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A Ideologia da Ordem T No douiinio da vida intelectual, ha familias, Trto é, gr pos cujos integrantes so marcados sutil ow ostensivaunente por im ar de familis, Existe uma mortotogia social do expitivo cou da inteligencia. Neste livro, tratamos de duas delas: a “jeunesse dorée” ¢ of “socidlogos andnimos’, estes tltimos, cscritores sem qualifieagSes neadémicas, que, no entanto, con tribuiram para o csclirecimenty da Revolagto de 1980 ¢ suas consequéncias, com estudlos objecivos, Do ponto-deavista dessa tnorfologia,censituen amben,no Bras, tn (amis, pest de suas peculiatidades individuais, homens como Jackson dle Fi- gueivedo, Hamilton Nogueira, Aicen Amoroso Lima, Alcebiades Delamare, Durval de Morais, Perilo Gomes, 0 Padre Assis Me- moriz, 0 Cardeal D. Jaime Camara, o Arcebispo D. Helder Camara, Gustavo Corio, Gladstone’ Caves de Melo, juste Tavora, Eduardo Gomes, Fernando Cameiro, Carlos Lacerda, Jos: Artur Rios ¢ cutrrs menores, Todos professam 0 catolic Tismo. Nao quer dizer isso que todos os inteleccuais carblicos, entre nds, pertengam a essi_famitis, _Nela nfo ineluo. por exemplo, os Padres Fernando Rastos de Avila © Hentique Vez, Aue o momento em que eserevo, intelectusis abertas 30 névO sentido da época ¢, por isso, situados na corrente de vanguard, de que sio ilustragdes na Franga o grupo da revista Fsprit, es quire outros, Henri Bartoli, Jean-Yves Calver. Ai tambon nio incluivia, par ser especial fenémeno humano, a merecer exame A parte, © tréfego conde papal Candido Antonio Mendes de Almeida, epicie de Scbastifo Pagino em edigio novissima nulefuceradtu, viva sintese de conrradicées, pois, uo que parece, I4l consegue ser hiomem de confianga da Light, du Giitia, da Shell, do ISEB e do PCB. Nas caracterizactes daquela familia, s que vamos proceder em sepnida, cumpre ahservar que nio nos anim qualquer sen timento antieatélica, Ao contririo, desejariamos que a Ipreja, para maior elicécia de sua agio temporal, s¢ descomprometesse da agio equiveca de certos cidadios que [alam em seu nome, sem torlsvia terem compreendido a verdadeira significacan de seu magistirio, Foctlizando uma das anomalias mais corri« queirar vigentes nos meios intelectuais catdlicos, o integrismo, escrevi ceria ver 122 O imiegrismo é, entre Outras coisas, um excessive compromise com as formas icuapounis da Tgiaje e, a sim, vitima aquéles que nao distiaguiram no catolicis- mo o miicles de suas crencas basicas de suas expres. sGes adjetivas. Cometem-no, por exemplo, os que pensam que 9 catolicisimo esta indissolavelmente ligado 4 uina forma particular de orgenizagio economies da sociedade, ou que esteja enfeudado a uma civilizacio particular como 2 ecidental, Aind2 ha algumas sema- ras, participando de um “mecting" sbbie a questio do Suer ¢ da Hungila, tive o ensejo de presenciar o inte gtismo cm acdo. O integrista focaliza éste assunto 4 Jur de uma espécie de dialética do Bem ¢ do Mal, de uma espécie de maniqueismo que divide a humanidade em dois campos, em duss espécies irvedutive’s, Seguramente esta condats & uma perversio do c= tolicismo. A éste caracteriza uma disposicao inces- saute para superar o que é mersmente temporal, certo que existe tla uma Linka de inteleccuais cats- Jicos situados no iniegtisnio: Joseph de Maistre, de Dowel, Le May, Laneunais, Mauser ¢ sua seguidl- Tes retaidatirios no Brasil, May é justamente esa correnie que, com os seus epigonos, assinala o divorcio entre a Igrela ¢ as camades populares, fato aliés de- munciado por um grande Papa. No daminio da pré- pris Igreje, os integristas sfo objeto de severa rebut. Gio. © Padre Mare Oraison, que é, ao mnesno tempo teblogo e médico, considera 0 integrismo tema de pato- ogta religions S20 suay estas palavias. “A metals ide intégrista comporia surpreendente reserva de agresividade disposta a se manifestar a primeira oct Sho, Freqiicatemente ela se manilesta sem motivo, sem provoeacio extema, por uma acridade de tom caracteristica. Quando o integrista constara uma opie rniga que ne etre em suas