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ARTIGO

Dominação de classe e Estado capitalista subdesenvolvido: o caso de México

Class domination and the underdeveloped capitalist state: The Mexican case

José Luis SOLÍS GONZÁLEZ 1

Resumo: O artigo analisa, a partir do approach estrutural da teoria marxista da exploração e da dominação
de classe, o surgimento de uma nova forma de Estado no México. Trata-se do Estado narco, cuja expressão
fenomênica é de um regime político neoliberal associado com a transformação da economia mexicana em
uma economia mafiosa transnacional, com o aumento do peso específico do crime organizado e do tráfico de
drogas em a política, em a economia e em a sociedade em geral. Este fenômeno expressa a existência no Mé-
xico da uma crise orgânica grave, composta por um déficit de racionalidade na intervenção econômica do
Estado (mais de três décadas sem crescimento econômico) e uma falta de legitimidade institucional. Isso
levou o país a níveis de violência e insegurança pública sem precedentes, em um contexto de estagnação
econômica crônica.
Palavras-chave: Capitalismo Periférico. Estado Narco. Crise Orgânica. México. Violência. Narcotráfico.

Abstract: This article analyzes, from the Marxist structural approach of exploitation and class domination,
the emergence of a new form of state in Mexico: the narco state, whose phenomenal expression is that of a
neoliberal political regime associated with the transformation of the Mexican economy in a transnational
mafia economy, with increasing specific weight of organized crime and drug trafficking in politics, in the
economy and in society in general. This phenomenon expresses the existence in Mexico of a serious organic
crisis, composed by a rationality deficit in the economic intervention of the state (more than three decades
without economic growth) and a lack of state legitimacy. This led the country to unprecedented levels of
violence and public insecurity, in a context of secular economic stagnation.
Keywords: Peripheral capitalism. Narco state. Organic crisis. Mexico. Violence. Drug trafficking.

Submetido em: 27/09/2014. Aceito em: 06/12/2014.

1 Economista. Doutor em Ciências Econômicas da Universidade de Picardia (Amiens, França 1983). Membro
do Sistema Nacional de Pesquisadores do México (SNI) desde 2009. Professor Titular da Universidade Au-
tónoma de Coahuila (Torreón, México). E-mail: <jlsolisg@gmail.com>.
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Estado e Capital: a dominação e a berania e dependência, ou seja, o Estado


exploração de classe especificamente burguês, o Estado especificamente capita-
capitalista lista.

A
ntes de ir direto para o tópico em Temos que olhar em seguida, na própria
questão, é preciso fazer um breve natureza e gênese do Estado capitalista em
desvio metodológico para colocar a relação salarial em sua unidade contra-
na perspectiva correta o problema que ditória de forma e conteúdo. Longe de
vamos discutir. Para fazer isso, eu tomo conceber o Estado como um objeto ou co-
como ponto de partida da famosa frase de mo um instrumento dos capitalistas, tal
Marx no Livro III de O Capital, Capítulo como definido no início do Manifesto
XLVII, dedicada à gênese da renda fundi- Comunista (MARX; ENGELS, 1965, p. 35),
ária capitalista. Marx nos diz: ou como um sujeito, um árbitro acima das
classes (ENGELS, 1970), Marx em sua obra
Em todos os casos, é na relação direta de madures (O Capital e Os Grundrisse) con-
entre os proprietários das condições de cebe o Estado principalmente como uma
produção e os produtores diretos [...] relação social de soberania e dependência, co-
onde se encontra o segredo mais íntimo, mo uma relação social de dominação de
a base oculta de toda a estrutura social e,
classe que emerge do conjunto de relações
portanto, também da forma política que
de produção.
apresenta a relação de soberania e de-
pendência, em suma, à forma específica
do Estado existente no cada caso "Toda forma é a forma do seu conteúdo",
(MARX, 1981, p. 1007). diz Kant (2002). A forma geral do Estado
capitalista como E. Pasukanis (1970) defi-
Esta é praticamente a única descrição me- niu-o, é a de uma "[...] pessoa coletiva abs-
todológica de Marx do Estado capitalista trata"; "[...] ao lado e fora da sociedade"
em sua obra principal, mas é um ponto de (MARX; ENGELS, 1976, p. 73). Ao contrá-
valor inestimável para o desenvolvimento rio das outras formas de poder de classe
da crítica marxista da política como uma (Estado monárquico absolutista, por
continuação da crítica da economia políti- exemplo, onde a pessoa do soberano está
ca burguesa empreendida por Marx 2. No diretamente identificada com o Estado), o
modo de produção capitalista, isto signifi- Estado do capital se divorcia de interesses
ca que a relação salarial estabelecida entre individuais e gerais dos capitalistas, a fim
o capitalista e o trabalhador, onde é a raiz de aparecer como poder de todas as pes-
oculta da forma política da relação de so- soas e de nenhuma, para representar os
interesses universais da sociedade e, pa-
radoxalmente, poder agir como o "[...] ca-
2 No plano original do Capital, Marx pretendia
pitalista coletivo ideal" (ENGELS, 1977, p.
escrever outros três livros: a) Estado; b) Comercio
exterior; e (c) Mercado mundial. No entanto, ele
315).
morreu antes de terminar seu monumental traba-
lho.
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Mas qual é o conteúdo da forma assumida


