Thales de Andrade
que têm ocupado a atenção dos formuladores de ções possíveis entre as ciências sociais e a proble-
políticas. Apesar de ainda ser prematuro avaliar os mática da inovação, de maneira a apontar o poten-
impactos dessas políticas na sociedade brasileira, cial dessa área do conhecimento para tratar esse
elas demonstram que a temática da inovação pene- tema. Em um primeiro momento, será feito um
trou na agenda pública do país (Trigueiro, 2002). breve balanço das tendências preponderantes da
A trajetória dessa discussão é extremamente análise sobre inovação.
fecunda sob diversos aspectos. Tem possibilitado Posteriormente serão discutidas as contribui-
uma reflexão sobre mudanças nos comportamen- ções de sociólogos como Bruno Latour, Maria Lúcia
tos corporativos; a articulação de setores públicos Maciel e Manuel Castells, que trabalham com con-
de pesquisa com a iniciativa privada; a formulação ceitos que permitem adicionar questões à agenda
de redes de pesquisa e desenvolvimento; e outras schumpeteriana sobre o tema da inovação. As no-
contribuições nas áreas de contato entre empre- ções de ambientes de inovação, contextos e tradu-
sas, centros de pesquisa, universidades e setor pú- ção têm o potencial de inserir novas variáveis nes-
blico (Lemos, 2000). se debate.
Mas se observa que a área de ciências so- Em seguida, será discutida a problemática da
ciais não está inserida tão fortemente nessa agen-
indeterminação do processo inovativo, tema que
da de pesquisa, em comparação com a economia
mobiliza diversos autores na área de ciências sociais
e as ciências organizacionais. Desde seus fundado-
e reforça os principais argumentos deste artigo.
res, os cientistas sociais muitas vezes se ocuparam
da problemática tecnológica, discutindo seus im-
pactos nas relações sociais e nas formas de explo- O conceito de inovação tecnológica
ração do trabalho, mas freqüentemente se esqui-
vando de debater o fenômeno técnico em si
Sem pretender esgotar o tema, já tratado
mesmo e a questão da inovação (Feenberg, 1991).
por diversos autores, o intuito desta seção con-
Mais recentemente, os teóricos do risco so-
siste em contextualizar a emergência e a conso-
cial apontaram a crise das certezas do mundo con-
lidação do conceito de inovação no quadro teó-
temporâneo, em que a contingência e a instabili-
rico mais recente.
dade das práticas tecnológicas repercutem
A disciplina econômica foi a que sem dúvida
diretamente na sociabilidade. O princípio de pre-
deu o maior impulso à construção da agenda da
caução e a desconfiança no desenvolvimento tec-
inovação. As elaborações de Joseph Schumpeter
nológico passaram a ter grande presença no pen-
no início do século XX tiveram um impacto con-
samento social contemporâneo (Brueseke, 2002).
O tema da inovação tem se mantido estrei- siderável no debate sobre transformações tecno-
tamente ligado a preocupações de ordem econô- lógicas e desenvolvimento econômico.
mica, como competitividade e pressões da de- Segundo ele, os investimentos nas novas
manda e investimento. Alguns autores chamam a combinações de produtos e processos produtivos
atenção para o desafio premente de incluir variá- de uma empresa repercutem diretamente em seu
veis socioculturais nas avaliações e nos estudos desempenho financeiro, de modo que o moderno
sobre a implementação da inovação em contextos empresário capitalista deve ocupar ao mesmo
locais e nacionais. Os conceitos de contexto tec- tempo um papel de liderança econômica e tecno-
nológico e de ambientes de inovação represen- lógica. O comportamento empreendedor, com a
tam novas possibilidades de incorporar teórica e introdução e a ampliação de inovações tecnológi-
empiricamente práticas de inovação em uma di- cas e organizacionais nas empresas, constitui um
mensão sociológica (Flichy, 1995; Maciel, 1997). fator essencial para as transformações na esfera
O propósito deste artigo consiste em realizar econômica e seu desenvolvimento no longo pra-
uma discussão exploratória acerca das articula- zo (Schumpeter, 1982).
INOVAÇÃO E CIÊNCIAS SOCIAIS 147
tatais e centros de pesquisa, a formação e o desen- acumulação de conhecimentos, mas também pelas
volvimento de redes passaram a ser um tema cen- forças sociais, necessidades econômicas, decisões
políticas e pelas pressões públicas que influenciam
tral das pesquisas sobre inovação (Freeman, 1992).
a direção da mudança tecnológica [...]. Adotar uma
Nesse contexto, em que a estrutura organiza- definição estreita da noção de progresso tecnoló-
cional assentada nos fluxos de informação passa a gico e torná-lo o motor de toda uma cadeia de
ser mais essencial que os próprios produtos de- acontecimentos faz com que um processo dinâmi-
senvolvidos a partir das atividades tecnológicas, co pareça estático e linear [...] (1994, p. 7).