Categorias wmumiffcadas nuostra os demtes. Quando & contraditado, injuria e wectiva. A observacio do compariamento incegrista mostra com evidéneia que éle no & eomandado por fn pensaaient motivado e Tivie, uy antes de tudo por uma reagio aletiva de indole neurdtica. © inte- grista & um ansioso que sotte.” Tratando do problema da relagao entee 9 cristi- aniamo ¢ a temporalidade, no livro Essai Sur le Mystere de Histoire, 0 Padve Jean Daniélou se relete 4 dialé= tiea da “encamagio” € do “desprendimento”, seguado a qual 9 atistianismo etd na Histiia, mas io se identifica coma ela, Deve encarnarse nas eviliracoes = dis ite — o constmnir eristandades, F. acrescenta? Mas estas cristunndades serfo sempre eaduras € transi= thrias, Seri precisa que a Igreja, depois de ti-las re. vestido, se despoje delas como de roupas velhins", Esta posicio, que nfo quero chamar nem de progressista nem de dialética, eta posigio que Jean-Marie Dome- nach diria marcada de um estorco de catidade, € a dos apdstolos; é a de Santo Agestinho da Cidade ce Deus; Ehoje, a de Toynbee: € a do que ha de methor entre telectuais catdlicos, como, por exemplo, 0 grapo a revine Beprt (1) Ti) _Nide suplemento dominisal do Jornal do Brasil de 23-12-1956, antigo initulado "A Intelectvslidade Cetdlica 0 Brasil” 13 uu © integrin no Brasit tem assumido leigio do que se pode chamar de idectogin da orden. A fim de’ cxamins necenstio ga retorne a Jackson de Figueiredo, Coa eleito, 0 eseritor sergipano & mauiz de penssmento politics que, até b presence, 5 mantém militamte, Depois do Padre Jillio Ma- ris, coube a Jackson de Figueiredo tentar o delinesmento da posicao politica a ser assumida pelos catilicos. Seu intento foi, até certo ponto, coroado de éxito. pois até haje existe no Paiy verdadeiso partido catslien, que ten sen tarco inicial no uubalho de Juckion de Figueiredo, Vivendo aum periodo que se caracterizava pela desorden cspitivaal © social, fértil de teu: latinas desenicoutradas e desconexas de pernarbacao du segimne, agitacao miitar e prelios partidarios de baixo teor moral ¢ im telectuud, 0 esctitor sergipano, exaltado em seu eatolicismo. procaran agir, mediante 2 prégacio de idgias © onganizacio, de grupos, no sentido que Ie parecia © mais soudivel, tal o de preservur a autoridade © a ordem constituidas, Nets condicdes manteve, principalmente nos anos vin ie, gronde atividade publicitaria, tendo tundado em 192] o Cento Dom Vital € a tevita d Ordem. Escreveu livros, Fer prosélitos Quais os pontos principais do_pensamento politico de Jackson? Nao eram mais do que aquéles que se comtinham na doutrina de Joseph de Maiscre. Inspirouese ainda em de Ro. naid e Maurras, Como se vé, por ésles patronos, Jackson de igueizedo cra, em politica, um conservador. Tédda sua agio cra subordinada ao principio da orem, nie justilicande hes nhuma forma de conduts revolucionitia, Admitia o direito divino ¢ s¢ ptoclamou monarquista, Atirmando uma teoiia atistocratica da sociedade, repuguava-the o sulrigio popular. A questao politica, para Jackson, como para os seus pro sélitos, € eminentemente molal, Dai serem’ escassispitmas ou priticamenie inesistentes referéncias suns ios aspecios evand- micos subjaventes as lutas pardkisias de que tramp. Por exem- plo, a0 se Uavar a disputa pela sucesso presidencial de Epiticio 144 Pesoa, toma pantide contra Nilo Peganha, a quem inchia no ro] dos que chamava, com desprévo, de “mulatos de aunta de inpogica” (2) e a lavor de Artur Bemardes, em essencia, porque te era catdlico e aquéle membro da Maconaria, além de ale gums cutras vader éticas. Afirmando var "ob tbda question Social, umu questao eoldgica’” (3), comideraya a utividade revolucionaria como algo chaholico ¢, coerentemente, verberou ss insuireigbes de que foi testemuntis, como as ce 1922 ¢ 1924. Expondo o seu pensamento, em 4 Reagdo do Lom Senso, eereve que “a verdadeita Historia nos diz — a verdadeita Hise totia, ¢ nd os pantietos de eego ¢ esttpido sectarismo, adota- dos an todo o Ocidente, da Revlugio Francesa para ck — 0 que ela nos diz é que wma nica moral politica toi realmente Sivilieadora, organiasdora, social a minoria que (A) Vide Indicordes Politics. Rio, 1936. Pas. 20. 