desejo
de vê-la a se queimar, contorcendo-se em uma piscina de ouro derretido.

Ela tomou seu caminho através dos túneis úmidos até a forja dos Brisings, quatro irmãos
cada qual mais baixo e repugnante que o anterior, que olharam para cima com as bocas
abertas enquanto ela entrava na luz vermelha vacilante de sua caverna.

"Eu quero um colar," ela sussurrou, "um colar de ouro. E deve ser o mais belo objeto que
qualquer mulher em todos os nove mundos já pôs em torno de seu pescoço."

Eu podia ver as gargantas dos anões a subir e descer enquanto tentavam engolir seu
desejo, mas a avareza da raça é quase tão forte quanto a sua luxúria. "Nós podemos fazer
tal colar", o mais velho deles lhe disse: "mas a que preço?"

Seus lábios se curvaram em um sorriso enquanto sua mão ia até o fecho que segurava seu
manto. Ele caiu no chão da caverna e a glória nua de suas carnes brilhou tão
resplandecente que esmaeceu o brilho da forja. "Este é o meu preço", ela sussurrou,
girando os quadris em um obsceno convite.

"Sim", o anão resmungou, tão tomado pelo desejo que babava na barba, "Sim, se você se
deitar com cada um de nós por uma noite iremos fazer um colar assim como você
descreveu."

Assim, por quatro noites Freya se deitou com cada um daqueles barbudos e imundos filhos
de larvas, enquanto os outros três trabalhavam em um poderoso frenesi alimentado pela
luxúria. Posso lhes afirmar que não era uma bela visão vê-la a se arquear e se contorcer
suando, gritando alto em sua paixão e marcando com as unhas as costas dos anões para
estimulá-los a um esforço maior. Eles a cavalgavam, e ela montava neles, seus seios
manchados de fuligem a balançar e pular a cada estocada devassa de seus quadris. Oh
sim, ela faria par com estes vermes, mas não com Loki, que provou ser capaz de aquecer
as camas de Sinmora e Gullveig.

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É certo, pensei maliciosamente enquanto da parte traseira de um túnel os observava com


meus olhos de marta, o ciumento Odinn não aprovaria sua atual escolha para amantes.
Não, ele queria a prostituta Vanir para si somente, embora tolerasse, como deveria, seus
lapsos entre os Aesir. Mas sua fornicação com os anões era uma outra questão, disso eu
tinha certeza. O Pai de Todos os odiava tanto quanto eu. Sorri com meus dentes afiados de
marta enquanto imaginava sua reação quando soubesse o preço pago por ela por seu novo
e brilhante colar. E eu seria aquele que teria que se certificar de que ele soubesse disso.

Por fim, os artesãos terminaram seu trabalho, o qual levou muito mais tempo que levaria em
circunstâncias diferentes, e eles reverentemente vieram até Freya levando o tesouro para
ela criado. Ela saltou da cama e exclamou com admiração e prazer, pois o colar foi feito dos
melhores fios de ouro puro, tecidos em tranças intrincadas e padrões que brilhavam na luz
rubra da forja. Em minha própria e relutante opinião, aquilo superava completamente o
trabalho de Brokk, Sindri e dos filhos de Ivaldi. Nua à luz do fogo, ela ansiosamente o
colocou ao redor de seu alvo pescoço, fazendo-o cair sobre seus seios nus, e a visão dela a
usá-lo me fez doer de desejo, pois esse era seu poder, o de fazer os homens desejarem
aquela que o portasse. Os anões visivelmente caíram nesse mesmo estado, mas ela
rapidamente os ignorou, envolveu sua nudez num manto reluzente e saiu da caverna,
levando seu prêmio de volta para seu próprio salão em Asgard.

Enquanto voltava a seguí-la, meu plano foi sendo elaborado. Cuidados seriam necessários.
Eu dissera a Odinn repetidas vezes que a cadela Vanir era uma prostituta, mas ele nunca
acreditaria em mim sem provas. Eu só estava tentando provocar problemas, afirmava. Tudo
bem, pensei, agora eu tenho a prova. Quando eu tivesse o colar em mãos, ele teria que me
ouvir.

Aproximei-me cautelosamente da porta de Sessrumnir. Ao contrário de sua proprietária, o


salão de Freya era supostamente impossível de ser penetrado. Todavia isso só consistia em
mais um desafio para uma das minhas habilidades, afinal eu era Loki, o mestre das formas!
Tomei a forma de uma mariposa e, em seguida, de uma mosca, à procura de uma única
rachadura pela qual pudesse escorregar para o interior do salão. Finalmente, como um
mosquito eu consegui encontrar um lugar na palha dourada do telhado através da qual eu
pudesse me esgueirar.

Ela dormia nua em seu leito de ouro com as coxas brancas separadas até mesmo durante o
sono, expondo a tão bem explorada passagem para o interior de sua barriga já por muitos
trilhada — por todos, menos por Loki. Ao vê-la, minha luxúria ameaçava explodir. Percebi
que poderia tomá-la enquanto dormia, inconsciente. Antes que ela soubesse o que estava
acontecendo eu poderia incendiar a palha dourada deixando sua cama como uma poça
derretida no chão. Que ela me despreze agora, então!

Quando ela em meio ao sono mexeu a cabeça, seu cabelo descobriu a garganta e o brilho
do colar feriu meus olhos, uma maravilha cintilante de ouro torcido e trançado. Eu precisava
possuí-lo! Nada mais naquele momento parecia importar.

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

Fã-traduzido por Cristiano Rohling


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Infelizmente, como dormisse de costas, o fecho estava por baixo, em sua nuca. Tornei-me
um mosquito, zumbi em seu ouvido e ela sacudiu a cabeça, mas não o suficiente para expor
o fecho. Então mudei-me novamente em uma pulga e piquei ferozmente sua pele branca e
macia, tentando arrancar sangue. Ela rolou para o lado, e assim pude alcançar o fecho.
Com meus próprios e ágeis dedos, me abaixei e desprendi o colar, tirando-o dela sem que
despertasse o suficiente para um suspiro.

Eu o tinha! Segurando meu prêmio, imaginei-me a colocá-lo ao redor do branco pescoço de


Gullveig, o prazeroso olhar em seu rosto enquanto ela soltava exclamações sobre meu
presente. Como ela teria adorado, e quão magnífico teria ele parecido sobre sua impecável
pele branca! E também, como teria ela me recompensado!

Então me ocorreu que seria um erro mostrar tal tesouro para Odinn, pois ele apenas o
tomaria de mim de maneira semelhante ao que ocorreu com o bracelete Draupnir. Não,
decidi de repente, este prêmio seria meu reembolso por minha perda, pela morte de
Gullveig, por todos os muitos insultos por mim sofridos em Asgard. Agarrei firme o colar.
Meu agora, só meu.

Silenciosamente, rastejei até a porta de Freya, baixei suavemente o ferrolho e deslizei para
a noite exterior. Prendi a respiração, pois o luar fazia o colar brilhar com novos, sutis e
intrincados padrões. Ele era meu!

Mas o brilho do ouro ao luar foi capturado por um outro olho, o único de Asgard que nunca
dorme — Heimdall, amaldiçoado seja o gelo em suas frias veias! Ele me viu em pé à porta
de entrada de Freya, e sua mente cautelosa logo assumiu o pior. O estrondo de sua corneta
ressoou durante a noite, acordando toda Asgard, e fugi antes que Freya pudesse perceber
o que havia perdido. Heimdall, entretanto, saltou sobre Gulltoppr, seu ágil cavalo, e correu
em minha perseguição. Ele tentou impedir minha fuga e, finalmente, me deixou preso em
um precipício sem ter para onde fugir. Olhei para as ondas espumantes a se quebrar contra
a rocha muito abaixo e, em seguida, voltei-me para o inimigo que avançava em minha
direção. Seus dentes estavam à mostra em um brilhante sorriso, e ele sacou sua espada.

"Não há nenhuma maneira de escapar de seu crime agora, filho de Muspell", zombou.

"Pense de novo, filho de Ymir!" respondi, rindo. Então mergulhei de costas no mar.

A água se fechou sobre a minha cabeça enquanto me transformava em foca, nadando


fortemente mesmo estando com o colar apertado em minhas “mãos”. Só mais tarde percebi
meu erro, pois deveria ter me lembrado que Heimdall nasceu do mar, pois suas mães eram
filhas de Aegir. Ele me perseguiu também em forma de foca, ganhando terreno enquanto eu
me atrasava pelo simples fato de estar segurando firmemente o colar. Eu me recusava a
perder meu tesouro até mesmo para me salvar.

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

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Ele me alcançou nas rochas de Singasteinn. Lá lutamos sob a forma de focas, as ondas
quebrando contra rochas pontiagudas que traziam a ambos a ameaça da morte. Eu estava
incapacitado por estar agarrado ao colar, e enquanto rosnava e tentava me livrar de meu
oponente, ele rasgou minhas carnes com seus brancos e afiados dentes. Meu sangue
manchou a espuma do mar. Eu me contorcia e tentava mordê-lo, mas ele me atacava sem
piedade até que finalmente não consegui mais segurar meu prêmio.

O colar dos Brisings deslizou para longe de mim e começou a descer rumo ao fundo do
mar. Nós dois rapidamente mergulhamos de modo a recuperá-lo antes que se perdesse,
mas eu estava fraco por conta das minhas feridas. Rastejei sobre as pedras cobertas de
limo para lamber minha carne machucada, enquanto meu inimigo nadava de volta à costa
para devolver seu prêmio para o alvo e devasso pescoço de Freya.

Não é difícil imaginar a recompensa que lá ele recebeu.

CAPÍTULO V

Minhas feridas se curaram, mas acima de tudo foi meu orgulho quem saiu ferido. Heimdall
se certificou de que toda Asgard soubesse como eu havia tentado roubar o colar de Freya,
falhando em meu intento. Mas o que mais me irritou foi o fracasso, além do fato de Freya ter
me rejeitado.

Por qual razão eu permanecia em Asgard, onde era desprezado, um lugar no qual minha
esposa fora assassinada sob as ordens de Odinn? Mesmo naquele momento, eu
vagamente compreendia que era este o seu poder, a estranha atração exercida sobre mim
por ele, as amarras por ele postas em minha alma, capazes de manter juntos nossos Wyrds
desde o momento em que trocamos nosso vínculo de fraternidade. Fenrir, penso eu,
sempre soube como tudo deveria terminar, mas Loki levaria muito mais tempo para
reconhecer meu irmão como inimigo.

Porém, naquela época a humilhação e a dor me fizeram imprudente, e eu queimava por


vingança, se não contra Freya, então com qualquer um dos Aesir. Esse era o humor no qual
eu estava quando um dia aconteceu de eu ter tomado conhecimento da esposa de Thorr,
Sif.

Thorr era filho de criação de Odinn, seu orgulho, pois havia derrubado as águas geladas do
rio Iving sobre Jotunheim. De todos os Aesir, era ele quem mais odiava toda a raça dos
gigantes do gelo, ele que passava a maior parte do seu tempo vagando pelo norte, nas
ruínas congeladas de Utgard a caçá-los. Não era segredo nenhum que ele esperava
encontrar Fjolsvid por lá, ele que fora o primeiro marido de sua mãe, tencionando vingar a
surra que o bruto lhe havia infligido quando criança. Então ele estava fora o tempo todo, e
sua adorável esposa Sif era deixada sozinha e negligenciada em sua cama.

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Escrito com Veneno
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Isto, é claro, significava uma oportunidade para Loki. Oh sim, ela era uma coisinha
encantadora, Sif a filha de Vanaheim, mas sua verdadeira glória era o cabelo, ouro maduro
como um campo de trigo e tão longo que fluía e ondulava por suas costas, chegando até
seus pés.

Eu o deixei correr cintilante por entre meus dedos. "Eu gostaria de vê-la a vestir isso — e
nada mais", sussurrei sensualmente em seu ouvido.

Ela corou, e sacudiu os cabelos escondendo o rosto. "Você sabe que sou a esposa de
Thorr. Na verdade, você realmente não deveria ter vindo aqui quando sabe que ele saiu."

Este fora apenas um protesto simbólico, disso tinha certeza. Eu já podia sentir o crescente
calor do desejo entre suas coxas. "Mas por que você deve ser negligenciada, só porque
Thorr enfia em sua cabeça fraca que deve sair para o norte matando gigantes? Você
realmente não acredita que ele dorme sozinho nessas viagens, acredita?"

Suas sobrancelhas douradas formaram uma careta. "O que você quer dizer?"

"Quero dizer, ele realmente mata os Jotuns, mas é uma questão bem diferente com suas
filhas e esposas. Quem você acha que lhe deu as luvas e o cinturão de ferro mágicos que
ele trouxe de Utgard algumas estações atrás?"

"Por quê? Ele me disse que os tirou do corpo de um gigante que matou."

Eu ri. "Ele os tomou das mãos de Grid, uma filha de gigantes. Ela lhe deu mais do que isso,
posso lhe afirmar. E ela não é a única. Ouvi dizer que o último pirralho de Jarnsaxa tem
cabelos ruivos. Agora, eu juro que nunca estive na cama com Jarnsaxa, e quem mais tem
cabelos vermelhos em Asgard ou Utgard? "

Assim, eu lentamente persuadia e seduzia Sif, lembrando-a sutilmente que, se como


resultado de nossos encontros ela desse à luz um bastardo de cabelos vermelhos, todos
naturalmente acreditariam ser o mesmo um filho legítimo de Thorr. Então, por fim ela deixou
cair seu vestido no chão a seus pés, e ficou vestida apenas com a cortina dourada de seus
cabelos. Eu me desembaracei deles e penetrei seu interior, e juro que seu único motivo de
arrependimento foi o tempo perdido resistindo à minha persuasão. Após essa primeira vez,
ela passou a vir a mim com ansiedade. Fico somente a imaginar que delícia deveria ter sido
sua vida sexual com Thor — algo como trepar com um elefante marinho, suponho eu.
Dentro dela acendi paixões que ela nunca imaginara possíveis. Foi maravilhoso ouvir seus
gritos agudos e como ela pedia para que eu não parasse antes de seu prazer estar
completo, e eu nunca falhei nessa tarefa.

Tudo correu bem por um tempo, enquanto Thorr permanecia longe decapitando gigantes
em Utgard. Mas quando o marido voltou, Sif tornou-se fria e distante. "Você não deve falar

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comigo dessa forma de novo", ela insistiu. "Na verdade, talvez fosse melhor se você
parasse de visitar nosso salão."

Tomei-lhe o braço e puxei-a para perto de mim, sussurrando acentuadamente em seu


ouvido, "Não me diga que você não gosta! Apenas dez dias atrás você estava uivando
como uma gata do mato no cio, implorando por mais. Sem Loki, o que você fará por prazer
quando seu marido cabeça dura deixar você de novo? "

Mas ela puxou o braço e olhou para mim com olhos azuis congelados. "Não se esqueça,
filho de Muspell, que sou a esposa de Thorr, e ele pode torcer o pescoço de seus ombros
com apenas uma das mãos. Você só é bem-vindo em Asgard, filho de Farbauti, enquanto
Odinn tolerar os seu truques."

Como se ela mesma não fosse uma filha dos Vanir, que até recentemente eram inimigos de
Asgard!

Mais uma vez eu era desprezado, e tudo que eu podia imaginar era Thorr no meu lugar
entre as coxas brancas e macias de Sif, chafurdando exigente em sua luxúria desajeitada.
Eu queimei com a frustração e tentei apagá-la com hidromel.

Uma noite, quando eu estava completamente bêbado, meus imprudentes ciúmes me


dominaram. Nas patas silenciosas de uma marta, me arrastei até Thrudheim, salão de
Thorr, entrando no quarto de Sif. Lá, ela dormia com o marido deitado a seu lado, roncando
como um javali. Eu tencionava retribuir a forma como ela me tratou, pois queimava com
meu orgulho ferido. Então, foi o seu orgulho que tomei, seu maior tesouro, seu cabelo. Eu o
cortei e o deixei repousando sobre o assoalho ao lado de sua cama, como um tapete de
ouro.

Observando agora, vejo que esse não foi o feito mais sábio já realizado por mim.

Sif acordou na manhã seguinte com seu glorioso cabelo cortado curto como um campo de
trigo ceifado após a colheita. Ela gemeu e gritou, acordando Thorr. "Meu cabelo!" ela
chorou. "Loki fez isso! Eu sei que foi ele!" E, como fazem todas as esposas quando seus
pecados são descobertos, ela fez questão de declarar inocência para o marido, insistindo:
"Enquanto você esteve fora desta última vez, ele veio várias vezes para o nosso salão,
tentando me levar para a cama. Eu recusei, claro, e essa foi a sua vingança, porque eu o
rejeitei! Oh, meu cabelo! "

Bem, era uma história crível, e Thorr a engoliu por completo, tão simplório como era. Ele
veio rugindo e gritando até Gladsheim, chutando abaixo a porta com um único golpe. Em
sua ira, seu rosto era de um vermelho ainda mais escuro do que seu cabelo. "Loki! Seu
baixo, insidioso filho de Muspell, vou cortar sua masculinidade e fazer com que você a
engula! Vou te estripar como uma galinha no espeto! Vou arrancar sua cabeça desse seu
pescoço mentiroso! "

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Mergulhei de minha cama e tentei desaparecer, mas ele me agarrou no ar antes que eu
pudesse mudar de forma. Com uma das mãos, ele me levantou do chão com os pés a
chutar, me estrangular até que eu mal podia coaxar, "Deve ter havido algum engano."

"Sem erro algum. Só você poderia infiltrar-se em Thrudheim sem ser visto. Só você seria
mesquinho o suficiente para cortar o cabelo de Sif por ser ela uma mulher virtuosa, que
resistiu à sua sedução. Não se atreva a dizer o contrário!"

Um simples visão para os avermelhados olhos assassinos de Thorr foi o suficiente para me
fazer engasgar com meus protestos. Era na virtude de Sif que ele queria acreditar. Engoli
dolorosamente. "Foi um erro. Uma brincadeira, só isso! Eu estava bêbado." Me contorci
impotente, seus dedos apertados em torno de minha garganta. Pontos pretos começaram a
nadar em frente a meus olhos. "Escute, Thorr. Não, não faça isso! Eu sinto muito, está
bem? Eu realmente não queria fazer isso."

"Sente muito, não é? Vou te mostrar o significado de sentir muito! Sif não parou de chorar
desde que acordou e viu seus cabelos todos pelo chão."

Eu estava desesperado. "Eu vou consertar! Juro que eu vou!"

Ele me segurou no ar enquanto eu chutava e me engasgava. Então, lentamente, muito


devagar, seu aperto sobre minha garganta se afrouxou.

"O que você quis dizer com consertar? Você tem alguma magia que possa fazer o cabelo de
Sif crescer novamente do jeito que era?"

"Bem, não exatamente —" Minha respiração foi cortada. Pude ouvir os ossos de meu
pescoço a estalar. Eu me debatia e lutava para respirar, para falar, para me salvar.
Finalmente resmunguei num sussurro torturado, estrangulado "Os anões"

Thorr hesitou. Em seguida, me soltou. Caí no chão com um baque capaz de gerar vários
hematomas. "Diga."

"Você sabe como os anões podem trabalhar com ouro. Seria fácil para eles fazer um cabelo
novo para Sif. Pense nisso — cabelos de ouro, ouro real!"

"Seria duro e frio."