estabelece-se um novo conceito, o de sistemas na-
cionais de inovação (Cassiolato e Lastres, 2000). Se a princípio essa problemática tinha um
Esse conceito, que adquiriu grande primazia foco estritamente econômico, produtivo, atual-
durante os anos de 1990, advoga que as intera- mente ela precisa incorporar variáveis culturais,
ções entre os agentes econômicos, as instituições sociais e políticas. Faz-se necessário, pois, expan-
de pesquisa e os organismos governamentais es- dir o conceito de inovação de forma a incluir as
tipulam ações recíprocas que geram a capacidade condições coletivas para a qualificação de profis-
de desenvolvimento de condições de inovação. sionais, a inclusão de setores marginalizados, a re-
Nesse sentido, políticas locais e setorizadas passa- vitalização do espaço urbano, entre outras.
ram a ser imprescindíveis para a compreensão do Ainda segundo esses autores, o conceito de
potencial inovativo de uma nação e região, inde- sistemas nacionais de inovação, formulado por
pendentemente da atividade específica de cada economistas e administradores ao longo dos anos
setor e das oscilações da demanda. de 1970 e 1980, foi importante uma vez que am-
A construção de novos formatos organizacio- pliou a organização, os formatos institucionais e o
nais e a ênfase em atividades de parceria, prestação financiamento da atividade inovadora. Mas ele
de serviços, intercâmbios e convênios envolvendo não conseguiu alterar significativamente o elenco
empresas, governos, universidades, incubadoras e de agentes envolvidos nas práticas da inovação –
centros de pesquisa em regras múltiplas e variáveis sobretudo universidades, empresas e órgãos go-
passaram a constituir a precondição para qualquer vernamentais.
inovação.
A crítica aos padrões lineares e simplistas de
inovação, que enfocavam as relações estritas en- Contextos e ambientes
tre mercado e indústria, permitiu a construção
não só de um programa de pesquisa centrado na A partir dos anos de 1970, o pensamento so-
difusão de informações e conhecimento, mas ciológico começou a adentrar no debate sobre
também de novas variáveis de análise. A partir inovação trazendo novas perspectivas de análise.
desse momento, algumas análises econômicas Uma das grandes críticas dos cientistas sociais à
começaram a manifestar a necessidade de am- tradição schumpeteriana reside no determinismo
pliação da agenda de pesquisa centrada em ino- e na abstração dos modelos de inovação, que pre-
vação tecnológica. cisam dar lugar a uma abordagem circunstancial e
O trabalho de Nicolas e Mytelka (1994) é um multilinear, que não aceitam como auto-suficien-
exemplo de análise econômica que discute essas tes os parâmetros das escolhas racionais.
abordagens convencionais, procurando inserir Entre os vários autores que tratam desse
outras variáveis na pesquisa sobre inovação. Se- tema, foram escolhidos três sociólogos para emba-
gundo os autores, os economistas neo-schumpe- sar a presente análise: Bruno Latour, Maria Lúcia
terianos Maciel e Manuel Castells. Apesar das especificida-
des de cada um, suas contribuições são relevantes
[...] abstraem o fato de que a tecnologia seja uma para se estabelecer uma agenda sociológica para a
construção social, determinada não somente pela tema da inovação.
INOVAÇÃO E CIÊNCIAS SOCIAIS 149
A obra de Bruno Latour sem dúvida tem conjugação complexa de fatores diversificados.
apresentado novos parâmetros para a perspectiva Este é um exemplo de projeto de inovação que se
da inovação em confronto à tradição estabelecida propunha a promover impactos profundos sobre
a partir de Schumpeter. Fatores importantes da setores técnicos e leigos de forma imprevisível e
análise econômica, como mecanismos de merca- cambiante, representando a constituição de um
do e progresso técnico, passam a ter sua capaci- novo contexto técnico e social na confluência en-
dade explicativa questionada por abordagens que tre o espaço urbano, os recursos tecnológicos, os
privilegiam as relações circunstanciais da prática posicionamentos jurídicos e o imaginário dos con-
inovativa. sumidores.
Segundo Latour, que dirige o Centro de So- Policy makers, técnicos em engenharia, urba-
ciologia da Inovação na Escola de Minas em Paris, nistas e consumidores passaram a configurar um
toda inovação deve se construir a partir daquilo contexto social de argumentações em torno dessa
que ele denomina ação estratégica dos inovado- inovação. Nesse contexto, os setores tradicionais
res. Nessa ação estratégica, o inovador precisa ao do paradigma schumpeteriano, como os mecanis-
mesmo tempo controlar o contexto social em que mos de mercado e os investimentos em P&D, tor-
se desenrola a prática inovadora e se adaptar a ele naram-se abstrações que não dão conta de expli-
(Latour, 2000). car as escolhas e as controvérsias inovativas.