pelo Estado? Uma vez mais, o seu conteú- O trabalhador, então, assume um duplo
do deve ser procurado na própria relação estatuto: como o proprietário de uma mer-
salarial. Esta relação, na verdade, é a uni- cadoria (sua força de trabalho) que troca
dade contraditória de duas separações: por um montante de dinheiro alegada-
uma horizontal, entre os diferentes traba- mente "equivalente" (salário) no mercado,
lhos particulares, realizada constantemen- aparece tanto como um trabalhador le-
te (para ser constantemente renovada) galmente "livre" e como um "cidadão"
pela troca de mercadorias, através da ope- igual a todos os outros cidadãos. Compar-
ração da lei do valor; e outra vertical, en- te com eles sua pertença a uma comuni-
tre os produtores diretos e seus meios de dade ilusória de interesses representados
produção, separação realizada historica- pelo Estado. A ficção da igualdade e da
mente pela violência no processo que liberdade burguesa esconde a verdadeira
Marx chamou de acumulação primitiva de natureza do capital e do Estado como re-
capital, e continuada logicamente através lações sociais de exploração econômica e
do "despotismo fábrica" exercido pelo ca- de dominação política de classe, respecti-
pitalista e seus representantes (encarrega- vamente.
dos e supervisores). Em a relação salarial é
exteriorizada na forma de uma soma de A sociedade, então, divide-se em uma es-
dinheiro, a contradição específica da pro- fera económica e na uma esfera política: as
dução generalizada de mercadorias, ou relações sociais de produção capitalista
seja, entre o valor e o valor de uso da força aparecem simultaneamente na superfície
de trabalho, contradição que é a fonte da da sociedade, sob uma forma econômica
plusvalue. (valor) e sob uma forma política (Estado).
Isso não significa que a economia gera a
Mas a presença contínua da violência den- política, ou vice-versa, mas que existe no
tro das relações de produção, no processo modo de produção capitalista uma deter-
de trabalho, paradoxalmente leva á à abo- minação mútua e simultânea da gênese da
lição por os próprios trabalhadores de tais forma-Estado e da forma-capital, formas
relações. Portanto, essa violência do capi- derivadas das relações sociais de produ-
tal sobre o trabalho assalariado é abstraída ção, derivadas da relação entre o trabalho
do seio do processo de trabalho, objeti- assalariado e o capital. Portanto, o Estado
vando-se como violência abstrata em uma e o capital não são coisas, mas relações
entidade aparentemente suprasocial que é sociais ou, mais precisamente, eles são as
o Estado (HIRSCH, 1978). Assim, a relação diferentes formas que assume a relação
de soberania e dominação adquire no mo- salarial, a relação de soberania e depen-
do de produção capitalista, uma forma dência específica do modo capitalista de
política abstrata no Estado e suas institui- produção (HOLLOWAY; PICCIOTO,
ções. Através da relação jurídica consa- 1978).
grada na lei, o Estado torna-se, assim, no o
"monopólio da violência legítima" (WE- No entanto, o Estado e o capital são rela-
BER, 1967). ções sociais que os agentes econômicos

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internalizam em sua consciência, graças à cuja unidade é a realidade social capitalis-


realidade diária do câmbio de mercadori- ta concreta, como uma “síntese de múlti-
as no mercado. Assim, tornam-se abstra- plas determinações”.
ções, mas de uma natureza diferente das Consequentemente, o Estado e o capital
abstrações puramente intelectuais da reli- não são duas entidades separadas, distin-
gião ou da fantasia (a "Santíssima Trinda- tas, que mantem relações de exterioridade
de", o unicórnio, etc.): Estado e capital são entre si; Ambos têm a mesma origem,
então abstrações reais com efeitos relevan- existem simultaneamente, em sua intera-
tes concretos na vida social, um produto ção orgânica. O Estado não é externo para
da dialética das relações sociais de produ- a economia: ele é constitutivo das relações
ção (SALAMA, 1979). Eles geram o que sociais de produção, o mesmo seio da
Marx chamou o "fetichismo da mercadoria própria acumulação de capital (SOLÍS
e do dinheiro". Esse fetichismo da merca- GONZÁLEZ, 2013). Por sua parte, a inter-
doria é a base para a legitimação do poder venção do Estado vértebra a acumulação
do Estado, e estabelece, por meio dessas de capital, dá-lhe sentido e conteúdo for-
"coisas" (mercadorias e dinheiro), a cone- necendo, por meio os impostos e outras
xão social entre os indivíduos e a domina- fontes de receita pública, uma base mate-
ção anônima sobre os trabalhadores e os rial para a existência do próprio Estado.
capitalistas do conjunto das relações soci- Essa relação entre o Estado e o capital, em
ais. sua expressão fenomenal como regime da
acumulação /regime político, é um proces-
Mas da mesma forma que o valor de troca, so contraditório de luta de classes em uma
objetivação do trabalho abstrato (o traba- dimensão histórica concreta (neste caso, o
lho socialmente necessário) adquire uma atual México).
forma fenomenal na superfície da socie-
dade como preço de mercado, o Estado, No entanto, Marx analisa o modo de pro-
como objetivação da violência abstraída dução capitalista em sua média ideal
do processo de trabalho capitalista torna- (MARX, 1981, p. 1057), em torno da qual a
se uma "pessoa coletiva abstrata" com o realidade concreta dos vários países capi-
monopólio da violência social, que se ma- talistas se move. Os países capitalistas hoje
nifesta na superfície da sociedade sob a desenvolvidos (principalmente Inglaterra)
forma fenomenal de regime político, como foram estudados por Marx para descobrir
governo específico historicamente deter- as leis gerais e abstratas desse modo de
minado. produção, as quais são apresentadas e es-
tudadas em O Capital e os Grundrisse. Mas
O Estado, assim como o capital, fazem a realidade dos chamados países periféri-
parte desse "mundo encantado e inverti- cos subdesenvolvidos é diferente e se des-
do” (MARX, 1981, p. 1052), onde as coisas via dessa média ideal.
parecem o que não são. A essência é ne-
gada pelo fenômeno e vice-versa; no en- Nesses países, o capitalismo não nasce
tanto, o último é a expressão necessária da pelo desenvolvimento das contradições
essência, em uma dialética contraditória internas das antigas sociedades feudais da

