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A PRODUÇÃO SOCIAL DO

artigo de revisão
CONHECIMENTO NA SOCIEDADE DA
INFORMAÇÃO

Marco Antônio de Almeida*

RESUMO Abordagem de alguns problemas e desafios contemporâneos


para a construção social do conhecimento a partir de
paradoxos gerados em torno dos conceitos de conhecimento,
informação, cultura e sociedade da informação. O artigo
propõe problematizar uma concepção que já se tornou senso
comum: que as tecnologias liberariam automaticamente
o homem do trabalho repetitivo e permitiriam o acesso
à informação e ao conhecimento. Nesse sentido, aponta
para a importância das atividades de mediação cultural e da *Doutor em Ciências Sociais pela
UNICAMP. Professor no Programa
informação no campo da Ciência da Informação. de Pós-Graduação em Ciência da
Informação da ECA-USP. Professor
do curso de Ciências da Informação e
PALAVRAS-CHAVE: Informação. Conhecimento. Mediação Cultural. Tecnologia. Documentação da FFCLRP-USP.
Sociedade da Informação. Email: marcoaa@ffclrp.usp.br

1 INTRODUÇÃO diferentemente do que propõe certa ideologia da


“democratização do conhecimento”.

E
m seu famoso conto “Funes, o memorioso”, Para enfocar parte dessas questões,
Jorge Luis Borges narra a história de proporemos o seguinte percurso: a-) uma visão do
Tadeu Isidoro Funes, homem dotado de processo de conhecimento a partir da perspectiva
uma capacidade de memorização praticamente de Bruno Latour; b-) uma breve discussão do
absoluta: nada escapa ao seu poder de observação, conceito de informação e sociedade da informação
e nada por ele é esquecido. O narrador da a ele associado, e alguns desdobramentos dessas
estória pondera, entretanto, que Funes não era concepções na análise da estrutura capitalista
propriamente um pensador brilhante __ porque contemporânea; c-) a reflexão acerca de alguns
pensar envolve esquecer, abstrair diferenças, problemas e desafios contemporâneos para a
generalizar, especular sobre o que ainda não construção social do conhecimento a partir de
possui existência. alguns paradoxos decorrentes da discussão
Este conto parece-nos exemplar para anterior; d-) uma breve digressão sobre o papel da
refletir acerca de alguns dos dilemas postos à atividade de mediação cultural e da informação
construção do conhecimento diante de uma nesse processo.
“sociedade da informação”. As novas tecnologias
de informação e comunicação __ TICs, colocam
ao nosso alcance uma infinidade de informações 1. BRUNO LATOUR E A CIRCULAÇÃO DO
e dados, algo jamais sonhado, e que excede, em CONHECIMENTO
muito, as capacidades cognitivas individuais.
Porém, essa gigantesca memória eletrônica a Bruno Latour (2001) filia-se a uma corrente
nossa disposição, especialmente na World Wide de sociólogos, filósofos e historiadores da Ciência
Web, a rede mundial de computadores, não é, que contestam a separação radical entre sujeito-
por si só, garantia de construção ou aceso ao objeto característica do pensamento ocidental.
“conhecimento”. A “rede” oculta, também, Esses diversos autores são críticos em relação
diferenciações sociais, hierarquias, relações e ao “acordo modernista” da Ciência, o pacto que
seleções arbitrárias, processos de ocultamento __ instituiu o primado da Razão, da objetividade