O conceito de contexto adquire importância Para entender essas controvérsias e argu-
capital em sua sociologia da inovação. Em suas mentações, Latour utiliza a perspectiva da tradu-
práticas, os agentes inovadores ao mesmo tempo ção, que constitui para ele o dispositivo teórico
constroem e se submetem aos seus respectivos mais fecundo para analisar os princípios de ino-
contextos de inovação. Toda inovação solicita um vação. Os agentes sociais que compartilham o
contexto que lhe seja favorável e, caso seja impe- mesmo contexto de inovação dispõem de interes-
dido de manipular tal ambiente, o agente inovador ses e motivações diferentes, mas traduzem uns
se verá incapacitado para impor novas regras de aos outros suas disposições continuamente em
articulação entre as tecnologias e o comportamen- uma grande cadeia.
to social. O social e o técnico possuem uma recor- Nesse processo de tradução ou deslocamen-
rência mútua que o pensamento técnico tradicio- to de interesses, as noções rígidas de funções e
nal não foi capaz de identificar (Latour, 1992). sistemas não desempenham papel relevante, uma
A externalidade entre o técnico e o social se vez que a interpenetração dos agentes no traba-
desfaz à medida que os sistemas ampliam sua lho de inovação prescinde de esquemas preesta-
abrangência e constroem para si mesmos seu pró- belecidos.
prios ambientes. A implementação de dispositivos A tradução efetua-se mediante a conciliação
multifuncionais e de alta compatibilidade externa e dos contrários, que misturam seus posicionamen-
interna é uma necessidade fundamental para aten- tos e argumentações de forma anárquica e impre-
der demandas complexas, e o caminho para esse visível, sem papéis e disposições fixas (Idem).
encadeamento se faz mediante a tradução de pro- Na esteira das formulações de Latour e dos
priedades técnicas e sociais anteriormente disper- construtivistas, alguns autores empenharam-se ao
sas, como no caso do projeto do metrô Aramis em longo dos anos de 1990 em detectar situações
Paris (Idem). concretas em que a produção de inovação adqui-
Em sua análise sobre a construção de Aramis riu significação sociológica especial. O conceito
e sua crise ao longo dos anos de 1980, Latour de ambientes de inovação, formulado inicialmen-
aponta que se conforma em torno dele uma troca te no interior da física, trouxe importantes contri-
incessante de informações e conhecimento, que buições nesse sentido. Esse conceito representa
só se pode constituir a contento mediante uma um enfoque diferenciado acerca das possibilida-
150 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 20 Nº. 58
des de construção da prática da inovação, visando titucionais e diálogos entre empresas, governos e
a articular tecnologia, economia e vida social de incubadoras de forma plural e criativa, o que em
uma maneira diferenciada e aberta, distante do pa- outros países não se deu na mesma intensidade.
drão que relaciona a inovação tecnológica exclu- A autora diferencia a inovação em sentido
sivamente ao setor produtivo (Maciel, 2001). estreito – tecnológico – e em sentido amplo – so-
Ele consiste de um espaço institucional e de cioeconômico, o que lhe permite asseverar que a
relações de forças intangíveis que um grupo dis- chave para a explicação do grande surto inovativo
ponibiliza para implementar práticas que sejam da Itália nesse momento se deve mais a fatores
inovadoras. A socióloga Maria Lúcia Maciel defen- culturais e familiares do que à atuação dos agen-
de a utilização do conceito de ambientes de ino- tes produtivos. Por exemplo, a entrada maior das
vação em estudos sociais sobre produção tecno- mulheres no mercado de trabalho e as tendências
lógica, e apresenta a seguinte definição: pós-fordistas que fortaleceram a propriedade fami-
liar representam fontes explicativas mais consis-
[...] procura dar conta do conjunto de condições tentes do que os gastos em P&D convencionais.
– limites, obstáculos, possibilidades, estímulos – Por meio da noção de ambiente de inovação
da inovação em uma determinada formação so-
foi possível para a autora perceber o potencial
cial. Ambiente de inovação refere-se portanto ao
conjunto de fatores políticos, econômicos, so- criativo advindo de aspectos tradicionais da socie-
ciais e culturais que estimulam ou dificultam a dade italiana e os rearranjos institucionais e admi-
inovação [...] (1997, p. 109). nistrativos que se construíram a partir da omissão
do Estado. Empresas, órgãos governamentais, tra-
Os ambientes de inovação são muito mais balhadores, universidades, associações familiares,
abrangentes e inclusivos em comparação com a partidos e institutos de pesquisa conformaram
perspectiva dos sistemas de inovação. Nesses, ele- uma grande rede, disforme e cambiante, que pos-
mentos advindos da herança cultural e da criativi- sibilitou a construção de um modelo específico,
dade peculiar de um grupo social não são reco- fruto de arranjos interdisciplinares e interinstitucio-
nhecidos como componentes de inovação, em nais propícios ao incremento das inovações tecno-
contraposição ao que ocorre nos ambientes. lógicas, muitas delas já presentes anteriormente.