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Europa, mas por um ato de extrema vio- tes sociais corresponde a uma internaliza-
lência, por uma agressão externa por a ção frágil e superficial da democracia for-
qual o capital imperialista estabelece pela mal burguesa: os atores sociais não se re-
força as relações de mercado, do dinheiro conhecem mutualmente em sua suposta
e o trabalho assalariado em um espaço- qualidade de "cidadãos livres e juridica-
tempo curto e acidentado. Nas economias mente iguais”. O Estado capitalista perifé-
periféricas, como o México, a legitimidade rico deve procurar em seu próprio fundo
do Estado não responde completamente o cultural (na tradição, religião, nacionalis-
fetichismo da mercadoria e do dinheiro, mo e até violência) os conteúdos de legi-
como em os países do capitalismo central timação necessários a um consenso social
(MATHIAS; SALAMA, 1983). mínimo. O processo de legitimação do
poder nas economias capitalistas subde-
Nos países capitalistas subdesenvolvidos senvolvidas incorpora ao mesmo tempo
a propagação de relações de câmbio foi elementos do mundo da mercadoria como
incompleta e específica. Ao contrário do elementos do mundo da não mercadoria,
centro, a penetração das relações de mer- em uma mistura variável de acordo com
cado e a dominação do modo de produção as condições históricas específicas de cada
capitalista não necessariamente implicou a sociedade.
dissolução ou a eliminação das relações
sociais de produção pré-existentes. Estas Da mesma forma, os processos de acumu-
foram submetidas a um processo de des- lação de capital nessas sociedades são ge-
construção/adequação de acordo as exi- ralmente baseados em formas extensivas
gências da valorização do capital, mas não de exploração da força de trabalho
necessariamente transmutadas em rela- (plusvalue absoluta) associadas com bai-
ções de mercado capitalistas. xos níveis de remuneração salarial e me-
canismos de pauperização (não somente
O campo histórico das classes sociais nes- relativa, mas também absoluta) que enfra-
ses países é assim profundamente hetero- quecem ainda mais o fetichismo da mer-
gêneo. O fetichismo da mercadoria não cadoria: o trabalho não aparece como uma
funciona plenamente, por isso não é pos- mercadoria inteiramente paga por o salá-
sível (mas somente até certo ponto) que as rio e, consequentemente, a natureza ex-
relações capitalistas de exploração apare- ploradora do sistema é desnudada.
çam e funcionam como relações de troca
de equivalentes. A "internalização" das Portanto, os regimes políticos periféricos
relações de câmbio em os agentes sociais também são específicos, como e evidenci-
é, portanto, parcial e defeituosa. ado pela experiência histórica do México e
no resto da América Latina. As ditaduras
O fetichismo da mercadoria não é, portan- policiais e-militares ou os regimes chama-
to, susceptível de representar por si só dos "bonapartistas" foram a regra durante
uma base consistente da legitimação do várias décadas do século XIX e XX. Mais
poder. Esta internalização parcial e defei- tarde, com o assalto neoliberal as socieda-
tuosa das relações de câmbio em os agen- des latino-americanas, surgiram formas

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aberrantes do Estado; temos caracterizado crise do modelo anterior de substituição


o Estado mexicano como um Estado narco de importações, a crise de dívida externa
uma crescente convergência com o crime induzida pela crise do capitalismo global,
organizado e o tráfico de drogas. e pelos efeitos negativos das políticas neo-
liberais impostas pelo chamado "Consenso
Neoliberalismo, Estado narco e crime de Washington".
organizado no México 3
Tudo isso no contexto da globalização
Na década de noventa do século XX, uma econômica e financeira, da crise do mode-
nova forma de Estado capitalista periféri- lo de acumulação intensiva do "fordismo",
co no México emerge: o Estado narco, cuja e o declínio da hegemonia dos Estados
manifestação externa é a de um regime Unidos, resultando em uma redistribuição
político neoliberal tecnocrático com uma de cartas do poder global (SALAMA,
forte presença de representantes do crime 2012) pela emergência de novas potências
organizado no seu seio. Este fenómeno como a China, a Índia e outras economias
tomou a forma, no caso da sociedade me- "emergentes" (os chamados BRICs, inclu-
xicana, de uma crise orgânica profunda, indo África do Sul).
integrada por: a) Um déficit de racionali-
dade na intervenção econômica do Estado No México, o modelo econômico neolibe-
(mais de três décadas sem crescimento ral baseado na abertura externa e o siste-
econômico 4) e; b) um déficit de legitimi- ma clientelista, corporativo e autoritário
dade do poder estabelecido. Isto conduziu herdado do velho PRI, foram um terreno
á níveis de violência e insegurança pública fértil para o surgimento em força do tráfi-
sem precedentes. Levou também á milita- co de drogas. O narcotráfico tornou em
rização do aparelho de Estado e á uma uma das frações mais dinâmicas do capi-
guerra fracassada contra as drogas. tal, mas por suposto não a mais importan-
te5. No entanto, a "narcotização" do país
Para analisar esse fenômeno, partimos de tem aumentado às tendências estancacio-
dois conceitos-chave, já evocados arriba: nistas da economia e tem induziu à rápida
regime de acumulação do capital e regime militarização do aparelho estatal. Isto
político. Consideremos o primeiro destes conduz também a uma guerra fracassada
conceitos. O surgimento no México de um contra o crime organizado, empreendida
Estado narco está ligado à transformação pelo governo de F. Calderón e continuada
da economia mexicana em uma economia pelo governo de E. Peña Nieto, que tem
mafiosa transnacionalizada. Suas causas: a causado dezenas de milhares de mortos e
desaparecidos6 e têm custado recursos