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e do distanciamento, objetivando a verdade e outro a ampliação (inserção dessa informação


a tradução do mundo em fórmulas unívocas, num conjunto de outras informações diferentes,
universais e exatas. mas de natureza semelhante). Esse processo
Na concepção de Latour, a produção do de natureza dúplice permite a comparação e o
conhecimento operaria por meio de uma cadeia estudo de vários fenômenos, seres ou objetos
de transformações, permanente e de dupla via, originários de lugares e contextos distintos. Desse
entre o “real” e os “sujeitos”, a qual denomina de modo, um naturalista do século XVIII ou XIX era
“cadeias de translação”: “Em lugar de uma rígida capaz de subtrair uma ave de seu habitat natural,
oposição entre contexto e conteúdo, as cadeias de perdendo toda a riqueza do meio ambiente do
translação referem-se o trabalho graças ao qual qual ela se originava, mas, ao mesmo tempo,
os atores modificam, deslocam e transladam seus ganhando a possibilidade de compará-la com
vários e contraditórios interesses” (LATOUR, outras aves no contexto artificial do “centro de
2001, p. 356). cálculo”, obtendo assim novos elementos para
O que viabiliza e permite essas cadeias pensar a taxinomia da espécie.
de translação são as inscrições __ termo geral Parece-nos possível desdobrar as
referente a todos os tipos de transformação que concepções de Latour para refletir acerca
materializam uma entidade num signo, num dos processos de produção do conhecimento
arquivo, num pedaço de papel, numa tabela, envolvendo atores sociais no contexto da
num gráfico. Geralmente, essas inscrições são “sociedade da informação”. Para Manuel Castells
bidimensionais, passíveis de superposições (2003), essa é uma sociedade estruturada em
e combinações. São sempre móveis, ou seja, redes sociais, boa parte das quais conectadas
permitem novas translações e articulações, ao por meio das TICs. No caso específico da rede
mesmo tempo em que mantém intactas algumas de computadores que compõe a internet, trata-
relações. O perfeito alinhamento e comunicação se de máquinas capazes de se comunicar entre
das inscrições produz a referência circulante (ou si e capazes também de processar informações
circular). numa escala gigantesca, tornando possível
A referência circulante é a qualidade gerar novas formas de organização e controle
da cadeia de translações, é o que viabiliza sua do capital. Na compreensão da dinâmica dessas
reconstituição e circulação, geralmente associada redes seria estratégico analisar as inscrições que
à existência de instituições encarregadas de nela circulam, as “cadeias de translação” que
produzir e manter esse processo. Para Latour, modificam o conhecimento que as comunidades
a instituição cumpre um papel positivo na possuem de si e do mundo, e, simultaneamente,
construção do conhecimento, já que possibilita o conhecimento que os demais atores sociais
as mediações necessárias para que os atores e possuem dessas comunidades.
fenômenos conservem sua “substância” (um Num exemplo hipotético, consideremos
conjunto de características reconhecíveis) a produção social de conhecimento dentro de
duradoura e sustentável. A referência um movimento social, por exemplo, o ecológico.
circulante, como resultante desse processo, Um grupo de moradores pode se articular para a
guarda importantes conexões e afinidades defesa de um trecho da mata local. Atos públicos
com os conceitos similares de “mediação” e e eventos diversos são realizados para promover
“rede” (ALMEIDA, 2006; NASCIMENTO e a causa, e veiculados nos mais diversos meios de
MARTELETO, 2004). comunicação. O movimento cresce e o “capital
A idéia de informação presente nessa cultural” do grupo pode ampliar-se, com a adesão
concepção remete à existência de “centros de de novos atores com habilidades diferentes dos
cálculo” (laboratórios, museus, bibliotecas, centros membros que deram origem ao movimento
de documentação, arquivos, etc.). Estabelece-se (advogados, biólogos, políticos, líderes religiosos,
uma relação “centro de cálculo”-“periferia”, entre etc.) Documentos e registros diversos são
os quais circulam as informações. Concebida produzidos __ manifestos, propagandas, vídeos,
desse modo, a informação é uma inscrição, não panfletos, livros, programas radiofônicos. Esse
um signo. Ocorrem duas operações simultâneas: material é divulgado por diversas redes de
de um lado há a redução (extração de uma comunicação, internet inclusive, gerando feedbacks
“informação” de seu contexto de origem), de que podem propor novas formas de atuação