Por exemplo, no estudo de Maciel (1996) so- Sem essa conjugação de esforços e interesses, es-
bre a Itália, o fortalecimento do processo inovativo pecíficos ao caso italiano em um determinado pe-
nos anos de 1980 dependeu fortemente do enqua- ríodo, o desempenho econômico do país prova-
dramento e da flexibilidade de seu ambiente. Nes- velmente não teria o mesmo efeito.
se trabalho, a autora utiliza a noção de ambiente e Diferentemente da perspectiva de Latour,
detecta um importante componente cultural e esté- que engloba o contexto tecnológico em torno de
tico que explica o grande impulso à inovação que intervenções específicas, como o projeto Aramis, e
o país atravessou, independentemente do contex- se aprofunda nas tramas operacionais dos disposi-
to macroeconômico regional do período. tivos técnicos, o conceito de ambientes de inova-
De acordo com sua análise, a capacidade es- ção representa um quadro de relações aberto no
tética (design), a herança cultural italiana e a ins- tempo e no espaço. Em suas análises, Maciel não
tituição familial forneceram um ambiente extrema- se deteve especificamente em um único projeto,
mente fecundo para o estímulo de uma produção apontando controvérsias específicas em processos
diferenciada, apesar da reconhecida ineficiência de tradução dos diferentes agentes, mas se propôs
das iniciativas estatais na área de ciência e tecno- a recortar aspectos intangíveis das relações sociais
logia. mais amplas que repercutem no desenvolvimento
Naquele país constituiu-se um ambiente de tecnológico e econômico de uma determinada
inovação especialmente propício para arranjos ins- configuração.
INOVAÇÃO E CIÊNCIAS SOCIAIS 151
Análise semelhante à de Maciel tem sido ções técnicas imprescindíveis para o florescimento
conduzida por Manuel Castells (2003) sobre tecno- das redes comunitárias, mas as feições destas fo-
logias de informação e redes sociais. Ambos apon- ram mais nitidamente forjadas pelas condições es-
tam para caminhos instigantes de análise das ciên- pecíficas das localidades em que se situavam.
cias sociais sobre avanço tecnológico e arranjos Nesse caso, o surgimento e o desapareci-
institucionais. Castells não se utiliza do conceito mento de entidades e instituições, a construção de
de redes da mesma forma que os autores ligados lideranças e as formas autogestionárias de com-
à sociologia construtivista como Latour e Callon, partilhamento das decisões coletivas constroem-se
que consideram as redes sociotécnicas prolonga- por regras e rituais sociais totalmente distintos dos
mentos de entidades humanas e não-humanas usuais. Os diferentes projetos assumidos pelos
como resultados solidificados de processos de tra- agentes geram controvérsias e alterações de rumo,
dução (Latour, 2000; Flichy, 1995). sociais e técnicas, que redundam em novas práti-
Em Castells, o conceito de rede possui um cas e institucionalidades.
significado sociológico tradicional, como interco- A emergente cultura hacker, as redes de ati-
nexão de nós diferenciados, composta por agru- vismos já existentes em Amsterdã e a participação
pamentos humanos diversos. A chegada da era da da administração pública propiciaram o cenário
informação, que articula a microeletrônica e o social para a implantação dessa política digital ino-
pós-fordismo, representa para Castells o contexto vadora. Essa heterogeneidade foi fundamental
social propício para a ampliação da sociabilidade para sua implantação, mas também contribuiu
em rede do século XXI (Castells, 1999). posteriormente, por uma série de fatores, para seu
Segundo esse autor, no mundo contemporâ- declínio.
neo as novas arenas informacionais e o uso múlti- Com o tempo, o tipo de comportamento dos
plo e desregulamentado das redes tecnológicas têm usuários e o aumento da concorrência com outros
possibilitado o florescimento de organizações e en- web sites levaram à crise da Cidade Digital como
tidades sociais inusitadas e cada vez mais atuantes. tinha sido originalmente estabelecida pelos seus
A banalização do acesso às redes de computadores fundadores, ativistas e universitários, e por ques-
permite a comunidades de baixa renda criarem e tões financeiras e estratégias de marketing veio a
recriarem suas formas de inserção social em forma- se transformar em mais uma holding.