3 Consulte o trabalho de Solís González (2012).


4 A economia mexicana mostra o pior desempenho 5 O tráfico de drogas, de acordo com algumas es-
económico na América Latina durante os últimos timativas, representa 3,6% do PIB no México.
trinta e cinco anos, com uma média de crescimento 6 O exército mexicano e as forças policiais dos três

anual do PIB menor á 2%, dados vários da CEPAL, níveis de governo são responsáveis não só dos
do Instituto Nacional de Estadística, Geografia e múltiplos casos de tortura no país, mas também de
Informática (INEGI) e do Banco de México. muitos casos de mortos e desaparecidos, os quais a
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orçamentais substanciais, assim como um de estabilização macroeconómica que tem


aumento da insegurança pública em todo liberalizado os fluxos de capital necessá-
o país. rios á valorização e repatriação dos lucros
dos investimentos estrangeiros.
A economia mexicana tornou-se um en-
clave secundário-exportador nas mãos de Este cenário contrasta com uma planta
grandes conglomerados transnacionais e industrial doméstica fraca, desintegrada,
empresas "maquiladoras" sob o controle composta de pequenas e médias empresas
externo. Este enclave constitui uma enor- com baixos níveis de competitividade e
me plataforma de produção e exportação rentabilidade. Na ausência de política in-
de manufaturas7, cuja competitividade nos dustrial no México depois de mais de três
mercados globais é determinada pelos décadas, elas enfrentam a falta de apoio
baixos salários existentes no país, as maté- do governo, a estreiteza do mercado in-
rias-primas e recursos naturais baratos e terno e a incapacidade de acessar aos mer-
abundantes, um "paraíso fiscal", que bene- cados globais. Como resultado, no México
ficia as grandes empresas, especialmente tem aumentado os níveis de desigualdade
ás empresas estrangeiras, e uma política e de pobreza, concentrando-se ainda mais
a renda nacional, que tem um dos padrões
grande maioria permanece impune. Os mais recen-
de distribuição mais desigual não só na
tes são: a) o massacre realizado pelo exército (30 de América Latina, mas também á nível
junho de 2014) de 22 jovens na localidade de San mundial. De acordo com o Banco Mundi-
Pedro Limón, Tlatlaya, estado do México, descrito al, em 2000, a classe média na América
por Human Rights Watch como o pior massacre Latina melhoraram seus padrões de vida.
perpetrado pelas forças armadas mexicanas nos
últimos tempos (CASTILLO GARCÍA, 2014); o
No entanto, em México o nível de vida
massacre efetuado na cidade de Iguala (26 de se- das classes médias não só estagnou, mas
tembro de 2014) no estado de Guerrero pelo o cri- experimentou uma baixa 8.
me organizado com ajuda da policia municipal dos
municípios de Iguala e Cocula, de seis estudantes Desde a década de noventa, o regime neo-
da escola normal de Ayotzinapa e a desaparição de
liberal mexicano a efetivamente renuncia-
outros quarente e três, os quais presumivelmente
foram torturados e assassinados, e cujos restos do a sua intervenção na economia nacio-
calcinados foram arrojados a um rio. Estes massa- nal, mas em vez favoreceu a reprodução
cres tem suscitado a indignação de todo o país e da do capital global, através de políticas de
opinião pública internacional, que fala agora do liberalização económica e financeira a
regime de Peña Nieto como o representante de um
qualquer custo. Por outro lado, a venda
Estado falido em desintegração (RIVERA, 2014).
7 As exportações de manufaturas representam o (ou melhor, a leilão) do sistema bancário
85,9% do valor das exportações totais do México do país aos bancos estrangeiros permitiu o
(dados do INEGI a julho de 2014). No entanto, elas
são "produzidas" por empresas multinacionais e
"maquiladoras" predominantemente de EUA. As- 8 De acordo com o Banco Mundial, durante a déca-
sim, o México é usado (e espoliado) pelo capital da de 2000, a classe média na América Latina expe-
estrangeiro, o que se apropria do valor gerado pela rimentou uma melhoria na sua qualidade de vida.
força de trabalho mexicana, cujos salários são de No entanto, no México, a classe média tem estag-
dez á vinte vezes menores que os pagados nos nou e incluso tem baixou sua qualidade de vida
Estados Unidos. (MORALES, 2013; BANCO MUNDIAL 2013).
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surgimento generalizado de uma "econo- deias produtivas dos principais sub-ramos