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A produção social do conhecimento na sociedade da informação

local, novas formas de organizar e disseminar a também aspectos da concepção cibernética da


informação, que permitiriam ao grupo repensar informação.
(reforçando, relativizando, reestruturando) seus Vale, mais uma vez, ressaltar a diferença
valores, saberes e práticas. Retomaremos essas entre as duas visões. Na concepção da cibernética,
questões mais adiante; antes se faz necessária a informação é um processo ou relação de trabalho
uma breve digressão sobre alguns aspectos do que permite o sistema recuperar ou manter
conceito de informação. sua capacidade, em permanente dissipação, de
seguir fornecendo trabalho. Na visão que reduz
2. INFORMAÇÃO: DUAS CONCEPÇÕES E ALGUNS a informação a dados, ela torna-se passível de ser
entendida como objeto, passível de apropriação e
PARADOXOS
mercantilização.
Até agora falamos de informação de uma O fato é que a informação em suas
maneira não-explicitada, como se houvesse múltiplas formas e concepções (científica,
um consenso estabelecido em relação ao seu artística, mercadológica) tornou-se central
significado. Longe disso. Se até o final do século na dinâmica social contemporânea. Pilar da
XIX o termo informação possuía o sentido revolução científico-tecnológica, o caráter
relativamente estabelecido de notícia, fato ou produtivo da comunicação de informações
evento comunicado por alguém ou por uma como “continuação da produção na circulação”
instituição, a partir do século XX, especialmente é apontado por teóricos marxistas, como Jean
em sua segunda metade, o conceito passa Lojkine, Mauricio Lazzarato e Franco Berardi.
a receber novas conotações das quais duas Eles são alguns dos que refletiram acerca da
merecem maior atenção. noção de “capitalismo cognitivo” para descrever
A primeira é a adotada pela cibernética. o atual momento histórico __ que, coerentemente
Norbert Wiener (1979) incorpora o conceito de com a visão de Marx, permanece como palco de
Claude Shannon, definindo informação como conflitos e disputas entre grupos inseridos de
medida de incerteza, como processo de introdução forma diferenciada na sociedade capitalista.
de ordem num sistema tendencialmente Retomando a perspectiva marxista, Jean
entrópico. Esse conceito é incorporado pela Lojkine (2002) aponta para o conflito entre a
economia neoclássica, que propõe a eqüidade constituição de redes informacionais, conexões
e neutralidade da informação para a “alocação densas e interativas entre os setores da produção
ótima” de recursos. Os economistas neoclássicos e, de outro lado, a centralização/concentração
concebem a informação como oposta à de informações e decisões estratégicas. Nesse
mercadoria: não é divisível, não é apropriável e sentido, repõe a perspectiva histórica de análise
não exprime certeza, mas incerteza. Desse modo, da sociedade de classes e um de seus conflitos
são céticos diante de uma mercantilização da centrais: a superação da divisão entre concepção
informação. e realização, entre trabalho produtivo e trabalho
A segunda conotação do termo informação improdutivo.
que nos interessa de perto começou a circular Para Franco Berardi (2005), as TICs, ao
nos anos 70, com a idéia de uma “evolução” possibilitarem um trabalho digital abstrato,
da sociedade capitalista em direção a uma modificam as relações entre concepção e
“sociedade da informação”. Marc Porat, em execução do trabalho socialmente necessário,
artigo de 1977, define informação como dados demandando, assim, uma redefinição da noção
tratados e organizados. Por sua vez, Daniel Bell, de trabalho abstrato proposta por Marx. Embora
autor de O advento da sociedade pós-industrial, a atividade física visível de muitos trabalhadores
define informação como processamento de dados aparentemente seja a mesma, em sua essência
em seu sentido mais amplo: estocar, recuperar e trata-se de algo profundamente diferente:
processar dados como atividade e/ou recurso
O trabalho se tornou parte de um
essencial para todas as trocas econômicas e sociais processo mental, elaboração de sinais
(MATTELART, 2002). Essa associação entre densos de saber. Tornou-se muito mais
informação e dados torna-se central nas análises específico, muito mais especializado:
posteriores dos rumos do capitalismo, como o advogado e o arquiteto, o técnico
no caso de Castells __ que, entretanto, mantém informativo e o caixa do supermercado

