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RESUMO: Este artigo pretende revisar o construto inteligência fluida (Gf) buscando ressaltar os pon-
tos de convergência entre eles. Discute-se alguns estudos relevantes das abordagens psicométrica, cognitiva e
da mais recente neurociência cognitiva. A tendência corrente é associar a inteligência fluida a pelo menos sete
funções do executivo central, componente da memória de trabalho: (a) manutenção do nível de ativação das
representações mentais, (b) coordenação de atividades mentais simultâneas, (c) monitoramento e supervisão
das atividades mentais, (d) controle da atenção e atenção seletiva, (e) ativação dé informações da memória de
longo prazo e (e) redirecionamento de rotas ou flexibilidade adaptativa. Discute-se também como os testes de
raciocínio indutivo com analogias geométricas representam este construto.
ABSTRACT: This paper reviews the construct fluid intelligence (Gf) with the intent to focus on the
conceptual points of convergence among them. It was discussed some relevant studies from the psychometric,
cognitive and the more recent cognitive neuroscience traditions. The current trend is to link fluid intelligence
to at least seven functions of central executive component of working memory: (a) the level of activation
maintenance of mental representations, (b) coordination of simultaneous mental activities, (c) monitoring and
supervision of mental activities (d) attention control and selective attention, (e) activation of information from
long-term memory (f) rerouting or adaptive flexibility. It was also discussed how geometric inductive reasoning
tasks represent the construct Gf.
A inteligência humana talvez seja um dos as- turar que dificilmente existirá uma teoria consensual
suntos mais estudados em toda a história da Psicolo- sobre o que é inteligência. De fato as teorias variam
gia. Para se ter uma idéia, uma busca feita no banco em razão da tradição de pesquisa herdada pelo estu-
de dados PsycINFO da Associação Americana de do podendo ser classificada de modo geral em três
Psicologia por artigos cujos títulos continham uma grandes abordagens: a fatorial ou psicométrica, a
das palavras Intelligence, ou Intelectual ou Ability desenvolvimentalista e a cognitiva (Almeida, 1988,
resultou em 18448 artigos desde 1887. Diante da 1994; Sternberg, 1979, 1980, 1981). Entretanto re-
imensidão de trabalhos publicados podemos conje- visando os estudos podemos observar focos de con-
senso a despeito da imensidão de idéias, dados e
1
Artigo recebido para publicação em janeiro de 2002; aceito em março modelos tratando do assunto. Neste artigo pretende-
de 2002 se revisar um conjunto de estudos tratando do racio-
2
Endereço para correspondência: Ricardo Primi, Laboratório de cínio ou inteligência fluida, como atualmente têm
Avaliação Psicológica e Educacional - LabAPE, Programa de Estudos
Pós-Graduados em Psicologia, Universidade São Francisco, Rua sido chamada, buscando ressaltar os pontos de con-
Alexandre Rodrigues Barbosa, 45, CEP 13251-900, E-mail: vergência entre eles. O texto está dividido em três
rprimi@uol.com.br
58 Ricardo Primi
grandes partes ligadas às abordagens: a primeira re- do em uma visão hierárquica multidimensional da
visando a concepção psicométrica, a segunda trazen- inteligência organizando-a em dez fatores amplos
do alguns estudos clássicos da psicologia cognitiva (inteligência fluida, conhecimento quantitativo, in-
e a terceira revisando alguns estudos mais recentes teligência cristalizada, leitura e escrita, memória de
da neurociência cognitiva. Nesta última parte ten- curto prazo, processamento visual, processamento
tou-se resumir as funções cognitivas associadas à auditivo, armazenamento e recuperação da memória
inteligência fluida e discutir como os testes de racio- de longo prazo, velocidade de processamento, rapi-
cínio indutivo representam este construto. dez de decisão) e pouco mais de sessenta fatores es-
pecíficos subjacentes aos fatores amplos. Este mo-
Psicometria e Inteligência Fluida delo vem gradualmente sendo empregado como uma
Dentro da tradição psicométrica parece haver nomenclatura padrão entre pesquisadores e profissi-
3
um consenso quanto à existência de pelo menos oito onais no entendimento da inteligência .