mia de casino" 9. Esta "financeirização" da industriais exportadores, a parte mais di-
economia piorou a estagnação produtiva, nâmica e rentável do enclave, são locali-
causando o declínio do emprego no sector zadas fora da economia nacional mexica-
"formal" e aumentando o emprego em na, em os países chamados de "centro".
atividades informais10. A atrofia da eco- Assim, o capital transnacional, sobretudo
nomia camponesa e o envolvimento mar- americano tornou-se a fração hegemônica
ginal do Estado na reprodução da força de do capital na estrutura industrial.
trabalho foram compensados pela hiper-
trofia do sector informal. Este setor, assim A corrupção e a impunidade, endêmicas
como a migração "ilegal" para os Estados no México ao longo de sua história, têm
Unidos, tem funcionado como "válvulas alcançado nas últimas décadas níveis sem
de segurança" contra a crise econômica precedentes, derivados da gestão neolibe-
secular do país, e os conflitos sociais que ral como resposta á crise do capital. Os
resultam disso, mas também representa casos de corrupção no México, especial-
uma fonte de novos conflitos por seus mente após do período presidencial de C.
muitos vínculos com o crime organizado e Salinas de Gortari (1988-1994), são inume-
o tráfico de drogas. ráveis. Vamos á referir-nos á só dois casos
recentes, emblemáticos do anterior gover-
Assim, o México experimentou durante os no de F. Calderón e continuados pelo go-
anos 2000, um processo de "desindustria- verno atual de E. Peña Nieto:
lização prematura" semelhante ao vivido
pelo Brasil no mesmo período (SALAMA, a) A fraude por 360 milhões de dóla-
2012). No entanto, este fenômeno no Brasil res feitos pela empresa Oceanografia, pro-
foi acompanhado por um crescimento vedora de Petróleos Mexicanos (PEMEX) e
económico relativamente elevado, pelo o ligada aos irmãos Bribiesca Sahagún (fi-
aumento da produção e exportação de lhos políticos do ex-presidente Vicente
produtos (commodities) agrícolas. México, Fox e expertos em trafego de influenzas),
no entanto, com uma crise estrutural na em detrimento de BANAMEX, filial do
agricultura desde os anos sessenta, não Citigroup (RAMOS, 2014). Além disso, há
beneficiou do boom dos preços agrícolas à alegada fraude de Oceanografia contra o
na década passada. Por outro lado, as ca- próprio PEMEX por um monto aproxima-
do de mil milhões de dólares não pagados
em fianças (MILENIO, 2014) assim que
9 O Banco de México propiciou a criação e expan-
são desta "economia de casino" mantendo um ele- contra o Instituto mexicano de Seguridade
vado nível de reservas internacionais (190.872 mi- Social, e contra o Instituto do Fundo Naci-
lhões de dólares para 18/09/2014). Tudo isso com o onal para a Vivenda dos Trabalhadores
objetivo de atrair capitais especulativos á este cres- (INFONAVIT);
cente (e suculento) mercado.
10 De acordo com o INEGI, já para 2011 a geração

de emprego informal tinha excedido a geração de b) O segundo caso é o do Presidente


empregos formais, atingindo a ocupação informal do PRI no Distrito Federal, Cuauhtémoc
13,5 milhões de trabalhadores contra somente 13,2 Gutiérrez de La Torre, que operava até
milhões no setor formal.
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abril de 2014 uma rede de prostituição nos para manter no o poder aos representan-
escritórios do PRI, usando dinheiro públi- tes da oligarquia, através da aliança de
co. As mulheres “contratadas” eram for- direita entre o Partido Revolucionário Ins-
çadas á se prostituir com ele e com outros titucional (PRI) e o Partido de Ação Naci-
altos funcionários (um verdadeiro harém onal (PAN). As eleições presidenciais de
do PRI), disfarçadas de secretárias e re- 1988 e 2006, consideradas fraudulentas
cepcionistas, pagas pelo mesmo PRI por amplos setores da população, têm re-
(ARISTEGUI (a), 2014). forçado significativamente a atual situação
de ilegitimidade e ilegalidade que assola o
Assim, ocorre um fenômeno de interiori- país. A mais recente eleição presidencial
zação da corrupção pelos agentes sociais, de julho de 2012 tem sido percebida da
que eles vivem como uma coisa normal e mesma forma pela cidadania, dada à in-
cotidiana. A transição á democracia for- decisão, os preconceitos e a falta de trans-
mal burguesa e a crise de representação parência das autoridades eleitorais do país
do sistema político acarretaram a perda de frente à comprovada compra de votos (LA
credibilidade nas instituições e o desen- JORNADA, 2012) e a subsequente fraude
canto da população com os partidos polí- eleitoral em favor do candidato do PRI, E.
ticos de qualquer sinal. O "Estado de direi- Peña Nieto.
to" é apenas uma ficção na sociedade me-
xicana contemporânea. Além disso, cada Além do uso de recursos ilícitos ("lava-
vez mais importantes setores da popula- gem" de dinheiro tendo como origem ¿o
ção concebem a economia da droga como tráfico de drogas?) e do excesso ilegal e
uma alternativa viável para ter uma fonte impune dos gastos de campanha do PRI,
de renda na ausência de postos de traba- este conflito, longe de ser resolvido, tem
lho, mesmo o preço de suas vidas ou li- sido agravado por as impopulares "refor-
berdade. mas" empurradas pelo governo de Peña
Nieto, particularmente a alardeada refor-
Existe uma percepção generalizada na ma do setor energético, que tem sido de-
população da reiteração da fraude eleito- nunciada pela oposição como uma traição
ral e do uso partidário dos meios de co- à pátria e uma violação da Constituição
municação (principalmente o duopólio Mexicana. Uma pesquisa recente nos Es-
Televisa11 - TV Azteca) como mecanismos tados Unidos mostra a queda abrupta da
popularidade de Peña Nieto frente á opi-
nião pública mexicana (AFP, 2014). O Es-
11Televisa, acusada de haver manipulado a opini-
ão pública mexicana em favor de Peña Nieto du- tado aparece assim, sem mediação, como
rante as passadas eleições presidenciais de julho de instrumento direto do capital e da oligar-
2012, está atualmente sob a suspeita de conivência quia dominante. A redução do Estado à
com o tráfico de drogas, depois que anonimamente mera expressão dos interesses da aliança
gravou-se (e foi dado á conhecer publicamente)
das classes dominantes é simultaneamente
duas entrevistas feitas por o seu correspondente
em Michoacán á Servando Martínez (a) "La Tuta", uma causa e um efeito da emergência do
o principal líder do grupo criminoso autoprocla- crime organizado.
mado os "Cavaleiros Templários" (ARISTEGUI (b),
2014).
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O crescimento do setor informal tem sido com a classe empresarial (empresários e