"Não! Eu juro, seria quente e macio, assim como era o de Sif. Você não seria capaz de dizer
a diferença. Pense em como ela ficaria orgulhosa. Nenhuma outra mulher em Asgard teria
um cabelo como o de Sif, nem mesmo Freya."

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A testa grossa de Thorr se franziu, desacostumada com o esforço do pensamento. "Tudo


bem. Mas só se os anões puderem fazer o cabelo dela mais uma vez — e exatamente
como era. Mas vou querer um presente para mim também, como wergild — alguma coisa
como a lança que você trouxe para Odinn. Aquilo foi bom. Caso contrário, não haverá
buraco em todos os nove mundos profundo o suficiente para você se esconder e escapar
de mim".

Eu nunca tive a intenção de voltar para o reino dos anões, mas agora mais uma vez eu não
tinha escolha. Me irritava o fato de ter que trazer de lá cabelos dourados para Sif — ela
merecia perder muito mais que seu cabelo depois da maneira como me tratou. Mas eu tinha
jurado, e estava preso à minha própria palavra para substituir o que tinha despojado.

Os filhos de Ivaldi não ficaram nada satisfeitos ao me ver, larvas insolentes como são. "Não
importa o que queira desta vez, lacaio de Odinn, vá procurar em outro lugar."

"Na forja de Sindri e Brokk? Bem, eles forjaram o javali Gullinbursti para o nobre Freyr.
Provavelmente fariam um trabalho melhor, de qualquer maneira."

"Vá para onde quiser. Em qualquer lugar, menos aqui."

"Ou talvez os Brisings possam suprir essa encomenda. Eles foram muito bem pagos por
seu trabalho quando forjaram o colar de Freya. Vocês devem ter ouvido sobre o que eles
lucraram por conta ele. Mas vejo que vocês não estão interessados, então vou dizer aos
Aesir que precisaremos procurar em outro lugar. "

Os filhos de Ivaldi se entreolharam, pois a história do colar dos Brisings era comum entre os
anões, e pude ver acesa a lascívia em seus olhinhos maliciosos. Eu os tinha em minhas
mãos!

"Freya?" exclamaram. "Este presente é para ela?"

"Vocês entendem, isso precisa permanecer em segredo. Freya inveja o cabelo de Sif, que é
tão belo quanto o ouro. Ela fica o dia todo em seu salão, vestida apenas com seu colar,
penteando o cabelo e pensando em como seria bom se ele fosse de ouro verdadeiro, ouro
vivo, tão suave e quente como é o de Sif. Ela faria qualquer coisa para ter um cabelo assim,
pelo menos foi o que me disse quando me enviou aqui para lhes pedir este favor."

"Ela nos recompensará? Assim como os Brisings foram recompensados?"

"Por um cabelo exatamente como o de Sif. Mas, é claro, existem apenas dois de vocês,
quando havia quatro dos Brisings. Suponho que isso significaria que ela teria que pagar
cada um de vocês ... duas vezes. Tenho certeza ela estaria assim tão grata. "

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Escrito com Veneno
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"Sim, grata", eles se entreolharam maliciosamente e, em seguida, foram para a forja tão
rápido que tropeçaram nos pés um do outro no caminho. Seria divertido, pensei enquanto
os assistia a escolher suas ferramentas, vê-los vir a Asgard para reivindicar os favores de
Freya como pagamento. Mas eles trabalharam rapidamente, repuxando os melhores fios de
ouro puro até o comprimento do cabelo de Sif. Em um curto espaço de tempo estava tudo
acabado, e enquanto eu acariciava todo o comprimento daqueles fios de ouro ondulados eu
poderia jurar que estava novamente correndo meu dedos através da própria glória de Sif.

"Vou agora mesmo levar isso até ela", disse eu , guardando o presente em meu cinto. "E
deixarei que Freya saiba que esses cabelos foram feitos pelos filhos de Ivaldi, e então
vocês terão sua recompensa assim que ela perceba o quão bem foram forjados."

Agora eu precisava buscar um presente para Thorr, então rumei novamente para a forja de
Sindri e Brokk, que tinham feito o bracelete Draupnir. "Então", disse Brokk sem
hospitalidade alguma, "você finalmente veio pagar a sua dívida, seu malandro".

"Pagar?" Ri com desdém. "Na verdade, eu persuadi os Aesir para lhes dar mais uma
chance. Seus presentes foram aceitáveis, é claro. Mas os filhos de Ivaldi fizeram melhor.
Vejam, aqui está o cabelo dourado que eles acabaram de fazer para Sif. Agora, vocês
poderiam fazer melhor que isso? "

Sindri sacudiu a cabeça. "É a segunda vez que você tenta nos enganar com esse truque.
Não haverá uma terceira vez."

Mas Brokk levantou o braço. "Espere." Ele se virou para mim, "Isso significa que os filhos de
Ivaldi ganharam o prêmio?"

Dei de ombros com indiferença. "Claro."

"Então nós vamos participar mais uma vez. O vencedor leva tudo, certo?"

"Essas eram as condições."

"Bem, isso não é bom o suficiente para mim. Quero aumentar as apostas. Quero sua
cabeça, trapaceiro, se vencermos."

"Minha cabeça?"

"É isso mesmo. Você vai ter que apostar sua cabeça que nossa forja não pode produzir o
melhor tesouro de todos para os Aesir."

Eu hesitei, mas então minha mão desceu até a cascata de cabelos dourados que eu
carregava oculta sob meu cinto, e meus dedos pareciam fluir sobre ela como se estivesse

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viva. "Assim seja," declarei com confiança, "Aceito os termos. A tarefa desta vez é fazer um
presente para Thorr, uma arma, algo que se se iguale à lança de Odinn, Gungnir."

"Feito," disse Brokk rapidamente — rápido demais, de fato, para meu gosto. "Venha, irmão",
ele se virou para Sindri, "temos trabalho a fazer."

"Tudo bem, faremos isso. Você vai para o fole, e haja o que houver, não pare de bombear
até que eu tenha terminado."

Eu o assisti a carregar um enorme pedaço de ferro negro para a forja. Para manter minha
confiança, eu acariciava o cabelo dourado em meu cinto, mas estava francamente
preocupado neste momento. Se eles ganhassem a aposta, Brokk teria minha cabeça. Mas
se eles não produzissem um presente bom o suficiente para apaziguar Thorr, ele me
rasgaria ao meio. Nervoso, fiquei olhando a forja enquanto o martelo soava, as faíscas
voavam e os espessos e encaroçados músculos de Brokk trabalhavam incessantemente
nos foles.

Nenhum deles me observava. Invisível, me transformei em mosca e pousei nas costas da


mão de Brokk. Piquei e ele se agitou e amaldiçoou, mas não fez nenhuma pausa em seu
ritmo no fole. Pousei então sobre seu pescoço estriado de suor escuro e piquei novamente,
porém desta vez mais forte. Ele gritou pragas e balançou a cabeça como um cão, mas não
vacilou em seu trabalho. Finalmente, pousei sobre seu rosto e piquei sua pálpebra com
tanta força que o sangue escorreu, cegando-o. Desta vez ele gritou de raiva e dor, tentando
acertar a mosca, e por um instante o fole deixou de soprar.

Na forja, Sindri praguejou horrivelmente. "O que você está fazendo aí? Eu lhe disse para
não parar com o fole!"

"Ei, uma mosca me picou!"

"Uma mosca? Maldito seja, Brokk, isso pode arruinar a coisa toda!"

Nisso assumi minha própria forma de novo, agora mais confiante. Depois de mais alguns
momentos, Sindri saiu da forja carregando um objeto pesado nas mãos, e pude ver que era
um martelo. "Este é Mjollnir", disse ele, "seu cabo é um pouco curto, mas acho que Thorr irá
apreciar suas virtudes."

Levei-o a Asgard sem grandes preocupações a respeito da segurança de minha cabeça,


pois certamente esse objeto nunca poderia ganhar a aposta. Era apenas um martelo. Um,
martelo de ferro preto de aparência simples, sem ornamentos, sem runas potentes
trabalhadas em sua superfície. Eu quase cheguei a temer que Thorr rejeitasse o presente.

Mas primeiro houve Sif, que esperava em frente aos Aesir reunidos para ver o tesouro que
eu tinha trazido desta vez dos anões, esperando sem dúvida, me ver humilhado mais uma

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vez. Com confiança, movi adiante a cintilante cascata dourada de modo a assentá-la sobre
sua cabeça, onde se enraizou como se fosse seu próprio cabelo enquanto ela exclamava
sua alegria em alta voz.

"Esse era o wergild que você devia a Sif," roncou Thorr ameaçadoramente, "mas também
há aquilo que você me deve."

"Está certo. Aqui está." Eu estava menos seguro de mim neste momento, mas puxei o
martelo do cinto com uma demonstração de orgulho. "Seu nome é Mjollnir. Você pode
quebrar a cabeça de alguns gigantes com essa coisa, imagino."

Ele o pegou da minha mão e o levantou experimentalmente, testando seu equilíbrio. Eu


assisti a tudo com uma certa ansiedade, enquanto uma estranha e mortal luz se acendeu
por trás de seus olhos. Então eu ouvi, sem sombra de dúvida, o som de um trovão.

O resto dos Aesir se entreolhou interrogativamente. Eles também haviam ouvido.

Thorr tomou fôlego. "Esta", declarou ele, "é a arma que irá derrotar nossos inimigos, os
Jotuns!"

Odinn agarrou seu braço. "Você tem certeza?"

"Sim! Isso nunca vai falhar comigo. Qualquer coisa que eu atingir com isso será destruída, e
não importa a força com a qual eu o atirar, ou o quão longe, ele voltará diretamente para as
minhas mãos!"

Como demonstração, ele arremessou o martelo de ferro. Desta vez, os estalos do trovão
eram ensurdecedores. Enquanto observávamos, o martelo rodopiou no ar, voando na
direção do distante Monte Hekla, tão longe que quase se perdia na vista. Houve uma súbita
explosão de fumaça e chamas na montanha, e a terra tremeu e gritou com isso. Quando
todos nós tínhamos recuperado o equilíbrio e a audição, lá estava Thorr com Mjollnir mais
uma vez em sua mão.

"Agora nós podemos destruí-los!" ele gritou, e o resto dos Aesir aplaudiu tão alto que temi
que o barulho pudesse ser ouvido nas profundezas da terra, nas cavernas dos anões.

CAPÍTULO VI

Houve muita festa e celebração em Asgard com a paz e todos os casamentos, mas mesmo
assim o coração de Odinn permaneceu escuro e frio. Ele tinha novos e poderosos aliados,
ele tinha novas armas, mas as muralhas de Asgard ainda eram um monturo de escombros,
deixando todos as salões dos Aesir expostos à vingança de seus inimigos, os Jotuns.

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Escrito com Veneno
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Aquela, acima de tudo, deveria ser sua maior preocupação, mas no entanto, este seria um
vasto empreendimento, pois era óbvio que as novas muralhas deveriam ser mais altas,
mais espessas e mais resistentes que as anteriores. Nem uma única pedra havia sido
deixada em pé sobre outra, e o tamanho da tarefa era assustador. Thorr resmungou que
passaria uma era antes que Asgard estivesse pronta para outra guerra. Ele pôs o martelo
Mjollnir sobre o ombro e se afastou ao norte, para quebrar os crânios dos gigantes. Sem
sua força, o progresso nas paredes logo declinou a zero, pois o resto dos Aesir tinha
amolecido em seus salões dourados, banqueteando-se com javalis assados regados a
hidromel.

Não muito tempo após a partida de Thorr um estranho apareceu em Bifrost, um sujeito
corpulento com um saco de ferramentas pendurado atrás da sela. Ele parou ao pé da ponte
para examinar as fortificações danificadas, então obviamente nas fases iniciais dos reparos.
Quando confrontado por Heimdall, ele disse: "Parece que vocês têm um belo trabalho de
construção em andamento, não é?"

Heimdall o encarou ameaçadoramente, bloqueando seu caminho. "E isso é da sua conta?
Esta é Asgard, fortaleza dos Aesir."

“Uma fortaleza não tão fortificada com as paredes nesta condição, não é mesmo?” O
estranho ergueu a mão para impedir uma resposta irascível de Heimdall. "Veja, eu sou
pedreiro. Muralhas são o meu negócio. Pelo que vejo aqui, vocês poderiam usar a minha
ajuda. É bem provável que, se tivessem procurado pelos serviços de um bom pedreiro em
primeiro lugar, vocês não estariam com esse problema agora."

Heimdall lentamente embainhou sua espada, reconhecendo relutantemente que as palavras


do estranho faziam sentido. Ele o chamou para o outro lado da ponte. "Talvez seja melhor
falar com Odinn sobre isso. Ele pode decidir contratá-lo para o trabalho."

O Pai de Todos suspeitou da oferta do pedreiro. "Você afirma que pode reconstruir os muros
sozinho? É muito trabalho para um homem só."

"É verdade. Mas tenho meu cavalo para ajudar a transportar as cargas de pedra. Creio que
posso terminar o trabalho em um ano."

Ouvi essa negociação de meu lugar nos fundos do salão do Odinn e notei que aquele
cabeludo e barbudo estranho tinha a aparência dos Jotuns. Eu não tinha nada contra a
raça, pessoalmente. Cheio de interesse, me aproximei para ouvir melhor.

As sobrancelhas de Odinn se levantaram com a alegação do pedreiro. "Apenas um homem


para reerguer estas muralhas — em um ano? Estranho, você espera que eu acredite em
você?"

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Escrito com Veneno
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"Aqui está a minha garantia. Vou trabalhar por um ano — e de graça. Se, ao final deste
tempo, eu não houver terminado o trabalho, vocês não terão que me pagar nada.”

"E qual será seu preço se você o fizer?"

"Bem, então espero ser bem pago. Meu preço é Freya. Eu a quero como minha esposa."

Odinn rugiu sua indignação, ecoada pelo resto dos Aesir, pois nenhum deles estava
disposto a abrir mão do tempo gasto entre as coxas abertas de Freya. Njord e Freyr, que a
tiveram primeiro e mais frequentemente que o resto, se levantaram em protesto ao insulto à
sua filha e irmã.

Mas para mim aquela era a oportunidade de me vingar da prostituta Vanir, para afinal me
livrar dela. Deixe-a ir com o gigante, levando seus prazeres com ele até os salões gelados
de Utgard.

Os penetrantes olhos cinzentos de Odin me alcançaram. "Irmão, o que você acha?


Devemos ou não aceitar a oferta deste pedreiro?"

Pensei rapidamente. "Este homem é um tolo", disse eu para Odinn. "O desejo por Freya
deve ter apodrecido seu juízo. Ninguém poderia reconstruir aquelas paredes em um ano,
ainda mais sozinho. Cada uma dessas pedras é maior que ele. Então, não temos nada a
perder concordando em pagar seu preço. Ele nunca vencerá a aposta, e teremos a
vantagem de um ano de trabalho dele, sem pagar nada."

“Há algo de verdade no que você diz”, concordou Odinn, pensativo. "Mas o risco me
preocupa. Um ano é muito tempo. E se ele conseguir terminar a muralha? Perderíamos
Freya. Não podemos simplesmente vendê-la a um estranho."

“E por que não?” pensei comigo mesmo. Ela se vendeu por um colar, e o faria por muito
menos.

"Que tal nove meses, então?" sugeri.

O pedreiro concordou. "Nove meses, é isso! Farei o trabalho em apenas nove meses —
termino até o primeiro dia do verão!"

Agora eu tinha certeza que ele deveria ter algum segredo, alguma vantagem que estava
escondendo dos Aesir. Ninguém senão um tolo aceitaria tal oferta, de qualquer forma. "Aí!
Você vê?" Sussurrei para Odinn. "O homem é um tolo, demente pela luxúria! Esta é uma
aposta que você não pode perder! Não negocie mais, ou teremos menos trabalho feito nas
muralhas."

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

Fã-traduzido por Cristiano Rohling


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"Tudo bem", disse o Pai de Todos, finalmente. "Nove meses. Mas você terá que trabalhar
sozinho, sem ajuda."

"Exceto por meu cavalo, Svadilfari."

"O cavalo. Ah, sim, tudo bem."

Assim foi fechado o acordo. Mas no dia seguinte, quando o pedreiro começou a trabalhar,
ficou claro que o garanhão Svadilfari era mais do que parecia. Quando os Vanir quebraram
as primeiras muralhas de Asgard, os blocos maciços de pedra tinham caído na planície de
Ida, onde até então permaneciam, cobertos de terra e nela afundando. Transportar um
único deles até o local da construção teria consumido toda a força de qualquer cavalo
comum. O pedreiro porém atrelou Svadilfari a um trenó e nele começou a amontoar pedra
após pedra até que a pilha subiu mais alto que nove cabeças de homens, cada qual
apoiada sobre a outra. Este estranho não era nenhum fracote, observei a mim mesmo, mais
seguro que nunca do fato de ele ser um Jotun disfarçado.

Então ele foi até a cabeça do cavalo e o chamou adiante com uma única palavra. Prendi
minha respiração enquanto os enormes cascos do animal empurraram a terra. Músculos se
amontoaram sob seu couro revestido por longos e mal cuidados pelos. Sua respiração
quente fazia seu focinho soltar vapor. E o trenó começou a se mover, lentamente a princípio
e depois mais rápido, mesmo enquanto o garanhão subia a colina. A carga por trás dele fez
o trenó gemer com o peso e se elevava acima do homem e de seu cavalo, como se eles
estivessem atrás de si rebocando toda uma montanha.

O Aesir ficaram naturalmente preocupados quando viram tal feito de força, mas eu lhes
garanti, "Não se preocupem, neste ritmo a besta cederá à tensão, caindo morta ainda no
primeiro mês."

Se Svadilfari estava quase sem fôlego quando alcançou o topo da colina, o garanhão já
estava descansado e pronto para outra carga depois que o pedreiro descarregou os blocos
de pedra do trenó. Dia após dia eles trabalhavam, o cavalo puxando as pedras e o pedreiro
cortando os blocos e colocando-os de volta no lugar. Era o fim de um verão quando os dois
começaram. Mas enquanto cada dia passava mais e mais rapidamente, as paredes se
elevavam cada vez mais altas e ainda mais espessas do que eram antes de derrubadas
pelos Vanir.

Em seu tempo o inverno chegou ao fim, e as novas muralhas de Asgard estavam a meio
caminho de estarem completas. E os dias foram ficando mais longos.

Freya veio até Odinn para reclamar. "Você me vendeu para este rufião sujo sem meu
consentimento! Eu lhe digo, não vou partir com ele para viver em um casebre frio no meio
do nada!"

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

Fã-traduzido por Cristiano Rohling


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"Eu jurei", ele a alertou. "Eu dei a minha palavra."

"Oh, certamente você pode encontrar algum jeito de sair dessa!" O colar amaldiçoado
brilhava em seu pescoço branco. As pontas vermelhas de seus seios se mostravam através
da fina fazenda de seu vestido. Ela se apertou contra ele, obscenamente pressionando seus
quadris contra os dele, seus lábios mordiscar o pescoço de Odinn, enquanto suas mãos
pareciam estar em todos os lugares do corpo dele. Em um único movimento, ele a levantou
sobre si e, enquanto as pernas dela contornavam sua cintura, ele a levou para seu quarto,
batendo a porta atrás de ambos.