156 as implantow om que delas se benelicia. As tradigbes @ 03 cor umes sio procediaentos organizatsrios das relagéts humanas, € como tal precitias, nada ‘de permanente se. thes podendo tribuir, Sao freqientemente elaboradas por camadas mino- ricérias, propagando-se em seauida as outras camadas pela imi cio, Desde Gabriel ‘Tarde (3) até Amold Toynbee (6) se ten mortrado, com esta o4 aguela variance, @ vinculacia @ tiadigées ¢ de sua propagieio © manutencio 3 excmplavidade dos ciieies ou das minorias ctiadoras e, portamto, a relacoes de ppodler, relagbes estas que forcosamente se alteram no cecotver as Uansformacies msteriais da sociedade, Tarde, do ponto- de-rista micoscopico: Toynbee, do pontosde-vista macroseé- pico, apresentam em soas obras Tartas ilustracées do papel rs Cionalizador das relagies de poder que se pode atribuir 4s wa digdes © aos costumes No caso da soriedade brasileira, falar em primado € detesa dle tadigoes talver s¢ja Tigorosamente, supertetacao, pois, em Jarga margem, podese acolher como acertadas as observagbes le Alberto Torres. Comparativamente, somos, ex larga es. cala, uma especie de sociedade em branco, em materia de tr digGes ¢ costumes. Ise, por um defeito constitucional de ori gem. Caminhamos descontinuamente, O nomnal aqai tan Sido os saltos. Por isso ¢ um canto despiciendo c livresco. em nosso meio posicoes tradicionalistas a de Maistre, de Bonald, Burke, tio do gésto do Sr. Alceu Amoroso Lima, Somos uma sociedade sem basalto — o que, como abservaria Hans Freyer — fem conseqiléncias espirituais. Neste terreno, como em virion ‘outros, avulta a pertinncia das observacies de Allerto Torres, tuna das quais, muito a propésito, & a seguinte: “Nas nagdes novas, o fato, resultante ds forma peculiar de sua exploragio, ¢ que a sociedade nio chega jamais a consti- tuirse: a assimilagio ¢ 9 integracio, obras de lento e gradual evoluir, aes velhos paises, nfo enconiram os meimos maveis de estimulo e operacio; e, pelo contrario, por enue « visinhangs, contigiidade, ¢ uma certs comunidade, material ou moal, de (S) Ch Gabriel Tarte, ta Logigue Social. aris: 1498 (©) CE Toynbee, A Suidy of History. Londres, 1934-39. 157 semelhangus € aualogias: a Vingué, « religifo ¢ 2 riga — fios de tecedura, entre cutios, na compesicao dos elementos vitals de associuedo, ¢ lorgas de sua atividade solidatia — sao aqui dis- solventes, | As religides, por exemplo, como outras agremiacor agindo independentrmente dla mecanioma. nacional, onde sé Geveriam entrosur, ¢ promovendo, sem u acho geral paralela das férers nacionais, os ieais que as animam, sob u ditecio de sua autoridade mundial € com a sua poderosa disciplina, comtri- bbuem para desaxrexar ay nacionalidades.” (7) £ &te wm pansamento verdadeiramente indurido da ob servagio dos fatos da vida brasileira, Pensamento em que st conteéta t6da uma Ticida consciéncia de nossa alienacio lin- glilstica, réligiosa € tnica, (8) ur © Sh Afonso Arinos de Melo Franco 6, entre nds, uma das figuras mais representatives da visio dorée do mundo. Pela suit participagio na vida politica do pais parece que, sinds ‘hoje, (8)_ se mantem fiel aos seus pontos-de-vista da década de ta, Comecemos pelos depoimentos que éle mesmo oferece. “Sou um homem que, por destino, por atavismo (0 grilo 6 meu, o Sr, Avinos é, como se verd, radista), por necesidade pilesligics (qnase que poderia dizer fisiclépica} . se ocups com as idéias.” (9) © livro de que retiro estas palavras trazia 0 subtitul Carta aus que Tém Vinte Anos. Dirigindo-se aos mocos, que Ge se propse orientar politicamente, escreve 0 atual lider da UD. “Eu ja fui, como voeés, 0 mais mogo, £ 0 fu por muita tempo, porque eomece! sendo aquilo que as comadres copioses (Alberto Torres, O Problema Nacional Brasileiro, 1938. Pi- sinas $4.95, (8) bso fol eserito em 1955. (3) Afooss Annes, Preparagio ae Nacionalismo. Rio, 1934, Pi gina 34, 158

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