acompanhado pelo crescimento exponen- banqueiros), com o exército e a policia,
cial do crime organizado. Os cartéis de assim que com a "classe política" 13 se ex-
drogas controlam por igual o tráfico de pressam no duplo papel de estes atores
armas, o tráfico de pessoas, o sequestro, a sociais. O regime político é, de facto, o
extorsão, os jogos de azar (casinos), o con- ponto de articulação do poder do narco-
trabando, o roubo de veículos, e assim por tráfico.
diante. O controlo exercido pelos cartéis
de regiões inteiras do país, significa um 2 - A subordinação quase absoluta (eco-
enorme desafio para o Estado mexicano, nômica, política e até social e cultural) vis-
que em muitos casos tem conduzido á ali- à-vis dos Estados Unidos e seu governo,
anças entre ele e o crime organizado (situ- entregando a soberania nacional e vergo-
ação que ocorre mais recentemente no es- nhosamente adotando as diretrizes da po-
tado mexicano de Michoacán 12). Ao mes- lítica norte-americana contra as drogas, a
mo tempo, a presença do crime organiza- apesar dos altos custos humanos e materi-
do na vida política e administrativa do ais da guerra para o México. Isto inclui a
país se reflete nas parcerias e colaborações subordinação da planta produtiva do Mé-
deste com funcionários públicos em todos xico às exigências do capital transnacional
os níveis de governo. norte-americano, que trouxe o seu des-
mantelamento, e mergulhou o país em a
Através das estruturas corporativistas e estagnação crónica de sua economia. No
clientelistas herdadas do antigo regime, é entanto, os setores exportadores do encla-
processada a conivência dos poderes pú- ve e o setor bancário têm registrados lu-
blicos e os privados (empresários e ban- cros recordes após mais de três décadas.
queiros) com o tráfico de drogas e o crime
organizado. Portanto, caracterizamos o 3 - Uma política sistemática de transferên-
regime político vigente no México como cia da riqueza nacional o "setor privado"
um regime corporativista, neoliberal, tec- através (por meio da corrupção) de dife-
nocrático e autoritário, que expressa uma rentes canais: a privatização das empresas
forma social aberrante: um Estado narco públicas; o resgate bancário e, uma vez
ao serviço de uma economia mafiosa.

Em resumo, as principais características


13 Podemo-nos definir a "classe política" como o
conglomerado social composto dos legisladores e
do regime político mexicano atual são:
membros dos distintos partidos políticos, alguns
dos quais adquiriram, através do tráfego de in-
1 - A presença omnimode em todos os ní- fluências e do clientelismo, poder político e eco-
veis da sociedade mexicana dos agentes nômico que eles não podem explicar por suas habi-
sociais do tráfico de drogas. Seus laços lidades ou méritos pessoais. Não é uma classe so-
cial estritamente falando, uma vez que não existe
com funcionários públicos de todos os
uma ligação comum e unívoca de seus diferentes
níveis do governo (federal, estatal e local), agentes sociais com o processo de produção capita-
lista, seja como empresários ou como trabalhado-
res assalariados, diretamente ou indiretamente
12 Ver o artigo de Solís González (2014). produtivos.
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Dominação de classe e Estado capitalista subdesenvolvido

saneado e reativado este setor, sua priva- 5 - O uso massivo da corrupção e da im-
tização posterior; o crescimento excessivo punidade 14 como mecanismos regulares
da dívida pública especialmente a interna; de acumulação de capital e de redistribui-
a securitização de passivos do governo; a ção da renda nacional em favor da aliança
criação de fideicomissos alimentados com oligárquica de classes dominantes, inclu-
recursos públicos, mas não sujeitos a ne- indo o tráfico de drogas. Uma menção
nhum controlo público ou privado, etc. especial merece a corrupção nos sindicatos
México está experimentando atualmente a mexicanos. Faremos um breve reconto de
alienação maciça da riqueza pública e os três casos emblemáticos, que indignarem a
recursos naturais da nação às mãos priva- opinião pública pela passividade, tolerân-
das particularmente estrangeiras (petró- cia e cumplicidade dos governos panistas
leo, gás natural, mineração, estâncias tu- e priístas frente á eles:
rísticas, etc.). O regime de Peña Nieto em-
preendeu-o uma "reforma energética", que a) O sindicato dos trabalhadores da
entrega os recursos do subsolo mexicano educação (SNTE), que até 2009 foi
ao capital privado estrangeiro, apesar de liderado pela “professora" Elba
estar essa reforma expressamente proibida Esther Gordillo, fiel vassalo do
pela Constituição mexicana e caracteriza- governo no controle e repressão
da como um delito de traição à pátria. Este dos trabalhadores do maior sin-
saquear á Nação já se está fazendo com dicato na América Latina. Ela é
toda impunidade, ao preço de entregar a acusada (e atualmente presa) pe-
renda do petróleo às empresas transacio- los delitos de defraudação fiscal,
nais, e do roubo massivo de terra aos lavagem de dinheiro e delin-
campesinos e as comunidades rurais, as- quência organizada, assim como
sim como a destruição dos ecossistemas de enriquecimento ilícito em pre-
em todo o país (SOLÍS GONZÁLEZ, 2014, juízo dos trabalhadores do sindi-
p. 124). cato (ARISTEGUI (c), 2014);