Ouvindo o ritmo da cópula deles do outro lado da porta, comecei a ter a desconfortável
sensação de que minha barganha não fora tão segura quanto eu esperava. Quando Odinn
finalmente abriu a porta e deixou Freya sair, brilhando como seu próprio colar, eu sabia que
estava condenado.

Ele me viu antes que eu pudesse fazer a minha saída. "Loki! Trapaceiro! Fazer esse
negócio foi ideia sua. ‘Uma aposta que não podemos perder’, foi o que você disse. Bem,
agora estamos prestes a perder Freya, e é tudo culpa sua! Não, não me venha com suas
mentiras. Todos em Asgard sabem o quanto você a odeia, só porque não conseguiu levá-la
para a cama com seus truques."

Tentei lembrar Odinn que ele havia solicitado meus conselhos, e que eu não o havia forçado
a concordar com as condições do pedreiro. Mas não, tudo o que dava errado era sempre
culpa de Loki.

"Pelo menos os muros estarão terminados", argumentei. "Não é essa a coisa mais
importante? Não seria uma mulher um preço razoável a se pagar? O pedreiro não está
pedindo a sua lança, ou martelo de Thorr."

Mas Odinn era implacável. Ele declarou com fria ameaça, "Não vou deixar Freya ir. Você me
meteu nessa barganha, trapaceiro, agora encontre uma maneira de me tirar isso! Se ele
conseguir terminar essa muralha, vou enterrá-lo sob as pedras!"

Então eu tinha que encontrar uma maneira de salvar a prostituta Freya, que desfilava por
todos os salões de Asgard rebolando o traseiro como uma égua no cio. Então, sem pensar,
eu tinha esbarrado com a resposta! Era o cavalo, um garanhão, o verdadeiro responsável
pelo sucesso do pedreiro. Mas quanto trabalho ele poderia conseguir de um garanhão no
cio? E Freya seria meu modelo!

Na véspera do primeiro dia de verão, quando as muralhas de Asgard já estavam quase


prontas, o pedreiro levava Svadilfari para fora de seu estábulo quando uma égua apareceu
em uma colina pouco além dos muros, uma égua no cio. Relinchei, bati meus cascos e
levantei a cauda sedutoramente para expor a passagem aberta entre minhas coxas. Meu
aroma almiscarado alcançou as dilatadas narinas do garanhão e ele empinou, alardeando

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

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sua luxúria, terminando por arrebatar o freio da mão do seu assustado dono. Ele subiu pela
encosta, bufando, o focinho dilatado, com seu enorme órgão inchado suspenso como uma
lança abaixo de sua barriga.

Com um tímido remexer de minha cauda, corri ágil e rapidamente para as árvores com
Svadilfari a meus calcanhares. O pedreiro o perseguiu desajeitadamente, gritando furiosos
xingamentos, mas toda a atenção do garanhão estava em meu traseiro revolto. Eu o levei a
uma incansável perseguição para longe dos inacabados muros de Asgard.

Perto do pôr do sol, ele me alcançou, empinou-se e prendeu meu pescoço com seus
enormes dentes amarelos. Eu agitava minha garupa, chutava, mas ele me subjugou
subindo sob as patas traseiras para me montar, enterrando-se profundamente em minha
barriga. Sua semente jorrou em mim.

Quando ele se exauriu, fiquei tremendo e suando. Minhas pernas estavam fracas com a
tremedeira e minhas entranhas ficaram em carne viva. Eu nunca mais desesperadamente
quis voltar à minha própria forma. Mas quando tentei, percebi o quão grandemente tinha me
atrapalhado, pois permaneci incapaz de mudar de voltar à minha própria forma, não até que
o potro dentro de mim nascesse.

Oh, como os Aesir iriam rir! Ver Loki o malandro, o sedutor — finalmente pego, grávido do
garanhão do gigante!

Mas meu estratagema havia funcionado. No dia seguinte, o primeiro do verão, os portões
de Asgard ainda estavam inacabados. O pedreiro trabalhou durante todo o longo dia, e o
suor brilhava em seus músculos salientes enquanto ele se esforçava para carregar os
imensos blocos de pedra para colocá-los no lugar, mas seu trabalho foi em vão. Quando o
sol finalmente se pôs ainda havia uma abertura na parede ampla o suficiente para que Thorr
conduzisse seu carro através dela.

Odinn estava com um sorriso frio nos lábios e seus olhos brilhavam enquanto inspecionava
as paredes semiacabadas. "O tempo acabou", disse ao pedreiro, "e o trabalho que
contratamos continua inacabado. Os Aesir não lhe devem nada."

O pedreiro pareceu inchar de raiva. Ele jogou seu cinzel aos pés de Odin, e onde bateu no
chão uma fenda se abriu na terra, tão profunda que nela poderia ser enterrado um homem.
Por um momento Odinn o observou em silencio. O gigante se tinha revelado com uma
demonstração de sua força real.

"Então", disse Odinn severamente, "Como eu supunha, você era nosso inimigo o tempo
todo."

Então para fora dos umbrais de Thrudheim caminhou Thorr, e trovões ressoavam enquanto
o martelo Mjollnir girou pelos ares para se cravar no crânio do gigante. Foi assim assim que

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os Aesir pagaram o salário do pedreiro, que em vez de tomar Freya por noiva, pôde agora
apreciar o abraço frio de Hel.

Mas eu não podia suportar que ninguém para testemunhasse minha humilhação, então
deixei Asgard para viver sozinho até que meu potro estivesse pronto para nascer.

CAPÍTULO VII

Eu nunca vou me esquecer da agonia daquele nascimento. Deitei-me no chão, enquanto o


meu corpo se rasgava de dentro para fora. Svadilfari era muito grande, seu potro então
seria grande demais para que eu o suportasse. Não havia como escapar do tormento dentro
de mim, e eu temia que aquilo nunca terminasse, exceto com minha morte.

Então finalmente tudo estava acabado. O potro deslizou para fora de mim e se pôs de pé
sobre trêmulas oito pernas, a roçar minha barriga com o focinho em busca de seu leite.
Senti uma estranha agitação de orgulho, pois vi que o meu potro, o potro de Svadilfari,
Sleipnir, seria o melhor e o mais rápido de todos os cavalos. Assim aconteceu. Ele pode
carregar seu cavaleiro por terra, mar ou ar mais rapidamente que qualquer um dos cavalos
dos Aesir. E somente ele pode suportar o caminho para o domínio de Hel, nas profundezas
da fria Niflheim.

E o melhor de tudo, descobri que finalmente poderia assumir de novo minha própria forma.
Alegrei-me por ficar sobre duas pernas e sentir minha masculinidade pendurada lá entre
elas, onde deveria estar. Com o cavalinho trotando ao meu lado, voltei novamente a Asgard
na tola esperança de finalmente receber uma justa recompensa por meus esforços em
nome dos Aesir.

Heimdall desprezou Sleipnir quando conduzi meu filho sobre a ponte Bifrost. "Então é você
de volta novamente, trapaceiro. É esse o tipo de cavalo que vocês criam em Muspelheim?
Será que isto precisa ter oito pernas para impedir que caia?"

Mas desta vez a visão de Odinn foi melhor que a de seu vigia, e ele reconheceu à primeira
vista o valor de meu potro. "Um bom animal", disse ele, passando a mão nos flancos de
Sleipnir. "Esse presente irá ajudar a compensar os problemas que você nos causou,
trapaceiro".

Por um momento fiquei desconfortavelmente sem palavras. Um problema que eu havia


causado! E quanto aos problemas que eu tinha suportado — ser estuprado por aquele
garanhão enorme, obrigado a suportar seu potro, preso no corpo de uma égua por um ano!
Oh, a ingratidão dos Aesir!

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Escrito com Veneno
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Agora Odinn queria que eu lhe desse meu potro, meu filho. Antes que eu pudesse dizer
uma única palavra em protesto, ele sussurrou, baixo e asperamente, "Ou talvez os Aesir
estejam interessados em saber sobre a filiação deste potro. O nome de sua mãe."

O orgulho parou minhas palavras. Foi assim que Odinn adquiriu sua famosa montaria,
Sleipnir, o cavalo cinzento de oito patas que iria levá-lo a tantos campos de batalha em
Midgard e até mesmo para baixo, nos traiçoeiros caminhos para os domínios de Hel. Meu
único consolo foi a inveja de Heimdall quando Sleipnir derrotou seu garanhão Gulltoppr em
uma corrida de desafio circundando nove vezes os novos muros de Asgard.

Por um tempo, então, Odinn pareceu novamente me favorecer. Deram-me até mesmo um
lugar de honra na próxima vez em que banqueteei em Gladsheim, em honra de Idunn, filha
dos Vanir. O presente de Idunn aos Aesir era mais que bem-vindo, pois as maçãs de ouro
que ela cultivava em seu pomar poderiam mantê-los para sempre jovens e fortes.

"Nós estávamos ficando velhos.", disse um recém rejuvenescido Pai de Todos enquanto
virava um chifre de hidromel. "Estávamos ficando moles e frouxos com todo esse tempo a
festejar assentados em nossos salões. Agora me sinto como quando o mundo era jovem,
quando realizamos grandes feitos! Preciso sair uma vez mais para trilhar os nove mundos!"

“Vamos ter que batizar você como Gangleri novamente”, disse eu, pois de fato ele se
intitulou como ‘o andarilho’. Desde o momento em que sua juventude foi renovada, Odinn
voltara a percorrer os mundos, constantemente espionando contra seus inimigos.

"E você pode viajar comigo, meu irmão."

Fiquei feliz com essas palavras, pois estava ansioso para recuperar seu favor. Melhor viajar
com Odinn que me assentar em Asgard sob a fria e duradoura suspeita de Heimdall,
enfrentando as ameaças de Tyr, isso sem contar no desprezo de Freya. Assim, pela
primeira vez entrei nas terras dos gigantes do gelo e aprendi novamente com que rapidez a
traição de Odinn pode surgir sob a máscara da fraternidade.

Os Vanir tinham atirado Honir para fora de Vanaheim, então ele foi nosso companheiro de
viagem quando descemos das montanhas cobertas de gelo do norte até uma terra seca e
deserta, onde apenas o mato poderia existir e crescer. O chão era duro e coberto com
pedras salientes afiadas que cortavam as solas de nossas botas. Quando finalmente vimos
um espumante córrego na montanha correndo pra baixo até um vale, nós o seguimos com
sede ansiosa.

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Então nas margens do rio chegamos a uma manada de auroques5, e estávamos com tanta
fome após nossa viagem através do deserto que matamos o maior touro para preparar
nossa refeição, sem jamais pensar em quem seriam os donos do rebanho e das terras que
estávamos invadindo. Odinn e Honir esfolaram e esquartejaram a besta enquanto eu fazia
fogo debaixo de um velho carvalho retorcido, quebrando a madeira morta dos galhos mais
baixos. Nós espetamos os cortes e os colocamos no fogo para assar, e logo o intenso
cheiro da carne me deixou quase tentado a reverter à forma de lobo para rasgá-la crua
diretamente na carcaça, então fiquei impaciente para que tudo ficasse pronto logo. Odinn e
Honir não estavam menos famintos, e depois de uma hora inquieta tiramos do fogo os
espetos, ansiosos para afundar nossos dentes na carne assada.

Mas a carne estava crua, fria e crua. Odin cuspiu seu pedaço e praguejou. “O que há de
errado aqui? Essa carne já deveria estar pronta!”

Eu aticei o fogo ainda mais alto, e relutantemente colocamos os cortes de carne de volta
nas brasa. Após mais uma hora estávamos certos que tudo estaria assado, mas novamente
a carne estava crua e fria.

Agora Odinn já estava enfurecido com a frustração e a fome. "Há algo acontecendo aqui, e
quero descobrir o que é! Este fogo foi feito por você, filho de Muspell. Seria este mais um
dos seus truques?"

E era assim, ao primeiro sinal de problemas eu era sempre o acusado, simplesmente por
ser o estrangeiro.

Eu protestei, indignado, pois este não era um truque meu, já que estava tão faminto quanto
eles próprios. Honir se aventurou a tocar um dos carvões com a ponta do dedo, mas teve
que retirá-lo rapidamente, com bolhas de queimadura.

"Isto é algum feitiço trabalhando contra nós", insistiu Odinn de forma sombria, pois sempre
suspeitava de quaisquer feitiçarias que não fossem as suas.

"Este foi um bom palpite!" uma veio voz do alto, assustando a todos nós. Olhamos para
cima e havia uma águia empoleirada no topo da árvore de carvalho, nos observando e
ridicularizando nossos esforços para cozinhar a carne. Empalideci, pois este pássaro era
imenso. Odinn em forma de águia não seria páreo para ele, mesmo tendo ele me subjugado
em minha forma de falcão quando nos encontramos pela primeira vez em Muspell. “Essa
terra é minha”, ele nos disse, “e essa árvore também. Vocês pediram permissão para usar
minha madeira para fazer seu fogo?”

5
Auroque: (nome científico: Bos taurus primigenius) raça bovina extinta em 1627. Tratava-se de um
animal de grandes dimensões e comportamento indócil. Seu habitat, em épocas pré-históricas, se
estendia da Europa Ocidental à Península da Coreia e da Sibéria ao subcontinente indiano.
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Escrito com Veneno
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Os músculos da mandíbula de Odinn se apertaram enquanto ele rangia os dentes. "O que
será então necessário para que sejamos permitidos a assar nosso alimento?" demandou
ele. "Estamos com fome, e já esperamos por muito tempo!"

"Bem, acontece que eu mesmo estou com um pouco de fome", respondeu a águia. "Então,
se você me deixar comer a parte que me toca em seu boi, assim permitirei que seu fogo
possa assá-lo."

Odinn não ficou feliz com este negócio. Ele odiava ser posto em desvantagem, e sussurrou
para nós, "Este é, obviamente, um gigante do gelo e um poderoso feiticeiro. Nada de bom
virá de qualquer negócio que fizermos com ele." Mas estávamos todos morrendo de fome,
por isso concordamos com a proposta da águia.

Então de repente ele gritou e voou abaixo em direção ao fogo, roubando todos os quatro
quartos, os lombos e também as partes dianteiras, não deixando nada para nós três!

Em um acesso de fúria, peguei um galho em meio ao fogo e o agitei contra o pássaro


ladrão, mas em vez de acertá-lo, acabei sendo puxado para o ar sem que meus pés
pudessem tocar o chão, pois a águia segurou firmemente a madeira em suas garras e eu
me vi impedido de soltar da outra extremidade, não importa o quanto tentasse. Aquilo era
mesmo feitiçaria, como Odinn havia nos avisado, e agora a águia gigante me tinha em suas
garras.

Ao mesmo tempo, a águia começou a voar rumo às montanhas, levando-me para longe de
meus companheiros. Eu me revirava tentando me libertar ou até mesmo mudar para alguma
outra forma, mas era tudo em vão. O poder da águia me prendia. Não demorou muito até
que eu pensasse que meus braços seriam arrancados de meus ombros. O vento forçava
para fora o ar de meus pulmões.

Em seguida, a águia mergulhou rumo ao chão, comigo pendurado em suas garras.


Choquei-me contra as rochas, e ela voava baixo, arrastando-me para que eu batesse em
cada pedra afiada e em cada afloramento de rocha. Minhas pernas estavam machucadas e
sangrando, e estilhaços de cascalho ficaram incrustados em minha carne. Era uma agonia!
Eu não podia suportar a dor. Eu admito, nunca fui capaz de suportar muita dor. Odinn sabe
disso. Ele faz questão de conhecer os pontos fracos de cada um. Ou não faz, meu irmão?

Eu gritei para a águia e implorei por misericórdia. Mas ela apenas riu e voou baixo até que
eu fosse arrastado pelo chão. Ela me arrastou por léguas e léguas intermináveis, sobre o
terreno mais áspero, sobre a superfície congelada das geleiras, rindo alto com meus gritos
de sofrimento. Depois elevou-se um pouco, apenas o suficiente para levantar meu corpo
pendurado. "Você já teve o bastante?" provocou-me ela.

"Sim!" chorei, pois a pele tinha sido raspada do meu corpo, e eu estava em carne viva.

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

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"Bem, posso deixá-lo ir, mas só se você prometer me trazer de Asgard uma pequena
bagatela. Há um itenzinho no qual tenho estado de olho há um certo tempo."

Meu tormento me deixou descuidado. "Qualquer coisa!"

"Você jura?"

Quando hesitei em me comprometer com um juramento, ele voou mais baixo outra vez, me
arrastando através de um espesso emaranhado de mato e espinhos até que gritei em
desespero: "Sim, eu juro! Qualquer coisa!"

A águia riu novamente em malicioso triunfo. "Ótimo! Tudo o que quero é a cesta de maçãs
douradas de Idunn! E, claro, você deverá trazer a garota junto, também."

Meu coração afundou no desespero, pois muitos diriam que as maçãs de Idunn eram o
tesouro mais valioso em toda Asgard. Comê-las havia feito com que os Aesir recuperassem
a juventude. Mas que outra opção eu tinha? Odinn havia me abandonado à minha sorte e,
além disso, eu tinha dado meu juramento.

"Está bem!" Concordei rapidamente quando a águia começou mais uma vez a descer em
direção à acidentada superfície do terreno "Eu faço o que pediu! Eu juro!"

"Traga-a para fora de Asgard em sete dias. Eu virei para os pés de Bifrost ao meio-dia!"
Então, de repente me vi em queda livre rumo ao chão. Aconteceu rápido demais para que
eu tivesse tempo para me mudar em alguma outra forma, e este último impacto foi o mais
doloroso de todos. Ferido e sangrando, fiz meu caminho solitário de volta Asgard.

Odinn já havia retornado no momento em que cheguei a Gladsheim, e ele me acolheu de


volta em seu salão sem muita preocupação com meu bem-estar. Na verdade, ele tinha até
mesmo feito apostas quanto a isso. "Você viu, Tyr", disse ele ao seu irmão: "Eu disse que
ele poderia se safar de qualquer coisa! Ele conseguiu manter a pele intacta até quando
escapou da cama da mulher de Surtr!"

Tyr me olhou com raiva, pois meu regresso fez com que ele perdesse a aposta. O resto dos
Aesir tinha ainda menos simpatia por minha situação, e eles riram dos hematomas e
cicatrizes nas minhas pernas e costas. Naquele momento, minha determinação se
endureceu, e quaisquer dúvidas que eu pudesse ter sobre sequestrar Idunn e suas maçãs
desapareceu de minha mente. Eles pagariam por rir de Loki, filho de Farbauti!

Naquela época Idunn era jovem e inocente, pois apenas uma virgem poderia colher as
maçãs de ouro da juventude. Talvez ela fosse a única entre os Aesir que desconhecia o
engano e a traição. Eu só tinha que esperar, até que eu a encontrei sozinha, passeando
através dos pacíficos prados de Asgard.

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

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"Idunn!" eu a chamei. "Estive procurando por você!"

"Oh," ela disse, baixando os olhos com pudor, "é você."

Fiquei irritado com a forma que ela me recebeu, mas não pude demostrá-lo. "Sim, sou eu.
Idunn, tenho certeza que você sabe que estive em Midgard recentemente..."

"Sim, ouvi dizer."

Mas quem não ouviu? Minha mais recente humilhação era uma piada pública. No entanto,
continuei, "Bem, enquanto eu estive lá vi a coisa mais extraordinária de todas! Eu não pude
acreditar! Pensei que essas maçãs só crescessem aqui em Asgard, em sua própria árvore!"

"Maçãs? Que tipo de maçãs?"