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estão diante da tela do mesmo monitor está correto quando afirma que a economia e a
e batem nas mesmas teclas, mas um não competição econômica são os meios pelos quais
poderia nunca assumir o posto do outro, a civilização e a cultura se desenvolvem hoje;
porque o conteúdo de sua atividade de
elaboração é irredutivelmente diverso e por outro lado, essa apologia da economia é
intransferível (BERARDI, 2005, p. 39). falsa, já que não registra a violência embutida
no processo, a marginalização e a desigualdade
produzidas inevitavelmente e a destruição social
conseqüentemente implicada.
O processo de digitalização apresenta
O foco de Lévy na convergência entre a
dois aspectos diferentes, embora integrados. De
virtualização da economia e a constituição de
um lado, a infra-estrutura da rede telemática
uma inteligência coletiva descarta a corporeidade
possibilita a coordenação dos diversos fragmentos
física dos indivíduos e seus impulsos
do trabalho; de outro lado, dissemina-se o processo
inconscientes, o que o situa numa corrente
de trabalho em infinitas unidades produtivas
denominada por Berardi de “pensamento frio”,
autônomas, mas coordenadas e dependentes
relacionada à intangibilidade. É nesse sentido que
entre si. O trabalhador passa a se considerar o
Berardi vai opor à noção de infotrabalhador, a
“empresário de si mesmo”, provocando, entre
noção de cognitariado: “O que significa a palavra
outras coisas, uma desestruturação do salário
‘cognitariado’? É evidente que essa palavra-valise
global e a identificar seu trabalho, do ponto de
traz em si dois conceitos: o de trabalho cognitivo e
vista existencial, como uma missão.
o de proletariado. Cognitariado é a corporeidade
Berardi nota que há uma diferença entre
social do trabalho cognitivo” (BERARDI, 2005, p.
trabalho autônomo e trabalho criativo. O primeiro
73). Desse modo, ele dirige uma última crítica a
guarda uma relação direta com o mercado;
Pierre Lévy: embora o conceito de inteligência
na maior parte das vezes, o infotrabalhador
coletiva seja útil para pensar as tendências
ainda está a serviço de um patrão (como nas
contemporâneas, ele não reduz ou resolve
modalidades clássicas de trabalho assalariado),
a existência concreta do cognitariado, assim
embora este se torne anônimo na medida em
como não reduz ou resolve a complexidade e os
que suas decisões aparecem como produtos
sofrimentos do corpo planetário.
do “sistema”, resultante de automatismos
tecnológicos e/ou financeiros. O caráter não-
hierárquico da comunicação em rede contribui 3. INFORMAÇÃO E MOVIMENTOS SOCIAIS
para uma representação ilusória do infotrabalho
como independente. Desse modo, a idéia de A esta altura da reflexão poderíamos nos
trabalho autônomo, independente, é uma ficção perguntar novamente: qual a relação que se
ideológica. O controle do trabalho assume uma estabelece entre os movimentos sociais (pensados
forma diferente do modelo taylorista: é reticulado da maneira mais abrangente possível) e as
e incorporado ao fluxo. TICs? Castells aponta alguns elementos para se
Difunde-se, assim, uma ideologia pensar essa relação. Em primeiro lugar, a crise
“felicista” (termo empregado por Berardi) que se das organizações políticas tradicionais, como os
apóia nas possibilidades abertas pelas inovações partidos, possibilitou o salto dos movimentos
tecnológicas, especialmente as TICs – vide a sociais organizados para movimentos sociais
revista californiana Wired como referência dessa em rede, articulados em coalizões constituídas
tendência. Berardi reconhece a contribuição a partir de valores e objetivos comuns. Desse
original de um dos arautos dessa tendência, modo, “a Internet é a estrutura organizativa e
Pierre Lévy, especialmente em seus primeiros o instrumento de comunicação que permite a
livros. Ressalta a importância de se abordar flexibilidade e a temporalidade da mobilização,
as tecnologias informáticas no interior de um mantendo porém, ao mesmo tempo, um caráter
quadro filosófico, assim como a construção de coordenação e um capacidade de enfoque
de conceitos estimulantes para se explorar a dessa mobilização” (CASTELLS, 2003, p. 277).
nova realidade, como o de inteligência coletiva. Em segundo lugar, os movimentos sociais
Entretanto, é bastante crítico em relação às tendem, na perspectiva de Castells, a se estruturar
suas últimas produções. Para Berardi, Lévy cada vez mais em torno de valores e de códigos
culturais, e a internet permite a disseminação