4 - Uma política de depreciação acelerada


do capital variável (por meio da queda 14 Tal é o caso do Grupo México, a maior empresa
induzida e sistemática do emprego e dos de mineração no país, pertencente à Germán Lar-
salários), a fim de neutralizar a queda da rea, personagem que, graças a suas conexões com o
taxa média de lucro através da transferên- poder político e com a máfia de mídia (Televisa
principalmente, de cujo Conselho de administra-
cia do custo da crise para os trabalhado-
ção era parte até recentemente), goza de total im-
res. Essas políticas incluem: a insegurança punidade nos vários casos de destruição ecológica
no emprego, a contenção salarial, o de- e morte de trabalhadores mineiros em suas propri-
semprego em massa, a intensificação do edades. Assim, entre os mais representativos, te-
trabalho como método de extração de mos os casos da morte de 65 trabalhadores em sua
mina de Pasta de Conchos, Coahuila, em 2006,
plusvalue absoluta e uma maior repressão
mortes que permanecem impunes; ou bem o desas-
sindical. Tudo isso tem como resultado tre ecológico causado pela Minera Cananea, outra
níveis mais elevados de pobreza e desi- empresa de sua propriedade, que tem envenenou
gualdade social. os rios de Sonora, no norte do país, com toda im-
punidade.
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Argumentum, Vitória (ES), v. 6, n. 2, p. 138-153, jul./dez. 2014.
José Luis SOLÍS GONZÁLEZ

b) O sindicato dos trabalhadores de nheiro em primeiro plano), ao preço da


PEMEX, dirigido por Carlos Ro- diminuição do crédito para financiar o
mero Deschamps, personagem investimento produtivo. Isto á conduzido
priísta bem conhecido pelos seus á financeirização da economia e á deterio-
atos de corrupção e a vida luxuosa ram do seu setor “real” em prejuízo da
que leva ele e sua família. Ele é verdadeira criação de valor baseada no
acusado por um tribunal dos Es- trabalho.
tados Unidos de vender petróleo
inexistente, o que representa uma 7 – Fomento das economias rentistas, co-
fraude de cerca de 1,4 bilhões de mo o petróleo e o narcotráfico. A explora-
dólares em detrimento da empre- ção dos recursos do petróleo para financi-
sa americana Arriba. Além disso, ar os gastos públicos, tem como resultado
Romero Deschamps foi acusado uma "petrolización" das finanças públicas
em 2000 pelo desvio de um bilhão e um déficit fiscal crônico, por causa da
de pesos do sindicato, como su- recusa do regime para impuser uma tribu-
porte (ilegal) para a campanha de tação progressiva os estratos mais ricos da
Francisco Labastida Ochoa, can- população, e em particular aos maiores
didato presidencial do PRI. Des- conglomerados multinacionais, mexicanos
champs foi considerado culpado, e estrangeiros. O tráfico de drogas é uma
mas não foi punido (SDP, 2014); economia rentista (e ilegal) que é protegi-
da de maneira encoberta pelo governo
c) O Sindicato Único de Trabalhado- porque comparte suas ganancias com fun-
res Eletricistas da República Mexi- cionários públicos corruptos do mais alto
cana (SUTERM), cujo líder, Víctor nível.
Fuentes del Villar, é acusado de
obrigar á prostituição as mulheres 8 – O uso da repressão do Estado contra
que aspiram á um posto de traba- os movimentos sociais. A criminalização e
lho na Comissão Federal de Eletri- a repressão do protesto social no passado
cidade (CFE) e da venda de postos regime de Calderón e agora pelo regime
de trabalho nesta companhia de Peña Nieto sugerem que o verdadeiro
(ARISTEGUI (d), 2014). Ele é acu- objetivo do uso indiscriminado das forças
sado também do desaparecimento armadas e policiais na guerra contra o
do fundo mútuo dos trabalhado- crime organizado não é isso, mas a repres-
res, cujo montante ascende á 638 são dos movimentos populares (sindicais,
bilhões de pesos, produto de mais dos estudantes e dos campesinos e indí-
de 40 anos de poupança de seus genas) no país, como é testemunhou pelas
membros (LEÓN MONTESINOS, agressões do governo contra os trabalha-
2012). dores eletricistas do Sindicato Mexicano
de Eletricistas (SME), do sindicato dos
mineiros, dos trabalhadores da Mexicana
6 - Prevalência das finanças internacionais
de Aviação, dos estudantes da escola de
e das atividades financeiras especulativas,
Ayotzinapa, Guerrero, reprimidos e mor-
legítimas e ilegítimas ("lavagem” de di-
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Dominação de classe e Estado capitalista subdesenvolvido