Sorri por dentro. "Maçãs douradas! Um bosque inteiro delas, tão brilhante que parecia que
as árvores brilhavam com luz própria! Claro, pensei em você naquele momento. Idunn tem
que ver isso, disse a mim mesmo. Eu teria lhe dito sobre elas antes, exceto pelo fato eu ter
levado um bom tempo para retornar de Midgard. "

"Claro, eu entendo", disse ela, agora cheia de simpatia.

"Você acha" perguntei, "que elas poderiam ser da mesma espécie de maçãs que as suas?
Exatamente a mesma?"

"Oh, não, tenho certeza que não poderia ser! Eu cultivei minhas próprias árvores, eu
mesma, a partir de sementes!"

"Mas suponha, apenas suponha, que elas sejam. Você não acha que poderia ser um
problema? O bosque está bem na fronteira de Utgard, onde vivem os gigantes. Certamente
seria perigoso se as maçãs da juventude que caíssem nas mãos de nossos inimigos ".

"Oh, nisto você está certo, seria perigoso! Você deve falar disso imediatamente ao Pai de
Todos!"

"Sim, eu deveria", concordei rapidamente. "É claro, se elas realmente forem maçãs da
juventude. Mas eu não queria perturbar o Pai de Todos até saber com certeza sobre os
riscos. E se no fim elas forem apenas maçãs comuns? Vou fazer papel de tolo novamente.
Então, em vez disso procurei por você".

"Por mim? Mas para quê? O que posso fazer?"

"Eu pensei que seria melhor se você as olhasse antes. Quem melhor que Idunn para saber
se estas são realmente as maçãs douradas da juventude, ou apenas maçãs comuns

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Escrito com Veneno
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amarelas? Tudo o que você tem a fazer é vê-las por si mesma. Assim eu não perturbaria o
Pai de Todos com um alarme falso ".

"Sim, você está certo, eu poderia fazer isso. Você pode me levar e mostrar o lugar certo?"

"É claro que posso levá-la." fiz uma pausa. "Talvez seja melhor trazer uma cesta com suas
próprias maçãs, também, para fins de comparação. Só para ter certeza."

"Sim, é uma boa ideia! Vou buscar minha cesta agora mesmo."

"Vou esperar por você aqui. Assim que você trouxer as maçãs, podemos nos pôr a
caminho."

Ela concordou em me encontrar do outro lado de Bifrost, onde eu sabia que a águia viria
buscá-la ao meio-dia. Mas antes disso, eu tinha tempo para fazer minha própria colheita.

“Venha”, eu lhe disse "pegue minha mão, vou levá-la para o tal lugar".

Foi tão simples. Em um momento, minha mão tocava levemente a dela. No momento
seguinte, me dobrei para tocar seus lábios com os meus. Meus poderes não
enfraqueceram. Eu pude sentir o calor do meu desejo fluindo do meu corpo para o dela e se
concentrando entre suas coxas. “Não!”, ela chorou fracamente enquanto eu a penetrei,
“não, eu não posso!”

Mas eu cobri seus protestos com minha boca e rapidamente tirei sua virgindade. Eu juro,
ela não sentiria falta dela após aquele primeiro momento, e ainda lhe dei em troca uma
grande porção de prazer. As mulheres não foram feitas para serem virgens, nisso sempre
acreditei, e estava provando isso para Idunn uma vez mais quando uma sombra escura e
alada caiu sobre nós, e ouvi a águia gritando em sua raivosa.

Me separei dela sorrindo, enquanto ele caía no chão e assumia sua forma verdadeira.
Como Odinn havia suspeitado, a águia era um dos gigantes de gelo, um poderoso feiticeiro
chamado Thiazi. Idunn tentou alcançar o vestido de modo a cobrir sua nudez enquanto ele
gritava, "O que pensa estar fazendo, trapaceiro?"

"Cumprindo minha parte no acordo, como concordamos", disse eu suavemente. "Aqui,


como você pode ver, eu lhe trouxe as maçãs com a moça junto a elas. Não havia nada em
meu juramento que me impedisse de dar uma mordidinha primeiro."

Bem, ele rugiu e gritou, mas não pôde fazer nada, pois eu realmente havia mantido minha
palavra como combinado. Deixar um gigante do gelo superar o filho de Farbauti em um
truque! Ele tinha as maçãs, mas agora Idunn não era mais virgem, então ele nunca
conseguiria obter com ela outras maçãs. No fim ele retornou à forma de águia e agarrou a
garota para carregá-la com ele, pois ela era um prêmio que ele se recusava a abandonar,

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não importando-se o fato de seu valor ter diminuído. Eles sempre foram uma raça
gananciosa e avarenta, os Jotuns.

Infelizmente, eu havia subestimado a vigilância de Heimdall. Ele havia visto Idunn a cruzar
sua ponte e, desconfiado como sempre, a seguiu. Assim que viu Thiazi a levar Idunn
embora em sua forma de águia, ele deu o alarme e, antes mesmo que eu percebesse o que
estava acontecendo, eu já havia sido agarrado e arrastado à frente de Odinn.

Os Aesir ficaram furiosos. Não que se importassem tanto assim com a virgem Idunn, mas
sem as maçãs, suas recém-descobertas juventude e vigor logo desapareceriam novamente.
Freya reclamava em frente ao espelho que seu rosto já começava a se enrugar. Heimdall
me acertou no rosto, derrubando-me no chão, sem se importar com os ferimentos que eu já
tinha. "Filho de Muspell!" ele praguejou, "Trapaceiro! Sem caráter! Você vendeu nossa
juventude aos nossos inimigos!"

"Eu não tive escolha!" protestei. "Ele me obrigou a fazer um juramento! Ele teria me
golpeado até a morte contra as rochas!"

"Oh, ele forçou você, não é mesmo?" disse Odinn em estado de fria fúria. Afinal, perder as
maçãs de Idunn já era ruim o suficiente, mas era ainda pior perdê-las para Thiazi, que já o
havia superado em outras ocasiões. O fato de eu ter sido o único a pagar o preço da águia
não significava nada para ele.

Mas agora eu também estava furioso. “Sim, ele me forçou a jurar! Eu não poderia quebrar
meu juramento. E vocês o viram a me carregar para longe naquele dia, mas o que fizeram
para me salvar? Nada, essa que é a verdade! Vocês ficaram lá de pé observando, você e
aquele idiota do seu irmão Honir! Ou será que vocês se sentaram para aproveitar o
banquete enquanto observavam a águia a me arrastar através das rochas? Afinal, vocês
tinham dois quartos inteiros de carne só para vocês, não é mesmo, e Loki não estava lá
para dividir a carne com vocês!”

Todavia, Odinn não se importava com a justiça, e ele jamais assumiria sua parcela na culpa.
Ele torceu meus braços por trás de minhas costas até que pensei que eles fossem se
quebrar. Lutei, mas era inútil. Sua força era superior e eu não conseguia assumir outra
forma enquanto ele me segurava, tamanho o seu poder. “Eu vou trazê-la de volta!” gritei
finalmente, em desespero. “Eu juro, vou trazer a garota de volta — e também as maçãs!”

Seu aperto se afrouxou um pouco. "Então você jura, irmão lobo?"

"Eu faço! Eu juro! Vou para Utgard encontrar Idunn, e vou trazê-la de volta comigo!"

"É melhor que faça isso mesmo. Por que se você não o fizer, não nos importa se você volta
ou não", disse Odinn ameaçadoramente. "Vou encontrá-lo, onde quer que se esconda.
Quando eu te encontrar, juro que vou alimentar os lobos com seu corpo despedaçado."

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

Fã-traduzido por Cristiano Rohling


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Eu acreditei nele. O poder frio de seus olhos não deixava dúvidas de suas intenções. "Vou
fazer o que disse!" Engoli em seco. "Apenas me solte."

Finalmente ele me libertou, ainda que Heimdall o advertisse a não confiar em mim, mesmo
que eu tivesse jurado. “Escute”, disse eu, esfregando meus braços para fazer o sangue fluir
novamente, “Vou fazer conforme prometi. Todavia, posso fazer ainda mais. Vocês gostariam
de ter Idunn de volta, e também que eu desse um fim em Thiazi?

O desejo de vingança retornou vividamente aos olhos de Odin, e ele concordou com minha
proposta.

Meus ombros doíam ainda mais que na ocasião em que fui torturado por Thiazi, mas
mesmo assim mudei para a forma de um falcão e voei ao norte, para as montanhas
cobertas de gelo de Utgard, no fim da terra. Lá Thiazi tinha seu salão, Trymheim, alto no
pico do rochedo mais desolado de todos os nove mundos. Ele estava coberto com neve
mesmo em pleno verão, e o vento congelante soprava constantemente ao redor de suas
fundações. Thiazi, em forma de águia, voava ao redor, circulando lentamente sobre seus
domínios.

Eu esperei, encolhido no escasso abrigo oferecido por um abeto atrofiado, até que o vi voar
na direção do fiorde em busca de peixes. Uma figura menor o seguia, sua maligna e cruel
filha Skadi, causa da minha desgraça.

De uma só vez, voei através da janela do salão, onde Idunn estava agachada em frente ao
fogo. Ela me viu e deixou escapar um grito choroso: “Você! Oh, não me toque!”

"Sim, sou eu, Loki. Não, não fuja! Vim para levá-la para longe daqui, de volta a Asgard."

Ela se virou para trás, com esperança e dúvida misturadas em seus olhos. "Há apenas uma
coisa," eu disse a ela. "Uma condição. Antes que eu a leve de volta, você deve jurar que
não vai mencionar o que fiz a você antes de te entregar a Thiazi. Os Aesir poderão
interpretar mal este fato."

Ela corou como uma virgem faria. "Mas todos eles vão saber! Apenas uma virgem pode
colher as maçãs."

"Ah, eles podem encontrar outra virgem em algum lugar, eu tenho certeza. Mesmo em
Asgard. Qual é a diferença? Veja, Thiazi também a teve, não adianta negar." Ela corou de
novo, ainda mais profundamente. "Então, veja você. Por que não deixar que o gigante leve
todo o crédito pela perda da sua virgindade? Diga aos Aesir ele estuprou você. Ninguém vai
acreditar que não. Então, jura ou não? Ou prefere ficar aqui e compartilhar a cama de Thiazi
para sempre?"

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

Fã-traduzido por Cristiano Rohling


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"Eu juro", disse ela, e suspirei em alívio. A parte seguinte seria mais difícil. Apesar do que
os skalds dizem, não sou feiticeiro. Nunca quis pagar o preço que esse conhecimento exige,
tributo este pago de muito bom grado por Odinn. Sou transmorfo, sim, mas esse dom me
veio de nascença. No entanto, Odinn me havia ensinado algumas runas e feitiços, os quais
usei para transformar Idunn e sua cesta em uma porquinha pequena o suficiente para que
eu a transportasse com facilidade em minhas garras de falcão.

Agarrando-a com força, voei o mais rápido que pude, e não demorou muito para que o
gigante e sua filha voltassem para o salão, dando pela falta da prisioneira de faces rosadas.
Imediatamente, Thiazi se transformou em águia e veio atrás de mim. Eu já tinha
experimentado a força de suas asas, e agora aprendia o quão rápido ele é capaz de voar.
Quando ele começou a me ultrapassar, ouvi o estrondo de seus suas asas batendo. Ainda
carregando Idunn com segurança, me forcei até o limite da minha velocidade, passando por
cima das montanhas e florestas que havia entre Utgard e Asgard. Mas Thiazi era ainda
mais rápido.

Finalmente as muralhas de Asgard entraram em nosso campo de visão, com a águia


gigante a se aproximar atrás de mim. Eu quase pude sentir o aperto de suas garras no
momento em que atravessamos a muralha de Asgard. Mas os Aesir estavam prontos, e
puseram fogo a uma enorme pilha de madeira amontoada contra as paredes interna. Passei
rápido através da fumaça, e Thiazi, atrás de mim, estava voando rápido demais para parar
quando as chamas explodiram. Suas asas foram incendiadas, e ele subiu gritando,
amaldiçoando as chamas, enquanto descia ao chão, tossindo por causa da fumaça e da
exaustão.

E lá estava Idunn com sua cesta de maçãs, como eu havia jurado que estaria, salva se não
completamente intacta. "Então, trapaceiro!" disse Odinn severamente, "você conseguiu
novamente. Nós temos nossa virgem e suas maçãs de volta, e agora há menos um gigante
do gelo no mundo para nos causar problemas!"

Ele me deu um tapa em minhas costas doloridas, como se tudo houvesse sido um plano
seu desde o início. Naquela noite em Gladsheim houve mais uma festa em comemoração
ao retorno de Idunn, mas eu decidi me ausentar do salão que o assunto de sua virgindade
viesse a surgir nas conversas.

CAPÍTULO VIII

Sempre que se dava algum banquete em Asgard havia hidromel, e também poesia e
música. Na verdade, o primeiro inspirava os demais. O hidromel vinha do vaso de Kvasir, e
as músicas vinham daqueles que dele muito bebiam. Havia poder nas canções, é claro,
mas nelas também havia uma porção de elogios exagerados a Odinn e seus feitos, sendo a
maior parte mentiras.

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

Fã-traduzido por Cristiano Rohling


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Houve hidromel e canções no casamento de Odinn e Frigg, e logo fiquei tão bêbado quanto
todos os outros no salão, muito embora eu, ao contrário de alguns, não me utilizasse disso
como desculpa para infligir versos ruins sobre os outros convidados. Quando acordei
debaixo da mesa, senti que parecia estar ocorrendo uma furiosa batalha, com o som de
espadas e escudos a se chocar. Quando meus sentidos clarearam, percebi que o barulho
vinha de fora do salão. Todos ao meu redor, Aesir ou Vanir, tentavam se firmar sobre os
pés, tateando em busca de suas próprias armas e se perguntando quem estaria atacando o
salão.

Não fiquei nada feliz quando vi quem estava às portas de Gladsheim, batendo sua lança
contra o escudo de modo desafiador. Ela trajava uma cota de malha com uma espada longa
pendurada ao cinto, e um elmo cobria sua cabeça. Mesmo tendo-a visto pela última vez sob
a forma de uma águia, nunca esqueci daquela voz que gritava maldições enquanto seu pai
queimava — era Skadi, a caçadora, filha de Thiazi, gigante do gelo. Ao bater no escudo
com o eixo da lança, ela lançava um desafio de combate, buscando vingança pela morte de
seu pai.

Para mim, não era uma visão das mais bem-vindas. Recuei da multidão dos Aesir, pois
combater com Skadi era o último dos meus desejos, e eu podia ouvi-la claramente a clamar
por "aquele transmorfo, aquele trapaceiro", mesmo que minhas mãos nunca houvessem
derramado sequer uma gota do sangue de Thiazi. Para mim, estava perfeitamente claro que
o gigante tinha trazido sobre si seu próprio destino ao sequestrar Idunn, levando-a para seu
salão de gelo.

Ela gritava, "O sangue do meu pai foi derramado! Ele foi assassinado por covardia e traição.
Qual de vocês vai pagar com seu próprio sangue? Ou devo simplesmente começar do
princípio e retalhar vocês um a um?" Enquanto sua voz ecoava em meus ouvidos, ela
balançava a espada para demostrar suas intenções.

As mãos de Odinn se fecharam ao redor do cabo da lança Gungnir, e Thorr levantou o


martelo Mjollnir em um gesto assassino familiar. Ótimo, pensei, vocês poderiam empalá-la e
quebrar seu crânio, e logo teremos todos um pouco de paz!

Então Kvasir deu um passo à frente, e sua voz era toda paz e conciliação. "Filha de Thiazi",
disse ele, tomando-lhe suavemente a mão em sua própria, "aqui todos estamos cansados ​
de guerras e conflitos. A paz é boa, assim como é bom um banquete e uma taça
transbordante de hidromel. Será que você não consideraria clamar por wergild em
compensação por sua perda? "

"O que vocês oferecem?" exigiu ela, ainda chiando como uma águia guerreira.

Kvasir virou-se para Odinn. "Ouro", disse Odinn por fim, "Pagaremos o peso de Thiazi em
ouro. É uma oferta generosa, e é mais que ela merece."

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

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Muito mais, pensei. Skadi não merecia wergild.

Mas ela bufou e rejeitou a generosa oferta. "Ouro? Você me toma por um anão? Posso eu
martelar o ouro para fazer uma ponta de lança decente? Ou a lâmina de uma espada?"

Eu odeio mulheres sanguinárias.

"E o que vai querer, então?" perguntou Odinn com crescente impaciência.

"Preciso de um marido. Nenhum dos homens de Utgard me agrada." Era provável que eles
todos fugissem da visão de sua face e do som da sua voz. Mas ela continuou, “Escolherei
um marido dentre os Aesir como wergild pelo assassinato de Thiazi — mas será um de
minha própria escolha. E tenho ainda outra condição. Meu coração se tornou em pedra
desde a morte de meu pai. Um de vocês precisa me fazer rir. De outro modo, o preço será o
sangue”.

Melhor seria se fosse o seu próprio sangue, pensei, silenciosamente esperando que Odinn
rejeitasse esta oferta, mandando a mulher seguir seu caminho. Mas ele estava imerso em
seus pensamentos, com aquela expressão que significa que ele pensa estar sendo
engenhoso. Eu estava prestes a escapar enquanto ainda tinha a chance quando ele
anunciou: "Eu concordo. Você pode escolher um marido dentre os Aesir, mas terá que
escolhê-lo vendo somente seus pés, sem ver seu rosto."

Ela olhou por um momento para os Aesir reunidos e então concordou. Os homens solteiros
se postaram por detrás de uma mesa levantada, de modo que apenas a parte inferior de
suas pernas ficasse visível. Skadi olhou para aquela fileira de tornozelos peludos, então
apontou o par com pele mais branca e lisa. "É esse mesmo. Quero aquele como meu
marido."

Era Heimdall, pensei alegremente, imaginando o vigia do Aesir tentando romper a


passagem guarnecida por rochas existente entre as coxas musculosas de Skadi. Eu não
poderia imaginar para ele uma companheira melhor. Finalmente, um dos estratagemas de
Odinn trouxe para mim resultados agradáveis. Mas, em seguida, Thorr levantou a mesa e
houve uma explosão de espanto e alegria entre o resto dos Aesir, pois Njord havia sido o
escolhido, ele, o pai de Freyr e Freya, e agora novo marido de Skadi.

O rosto dela ficou sombrio com o desagrado. Esta claramente não era a escolha que ela
pretendia fazer.

Mas Odinn declarou com satisfação, "Você tem seu marido, filha de Thiazi, e desejo-lhe que
se alegre com ele. Sua reivindicação foi atendida."

"Não ainda," lembrou ela severamente. "Eu ainda não ri."

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Escrito com Veneno
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Odinn a observou severamente, e então apontou em minha direção. "Trapaceiro! Você foi o
responsável por toda esta situação, pois foi você quem roubou Idunn para o gigante. Agora
você terá como pagar sua dívida!"

Protestei amargamente, "E fui eu quem abateu o gado do gigante? Foi então minha culpa
termos invadido as terras dele? Nada disso teria acontecido sem sua liderança!"

Ele me ignorou e ordenou a Thorr, "Traga o aqui o trapaceiro!"

Thorr me subjugou com um aperto em meu pescoço. "Este problema é todo culpa sua",
sussurrou Odinn. "Agora, ou ela ri ou será o seu sangue aquele que ela vai derramar".