tos e circunstâncias antes inexistentes. O relato de Castells sobre a ascensão e a
Na Europa, diversas cidades assistem à dis- queda da Cidade Digital de Amsterdã é especial-
seminação de entidades coletivas e organizações mente interessante para se perceber as oportuni-
montadas em torno das redes informáticas, que dades analíticas de se enquadrar economia, tec-
possuem estruturações e regras de participação nologia e cultura em novas óticas. Em diversos
em muito diferentes das instituições conhecidas momentos desse percurso as tecnologias desen-
(Castells, 2003). Em Amsterdã, o autor relata a volvidas foram a reboque das práticas coletivas
constituição e o declínio nos anos de 1990 de um qualitativamente relevantes. O perfil das lideran-
grupo virtual da cidade cuja maioria dos partici- ças digitais, atrelado aos mecanismos de coopta-
pantes viviam em outras localidades, ocasionando ção da administração pública, forneceu um refe-
formas diversas de pertencimento e identificação rencial importante para a elucidação da trajetória
com o espaço urbano, a Cidade Digital. tecnológica e da prática informacional no conti-
O crescimento da cultura digital pública em nente europeu, elementos imperceptíveis para a
Amsterdã nos anos de 1990 foi marcado mais por análise econômica tradicional.
mudanças culturais e novas legislações do que pro- Essas novas redes e fórmulas de sociabilida-
priamente por inovações tecnológicas. É verdade de são alguns dos exemplos das amplas possibili-
que a difusão da world wide web forneceu condi- dades de investigação das ciências sociais acerca
152 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 20 Nº. 58
das manifestações de inovação que vêm se disse- entorno, sem se ater especificamente a mecanis-
minando no mundo contemporâneo. Castells cha- mos de mercado ou a novas tecnologias.
ma atenção para a diversidade de situações técni- A instalação de computadores nas escolas, a
cas e sociais que se engendram para além dos formação de redes de consumidores articulando
muros do Estado, das empresas e das universida- seus direitos e o estabelecimento de formas mu-
des e que demandam conceitos e fórmulas de in- tualistas de produção agrícola etc. são exemplos
vestigação oriundas das ciências sociais. de intersecções entre organização social e práticas
Em várias dessas abordagens trazidas pelos tecnológicas que abrem espaço para abordagens
cientistas sociais nos anos de 1990, depreende-se ao mesmo tempo focadas e abrangentes. Por in-
que em muitos casos as inovações se tornam me- termédio da construção de contextos ou ambien-
nos tecnológicas e mais sociológicas. O caso ita- tes específicos é viável entender a presença ou a
liano trabalhado por Maciel (1996) levanta de ma- omissão de fatores socioculturais nos rumos do
neira recorrente esse problema, pois em muitos desenvolvimento tecnológico.
momentos a inovação ocorreu independentemen-
te dos gastos em P&D. Na Cidade Digital dá-se
algo semelhante: o ambiente inovador suscitou A indeterminação do processo
mudanças nas lideranças locais e novas atividades inovativo
culturais com baixo incremento tecnológico. No
limite, podem ser detectadas importantes práticas A instabilidade, o risco e a contingência são
inovativas sem invenção tecnológica (inovação temas recorrentes no pensamento social contem-
sem tecnologia). porâneo. A partir dos anos de 1990 os teóricos do
O conceito de ambiente de inovação e os risco passaram a apontar que o mundo atual pre-
parâmetros da sociologia construtivista trazem op- cisa se preparar para lidar com as inconstâncias e
ções teóricas e metodológicas para o reconheci- as instabilidades recorrentes, oriundas da prática
mento de um vasto campo de inserção dos cientis- científica e tecnológica, e que somente mediante
tas sociais na discussão sobre inovação tecnológica a vigilância e a precaução constante é possível ge-
e relações sociais, apesar de suas especificidades. renciar os riscos da modernidade. Toda prática as-
A noção de ambientes de inovação proporciona sentada em resultados incertos e instáveis repre-
um olhar mais amplificado sobre a prática inova- senta potencialmente um risco para as instituições
tiva, que não se deixa circunscrever a jogos de re- e relações sociais. A indeterminação e a incerteza
lações específicas e pontuais entre humanos e passam a ser a norma social (Beck, 1992).
não-humanos, como o que ocorre nos processos Na esfera técnica, contudo, a instabilidade e a
de tradução de contextos analisados por Latour indeterminação são elementos altamente positivos.
(ver Maciel, 2001). Diversos filósofos da tecnologia apontam para o
O estudo de casos específicos de projetos caráter imprevisível e instável da dinâmica tecnoló-
tecnológicos e avanços econômicos podem propi- gica como garantia de sua originalidade e consis-
ciar o reconhecimento de um amplo espectro de tência. Não pode haver desenvolvimento técnico
relações coletivas que interferem decisivamente sem uma margem de indeterminação dos objetos
nos rumos do processo inovativo, mas que não técnicos, uma brecha em sua funcionalidade é o
são reconhecidos como tais. que garante a inserção social. É por meio dela que
Os cientistas sociais que trabalham com mo- os objetos trocam informações com seu entorno e
vimentos sociais e grupos específicos podem in- podem aprimorar sua inserção em conjuntos técni-
corporar a discussão sobre inovação com estudos cos mais amplos. Segundo essa tradição de pensa-
focados, e articular de modo contextualizado as mento, a inovação depende dos riscos para sua
práticas tecnológicas com as instituições no seu efetiva realização (Simondon, 1969; Stiegler, 1998).