tos pela polícia, dos maestros dissidentes liberal aplicada ao campo nas últimas dé-
do SNTE, e mais recentemente, dos indí- cadas). Finalmente, a presença da droga
genas da tribo yaqui e das autodefesas em os circuitos monetário-financeiros,
rurais de Michoacán, além da repressão através da “lavagem” de dinheiro, incen-
permanente contra os rebeldes zapatistas tiva a especulação financeira em detrimen-
das tribos mayas do Yucatán. to do investimento produtivo. A massa de
dinheiro obtida da venda de drogas é ca-
As relações sociais de produção têm sido nalizada para investimentos especulativos
profundamente alteradas pela presença do no sistema financeiro internacional. Ape-
tráfico de drogas e do crime organizado nas uma pequena parte do dinheiro de
em a vida econômica social e política do tráfico de drogas é canalizada no investi-
país. O sequestro, a extorsão e a insegu- mento social ou produtivo. Esta inversão
rança pública têm afetado seriamente a ocorre apenas nas regiões onde os cartéis
relação entre os capitais numerosos, e é de drogas têm produção destas e / ou uma
particularmente prejudicial para as PME. base social de apoio em certos setores da
A fuga maciça de empresários locais tem população.
desencorajado o investimento produtivo,
agravando os níveis (já muito elevados) A guerra contra as drogas tem significado
do desemprego e da informalidade exis- uma perda enorme para as finanças públi-
tente. Além disso, a extorsão as empresas cas em detrimento dos gastos "social" e
incrementam os seus "custos de transa- "econômico" do Estado. Mas é uma fonte
ção", prejudicando a sua rentabilidade. O de corrupção e enriquecimento ilícito para
declínio do emprego e a consequente que- os agentes sociais (funcionários do gover-
da no poder de compra dos salários têm no, empresários privados) relacionados ao
deterioraram as condições da reprodução seu exercício. Na verdade, o novo governo
da força de trabalho, obrigando-o a migrar não mudou a estratégia contra a crimina-
ou entrar em a informalidade, muitas ve- lidade organizada e o trafico de drogas,
zes engrossando as fileiras dos cartéis. O porque a guerra tem sido um negócio
crime organizado tem tecido em conluio muito lucrativo para os agentes públicos e
com altos funcionários de Pemex e do seu privados que fazem parte da cadeia da
sindicato, uma rede paralela de comercia- corrupção sistêmica.
lização ilegal de hidrocarbonetos com vo-
lumes iguais ou superiores á comercializa- Os governos do PRI mantiveram acordos
ção legal deles (PÉREZ, 2011). secretos com o crime organizado. Em con-
trapartida de manter as cidades libres de
O plantio de papoula e maconha sob a drogas e o tecido social pacífico, o gover-
"proteção" dos cartéis de drogas e o cres- no (através da corrupção) assegurava a
cente clima de insegurança em todo o pa- proteção dos criminosos. México até os
ís, têm afetado a produção de grãos bási- anos noventa era basicamente um país de
cos, legumes e frutas. Isto tem conduzido trânsito para o tráfico de drogas em seu
à perda da autossuficiência alimentar do caminho para o norte, e produzia algumas
país (institucionalizada pela política neo- drogas, como maconha e papoula. Mas a

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José Luis SOLÍS GONZÁLEZ

partir do início dos anos 2000, a produção Aristegui Noticias, 9 de Dezembro de


doméstica de drogas (incluindo agora as 2014. Disponível em:
drogas sintéticas, como o crack e as me- <http://aristeguinoticias.com/tag/cuauhte
tamfetaminas) e seu consumo no México moc-gutierrez/ >. Acesso em: 9 de Dezem-
têm aumentado de forma alarmante, espe- bro de 2014.
cialmente nas grandes cidades com alto
poder aquisitivo. Estas se tornaram impor- ARISTEGUI (b). Corresponsal de Televisa
tantes centros de consumo. Apesar da pri- en Michoacán y otro periodista asesoraban
são e/ou a morte de muitos líderes e y cobraban con ‘La Tuta’. Aristegui Noti-
membros do crime organizado, este negó- cias, 22 de Setembro de 2014. Disponível
cio atualmente parece mais dinâmico que em:
nunca. O tráfico de drogas tem uma fonte <http://aristeguinoticias.com/2209/mexico/
inesgotável de recursos humanos nas filei- corresponsal-de-televisa-en-michoacan-y-
ras de milhões de jovens desempregados e otro-periodista-asesoraban-y-cobraban-
marginalizados, sem emprego ou educa- con-la-tuta/ >. Acesso em: 25 de Setembro
ção (chamados os "Ninis" 15), assim como de 2014.
nas polícias e no exército, cujos elementos .
corruptos estão no todos os níveis do apa- ARISTEGUI (c). Ratifican auto de formal
relho repressivo estatal. Estes agem ao prisión contra Elba Esther Gordillo. Aris-
serviço dos cartéis, fornecendo proteção e tegui Noticias, 3 de Junho de 2014. Dis-
participando dos crimes cometidos por ponível em: <
eles. http://aristeguinoticias.com/0306/mexico/r
atifican-auto-de-formal-prision-contra-
Em conclusão, México atravessa por o pe- elba-esther-gordillo/ >. Acesso em: 20 de
ríodo mais negro de sua história recente. Junho de 2014.
Opera-se atualmente uma convergência
ainda maior do regime neoliberal (neste ARISTEGUI (d). A los pies de líder electri-
caso, do governo de Peña Nieto) com o cista, para trabajar en la CFE. Aristegui
crime organizado e as gangues de narco- Noticias, 24 de Setembro, 2014. Disponível
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151
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