Isso não era justiça. Quem se importava com meu sangue derramado por Thiazi? Que
wergild eu recebi por toda a minha dor quando a águia gigante me arrastou sobre todas as
pedras de Midgard?

Oh, como me esforcei para fazer rir a odiosa filha de Thiazi. Eu dancei, pulei, contei piadas,
mas nada parecia capaz de aliviar a carranca em sua face lavrada em granito. O próprio
rosto de Odinn me pareceu tão sério quanto o dela, e eu não duvidava que ele me
sacrificaria. Perguntei-me desesperadamente, que tipo de humor teriam eles em Utgard?
Talvez eu devesse fingir escorregar e cair sobre uma pilha de esterco — isso poderia
diverti-la.

Só então vi com o canto do olho um bode vagando pelo salão. Ele pertencia a Thorr, um
dos dois que puxavam seu carro — uma besta mal humorada e fedorenta com uma barba
suja pendurada sob o queixo. Foi com nojo que segui em direção ao animal, andando
arrogantemente com a barriga inchada em imitação a seu mestre Thorr. Flexionei meus
músculos e apertei meu cinto. Então, tomei uma corda e fiz como se estivesse pondo
rédeas no bode, atando uma das pontas à sua barba. Fiz este trabalho de forma caricata,
fingindo estar bêbado. Todos os Aesir trovejaram com gargalhadas, todos menos Thorr, mas
Skadi se mantinha com uma face de gelo e pedra, acariciando a ponta de sua lança.

De repente, fui subjugado pelas costas por um enorme punho. "Viajante dos céus," rosnou
Thorr, "Vejo que você não sabe o jeito certo de atrelar um carro ao animal. Deixe-me
mostrar-lhe como isso funciona." Ele puxou minhas calças para baixo e amarrou a outra
extremidade da corda ao redor de minhas bolas. Os Aesir uivaram de tanto rir com minha
humilhação. Então, Thorr pegou um chicote e bateu com força contra as ancas do bode,
gritando "Hup! Vamos!"

A besta imunda baliu e escoiceou. Pulei e gritei, tropeçando desajeitadamente, pois a corda
se esticou atada em torno de minhas partes mais sensíveis. Tropecei nas minhas próprias
calças, que estavam à altura de meus tornozelos, e caí diretamente no superdimensionado
colo de Skadi.

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

Fã-traduzido por Cristiano Rohling


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Assustada, ela deixou escapar de seus lábios uma única exclamação de surpresa — era
uma risada.

Tão rápido quanto pude, restaurei minha dignidade, enquanto o riso dos Aesir enchia meus
ouvidos. "Seu wergild está pago," Eu rosnei, e acredito que o ódio em meus próprios olhos
rivalizasse com o ódio no olhar dela. A partir daquele momento nos tornamos para sempre
os piores dos inimigos, e as dores que hoje sofro são obra de sua maldade.

Todos os Aesir novamente se ajuntaram no salão para celebrar um segundo casamento, e


muito mais hidromel foi derramado, canções mais irreverentes foram cantadas. Todavia,
não encontrei nenhum prazer na festa, muito embora Odinn batesse em minhas costas
dizendo-me que nunca tinha rido tanto em toda a sua vida como quando pensou que a
cabra estivesse prestes a me transformar em um eunuco. "Eu sabia que você conseguiria!
Se alguém é capaz de descongelar aquela cara de pedra, essa pessoa é você, Trapaceiro!
Oh, como tenho pena de Njord hoje à noite!"

Ele serviu mais hidromel em meu copo e eu o virei abaixo, mas nada poderia extinguir a dor
flamejante da injustiça e da humilhação que eu havia sofrido com suas palavras.

CAPÍTULO IX

Não havia festa em Asgard sem a presença de Kvasir. Não havia festejos em Asgard sem a
bênção do hidromel de Kvasir. Nenhuma discussão poderia durar na presença de Kvasir,
pois ele mesmo nasceu da reconciliação e não tinha inimigos. Ele era homenageado em
cada salão por sua sabedoria, e Odinn o procurava constantemente, tentando aprender
mais com ele, pois era obcecado por obter quaisquer segredos que lhe dessem vantagem
sobre o Jotuns e seus outros inimigos.

Até mesmo eu não poderia encontrar nenhuma discussão real com Kvasir, exceto pelo fato
de sua tentativa de fazer as pazes com Skadi ter sido causa da minha vergonha. Talvez ele
fosse bom demais para viver nos nove mundos, e certamente demasiado bom para viver
por muito tempo em Asgard.

Foram os anões que trouxeram seu fim, aqueles depravados vermes de coração negro.
Todos o advertiram sobre o fato de os anões serem criaturas rancorosas e cheias de inveja,
mas ele não poderia enxergar o mal em outros seres — nem mesmo no filho de Farbauti
vindo de Muspell, ainda que, segundo soube, Heimdall e Tyr tenham feito o seu melhor para
envenenar o coração de Kvasir contra mim.

Mas Kvasir tinha ouvido falar sobre a notável habilidade dos anões com o metal, e ele
queria ver essas maravilhas com seus próprios olhos, e no caso até com eles aprender

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Escrito com Veneno
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alguma nova sabedoria. Então desceu ele até o tenebroso domínio de Nidavellir, lá
eventualmente chegando até o salão de dois irmãos chamados Fjalar e Galar, os piores de
sua raça de negros corações. Eles convidaram o desavisado Kvasir para banquetear com
eles, mas ao mesmo tempo planejavam roubar sua sabedoria para si.

Kvasir, é claro, forneceu o hidromel, e quando sua cabeça já estava leve e efervescente por
conta dele, os anões agarraram cada qual uma faca, mergulhando ambas as lâminas em
seu coração. O sangue jorrou de seu corpo, mas os tortuosos anões haviam preparado um
caldeirão profundo chamado Ordorir de modo a estocar o precioso líquido. Quando o
caldeirão ameaçou transbordar, eles trouxeram mais dois potes, Son e Bodr, apenas para
se certificar de que nem uma única gota do sangue de Kvasir fosse perdida.

Sim, aquele era o hidromel da própria sabedoria. Um único gole poderia trazer a intoxicação
da verdadeira inspiração, o dom da sabedoria e da poesia.

Por um tempo os dois anões mantiveram o segredo para si, mas sua felicidade parecia
incompleta sem outros para lhes invejar. Seu único amigo era o o gigante Gilling, e quando
um dia ele os veio visitar em sua caverna, os irmãos se gabaram sobre seu tesouro até que
Gilling ficou furioso com a inveja.

"Um golezinho", ele implorou a eles. "Apenas uma gota, então saberei se esse hidromel é
tudo o que vocês dizem ser." Ele se recusou a sair da caverna até que eles abrissem o
caldeirão Ordorir e lhe dessem uma única gota dourada brilhante para que ele a provasse.
Mas assim que o sabor do sangue dourado de Kvasir floresceu em sua língua, o gigante
jamais poderia descansar sem obter mais daquele hidromel.

Mas Fjalar e Galar já haviam se arrependido de ter falado a respeito de seu segredo mais
precioso. Quando Gilling veio visitá-los novamente para tentar obter outro gole do hidromel,
foi recebido com sorrisos falsos. "Nós estávamos indo pescar", disseram eles, "e depois
queremos regar os peixes com hidromel. Por que você não vem junto conosco? Você
poderia remar o barco, de maneira que sairemos para o mar e voltaremos dele na metade
do tempo."

Ansioso pelo hidromel, Gilling concordou e dobrou suas costas para remar. Quando já
estavam em alto mar, Fjalar se levantou como se estivesse preparado para lançar a linha na
água, mas saltou sobre a amurada e balançou o barco até que o mesmo virou. Gilling caiu
desesperado na água, pois não sabia nadar, mas os traiçoeiros anões endireitaram a nau e
remaram rapidamente de volta à costa, ali deixando o gigante para se afogar.

Quando soube da morte do marido, a velha esposa de Gilling foi à caverna e chorou tanto e
por tanto tempo que os dois anões temiam se afogar na torrente de suas lágrimas. "Seria de
ajuda," perguntou Fjalar a ela com falsa simpatia, "se você pudesse ver o lugar onde o
corpo foi levado pelo mar à costa?"

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Escrito com Veneno
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A esposa de Gilling concordou, dizendo que assim poderia ser. Então os anões a levaram
para o topo de uma escarpa onde as ondas batiam nas rochas quebradas a seus pés. Lá as
correntes do oceano haviam trazido o corpo do gigante, esmagando-o contra as rochas. “Oh
Gilling, meu pobre marido!” ela gritou bem alto. Mas quando a giganta estava a se ajoelhar
no alto da escarpa, Galar a atacou por trás, e seu corpo caiu onde as ondas quebravam ao
lado do corpo de seu esposo.

Mas Gilling tinha um filho chamado Suttung, que era mais sábio que seus pais. Quando
soube de suas mortes, suspeitou de jogo sujo, e logo soube quem deveriam ter sido os
assassinos. Ele abriu a terra sobre a caverna dos anões com as próprias mãos, rasgando a
rocha em pedaços até que o salão ficou sem teto e exposto a céu aberto. Ele os agarrou,
Fjalar na mão direita e Galar na esquerda, e apertou seus pescoços até que seus olhos
quase saltaram das órbitas, rumando assim para o oceano. Uma rocha estava exposta
devido à maré baixa, ainda verde com algas e lodo. Lá ele prendeu os dois anões,
cobrindo-os com pedras até que mal pudessem respirar. "Agora vamos esperar a maré
subir," disse ele friamente.

Os anões se acovardaram quando a água do mar subiu até quase cobrir a rocha, e ambos
começaram a implorar enquanto suas bocas eram varridas a cada movimento das ondas.
“Não foi nossa culpa”, Fjalar lamentou. "Gilling descobriu nosso tesouro mais valioso e ia
nos matar por isso, então veja você, tivemos que de matá-lo primeiro — foi por legítima
defesa".

"Se você nos poupar, se nos deixar ir, vamos lhe mostrar onde ele está, vamos dá-lo a
você!" adicionou Galar. "Que seja como wergild de nossa parte por seu pai!"

Suttung considerou a proposta. "Mas o que é afinal este tesouro?" perguntou ele.

"Hidromel dourado — o hidromel da sabedoria! Sangue do coração de Kvasir!". E os anões


contaram a Suttung tudo o que tinham feito.

Quando o gigante compreendeu a importância do prêmio que lhe haviam oferecido, os


levou de volta para seu salão, onde fez com que revelassem o esconderijo do sangue de
Kvasir. Ele pegou o caldeirão e os dois potes, levando-os sob seus braços para seu próprio
salão nas profundezas da montanha Hnitbjorg, a “rocha bloqueada”. Bem coração da
montanha ele mantinha uma sala secreta, onde colocou o hidromel sob custódia.

Então Suttung chamou sua filha Gunnlod. "Este aqui é o maior dos meus tesouros", disse a
ela. "Guarde-o dia e noite, sem fechar os olhos. Nada poderá ajudá-la se você perder uma
única gota." E ele trancou a porta e deixou-a sozinha com sua riqueza.

****

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Escrito com Veneno
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Tudo isso aconteceu em Utgard, longe de salão de Odinn. Mas ele sempre teve formas de
saber o que se passa em todos os confins dos nove mundos, pois ele tem seus espiões, os
dois corvos que se sentam em seu trono e sussurram em seus ouvidos.

Toda Asgard se entristeceu com a notícia da morte de Kvasir e lamentou sua perda. Odinn
meditou por um longo tempo sobre o hidromel de sabedoria e jurou que iria tê-lo de volta.
Ele enviou Thorr e Tyr para derrubar as recém reconstruídas paredes do salão de Fjalar e
Galar, arrastando-os até Asgard, mas quando Odinn tinha os assassinos ajoelhados a seus
pés eles juraram que o gigante Suttung já lhes havia roubado cada gota de sangue de
Kvasir.

"Ele exigiu wergild," choramingou Fjalar. "Ele chamou de indenização pela morte de seus
pais."

"Isso é justiça, não é?" Observei. "Afinal, você matou a ambos."

Disse porém Odinn, rispidamente, "Calma, filho de Farbauti. Kvasir era meu. Sua sabedoria
é minha. Seu sangue é meu por direito."

"Sim," eu o adverti "mas tenho ouvido que Suttung é um poderoso feiticeiro. Ele deve
manter o hidromel trancado e guardado com runas e feitiços. Além disso, como você irá
encontrar o caminho para o seu salão?"

Eu me perguntei se ele pediria que eu encontrasse o caminho para ele, como ele já havia
feito em ocasiões anteriores, mas desta vez Odinn manteve seus próprios segredos,
dizendo apenas, “Os Jotuns continuam a me desafiar em todo o lugar com sua feitiçaria. Eu
preciso ter sabedoria para poder lutar com eles, não importa o preço! E agora perdi Kvasir!”

Eu nunca havia me importado com o humor sombrio de Odinn. Talvez ele não mais
confiasse em mim. Talvez estivesse planejando outra traição. Era certo que ele tinha algum
plano sombrio em mente. Então, quando ele deixou Asgard e cruzou sobre Bifrost, tomei a
forma de uma mariposa e o segui com asas silenciosas. Talvez ele pudesse descobrir
minha forma real além daquela aparência, mas ele não tomaria conhecimento de nada tão
humilde como uma mariposa. Eu o segui sem ser visto.

A Árvore do Mundo havia brotado do poço Hvergelmir no início dos tempos. Ela tem três
raízes: a primeira e mais profunda está enterrada em Niflheim, a fria e cinzenta terra dos
mortos. A segunda cresceu no lado de fora das muralhas de Asgard, em terras que
pertenceram a Jotunheim antes que Odinn soltasse a enchente. Lá existe um poço, e suas
águas supostamente seriam capazes de conferir sabedoria, mas Mimir, seu guardião,
demandava um alto preço por cada respingo.

Segui Odinn até o Poço de Mimir, onde ele permaneceu a olhar para baixo na água. Fiquei
imaginando o que ele estaria planejando.

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

Fã-traduzido por Cristiano Rohling


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Mimir estava no outro lado do poço, tão antigo quanto o tempo. "Então," disse ele a Odinn,
"você finalmente veio. Eu sabia que um dia você haveria de vir."

Odinn concordou em silêncio.

“Você veio outras vezes e sempre partiu sem obter o que desejava. Estará você desta vez
finalmente pronto para pagar o preço?”

Novamente Odinn concordou com a cabeça, e vi como seu queixo estava firme, com
ferrenha determinação.

Mimir estendeu sua mão. Então, Odinn encravou seu polegar em seu próprio olho. Ele o
puxou para fora sem nenhum lamento e o colocou sobre a mão estendida de Mimir. O
vidente ancião fechou sua mão ao redor dele. "O preço da sabedoria", sussurrou.

Odinn se ajoelhou ao lado do poço, e seu sangue escorreu pelo rosto até a água. Ele
mergulhou uma das mãos, enchendo-a, e a levou à boca. Sua cabeça caiu para trás. Ele
engasgou.

Tive subitamente uma vívida memória de como me senti no momento em que coloquei o
coração de Gullveig em minha boca.

Então Odinn se levantou subitamente e caminhou para fora dali sem olhar para trás, mas vi
seu olho remanescente, e ele brilhava com uma nova e ameaçadora luz.

No dia seguinte ele deixou Asgard com a mesma capa cinzenta que usava quando o vi pela
primeira vez, fora do salão de Sinmora. O capuz estava puxado muito acima do normal
sobre sua cabeça, de modo a esconder o olho que lhe faltava. Mais uma vez o segui sem
ser visto na silenciosa forma de uma mariposa, uma viagem longa a norte e leste até as
desoladas terras de Utgard. Porém, em vez de se dirigir diretamente à fortaleza de Suttung
como eu esperava que ele fizesse, Odinn andou um dia de viagem para o leste até chegar a
um prado pertencente ao irmão do gigante Baugi, onde nove escravos6 trabalhavam pesado
a cortar feno. Sob o sol quente do verão, os escravos suavam com o esforço, e pararam
sua labuta ao ver o viajante que chegava às suas vistas.

"Quem é você, estranho?" perguntaram, segurando suas foices em alerta, "e o que faz aqui,
nas terras de nosso senhor?"

"Meu nome é Bolverkr", respondeu ele, "e viajo para onde quero."

6
No original, foi utilizado o termo “Thrall”, usualmente empregado para escravos na Escandinávia, na
Idade do Ferro e na Idade Média inicial (Nota da Tradução).
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Escrito com Veneno
Lois Tilton

Fã-traduzido por Cristiano Rohling


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Bolverkr. Malfeitor. Oh, que nome mais verdadeiro, meu irmão!

Mas Bolverkr foi não nada a não ser amigável naquele momento, quando disse aos
escravos que transpiravam: "Suas foices estão cegas. Acontece que tenho uma pedra de
amolar aqui comigo, e ficaria feliz em afiá-las para vocês."

Os escravos aceitaram ansiosamente, pois isso significaria uma pausa nos trabalhos, e
assim entregaram suas foices. Uma a uma, Bolverkr afiou cada lâmina de ferro com sua
pedra, e quando terminou, as foices cortavam facilmente através do feno duro. Enquanto a
colheita era empilhada a seus pés, os escravos exclamaram: "Precisamos ter esta pedra de
amolar! Com ela, podemos terminar todo o campo antes mesmo que escureça!"

Bolverkr os observava com um leve e sombrio sorriso no rosto enquanto cada um lhe
oferecia valores cada vez mais elevados pela pedra. Sua rivalidade se transformou em
discussão, e por fim em luta. Empurrando-se uns aos outros, as foices ainda em suas mãos,
os escravos pareciam ter sido atacados por um súbito e estranho frenesi, uma verdadeira
loucura assassina. Um homem de joelhos atacou o outro com sua foice. O escravo ferido
tropeçou para trás, ferindo um terceiro. Sangue respingou pelo feno não cortado. Enquanto
fascinado eu observava, eles se dilaceraram uns aos outros com suas lâminas recém
afiadas até que uma colheita de morte cobriu o campo de feno.

Então Bolverkr atravessou o feno amassado e pegou sua pedra de amolar por entre os
cadáveres dispersos.

Tudo isso observei no alto de uma haste de feno na borda do prado, pois eu mantive a
forma e o tamanho de uma mariposa. Então era esta a sabedoria que ele absorvera no
poço Mimir, seria este o conhecimento que ele havia comprado com seu próprio olho! Mas
quais seriam seus propósitos com toda aquela matança? O que as mortes destes nove
escravos tinham a ver com a retomada do hidromel do Kvasir?

Eu o segui enquanto ele se afastava através do tremulante feno não cortado, traçando
caminho para fazenda de Baugi. "Estou viajando por este país", disse ele ao irmão de
Suttung, “e uma refeição e um lugar para passar a noite seriam bem vindos."

Baugi olhou o estranho de cima a baixo, avaliando a força de seus braços. "Não seria você
um lavrador, não é mesmo, à procura de trabalho honesto?"

“Bem, já fiz este tipo de trabalho e tudo mais. Já trabalhei em algumas colheitas em meu
tempo, devo lhe dizer.”

Uma colheita da morte, pensei enquanto pairava na luz além da porta da fazenda. Uma
colheita de sangue.