INOVAÇÃO E CIÊNCIAS SOCIAIS 153
Para a tradição econômica, contudo, o proces- Segundo esse autor, as regras de mercado e o
so inovativo não pode ser aberto à indeterminação. acesso às tecnologias avançadas não representam
Ele deve ser planejado e controlado mediante regras o locus preferencial onde se constroem as condi-
rígidas de financiamento e investimentos criteriosos ções de inovação; esta se desenvolve a partir da
em P&D. O excesso de administração e intervenção articulação contraditória e ambivalente dos porta-
de policy makers e gestores industriais leva a um fe- vozes das agências que se encontram na ativida-
chamento de suas possibilidades, de modo que os de inovativa.
resultados e os indicadores são mais importantes do Na construção de Aramis, constituiu-se uma
que os processos e os experimentos. arena de relações instáveis, um encontro de racio-
Os policy-makers e gestores industriais que nalidades diversas que adquiriram uma conforma-
organizam a prática inovativa e estabelecem me- ção circunstancial a partir da troca de experiências
tas, projeções e mecanismos de avaliação buscam entre setores produtivos, consumidores, gestores
coordenar o avanço tecnológico e retirar seu as- públicos, experts, entre outros. Engenheiros, advo-
pecto de indeterminação e imprevisibilidade. O gados, urbanistas e outros agentes deslocaram suas
estreitamento entre desenvolvimento e inovação, posições conjuntamente, produzindo um contexto
alavancado continuamente por governos e empre- de inovação que não pode ser explicado pelo es-
sas, tende a provocar uma descaracterização des- quema binário reprodução/mudança.
ta, na medida em que a racionalização e a moder- Ou seja, não existem princípios evolutivos
nização da esfera produtiva impõe padrões e que determinem aprioristicamente os rumos do
projeções de resultados que não permitem uma processo inovativo; este se constrói por intermé-
abertura às múltiplas demandas coletivas, à con- dio de estratégias de recrutamentos, alianças e as-
tingência dos acordos sociais e nem à margem de similações de disposições concorrentes. Os porta-
indeterminação dos objetos técnicos (Stiegler, vozes das diferentes agências se revezam na
1998). definição de posturas voltadas à mudança e à re-
A proposta dos cientistas sociais interessa- produção, descontruindo lógicas e posicionamen-
dos em compreender os rumos da inovação na tos aparentemente estabilizados. Os processos de
sociedade contemporânea significa uma mudança tradução impedem o estabelecimento de agendas
de enfoque analítico, voltado agora para os ele- coletivas definitivas, de modo que a inovação se
mentos intangíveis e cambiantes da prática tecno- constrói a partir do choque de identidades e di-
lógica e social, em que as relações são mais fun- mensões dos atores, e estas constituem em si mes-
damentais do que as coisas, em que os processos mas temas de pesquisa.
superam os resultados em termos de intelegibili- Para Latour, mais importante do que deter-
dade das práticas sociais (Maciel, 2001). minar as causas da crise de Aramis, é identificar
Há uma dimensão qualitativa fundamental na como os agentes envolvidos (a Companhia Auto-
prática inovativa que os modelos da agenda matismo e Técnica, o poder público) construíram
schumpeteriana são incapazes de abordar. É ne- uma cadeia de traduções que transforma uma
cessário ter em mente que a indeterminação repre- questão global em problemas específicos (técni-
senta um componente-chave da dinâmica da ino- cos e sociais).
vação, a sua abertura para arranjos e modelos As conclusões de outras análises vão em sen-
impensáveis e incontroláveis aprioristicamente. tido semelhante, apesar de trilharem outros cami-
Voltando à análise do metrô Aramis, Latour nhos. Segundo Maciel (1996), no caso da Itália du-
(1992) desenvolve a noção de porta-vozes da prá- rante os anos de 1980 o desenvolvimento
tica tecnológica, que representa o caminho para conquistado tomou rumos imprevistos e até mes-
se compreender a tradução operada pelos agen- mo contraditórios aos indicadores econômicos tra-
tes sociais presentes nos contextos de inovação. dicionais. Fatores geográficos, comportamentos
154 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 20 Nº. 58
empresariais inusitados e formas de inovação al- Os gastos dos Estados nacionais com segu-
ternativas às práticas de pesquisa tradicionais leva- rança eletrônica, as mudanças no comportamento
ram a Itália a desempenhos inovativos cada vez político dos cidadãos a partir da Internet e outros
maiores, que pouca influência teve do investimen- exemplos fazem divisar um amplo conjunto de
to de P&D por parte das agências oficiais. De problemáticas e tendências que se inclinam a di-
acordo com a autora, tar os rumos de diversas inovações.