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A produção social do conhecimento na sociedade da informação

das idéias e manifestos num amplo âmbito com definindo o sentido e as orientações da
extrema velocidade. Na medida em que o poder ação individual por meio dos processos
se estrutura cada vez mais globalmente e as ações capilares, diferenciados, pontuais de
difusão de modelos simbólicos. Importa
e vivências das pessoas tendem a ser locais, a obter identificação, modelar identidades
internet fornece essa conexão local-global para a funcionais, adaptáveis, substituíveis.
interação dessas duas ordens (novas formas de (MELUCCI, 2001, p. 80).
controle e mobilização social). Por outro lado,
do ponto de vista da utilização da internet pelos Desse modo, Melucci considera o
partidos políticos, ela tende muito mais a ser conhecimento como um recurso fundamental
utilizada como via de comunicação de mão única para os “atores conflituais”: permite revelar a
do que propriamente como uma ágora eletrônica natureza real das relações sociais por trás das
que permitisse a interatividade e a participação aparências que os aparatos dominantes tendem
dos cidadãos. a impor à vida coletiva. Nas sociedades cada
Para Alberto Melucci, “nos sistemas vez mais complexas, a cultura torna-se, por
complexos, a capacidade de intervenção sobre a excelência, o terreno estratégico dos conflitos.
ordem simbólica não só se generaliza em toda a Nesse sentido, Castells alerta que o
sociedade, mas se move também em direção ao elemento de divisão social mais importante não
indivíduo” (MELUCCI, 2001, p.39). No passado, é a conectividade técnica, e sim a capacidade
o pertencimento era pensado em termos de um educativa e cultural de utilizar a informação.
grupo; agora o indivíduo é o ponto terminal dos Trata-se, portanto, de saber onde está a
processos de regulação. O mundo contemporâneo informação, como buscá-la, como transformá-la
coloca à disposição dos indivíduos uma gama em conhecimento específico para aquilo que se
inédita de recursos simbólicos que estendem quer fazer.
seu potencial de individuação (autonomia/auto- Parcela considerável das Organizações
realização). Dessa forma, para garantir a própria Não-Governamentais (ONGs) e Organizações
integração, a sociedade não pode ficar restrita Sociais de Interesse Público (OSIPs) reflete sobre
à regulação da apropriação e distribuição de a importância da informação e da comunicação
recursos, devendo estender seu controle sobre para a efetivação de ações coletivas. Reflexão
os níveis simbólicos das ações __ as esferas que complementar àquela acerca do processo
constituem o sentido e a motivação do agir. paralelo, mas muito mais difícil, de valorização
Os movimentos sociais emergentes são do “conhecimento local”, o espaço de produção
sintomas de movimentos antagonistas. Nas do conhecimento por parte das comunidades,
sociedades contemporâneas, a produção não se um conjunto de saberes e tradições (culturais
reduz exclusivamente aos recursos econômicos, e “técnicas”), muitas vezes contraposto ao
mas, em função de sua alta densidade de conhecimento oficial, “científico”. Esse tipo
informação, investe crescentemente também de reflexão vai ao encontro da proposta de
sobre processos relacionais e sistemas simbólicos. Boaventura de Souza Santos: uma ruptura
Produzir significa cada vez mais não apenas epistemológica que atenue o desnivelamento entre
transformar recursos naturais e humanos em os discursos, que crie ao mesmo tempo um senso
mercadorias, mas também controlar sistemas comum esclarecido e uma ciência socialmente
complexos de informações, de símbolos e de responsável, gerando assim uma configuração de
relações sociais. O mercado deixa de ser espaço conhecimentos democraticamente distribuídos
exclusivo de circulação de mercadorias, tornando- (SANTOS, 1989).
se também campo de intercâmbio de símbolos: Como é claro de se perceber, a tarefa está
longe de ser fácil.
Para poder produzir e consumir, os Um fator a ser considerado aqui é o caráter
atores sociais devem “reconhecer- polissêmico da internet. Dominique Wolton (2003)
se”: na identidade que estão em aponta a diversidade de aplicações presentes na
condições de construir ou naquela que internet: a-) aplicações do tipo serviço (vendas,
lhes é imposta pela multiplicidade de
pertencimentos sociais e pelos sistemas pagamentos de impostos e taxas, cadastramento
de regras que os governam. Uma de dados pessoais, etc.); b-) aplicações do tipo
sociedade de aparatos impõe identidade, lazer; c-) aplicações relacionadas à informação-