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Escrito com Veneno
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Fã-traduzido por Cristiano Rohling


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"Você parece forte o suficiente, posso ver. Olhe aqui, estranho. Eu tinha nove escravos para
cortar meu campo de feno, mas hoje alguns malfeitores vieram e mataram a todos. Nove
homens! Preciso contratar mais para o trabalho antes que a colheita seja arruinada. Se
você aceitar este trabalho, pode dizer seu próprio preço. "

Imaginei que poderia estar a ver um estranho e ameaçador brilho a se refletir no único olho
de Bolverkr.

"Se posso dar meu próprio preço", disse ele, "ouça então. Vou trabalhar para você neste
verão até que seu feno esteja todo cortado e armazenado nos celeiros. Então, no fim desse
tempo, eu lhe darei meu preço."

Baugi franziu a testa, pois a barganha claramente não o apetecia. Como ele poderia saber
que preço esse estranho iria pedir, ou se ele poderia pagar por ele? Os elfos, em particular,
eram conhecidos por esse tipo de truque. "Quer dizer que você vai fazer o trabalho de nove
homens?"

"Isso foi o que eu acabei de dizer. Se eu falhar, se apenas um talo do seu feno permanecer
sem ser colhido, você não me deve nada. Temos um acordo?"

Eu pude ver Baugi calculando. Era evidente que ele duvidava que Bolverkr sozinho daria
conta do trabalho de seus nove servos, caso este em que ele nada teria que pagar ao
estranho. E não havia outros peões disponíveis no meio da temporada de colheita. Ele não
tinha outra escolha.

"Tudo bem", concordou ele finalmente, fazendo um juramento solene de pagar Bolverkr tudo
o que ele pedia.

Todavia pude ver que o sorriso de Bolverkr era o mesmo que eu havia visto em seu rosto
quando ele pegou sua fatal pedra de amolar no prado manchado de sangue naquela
manhã, e assim soube que Baugi tinha feito um mau negócio, o qual poderia lhe custar a
vida.

O novo lavrador começou a trabalhar de madrugada, e nunca no prado do Baugi o feno foi
ceifado tão rapidamente. A afiada foice de Bolverkr varria a plantação de Baugi, e o feno era
empilhado por trás dele em fileiras com cheiro adocicado. Desde a mais tenra luz até o por
do sol ele trabalhou, durante todo aquele longo dia do alto verão, realmente fazendo o
trabalho de nove homens. Antes de o sol se pôr todo o feno foi empilhado em segurança no
celeiro de Baugi, pronto para alimentar seu gado durante o longo e duro inverno que viria.
Nem um único talo havia sido deixado para trás.

Até agora Bolverkr cumpriu sua palavra.

O gigante olhou para a colheita abundante, roendo a barba.

67
Escrito com Veneno
Lois Tilton

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"Como combinamos," disse Bolverkr, "a colheita está em segurança. Agora eu vou lhe dizer
meu preço, aquilo que eu escolher."

"Eu me lembro", rosnou Baugi com relutância.

"Meu preço é este: ouvi dizer que seu irmão Suttung tem um caldeirão especial de hidromel,
o hidromel da sabedoria. Eu gostaria de um pouco deste hidromel.".

Baugi sacudiu a cabeça. "Eu sei do hidromel, é claro, mas ele pertence ao meu irmão, não a
mim. Ninguém mais sabe onde está, apenas sua filha Gunnlod, que o guarda para ele. Ele
nunca me ofereceu nem uma gota."

"Isso pode ser verdade", disse Bolverkr, "mas você fez um juramento para me pagar o que
pedi, e o que peço é um gole do hidromel do Suttung."

Baugi puxou sua barba novamente. "Eu não posso pagar com o que não possuo!" gritou
ele, irritado.

"Então você terá que encontrar uma maneira de obtê-lo para mim para cumprir seu
juramento."

O gigante amaldiçoou e protestou, mas estava preso à sua própria palavra. Ele levou
Bolverkr por um caminho escondido para a face da montanha Hnitbjorg, a fortaleza de
Suttung.

"Aqui estamos", disse ele, ofegante com a subida, "aqui estão os domínios de Suttung, onde
ele guarda o hidromel. Mas, como você pode ver, não há nenhuma maneira de entrar. Nós
tivemos todo o trabalho de fazer esta viagem para nada."

Observando de um afloramento de rochas, lembrei-me da tentativa anterior de Gangleri de


invadir o salão de Sinmora e roubar a espada de Surtr. Gostaria de saber se Bolverkr seria
mais bem sucedido desta vez, com toda a sua tão duramente adquirida sabedoria.

E não fiquei desapontado. Confiante, Bolverkr levou as mãos ao seu cinto e de lá puxou
uma broca. "Aqui," disse ele, "esta é a verruma chamada Rati. Se você tomá-la agora e fizer
um furo na montanha, darei como paga a sua dívida."

Novamente, Baugi resmungou e amaldiçoou, mas não havia outra saída ele então
pressionou a ponta da broca contra a face da rocha e começou a girá-la, moendo o duro e
negro granito da montanha. O sol subia alto no céu, e Baugi suava. Bolhas se formaram nas
palmas de suas mãos. Por fim, ele puxou a broca do buraco. "Aqui!" disse ele, respirando
quase sem fôlego, "Eu terminei!"

68
Escrito com Veneno
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"Então", disse Bolverkr ", sua dívida está paga."

"Ótimo", disse Baugi. "Agora posso matá-lo sem voltar atrás em meu juramento”. Ele o
apunhalou com a mortal ponta da broca, mas neste mesmo instante Bolverkr se
transformou em uma serpente e mergulhou através buraco.

Eu assisti enquanto Baugi pisava duro no chão e amaldiçoava, mas Bolverkr estava fora de
seu alcance, então o gigante finalmente desistiu e começou a descer o caminho de volta
para seu campo, jurando nunca mais contratar um estranho novamente. Quando ele se foi,
segui Bolverkr pelo furo até o secreto coração da montanha.

A broca Rati havia penetrado diretamente para o centro da fortaleza de Suttung, a sala
secreta trancada onde sua filha Gunnlod guardava o sangue de Kvasir. Gunnlod era uma
filha de Jotunheim com bochechas vermelhas gordas e um amplo traseiro assentado em
uma cadeira de ouro maciço. No momento em que a vi pela primeira vez, seu rosto se
tornou vermelho, porque de pé diante dela estava um estranho, um vigoroso jovem com
cabelos e barba amarelos. Sua aparência saudável era afetada apenas por um olho
faltando.

"Quem é você?" suspirou ela, "e o que está fazendo aqui?"

Os dentes brancos do jovem brilharam. "Meu nome é Bolverkr, e vim aqui por sua causa,
Gunnlod. Ao longo de toda Utgard, sempre que alguém elogia a boa aparência de uma
donzela, toda gente diz: ‘Sim, mas ela não bela como Gunnlod, a filha de Suttung.' Então,
veja bem, eu precisava vir e ver por mim mesmo." Ele chegou mais perto e, olhando para
ela, tocou a palma da mão na grosseira pele de sua bochecha. "Agora vejo que o que
dizem é verdade."

Ela corou e sorriu timidamente, e logo ele já a tinha deitada sobre as costas com as pernas
bem abertas para admitir entre elas sua entrada. Eu não invejei o material com o qual ele
teve que trabalhar, mas sua virilidade reagiu de forma heroica, pois tinha uma boa causa.
Durante três dias e três noites ele a arou como se ara um campo fértil, até que ela já
estivesse transbordando com sua semente. E ela ainda não estava satisfeita, e implorou por
mais. "Por favor, tenha piedade de uma donzela solitária! Meu pai me trancou aqui para
proteger seus tesouros, e eu não há anos via um homem!"

Mas o astuto Bolverkr enxugou a testa com sua mão trêmula. "Eu estou disposto, meu
amor, mas este trabalho me deixou sedento! Preciso de algo para restaurar minhas
energias. Você possivelmente teria qualquer cerveja ou hidromel? E quanto a aquele
caldeirão ali?"

"Oh, aquele? Sim, tome o quanto você quiser!" Ela riu e olhou ansiosa para a virilha dele,
aguardando para ver sua virilidade a subir novamente de modo a desempenhar sua tarefa.
"Eu certamente quero que você restaure todas as suas energias!"

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Escrito com Veneno
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"Apenas um gole", prometeu Bolverkr, "ou talvez três." E com um imenso gole ele esvaziou
o caldeirão Ordorir. Uma segunda engolida esvaziou o pote Bodn e, finalmente, o terceiro
pote, Son. Então, com a garganta repleta do hidromel de sabedoria, ele mais uma vez
tomou a forma de uma cobra e deslizou para fora através do túnel, seguido pelo som dos
gritos de Gunnlod, que havia sido enganada. Do lado de fora, ele se transformou em uma
águia e levantou voo.

Dentro de Hnitbjorg, o gigante Suttung ouviu os gritos indignados de sua filha e olhou pela
janela para ver a águia no alto. Sua sabedoria reconheceu um transmorfo só de ver.
Gritando raivoso, ele preferiu os feitiços para se transformar em uma águia. Ele voou para o
alto da montanha, mas Bolverkr já havia tomado a liderança, e o gigante não pôde
alcançá-lo.

O hidromel de Kvasir estava perdido, e a pobre e abandonada Gunnlod chorou sozinha no


coração da montanha, arruinada e traída.

****

Depois de voltar à Asgard, Odinn assumiu sua própria forma e nome, vomitando o hidromel
roubado de volta no enorme caldeirão guardado em seu salão. Em meio à alegria dos Aesir,
Frigg entrou no recinto trazendo o recém-nascido filho de Odinn em seus braços, parido
enquanto o Pai de Todos combatia um suarento combate com a filha de Suttung.

Ele segurou a criança no alto como um prêmio de vitória. "Eu o batizo Bragi, o skald!"
anunciou ele, "e a poesia será para sempre a sua bebida!" Então, rindo, ele verteu hidromel
por entre os lábios do bebê Bragi.

Assim foi o mundo amaldiçoado com poetas e suas mentiras.

Quanto a Gunnlod, ela levou uma surra de seu pai, e o bastardo de Bolverkr nasceu nove
meses depois, mas quando o gigante veio procurá-lo para pagar a indenização por sua
virgindade perdida, os Aesir insistiram que não havia ninguém com esse nome em Asgard,
nem nunca jamais houve.

CAPÍTULO X

Mas a dor de Gunnlod repousava no futuro. A minha estava mais próxima, quase à mão.

Como o banquete de Odinn se aproximasse do fim, houve uma perturbação às portas de


Gladsheim, com ruidosas batidas na madeira, alguém exigindo ser admitido no salão.

"Mas o que é isso?" berrou Odinn.

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Escrito com Veneno
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Eu mesmo estava curioso, mas somente até que tive um vislumbre da pequena e
atarracada figura a entrar insolentemente no salão. Era Brokk, o anão ferreiro. “Vim para o
julgamento!”, demandou.

Meu coração ficou repentinamente pesado como o chumbo. O assunto não trazia nada de
bom para o filho de Farbauti.

Minhas esperanças se afundaram ainda mais quando Odinn tomou seu lugar na alta cadeira
dos julgamentos — esta era uma das suas mais recentes pretensões: a aplicação da justiça
pelo Pai de Todos. "Quem é você, estranho", entoou ele solenemente, "e por que causa
buscas julgamento?"

"Meu nome é Brokk, o ferreiro, e busco julgamento contra aquele seu mensageiro de cabelo
em chamas e língua escorregadia."

Todos os olhos se voltaram imediatamente em minha direção enquanto o vil anão


continuava a falar, "Por três vezes apostamos para provar quais ferreiros teriam a maior
habilidade — eu e meu irmão ou os filhos de Ivaldi. Por três vezes, fizemos presentes para
os Aesir. Agora, lhe pergunto — qual de nós ganhou o prêmio? Eu e meu irmão criamos
Draupnir, o bracelete que vejo agora no braço de Odinn. Criamos também, como presente
para o nobre Freyr, o javali Gullinbursti e, finalmente, fizemos Mjollnir, o martelo que está no
cinto de Thorr.”

Odinn me lançou um olhar sombrio, cheio de ira. "E em que termos vocês apostaram?"

Os olhos do anão brilharam maliciosamente. "Apostamos originalmente que o vencedor


levaria tudo, pela honra dos Aesir. Todavia, o prêmio foi elevado para a terceira rodada. Seu
mensageiro apostou a própria cabeça.”

Todos os Aesir reunidos em Gladsheim riram às minhas custas. Todavia, olhando para
Odinn, não fui capaz de compartilhar com o divertimento geral. Em anos passados, Odinn
teria espetado aquele anão impertinente com sua lança, mas ele estava tentando construir
uma reputação por sabedoria e justiça, de modo que os homens pudessem adorá-lo
chamando-o Pai de Todos. E do que ele mais facilmente desistiria — de seus tesouros ou
da cabeça de Loki?

"Não se esqueça," gritei desesperadamente, "dos outros presentes, feitos pelos filhos de
Ivaldi. O que dizer da invencível lança Gungnir, do cabelo dourado de Sif, ou do maravilhoso
navio Skidblanir? O que pode se comparar em técnica a estes artefatos?”

Mas o anão era teimoso. "É isso mesmo, o que dizer deles? Exijo julgamento, Odinn. Essa
foi nossa aposta, feita em seu nome. Qual é o maior tesouro? Quais ferreiros fizeram os
melhores itens?"

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Escrito com Veneno
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O Aesir se entreolharam, e então Odinn, Freyr e Thorr conversaram brevemente entre si,
pois eram os três que haviam recebido presentes dos anões.

Odinn se levantou do assento. Engoli em seco, apavorado. "É julgamento dos Aesir que o
martelo Mjollnir é nosso tesouro mais valioso", declarou "É nossa melhor arma contra
nossos inimigos, os Jotuns. O anão Brokk e seu irmão ganharam a aposta, sendo derrotado
Loki."

"Não! Espere!" protestei eu, mas Brokk já estava dançando para cima e para baixo,
cantando, "A cabeça de Loki! A cabeça de Loki! É minha!"

Tentei escapar, mas o odioso filho de uma larva gritou: "Parem-no! Ele está fugindo!" e a
enorme mão ruiva de Thorr me prendeu à parede. Lutei, mas sua força rapidamente me
impediu de mudar de forma. Brokk esfregava as mãos em maliciosa antecipação. "Gostaria
de pedir uma espada, se possível. Ou talvez um machado. Não me importo se a lâmina não
estiver afiada."

Preso com a inflexível força de Thorr, apelei para Odinn. "Você não pode deixá-lo fazer isso!
Foi você quem me mandou até os anões! Vocês devem todos estes tesouros a mim!"

"Será que eu o obriguei a apostar a própria cabeça?"

"Bem, não, mas —"

"Minha palavra foi dita. Anão, a cabeça de Loki é sua."

Alguém dentre meus inimigos Aesir finalmente deu a Brokk uma faca — Heimdall, tenho
certeza disso, ou, eventualmente, Tyr. Ambos teriam gostado de me ver perder a cabeça. O
malicioso anão estava ao meu lado, olhando para cima e testando o fio da lâmina com o
polegar. "Dobre a cabeça dele um pouco para trás, sim?" pediu ele a Thorr, que fez o que
ele disse.

Fechei os olhos em desespero. Lá estava eu, impotente, o pescoço dobrado para trás e
exposto à lâmina. Meu pescoço...

"Espere! Odinn! Pai de Todos!"

Ele ergueu sua mão para fazer uma pausa nos procedimentos. "Espere," engasguei,
"apostei minha cabeça, é verdade, mas a aposta nada dizia sobre meu pescoço! Sob os
termos de nosso acordo, ele não pode tocar em meu pescoço!"

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Escrito com Veneno
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Odinn pensou por um segundo — oh, você gostou de me ver suado a me debater, não é,
irmão meu? Então ele riu em voz alta. "Loki está certo, anão. Você tem direito à cabeça e
pode fazer o que quiser com ela, mas não poderá tocar no pescoço de Loki."

Brokk fez uma careta. Seu feio rosto se torceu com malícia, então ele assentiu. "Que assim
seja. Pelo menos posso me certificar que ele não mais diga mentiras." Ele puxou uma tira
de couro do cinto, e uma cruelmente afiada agulha de sapateiro. "Segure-o com firmeza",
ordenou ele a Thorr.

De todos os Aesir reunidos eu não podia esperar nenhuma misericórdia, pois nenhum deles
iria querer me ajudar. Sob o firme aperto de Thorr, era inútil resistir. Brokk perfurou meus
lábios com a agulha, e então toscamente passou a tira de couro através da sangrenta
ferida. E de novo ele fez, e de novo, costurando meus lábios fechados, passando o couro
firmemente em cruéis e intricados nós. Lágrimas desceram por minha face por conta da dor,
mas me recusei a gritar em alta voz para não aumentar a diversão dos Aesir que
testemunhavam minha tortura. Não houve piedade, não para Loki, filho de Farbauti.

“Desta vez você não vai conseguir escapar desta falando, ou será que vai, Loki?”
provocou-me Heimdall.

Finalmente, Brokk deu um passo para trás, sorrindo zombeteiro enquanto verificava seu
trabalho terminado. Os braços de Thorr me soltaram e eu saí a tropeçar pelo salão, um
pouco cego pelas lágrimas. Tropecei em algo, e caí de joelhos. Então senti um toque em
meu braço. Suave. Uma voz.

“O que fizeram com você?”

Pisquei para expulsar as lágrimas e a vi. Uma garota, não uma grande beldade, com
cabelos castanhos claros amarrados em tranças. Seus olhos eram suaves e cheios de
bondade, a única bondade real já vista por mim em Asgard.

Sigyn, nunca vou me esquecer da forma com que você se ajoelhou com tanta tristeza e
gentil preocupação em seu rosto a me perguntar, “Isso dói? Posso ajudar?”

Fiz que sim em minha muda miséria, e você rapidamente pegou uma pequena tesoura da
bolsinha em sua cintura e começou a cortar as tiras de couro cheias de nós para soltá-las
de meus lábios feridos. “Fique parado”, você me advertiu quando me encolhi, “isto pode
machucar”.

Mas, na verdade seus dedos eram tão suaves como uma pluma de cisne, e sua bondade
fez suportável a dor.

E finalmente estava terminado, e toquei meus lábios com a língua e senti o gosto do
sangue. Não pude formar palavras para lhe agradecer, minha boca estava muito

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Escrito com Veneno
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machucada e dolorida. Aquela humilhação final havia sido demais para que eu a
aguentasse. Tropecei em meus pés e corri novamente, enquanto um uivo de angústia
brotou de minha garganta.

Em choque e surpresa, me reconheci. Eu era Fenrir novamente. Eu era o lobo.

CAPÍTULO XI

E o lobo havia crescido imensamente! Antes, na última vez em que estive como Fenrir no
salão de Odinn, minha cabeça chegava apenas até sua cintura. Agora, meu maxilar
chegava quase ao nível de seus ombros, e se me levantasse sobre as patas traseiras,
poderia facilmente lhe derrubar ao chão sob meu peso. Os Aesir, quando me viram, foram
tomados pelo medo, e o cheiro deste sentimento me fez salivar com a sede por sangue.
Quase pude sentir minhas mandíbulas se fechando em suas carnes.

"Devemos expulsá-lo," murmurou sombriamente Heimdall, com a mão sobre a espada.

Thorr deu de ombros. Um lobo, não importa o tamanho, não lhe era motivo para
preocupação. "Se trouxer problemas, bato em seus miolos com meu martelo."

"Ele é filho de Loki, não é?" disse nervosamente Freyr. "Como poderia evitar de nos causar
problemas?"