O crescimento do individualismo em suas no-
Contribuíram para o sucesso econômico impor- vas manifestações, os processos de mobilidade ur-
tantes avanços no campo da inovação social como
bana em fluxos e a exclusão de grandes contingen-
as diversas formas de educação continuada, in-
cluindo a qualificação e atualização tecnológica tes populacionais da economia informacional
dos trabalhadores; o desenvolvimento de formas devido a déficits educacionais não são apenas o
originais nas relações capital/trabalho e na organi- efeito da instalação das novas tecnologias, mas cor-
zação do trabalho nas empresas [...] e a implanta- respondem a comportamentos coletivos e escolhas
ção de parques tecnológicos visando não só à
políticas específicas que, por sua vez, impõem parâ-
pesquisa e à produção mas também à formação
de recursos humanos qualificados, em colabora-
metros para os rumos da inovação tecnológica.
ção com as universidades (1996, p. 78). Castells (1999) defende que o determinismo
tecnológico presente na retórica das grandes cor-
Para Maciel, o caso italiano demonstra cabal- porações e dos experts em gestão estratégica não
mente que a inovação é sempre um processo em dá conta das múltiplas situações conflituosas entre
aberto, mediado por um sem-número de variáveis empresas e consumidores; autoridades públicas e
que os agentes econômicos são incapazes de con- população marginalizada dos grandes centros ur-
trolar, como taxa de natalidade, apropriação de banos em face da utilização de novas tecnologias
tecnologias preexistentes, arroubos estéticos etc. A informacionais. Em muitos casos, o avanço tecno-
inovação social pode tomar rumos imprevisíveis, lógico e o formato das inovações seguem os ru-
que os analistas econômicos não podem antecipar, mos anárquicos estipulados pelos contratos e pe-
e os fatores essenciais são mais qualitativos do que las conveniências dos acordos coletivos.
quantitativos. A utilização original de tecnologias Essa circularidade entre comportamento so-
já existentes, conjugada ao desempenho otimiza- cial e desenvolvimento tecnológico pede uma
do ante o baixo investimento tecnológico, propi- agenda de pesquisa complexa, antenada aos pro-
ciou uma conjuntura surpreendente de alto cresci- cessos de consolidação de novas práticas coletivas
mento econômico com poucos recursos materiais. e de relações cambiantes entre agentes múltiplos
A inovação socioeconômica é o vetor de e de identidade em formação. Contra a vontade de
transformação tecnológica, e não o contrário. Isso grandes corporações, policy makers e técnicos, os
acarreta o problema teórico de como gerar mode- rumos dos processos inovativos não são progra-
los para controlar e antecipar essas tendências. máveis e controlados gerencialmente, mas sofrem
Seguindo o raciocínio da autora, a concepção do- as tendências impostas por articulações imprevisí-
minante de desenvolvimento tende a colonizar o veis entre os diferentes agentes.
sentido da inovação e alijá-la de um de seus com-
ponentes mais ricos e férteis, a incerteza e a ex-
perimentação constante. Conclusão
Na discussão de Castells (1999), esse aspecto
é também visível. A banalização de novas tecnolo- Desde os seus primórdios, as ciências sociais
gias tem levado a novos arranjos empresariais e dis- têm se ocupado da questão tecnológica. Em alguns
positivos jurídicos inusitados, que prejudicam o es- momentos acentuando uma perspectiva otimista
tabelecimento de uma agenda social compartilhada. de aceleração tecnológica conectada ao crescimen-
INOVAÇÃO E CIÊNCIAS SOCIAIS 155
to econômico, em outros, chamando atenção para gico com seus dados mais propriamente objeti-
o panorama de incerteza e indeterminação que vos. Um caminho ainda em aberto e com inúme-
cerca os sistemas técnicos e a realidade social. Não ras possibilidades.
tem sido fácil para os cientistas sociais transporem
essas posições e buscarem novas ferramentas ana-
líticas para cruzar as relações sociais com a inova- BIBLIOGRAFIA
ção dos processos tecnológicos.