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notícia; d-) aplicações ligadas à informação- simples relação entre dois termos de mesmo
conhecimento. As desigualdades socioculturais se nível, mas que em si ela é produtora de um
reencontram na utilização das quatro aplicações, “algo a mais”, de um estado mais satisfatório
mas é em relação ao conhecimento que as (DAVALLON, 2003). Parece ser essa a perspectiva
diferenças são maiores. que se generalizou, no interior da Ciência da
A informação-conhecimento já é seletiva Informação, acerca do papel de “mediador”.
pelo seu próprio conteúdo, e também pelos Por outro lado, a idéia de mediação acaba
procedimentos de pesquisa dos usuários. A forma por cobrir coisas tão diferentes entre si, que
de construir e apresentar a informação, prevendo vão das velhas concepções de “atendimento
os meios para acessá-la, não é universal, está ao usuário” à atividade de um agente cultural
relacionada muito mais aos esquemas culturais em uma dada instituição – museu, biblioteca,
de quem a disponibiliza do que aos esquemas arquivo, centro cultural –, à construção de
de quem as busca. Essa constatação demarca a produtos destinados a introduzir o público
ingenuidade __ ou o oportunismo __ do postulado num determinado universo de informações e
de uma “neutralidade técnica” da organização da vivências (arte, educação, ecologia, por exemplo),
informação. Nesse sentido, torna-se evidente a à elaboração de políticas de capacitação ou
importância dos processos de mediação cultural de acesso às tecnologias de informação e
e da informação. comunicação, etc. Desse modo, uma definição
consensual de mediação parece impraticável:
sempre contextualizada, torna-se um conceito
4. INFORMAÇÃO E MEDIAÇÃO plástico que estende suas fronteiras para dar
O conceito de mediação cultural e da conta de realidades muito diferentes entre si
informação mereceria por si só uma discussão à (DAVALLON, 2003).
parte; pontuaremos apenas um dos aspectos do Wolton reforça a importância das funções
tema, desenvolvido com maior detalhamento em do mediador, ao posicionar-se contra a ideologia
outra ocasião (ALMEIDA, 2008). do “faça você mesmo” (do it yourself), a idéia de
Para as Ciências Sociais, a noção de que a rede proporciona a liberdade por permitir o
mediação está intrinsecamente ligada as livre acesso individual ao mundo de informações
chamadas “teorias da ação”. A ação social é disponíveis ao usuário. Em primeiro lugar, ele
sempre situada e analisada na esfera da vida recorda que nem todas as informações encontram-
pública (mesmo quando, aparentemente, se se disponíveis de fato: muitas envolvem
trata de uma ação individual). Desse modo, a diferentes formas de acesso, econômicas, sociais,
comunicação é um fenômeno que fundamentaria culturais. Em segundo lugar, ele chama a
a ação, e aqui vale recordar as implicações que atenção para o papel estratégico, e, na sua visão,
Jürgen Habermas retira desse fato em sua teoria libertador dos intermediários culturais e da
da ação comunicativa. As mediações são, nessa informação. Nesse sentido, relembra o processo
perspectiva, as conexões que se estabelecem entre de “vulgarização” do século XVIII: aqueles que
as ações sociais e as motivações (individuais/ sabiam mais transmitiam seus conhecimentos,
coletivas). Podem ser vistas como sinônimo de direta ou indiretamente, aos que sabiam menos,
processos de interlocução e/ou interação entre possibilitando a esses o ingresso no mundo do
os membros de uma comunidade, por meio dos conhecimento, pressuposto do exercício efetivo
quais os laços de sociabilidade são estabelecidos da capacidade de julgamento esclarecido __ um
e alimentados, constituindo dessa maneira o dos pilares da noção de cidadania.
“mundo da vida”. Assim, a linguagem e a ação Nos breves pontos elencados acima,
comum são os fatores privilegiados de mediação. vislumbram-se consideráveis desafios dos pontos
Essa concepção sociológica do conceito de de vista intelectual e político compreendidos no
mediação sintoniza-se com o que Jean Davallon conceito de “mediação”. Em que medida a Ciência
considera como um dos sentidos de senso da Informação está – ou pretenderia estar – a altura
comum atribuído à idéia de mediação: a ação de desses desafios? Setores da Ciência da Informação
servir de intermediário ou de ser o que serve de têm se mostrado mais sensíveis a esta perspectiva,
intermediário. Cristaliza-se aqui a concepção de buscando incorporar o “conhecimento local” dos
que essa ação não é o estabelecimento de uma usuários a partir de metodologias como os estudos