Odinn sacudiu bruscamente a cabeça. "Terei que repetir? Este é o filho do meu irmão de
sangue, e tem lugar em meu salão." Era culpa o que você sentia, meu irmão, quanto à
maneira como me traiu com Brokk?

Mas eu podia farejar seu medo oculto, tão agudo e absoluto quanto o medo do restante
deles. De todos os Aesir, apenas Tyr verdadeiramente não temia o lobo, e continuava a ser
o único a me alimentar quando nenhum dos outros se atrevia. Eu então roía os ossos que
me dava, deitado sob a mesa de Odinn ou próximo à sua lareira, com meus olhos amarelos
a segui-lo por todos os lugares. Eu não havia esquecido. Fenrir nunca iria esquecer.

Logo Odinn começou a ter sonhos perturbadores, sonhos sobre sua própria morte. Nessas
noites, o perfume do medo vinha forte de seus aposentos e pude ouvi-lo a gemer em voz
alta. Sim, sonhe, pensava eu no assoalho ao lado da lareira. Sonhe com minha vingança.

E pela manhã pude ouvi-lo a conversar em sussurros com Frigg, “Você acha que pode ser
uma profecia?”

Acima de todas as formas de sabedoria, os Aesir valorizavam as profecias. Uma profecia


havia enviado Odinn em sua fútil viagem em busca da espada de Surtr, outra havia previsto

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Escrito com Veneno
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que Bifrost cairia sob os pés dos filhos de Muspell. Todas pareciam prever algum grande
desastre que viria sobre os Aesir.

Em sua incessante busca por sabedoria e poder, Odinn havia sacrificado um olho ao poço
de Mimir, e viajou para Utgard disfarçado para aprender as runas secretas dos gigantes do
gelo e para roubar o hidromel de Suttung. Mas nada era suficiente para ele, impulsionado
como era por seus medos secretos.

"Tenho que saber", sussurrava para si mesmo em seu trono. Seu rosto estava marcado por
linhas de preocupação, e havia sulcos escuros sob suas órbitas. Com sua barba grisalha,
parecia terrivelmente velho, apesar das maçãs de Idunn, agora cultivadas por suas filhas.
"Meu Wyrd. Tenho que saber qual é. Como poderei impedi-lo?"

Você se engana, irmão, e nunca vai aprender — ninguém pode impedir seu próprio Wyrd,
nenhum homem pode escapar, mesmo que os ignorantes homens mortais o considerem
como um deus.

De todas as fontes de conhecimento nos nove mundos, Yggdrasil é a principal. A árvore do


mundo tem três raízes, cada uma regada por sua própria fonte. A mais profunda está
enraizada em Niflheim, terra dos mortos, que detém profunda e atemporal sabedoria, mas
seu caminho é o mais difícil de trilhar. O poço de Mimir não é tão profundo, mas o
conhecimento a ser adquirido a partir dele, embora grande, não se estende ao futuro. A
terceira raiz, que se encontra sob Asgard, é banhada pelo Poço de Urd e é guardado pelas
Norns, tão antigas quanto o tempo. Delas é a sabedoria sobre o destino, desde o início dos
tempos até o final dos nove mundos, mas a ninguém, nem mesmo a Odinn, foi jamais
permitido beber dessas águas.

Oh, e como ele estava sedendo! Por várias vezes levou presentes para as Norns,
pedindo-lhes apenas uma única gota de seu poço, porém elas não cediam à sua vontade.
As Norns até poderiam profetizar em algumas ocasiões, mas apenas por sua própria
vontade.

Odinn foi até elas em oculto quando os sonhos negros começaram, esperando que as
Norns revelassem seu significado, porém voltou a Gladsheim de mau humor. Não havia
descoberto nada. As Norns se recusaram a falar.

Em seu salão, jogou o osso da escápula de um carneiro para mim: "O que está olhando,
lobo?" gritou, mas só quebrei o osso com os dentes e alcancei a medula enquanto o
encarava. Saboreei seu tormento.

Finalmente, ele tomou a desesperada medida de procurar por alguns dos mais velhos e
sábios entre os Jotuns, de quem era dito que teriam conhecimento sobre o futuro. Ele se
embrulhou em sua capa cinzenta, puxando o capuz para baixo sobre seu único olho e
tomou o nome de Gangrad. Nesse disfarce, passou através do frio e desolado domínio dos

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

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gigantes do gelo. Geleiras moviam-se lentamente naqueles vales, e o gelo cobria a terra.
Em nenhum lugar se viam árvores, nem mesmo os tufos esparsos de grama que crescem
pela tundra de Midgard. Odinn caminhou vigorosamente através das terras ermas até
chegar a um salão de rocha crua, esculpido no lado de uma montanha recoberta de gelo.

Este era salão de Vafthrudnir, filho de Bergelmir, o mais antigo e sábio de todos os Jotuns
ainda vivos. O gigante estava ali banqueteando quando Gangrad entrou em seu salão.
"Vafthrudnir!" berrou o estranho.

O gigante se levantou. Ele se elevou sobre o imprudente Gangrad. Ele tinha uma ovelha
assada inteira em uma mão e um boi na outra, e gordura escorrendo pelo queixo até a
barba grisalha que atingia sua cintura. "Quem é você, estranho, a aparecer repentinamente
em meu salão desta forma?"

"Meu nome é Gangrad, e ouvi que Vafthrudnir é o primeiro em sabedoria entre os Jotuns.
Vim aqui para pôr a prova minha própria sabedoria contra a dele!"

O riso do Jotunn sacudiu a montanha. "Nesse caso, bem vindo, estranho! Tome assento em
meu lar. Encha um chifre com hidromel para saciar a sede de sua viagem."

A competição começou. Primeiro Vafthrudnir desfilou suas questões, às quais Gangrad


facilmente respondia, como os nomes dos garanhões que atraem o dia e a noite pela face
do mundo e outros tipos de sabedoria valorizados pelas raças do norte. A contragosto, o
gigante ficou impressionado com o conhecimento de seu visitante.

Em seguida, foi a vez de Gangrad. "Diga-me, Vafthrudnir", disse, "se você é tão sábio e
sabe todas as respostas: quem foi o primogênito dos gigantes?"

"Ymir foi o primeiro, nascido do gelo que vinha da fonte Hvergelmir. Buri foi seu primogênito,
e dele surgiu Bor, mas todos foram assassinados pela traiçoeira raça dos Aesir."

"Certo", disse Gangrad, "Vejo que você conhece o passado, mas o que dizer do futuro? Isso
já não é tão fácil de se conhecer."

"Passado e futuro para mim são a mesma coisa, eu tudo sei."

"Diga-me então, Vafthrudnir, se assim o sabes: qual é o Wyrd de Odinn, como conhecerá
seu fim?"

O gigante fez uma pausa. Em seguida, disse em sombrio tom de condenação: "Odinn
conhecerá seu fim nas presas do lobo."

Gangrad tremeu com estas palavras. "Como sabe disso, Vafthrudnir? Como sabe predizer o
futuro? Você falou com as Norns?"

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

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"Não, não com as Norns. Aquelas cinzentas senhoras mantém muito bem seus segredos.
Mas tenho viajado muito e em todo o mundo, amigo Gangrad, e tenho falado com muitas
raças diferentes. Todos no final trilham o caminho para os domínios de Hel, descendo ao
nebuloso reino de Niflheim. Lá eles esperam o fim dos tempos, o qual nunca chega, e o
passado e o futuro são iguais para eles."

"Quer dizer que você aprendeu sua sabedoria com os mortos?"

O gigante assentiu. "O tempo é infinito nos domínios de Hel. Os mortos nada esquecem, e
sabem o que foi e o que há de vir. O que consideramos futuro é para eles parte da
eternidade."

"Percebo, Vafthrudnir, que sua sabedoria é superior à minha. Ainda tenho muito a aprender.
Talvez algum dia possamos nos encontrar de novo e ver quem então será o mais sábio."
"Esse dia chegará", disse gravemente Vafthrudnir, "quando você puder me dizer as palavras
que dirá ao ouvido de seu filho morto, no momento em que o puser em sua pira funerária.
Até então, nada mais direi."

Gangrad puxou o capuz de suas vestes para trás sobre o rosto e deixou o salão de
Vafthrudnir. Ele havia ouvido qual deveria ser seu Wyrd, mas estava ainda mais
atormentado por este conhecimento do que antes.

****

As palavras continuaram a assombrar Odinn mesmo depois de seu retorno a Asgard: “as
presas do lobo”. Ele poderia se assentar por horas em seu trono a me olhar enquanto eu
repousava próximo à sua lareira, e meus olhos amarelos encontravam seu único olho cinza
sem ao menos pestanejar. Eu era Fenrir, o Fenriswulf, e ele era o meu Wyrd assim como eu
era o dele.

Alimentado com as migalhas da mesa dos Aesir, eu continuava a crescer em uma taxa
alarmante. Logo eu poderia ficar sobre os quatro pés e olhar diretamente nos olhos de
Thorr. Os Aesir tinham cada vez mais medo em minha presença. "Livrem-se dele," ouvi
Heimdall a sussurrar, "Loki e seu filho. Mate-os a ambos." Mas desde a fundação da Asgard
houve a proibição de derramar sangue dentro das muralhas, e ninguém queria profanar o
solo ao derramar o meu.

No entanto Odinn estava sempre a me observar, e eu sabia quais eram seus pensamentos:
“as presas do lobo”.

Assim as coisas prosseguiram, e enquanto ele pensava angustiado sobre seu destino, eu
continuava a crescer. Então, um dia vi um grupo de Aesir a se aproximar carregando uma
corrente de ferro. Tyr os comandava, mas Odinn, percebi, não estava entre eles.

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

Fã-traduzido por Cristiano Rohling


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"O que é isso?" perguntei ao meu inimigo. "Por que você traz essas cadeias? Acha que
pode me prender?"

“Esta corrente se chama Laeding, e seu fabricante afirma ser ela a mais forte no mundo.
Estamos buscando por uma forma de testar esta afirmação. Agora, se alguém puder
quebrá-la, este alguém será você, Fenrir, forte como se tornou. Poderia nos ajudar a vencer
esta aposta?”

Bufei com desprezo. Seu plano era tão penosamente óbvio, mas inspecionei as cadeias.
Eram grossas e tão pesadas que Tyr mal podia levantá-las, porém eu me orgulhava de meu
tamanho e força, e orgulhoso pensei que poderia quebrá-las com bastante facilidade.

"Tudo bem, vou tentar", concordei, e Tyr começou a enrolar a corrente em volta de meu
pescoço e pernas até que fiquei preso de forma que mal conseguia me mover.

"Já terminou?" perguntei, e então me sacudi vigorosamente. Os elos de Laeding


estouraram. "Parece que vocês ganharam a aposta," disse a eles.

Odinn teria que fazer melhor que isso para se livrar de mim.

Em nove dias, os Aesir estavam de volta, desta vez com Thorr a carregar uma corrente
ainda mais pesada que a primeira, forjada toda em adamante7. "Esta é Dromi," disse-me, "e
o ferreiro apostou que nenhum poder no mundo poderia separar seus elos. Gostaria de
tentar novamente, lobo?"

Olhei para a cadeia Dromi e farejei-a com cautela. Era claramente mais forte que Laeding,
mas ainda assim pensei que poderia quebrá-la. "Tudo bem", novamente concordei e esperei
até que eles me atassem. Me estiquei, me esforcei, e os elos de Dromi se quebraram como
se fossem feitos de vidro. "Isso é o melhor que seu ferreiro pôde fazer?", provoquei meus
inimigos. Eles se retiraram parecendo preocupados, o que não condizia com homens que
acabavam de ganhar uma aposta.

Nove dias se passaram, e então mais nove. Quando mais nove dias tinham ido, os Aesir
confrontaram-me novamente. Desta vez Heimdall segurava o que parecia ser não mais que
uma fita, tão leve e suave quanto a seda. "Esta é Gleipnir", disse ele, com um tom de voz
que deveria ter me alertado. "Desta vez, o ferreiro apostou sua própria cabeça que você não
poderia quebrar este grilhão.

Meus pelos se eriçaram quando a farejei, pois senti o repugnante odor dos anões, e embora
os odiasse, tinha grande respeito por sua habilidade. Esta era uma armadilha mais sutil.

7
Adamante: no original, “adamant”. Algum tipo de metal ficcional de composição virtualmente
inquebrável (Nota do Tradutor).
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Escrito com Veneno
Lois Tilton

Fã-traduzido por Cristiano Rohling


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Certamente uma fita tão fina e frágil não conseguia segurar Fenrir! E o pensamento de que
um daqueles odiosos ferreiros anões poderia perder sua cabeça era tentação demais. “O
ferreiro é Brokk?”, perguntei.

Meu inimigo mentiu. "Sim, Brokk foi o ferreiro, e ele apostou sua própria cabeça por sua
habilidade."

O desejo de vingança ainda ardia em mim, ainda que a cautela fizesse hesitar.

"O quê? Você está com medo?" provocou-me Heimdall. "Você não pode quebrar uma fita
tão frágil?"

"Fede a anões", Rosnei. "Tem cheiro de magia e traição."

Então Tyr se aproximou de mim, mais perto que qualquer um dos outros jamais se atreveu a
fazer. "Você não confia nos Aesir? Não o alimentamos, dando-lhe lugar em nossos lares?
Esta é apenas uma aposta amigável!"

"A aposta amigável. Tudo bem, mas e se eu não conseguir me libertar desta vez? Você vai
me soltar? Você jura que o fará?"

"É claro que vou", disse Tyr depois de um momento.

Eu ainda estava inseguro. Ele hesitou. Por quê?

"Sobre o que você vai jurar, então? Sobre sua própria cabeça, Tyr? Provaria você sua fé por
colocando-a nessa aposta?"

"Você não confia em nossa palavra?"

"Como vocês deram a palavra ao pedreiro que reconstruiu as muralhas de Asgard?"

Vi Tyr tomar respirar profundamente, como se estivesse se preparando para alguma grande
prova ou julgamento. "Juro pela minha mão direita, então. Vou colocá-la em sua boca, entre
suas mandíbulas, para provar de boa fé que vamos libertá-lo se você não conseguir quebrar
esses grilhões. Será que isso o satisfaz, lobo? "

Concordei.

Eu deveria ter previsto o que aconteceria quando vi a forma como Tyr empalideceu
enquanto eu abria a boca, à reluzente visão de meus dentes afiados. Sempre valente Tyr, o
guerreiro, mesmo que nem sempre sábio. Ele então pôs a mão em minha boca e
lentamente a fechei até que meus dentes pressionassem sua carne, porém sem perfurar a
pele. Ele estremeceu e pude sentir o acentuado odor de seu medo.

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

Fã-traduzido por Cristiano Rohling


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Trabalhando rapidamente, o resto dos Aesir enrolou a fita em torno de mim, envolvendo-me
como uma aranha faz a uma mosca, mas o tempo todo eu observava o rosto de Tyr. Nem
por um instante seus olhos encontraram os meus. Eu deveria ter percebido, deveria então
ter compreendido quão profundamente a traição dos Aesir poderia chegar.

Finalmente eles terminaram, e Gleipnir me segurou firme. Me estiquei. Meus músculos


forçaram a fita, mas não o suficiente para que eu me mexesse. Meu pescoço inchou, mas
Gleipnir apenas apertou ainda mais firme ao meu redor. Expandi meu peito até o momento
em que tive a impressão de que minhas costelas poderiam se quebrar estourando meus
pulmões, mas a fita me segurou, e então vi que havia sido pego.

Ofegante e tremendo com o esforço, virei minha cabeça para encarar Tyr. Eu não podia
falar em voz alta sem soltar sua mão, mas meu pedido foi claro. “Solte-me agora”.

Os Aesir ficaram em silêncio. Nenhum deles veio para a frente para desfazer minhas
cadeias. E o suor escorria pelo rosto de Tyr, que estava ainda mais pálido, branco como o
de Heimdall.

Soube então com certeza que era uma traição. Com um grunhido, mordi, cortando através
dos ossos do pulso de Tyr, e sangue jorrou do coto. Mas eu ainda estava firmemente preso
pela fita Gleipnir. Convulsionei em fúria impotente, rolei no chão, me torci e me contorci,
mas não importava o quanto eu me esforçasse, não poderia me libertar daquele laço.

Os Aesir tiveram que ser cuidadosos para evitar minhas presas. Eles me arrastaram para
um barco que esperava nas margens do lago chamado Amsvartnir. O barco quase virou sob
meu peso, mas os Aesir remaram por todo o caminho até a rochosa ilha de Lyngvi, onde
haviam deixado uma corrente à espera, já cravada nas raízes da montanha. Tão certos de
que estavam me prendendo. Tão confiantes em sua traição.

Eu ainda lutava, mordendo furiosamente, até que Heimdall arrebatou a espada de Tyr da
bainha. Ele a colocou à força em minha boca aberta, a empunhadura contra meu maxilar
inferior e a ponta através do céu da boca. "Este é seu pagamento pela mão de Tyr."

A Dor! Uivei alto em meu tormento, fazendo a montanha tremer com o som. Mas os Aesir
me deixaram preso na ilha para sofrer sozinho, para esperar até o fim dos tempos.

Eles podem me ouvir ainda a uivar, mesmo longe como nos distantes salões de Asgard,
lembrando Odinn de que seu Wyrd ainda virá. As presas do lobo, meu irmão. Eu espero por
esse dia.

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

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CAPÍTULO XII

Na ilha de Lyngvi, retornei à minha própria forma, ferido e cheio de dores. Minha boca tinha
sabor de sangue. Transformei-me em um falcão e escapei, retornando a Asgard a jurar que
Odinn havia me traído pela última vez.

Eu tinha voltado para me vingar, e este desejo queimava em minhas veias. Eu não iria
descansar até que Asgard fosse uma pilha de cinzas esfumaçadas sob meus pés. Foi isso
que jurei a mim mesmo enquanto subia por Bifrost. Os telhados de ouro dos salões dos
Aesir reluziam abaixo de mim.

Eu nem posso imaginar o que teria feito caso Sigyn não houvesse me visto antes.

Sigyn, minha leal esposa, mãe de meus filhos assassinados, a única coisa boa que já saiu
de Asgard. Século após século, você permanece ajoelhada a meu lado, partilhando meu
sofrimento, fazendo seu melhor para impedir que o veneno da serpente queime meu rosto.
Minha existência seria insuportável sem você.

Eu havia visto meu rosto refletido na água de Amsvartnir, e sabia que a boa aparência da
minha juventude havia desaparecido. Minha boca agora estava torcida e tomada pelas
marcas da agulha de Brokk. Qualquer donzela que agora atentasse para mim fugiria em
repulsa. Qualquer donzela menos Sigyn. Ela correu em minha direção, gritando: "Oh, você
está de volta! Procurei por você. Você está bem agora?"

Eu quis virar o rosto para que ela não fosse capaz de ver minhas cicatrizes, a ruína do meu
rosto. Porém, a bondade em sua voz dissolveu a amargura em meu coração. Um dedo
gentil percorreu meus lábios cheios de cicatrizes.

Perguntei-lhe seu nome.

Asgard se maravilhou com nosso casamento. Por ela, engoli minha raiva e tomei
novamente lugar no salão de Odinn. Por ela, esqueci por um tempo meus votos de
vingança e fiz as pazes com meus inimigos entre os Aesir. Poucos deles ousavam
mencionar meu filho lobo, assim como eu sempre evitava olhar o coto no pulso de Tyr. Foi
uma trégua difícil, mas eu tinha Sigyn para me alegrar, e por um longo tempo isso foi o
suficiente. Eu mesmo me tornei companheiro frequente de Thorr em suas expedições
gigantes para matar gigantes.