As análises sociológicas sobre o projeto do BECK, Ülrich. (1992), Risk society: towards a new
metrô Aramis na França, a Cidade Digital de Ams- modernity. Londres, Sage.
terdam e a Terceira Itália abrem perspectivas insti- BRUESEKE, Franz. (2002), “A modernidade técni-
gantes para as ciências sociais cruzarem o desen- ca”. Revista Brasileira de Ciências So-
volvimento tecnológico com o intangível das ciais, 17 (49): 135-144.
relações sociais. Apesar de suas diferenças, a partir
CALLON, Michel. (1987), “Society in the making:
da discussão desses casos é possível perceber que
the study of technology as a tool for so-
a problemática da inovação tecnológica pode ser
ciological analysis”, in Wiebe Bijker et
submetida a uma infinidade de enfoques, e que as
al. (eds.), The social construction of
ciências sociais têm grandes contribuições a dar.
technological systems, Mass., Cambrid-
Este trabalho procurou mostrar algumas des-
ge, MIT Press.
sas contribuições. Uma delas reside na questão
dos ambientes de inovação, os quais não respei- CASSIOLATO, José Eduardo & LASTRES, Helena.
tam somente aspectos econômicos e administrati- (2000), “Sistemas de inovação: políticas
vos, mas igualmente as condições intelectuais e as e perspectivas”. Parcerias Estratégicas,
tradições culturais em que elas se enraízam e se 8: 237-255.
desenvolvem. Toda uma linhagem de pesquisa, e CASTELLS, Manuel. (1999), A sociedade em rede.
o trabalho de Maciel (1996) é um expoente nessa Trad. Roneide Majer. São Paulo, Paz e
direção, aponta para a necessidade de inclusão de Terra.
variáveis diferenciadas na definição das práticas
inovativas. Estudos etnográficos e análises com- _________. (2003), A galáxia da Internet. Trad.
parativas podem propiciar novos enfoques quali- Maria Luiza Borges. Rio de Janeiro, Jor-
ge Zahar.
tativos dentro dessa agenda de pesquisa.
Outra contribuição que se pretendeu trazer FEENBERG, Andrew. (1991), Critical theory of
foi a problemática da indeterminação do processo technology. Oxford, Oxford University
inovativo. A avaliação dos investimentos em ino- Press.
vação pode receber um tratamento diferenciado, à
_________. (1999), Questioning technology. Lon-
medida que a dinâmica tecnológica for encarada
dres, Routledge.
em sua contingência e experimentação, e não me-
diante parâmetros e modelos acabados de análise. FLICHY, Patrice. (1995), L´innovation technique.
Por fim, discutiu-se como o conceito de tra- Paris, La Découverte.
dução e a análise sociológica de cenários especí- FREEMAN, Christopher. (1982), Economics of in-
ficos alavancam o debate em torno da construção dustrial innovation. Cambridge, MIT.
coletiva de processos tecnológicos e sociais.
_________. (1992), The economics of hope. Lon-
Apesar de os trabalhos sobre esses temas se-
dres, Pinter.
rem ainda escassos no âmbito das ciências sociais,
nota-se uma tendência crescente de aglutinar a HABERMAS, Jürgen. (1983), Técnica e ciência en-
perspectiva cultural do desenvolvimento tecnoló- quanto “ideologia”. Trad. José Lino
156 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 20 Nº. 58
O presente artigo trata da problemá- This article deals with the question Ce travail aborde le probléme de
tica da inovação tecnológica, reto- of technological innovation, revie- l’innovation technologique, et re-
mando o surgimento do conceito e wing its origins and the important montre la génése de son concept et
a importância da economia em sua role played by economics in its fur- l’importance des sciences économi-
consolidação. Discute os conceitos ther consolidation. It presents the ques dans son développement. Il dé-
de contexto e ambientes de inova- concepts of innovation context and bat les concepts du contexte et du
ção, apontando para a necessidade environments, pointing out the task milieu de l’innovation en mettant le
de a sociologia se debruçar sobre for sociology to handle with these point sur la nécessité de la sociolo-
essas ferramentas teóricas. Aborda, theoretical tools. And the article also gie de se pencher sur ses outils théo-
ainda, a questão da incerteza inscri- discusses the question of uncertainty riques. Il aborde aussi la question de
ta na prática inovativa, um tema pre- within innovation practices, a special l’incertitude placée dans la pratique
sente no pensamento de diversas point for philosophy and sociology de l’innovation technique, car c’est
correntes da filosofia e da sociologia of technics. It focuses the need to set un sujet present dans l’esprit de plu-
das técnicas. É necessário sublinhar an agenda for innovation research in- siers courants de la philosophie et la
a importância da participação das corporating the social sciences, and sociologie des techniques. Il faut
ciências sociais no estabelecimento some authors have showed interest souligner l’importance des sciences
da agenda de pesquisa em inova- to shed some light on different social sociales dans l’établissement d’un
ção, e alguns autores têm demons- practices related to the innovation plan de recherche sur la question
trado interesse em lançar um olhar dimension. d’innovation, d’ailleurs quelques
circunstanciado sobre as diferentes chercheurs ont montré leur intérêt
práticas sociais ligadas à dimensão en créant une approche circonstan-
inovativa. cielle sur les differentes actions so-
ciales liées à l’innovation.