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A produção social do conhecimento na sociedade da informação

de comunidade, a análise de domínio, a análise oposição entre a informação concebida como


de redes sociais (NASCIMENTO; MARTELLETO, processo ou concebida como objeto passível
2004). Estas metodologias e práticas informacionais de insumo/troca mercantil. É possível que o
apontam para a centralidade dos processos de impasse não seja solucionado nunca __ ou, pelo
mediação na sociedade contemporânea, podendo menos, não tão cedo. O que se pode esperar,
trazer subsídios valiosos para se repensar a entretanto, é uma participação maior e mais
função política dos mediadores __ incluídos aqui efetiva dos estudiosos e profissionais da Ciência
os profissionais da informação __ nos processos da Informação na elaboração e implementação
sociais e culturais contemporâneos. Por outro de políticas socioculturais que promovam
lado, é forte a presença de concepções voltadas tanto a expressão multicultural como também
para as necessidades de dinamizar, por meio proporcionem o avanço científico e tecnológico,
da informação, o capital e o desenvolvimento atingindo um número cada vez mais crescente de
dos mercados. Novamente estamos diante da cidadãos.

THE SOCIAL PRODUCTION OF KNOWLEDGE IN THE INFORMATION SOCIETY

ABSTRACT This work is an approach to some problems and challenges to a contemporary social construction
of knowledge from some paradoxes generated around the concepts of knowledge, information,
culture and information society. The article proposes to think over problems about a common
sense concept which is that the technologies would automatically release the man from repetitive
work and would allow the access to information and knowledge. In this sense, it points out to the
importance of cultural mediation and information activities in the field of Information Science.

Keywords: Information, Knowledge, Cultural Mediation, Technology, Information Society

Artigo recebido em 09/04/2008 e aceito para publicação em 30/06/2008

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