Quanto à forma como tudo isso veio a ser, tudo começou em uma manhã, quando o grande
valentão me arrastou para fora de minha cama, gritando que seu precioso martelo
assassino de gigantes havia sumido e que eu deveria tê-lo roubado.

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

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"Loki! Seu baixo, rastejante filho de Muspell! Desta vez você foi longe demais! Desta vez
sua língua mentirosa não será capaz de salvá-lo!"

Com sua raiva, seu cabelo e barba vermelhos estavam revoltos e enrolados. Sua fúria com
a perda do cabelo de Sif não era nada em comparação com sua ira ao acordar e perceber
que Mjollnir estava perdido. Apenas a intervenção de Sigyn pôde salvar meu pescoço, pois
minha leal esposa tirou as mãos de Thorr de minha garganta, insistindo que eu tinha estado
na cama ao seu lado durante toda a noite, e como ele ousava invadir seu quarto de dormir,
e sobre o que afinal estava ele gritando?

Ele ficou então envergonhado e me soltou, e enquanto eu me sentava para recuperar o


fôlego e me perguntava se a minha voz não teria ido embora para sempre, o grande imbecil
nos explicou que ele havia acordado apenas alguns momentos atrás e, ao procurar pelo
martelo, percebeu que o mesmo estava desaparecido.

"Tem certeza de que não o pegou? Não seria mais um de seus malditos truques?" Ele
franziu a testa, desconfiado, apesar da presença de Sigyn.

Balancei a cabeça, pois ainda não estava pronto para usar minha voz.

"Você jura?"

Resmunguei, "Sim, eu juro."

Seu cenho estava confuso agora. O Aesir, pelo menos, reconheceu que o filho de Farbauti
honraria sua palavra jurada. “Então quem foi? Alguém deve ter pego! Ele desapareceui!"

"Bem", disse Sigyn, "Tenho certeza que nós não sabemos, mas meu marido ficará mais que
feliz em ajudá-lo na procura. Não é mesmo, Loki?"

Então claro que eu tinha de concordar, embora tenha cochichado para Sigyn, "Viu como
sempre é? Quem os Aesir iriam encontrar para culpar se eles não tivessem Loki?"

Bem, estava perfeitamente claro para mim, pelo menos, se não para Thorr, que eram os
Jotuns aqueles que tinham mais a ganhar com o desaparecimento de Mjollnir. Então tomei a
forma de um falcão e voei para o norte e leste, procurando por toda Utgard pelo martelo
perdido. De todos os gigantes que encontrei, nenhum admitiu tê-lo pego, mas muitos deles
riram de minhas perguntas dizendo: "Bem, Trapaceiro, é melhor perguntar para Thrym
sobre isso." Isso diziam como se fosse alguma brincadeira famosa por toda Jotunheim.

Então voei para o domínio de Thrym e o encontrei em seus campos, aparando as crinas de
suas éguas e trançando coleiras de ouro para sua viciosa matilha de cães de caça. Era uma
cena tranquila.

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

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Pousei e ele me cumprimentou com uma risada. "Bem, é o rapaz de Muspell, filho de
Farbauti, não é? Você fez uma longa viagem, pela aparência de suas penas! Diga-me,
como estão as coisas em Asgard? Como estão os Aesir, como estão os elfos?"

"Não muito bem. Parece que alguém roubou o martelo de Thorr, e o grandalhão não está
levando isso muito carinhosamente."

Seu rosto se endureceu. O amor de Thorr pela raça dos Jotunn era devolvido em espécie.
"Isso é ruim. Eu tenho o Mjollnir escondido a oito léguas de profundidade sob a terra, onde
ninguém jamais vai encontrá-lo. Ele se foi para sempre a menos que os Aesir enviem Freya
aqui para ser minha noiva."

Isso já estava começando a me aborrecer — todos os Jotuns sempre conspirando para


obter essa prostituta como noiva, ainda que nunca o conseguissem. Boa viagem para ela,
eu teria dito, e pior sorte a eles. Mas eu sabia que os Aesir não veriam as coisas dessa
forma.

Então voei de volta a Asgard e dei a Thorr a notícia, o resgate que os gigantes estavam
pedindo por seu martelo. Ele abriu seu caminho até o quarto de dormir de Freya em
Sessrumnir, onde ela se sentava nua exceto pelo colar, admirando sua visão em seu
espelho. "Vista-se", disse ele em rapidamente "e é melhor colocar um véu de noiva,
também. Nós estamos indo ao salão de Thrym para obter meu martelo de volta."

"O quê!" Esse guincho partiu espelhos por toda Asgard. "Se você por um instante pensou
que vou me casar com algum gigante peludo e cheio de pulgas apenas por causa desse
seu martelo feio de ferro..." Ela estava tão furiosa que não conseguia encontrar palavras.
Retirou o colar de seu alvo pescoço e o atirou na cabeça de Thorr, e todos os elos saltaram
longe quando o mesmo quando atingiu o chão. "Agora veja o que você fez! Fora! Saia do
meu salão!"

Thorr recuou. "E agora? Thrym não disse que não devolveria o Mjollnir a menos que
pudesse se casar com Freya? O que posso fazer se ela não for?”

"Sim, ele disse", respondi. "Sugiro que deixamos Odinn lidar com isso."

Então, um conselho foi realizado em Gladsheim, com todas as mulheres defendendo a


chorosa Freya, até mesmo a própria esposa de Thorr, Sif. Os destemidos Aesir não se
atreveram a sugerir que se sacrificasse por amor a Asgard — ou talvez estivessem
pensando que suas luxurias ficariam insatisfeitas com a perda.

Então fiz a minha sugestão, "Nós poderíamos vestir Thorr como noiva e cobrir seu rosto
com um véu. Ele poderia fingir ser Freya por tempo suficiente até recuperar o martelo."

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Escrito com Veneno
Lois Tilton

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Thorr gritou de indignação tão intensamente quanto Freya, mas à sua própria maneira. "O
quê? Me vestir de mulher! E fazer todos os Jotuns pensarem que sou amante de Thrym?
Será que vou ter que esquentar sua cama à noite, beijando sua bunda?"

Dei um passo para trás, pois por um momento pensei que ele ia me estrangular ali mesmo
na frente de todos os Aesir reunidos.

Para minha surpresa, Odinn concordou com meu plano. "Meu filho adotivo, ele está certo. O
que seria pior, um pouco de humor às suas custas ou o destino de toda Asgard?"

Assim, as mulheres carregavam Thorr para seu salão Vingolf e trouxeram o maior vestido
que puderam encontrar, costurando, cortando e soltando pontos. Ele teve que raspar a
barba, é claro, e ao som de seu uivo senti que finalmente consegui uma vingança
apropriada para minha humilhação sob as mãos de Skadi. No final, ele estava ali vestido,
com joias e véu, pronto para nossa inspeção.

"Eu não sei", disse eu, em dúvida. "Mesmo para uma filha de Jotunheim, há algo errado."

"Puxe o véu mais para baixo," sugeriu Heimdall. "Talvez ele deva usar dois véus."

"Ele precisa de algo mais," disse Frigg, pensativa. "Alguma coisa... é claro! O colar!
Ninguém vai pensar que ele é Freya sem o colar!"

"Exatamente!" exclamei.

Freya fez barulho de novo quando ouviu o que queríamos, mas desta vez Odinn foi firme.
"Você prefere ir? Ser a noiva de Thrym?"

"Mas eu acabei de fazer o anão consertar o fecho!"

"Ótimo. Isso nos poupa deste trabalho. Agora entregue-o e pare de causar atrasos."

Assim, o colar foi entrelaçado em volta do não muito alvo pescoço de Thorr, forçando o
fecho ao máximo. De repente, ele parecia muito melhor. Era o poder do colar. Os anões
eram hábeis em seu ofício, até mesmo eu tenho que admitir.

Odinn me chamou de lado. "Vá com ele, Trapaceiro. Talvez sua língua ágil possa fazer este
truque dar certo. Não podemos confiar na esperteza de Thorr, senão toda Asgard estará
condenada."

Foi assim que dirigi o carro de Thorr a Utgard vestido como uma empregada, parecendo
quase tão ridículo quanto ele. Eu chicoteava as cabras à velocidade máxima, e em pouco
tempo finalmente chegamos aos umbrais do salão de Thrym, que estava todo decorado
para uma festa de casamento. A notícia da nossa chegada tinha viajado à frente de nós.

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Escrito com Veneno
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"Não cerre os punhos assim", sussurrei bruscamente para Thorr. "E puxe um pouco esse
véu. Se ele der uma boa olhada em seu rosto rosto, estaremos perdidos."

"Alguém vai pagar por isso", resmungou baixinho, mas o chutei em silêncio quando Thrym
veio saudar sua noiva.

"A filha de Njord!" exclamou em saudação. "Por quanto tempo esperei! Tenho gado com
chifres dourados em meus estábulos, bois negros e joias além da conta em minhas arcas.
Nada me faltava, a não ser Freya para ser minha noiva, e agora eu finalmente a tenho!
Minha alegria está completa. "

Completa e breve, também, pensei comigo mesmo.

Thrym conduziu sua noiva para fora da carruagem e a conduziu até o banquete que já
estava disposto sobre a mesa em seu salão. Vindo atrás deles, tentando não tropeçar em
minhas próprias roupas, percebi que ele a beliscara nas nádegas, e vez por outra quase
engasguei com meu riso.

Foi uma festa exuberante, nisso a Thrym devo creditar. Haviam bois assados, javalis e
veados, e também havia bandejas de salmão. No centro do salão, havia um imenso e
profundo caldeirão cheio de hidromel dourado e espumante.

A noiva imediatamente pegou um chifre e derramou seu conteúdo na garganta, emitindo um


arroto nada típico para uma dama. Então ela conduziu seu noivo para a mesa, onde uma
bandeja de doces estava disposta para as mulheres. Ela enfiou tudo abaixo em sua
garganta, então devorou um boi assado e oito samões inteiros. Ela lavou tudo isso com
hidromel, chifre após chifre. Eu assisti enquanto os olhos de Thrym se abriam mais e mais.

"Ah, pobre Freya!" exclamei, tentando chamar a sua atenção para longe da visão de sua
voraz noiva. "Durante oito dias e noites ela não foi capaz de comer uma migalha, tão
animada que estava sobre a noite de núpcias! Não admira que esteja com fome agora!"

Só então a irmã de Thrym entrou na festa e foi direto até a noiva. "Minha querida e nova
cunahda! Eu simplesmente sei que você vai gostar daqui! E tenho certeza que vamos nos
tornar boas amigas. Oh, que anéis bonitos que você tem, todos de ouro! Eu amo ouro,
saiba você. Apenas me dê um ou dois, pelo bem de nossa amizade, para sua nova irmã. "

Com esse pedido, os olhos de Thorr queimaram vermelhos como fogo e Thrym recuou a
esta visão.

"Oh, pobre Freya!" novamente exclamei. "Por oito dias e noites ela não tem sido capaz de
dormir uma só piscadela, tão animada que está para a noite de núpcias. Ora, veja seus

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olhos! Eles estão vermelhos e irritados. Aposto que você está muito ansioso para levá-la até
sua cama ", acrescentei maliciosamente, com um olhar maldoso.

"Traga o martelo!" gritou ele ansiosamente. "Os Aesir trouxeram a sua parte no trato, e não
vou fazer menos que o combinado. Então, podemos continuar com o casamento!"

Um par de seus escravos trouxe o martelo, cambaleando sob o peso. Mas assim que Thorr
avistou Mjollnir, ele o pegou com a mão direita, arrancou o véu com a esquerda, e começou
a brandí-lo. Ele arrancou a cabeça de Thrym com o primeiro golpe, e esmagou sua irmã
gananciosa com o próximo. Tanto por seus novos anéis de ouro. Então ele começou a
atacar os convidados do casamento, que agora estavam gritando e tentando fugir do salão.

Quanto a mim, apenas tentei me manter fora do seu caminho. Um Thorr em estado de fúria
assassina não se importa muito em quem bate.

Mas foi alívio finalmente tirar aquela saia.

Depois disso, surgiu um sentimento de companheirismo entre nós dois, e a questão do


cabelo de Sif foi esquecida por consentimento mútuo. Fui seu companheiro em uma série
de outras viagens para matar gigantes, algumas mais bem sucedidas que as outras.
Alguém com cérebro, afinal, tinha que estar junto dele para mantê-lo longe de problemas.

Fomos para o país selvagem onde vivia Geirrod com suas hediondas filhas, Gjalp e Greip.
Thorr tinha a intenção de foder-lhe as filhas, mas breve um olhar sobre elas bastou para
fazê-lo mudar de ideia. Quando ele lhes resistiu aos avanços, elas tentaram primeiro
afogá-lo e depois esmagá-lo até a morte, porém a força de Thorr era superior. Ele derrubou
o teto do salão, esmagando juntos o pai e as filhas sob as vigas que caíam.

Para se aliviar, ele depois visitou Grid, sua antiga amante, a qual lhe havia dado o cinto de
ferro e as luvas em uma visita anterior. Grid ficou bem satisfeita com os viris poderes de
Thorr, e nove meses depois lhe presenteou com seu filho, o ruivo Vidar. Mas eu só queria
voltar para Sigyn e para meu próprio salão.

Além disso, parti com ele uma vez mais quando ele decidiu visitar o lorde de Utgard
chamado Loki.

"Você está brincando?" perguntei quando ouvi pela primeira vez seu nome.

"Eu não estou. É assim que eles o chamam".

Bem, este era motivo suficiente para que eu quisesse ir, para ver o gigante do gelo que
levava meu próprio nome, então nós preparamos a famosa carroça puxada por bodes, com
aquelas bestas fedorentas a puxá-la, juntamente com Thialfi, o servo de Thorr, que deveria

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cozinhar e preparar o acampamento. Thorr estava amolecendo para precisar de um servo,


pensei comigo mesmo, mas nada disse.

Viajamos por uma longa distancia, até parecer que havíamos chegado ao fim do mundo. O
mar se estreitava, ameaçador e cinza, ao longe na distância até se mesclar às nuvens.
Paramos ali na beira de um negro precipício que caía abruptamente sobre rochas afiadas
no fundo, onde as ondas corriam para quebrar e retumbar sobre a rocha.

"A partir daqui podemos ir pelo mar", disse ele brevemente, e liderou o caminho até a
estreita borda por pequena enseada, tranquila, apenas em comparação com a turbulência
no outro lado do penhasco. Um barco estava atracado, e entramos nele. Thorr tomou os
remos sem que eu discutisse com ele.

Remamos até que o penhasco atrás de nós se perdeu na vista, e então seguimos adiante
sobre o mar sem fim. Finalmente as nuvens à frente começaram a ganhar solidez, e mais
tarde se tornaram em terra firme. Desembarquei de bom grado, firmemente decidido a fazer
a viagem de volta a Asgard de outra forma, qualquer coisa menos novamente suportar uma
viagem marítima.

As terras eram típicas de Utgard, rochosas, sombrias e estéreis. Marchamos através da


desolação, mais cansados e com fome a cada passo dado. Nossas provisões já haviam
acabado no momento em que subimos no barco. Thorr não pôde conter sua fome. Essa foi
outra promessa que me fiz, a de trazer meus próprios suprimentos da próxima vez,
mantendo-os escondidos dele.

Veio o pôr do sol, e ainda estávamos caminhando pelo ermo. Na escuridão, o terreno se
tornava cada vez mais traiçoeiro, e tropeçávamos em pedras a cada passo. Eu mesmo já
estava mancando por conta de um tornozelo torcido. Então Thialfi, que tinha os olhos
aguçados, gritou: "Acho que avistei uma montanha e algum tipo de caverna logo à frente!"

Era um tipo peculiar de caverna, como pude ver quando chegamos. A entrada era
arredondada, assim como as paredes internas. Mas era um abrigo, pelo menos, de modo
que nos arrastamos para dentro, caindo em sono profundo.

Amanheceu, e a luz do sol nos acordou. Nos arrastamos para fora. Então, meu queixo caiu,
pois aquilo que Thialfi havia tomado na escuridão por uma montanha tinha a forma de um
homem adormecido e deitado sobre o lado. “Veja!”, cutuquei Thorr, e a julgar por sua
expressão ele estava tão atônito quanto eu. Quanto mais nos aproximávamos, maior o
homem parecia ficar.

"Já vi gigantes antes", disse eu , "mas isso já é outra questão."

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Por seu silêncio, deduzi que Thorr concordava comigo. Depois disso, o gigante se agitou e
acordou. Ele balançou a cabeça, murmurando: "Agora onde está aquela luva? Oh, devo ter
deixado cair lá atrás."

Olhei para trás naquela direção e percebi a luva. Engoli em seco. A luva era a “caverna”
onde havíamos passado a noite.

"Você!" gritou Thorr naquele momento. "Poderia ajudar alguns viajantes que perderam seu
caminho? Você saberia o caminho para o salão de Utgard-Loki?"

O gigante olhou em volta e finalmente para baixo, onde nos viu. "Tudo bem! Por
coincidência, é para onde vou. Meu nome é Skrymir. Por que vocês não vêm comigo?"

Concordamos com isso e partimos. Durante a tarde, apanhei um par de coelhos com minha
funda, e estávamos ansiosos para assá-los na fogueira à noite. Mas Skrymir notou Thialfi
carregando a caça e disse: "Olhe aqui, tenho minhas próprias provisões em minha bolsa,
que tal colocar as suas juntamente com as minhas?"

Viajamos novamente até perto do anoitecer, então montamos acampamento. "Vou tirar um
cochilo", anunciou Skrymir, "então, companheiros, deixarei que vocês cuidem do jantar e
dos suprimentos." Ele nos entregou a bolsa e quase que imediatamente começou a roncar
sob um carvalho nas proximidades.

"Estou faminto!" exclamou Thorr, e nem Thialfi nem eu tivemos qualquer objeção a isso.
Porém, não importa o quanto tentasse, Thorr não conseguia desfazer o nó que fechava a
bolsa do gigante. Enfurecido pela fome, ele tentou cortar a corda, mas isso também lhe foi
impossível.

"Eu já estou cheio desse sujeito", rosnou. Ele pegou o martelo de seu cinto, levantou-o e
desceu-o com força na cabeça de Skrymir.

O gigante se contraiu um pouco em seu sono. Thorr olhou com espanto para sua cabeça,
depois para o Mjollnir. Ele levantou o martelo novamente e golpeou usando as duas mãos.
O gigante murmurou algo, agitou-se, e voltou a dormir.

"Isso não é possível", disse Thorr em descrença. Nunca nada antes havia resistido a um
golpe do Mjollnir. Se esta era a força dos gigantes nos dias de hoje, pensei, Asgard
precisava urgentemente rever suas defesas.

Thorr atacou novamente, com tanta força que pensei que a terra iria se abrir, mas Skrymir
apenas levantou a cabeça com um praguejar suave. "Bolotas de carvalho caindo em minha
cabeça." Então, voltou a dormir.

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Desta feita, desistimos e passamos o resto da noite com nossas barrigas a doer de fome.
Apesar da observação de Skrymir, não havia nem mesmo bolotas pelo chão para que
pudéssemos comer.

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