fatores amplos subjacentes aos testes cognitivos Embora no modelo CHC a inteligência fluida
(Flanagan, McGrew & Ortiz, 2000; Flanagan & Ortiz, (Gf) esteja situada em um nível hierárquico mais es-
2001; Horn & Noll, 1997). Este consenso foi solidi- pecífico que o fator geral ela é, dentre os fatores
ficado a partir da publicação em 1993 do livro de amplos, o que mais se associa à concepção do fator
John B. Carroll Human Cognitive Abilities: a survey g de Spearman (1927). Carroll (1993) aconselha que
of factor analytic studies. Neste estudo Carroll fez o estudo das causas da complexidade de problemas
uma varredura dos últimos 60 anos na literatura ci- de raciocínio indutivo, um dos fatores específicos
entífica, selecionou 461 conjuntos de dados de 1500 de Gf, poderá ajudar na interpretação do fator g, isto
referências nas quais estavam incluídos quase todos é, na compreensão dos processos cognitivos gerais
os mais importantes e clássicos estudos da estrutura presentes nas mais variadas habilidades cognitivas.
da inteligência feitos pela abordagem fatorial e efe- Segundo a concepção do fator g toda ativida-
tuou uma reanálise utilizando métodos mais avança- de mental intelectual envolveria em maior ou menor
dos. Este estudo resultou em um modelo hierárquico grau uma única capacidade, indicando a existência
da inteligência chamado Teoria dos Três Estratos. O de processos cognitivos comuns aos diferentes tipos
nome "Estrato" refere-se à idéia de camadas dispos- de atividades mentais. Spearman (1927) buscou es-
tas em três níveis em função da generalidade. O Es- tudar a natureza do fator g em termos de funciona-
trato I contém pouco mais de 65 fatores específicos mento cognitivo e o definiu a partir de três proces-
ligados ao formato dos problemas cognitivos pro- sos básicos: (a) apreensão das experiências signifi-
postos pelos testes psicométricos. O Estrato II agru- cando uma capacidade ligada à percepção, à rapidez
pa estes fatores específicos em oito fatores mais e à acuidade com que as pessoas percebem os estí-
amplos nos domínios do raciocínio, conhecimento- mulos, e bem como aos processos de auto-percep-
linguagem, memória-aprendizagem, percepção visu- ção da atividade consciente; (b) edução de relações
al, percepção auditiva, produção de idéias, velocida- referindo-se à capacidade maior ou menor de esta-
de de processamento cognitivo e velocidade de de- belecer relações entre duas ou mais idéias, sejam elas
cisão. O Estrato III corresponde ao fator g de originadas da percepção ou de representações
Spearman indicando a existência de operações mnêmicas (por exemplo, pensar ou ver um elefante
cognitivas comuns a todas as atividades mentais e uma garça e relacioná-los em uma categoria: ani-
O modelo é semelhante à concepção moderna mais; (c) edução de correlatos referindo-se à capa-
da teoria Gf-Gc (inteligência fluida e cristalizada) cidade maior ou menor que as pessoas demonstram
iniciada por Cattell (1941, 1971) e desenvolvida e de criar novas idéias a partir de uma idéia e uma
aprimorada por Horn (1991), Horn e Cattell (1966) relação (por exemplo: a partir de uma categoria como
um de seus estudantes. McGrew e Flanagan (1998) a dos animais, evocar idéias particulares como jaca-
propuseram uma integração das teorias Gf-Gc e dos
' Maiores informações sobre a Teoria CHC podem ser encontradas no
Três Estrados criando-se a Teoria de Cattell-Horn- site http://www.iapsvch.com especializado na divulgação e aplicação
Carroll - CHC das Habilidades Cognitivas resultan- da Teoria CHC disponibilizando vários materiais, informações e uma
lista de discussão sobre a teoria.
Inteligência Fluida 59
rés, gorilas, quatis, etc). Estes processos estariam cuperação e aplicação desses esquemas (Gc). À me-
presentes em todas as atividades mentais não impor- dida que estes não existirem, eles precisarão ser cria-
tando o conteúdo (matemático, verbal, artístico, etc). dos. A pessoa deverá construir um novo programa de
A teoria CHC passou a identificar o fator g performance, organizando as informações disponíveis
como sendo mais próximo à inteligência fluida (Gf) na situação e/ou reestruturando esquemas prévios. A
referindo-se à habilidade de raciocinar em situações inteligência Gfé, portanto, uma habilidade importan-
novas, diferentemente da inteligência cristalizada (Gc), te na previsão da capacidade geral de adaptação às
referindo-se à habilidade de aplicar definições, méto- situações novas, pouco estruturadas, que requerem
dos e procedimentos de solução de problemas, apren- autonomia intelectual. De acordo com Flanagan e Ortiz
didos previamente, para lidar com situações proble- (2001): "a inteligência fluida refere-se às operações
ma (Hunt, 1996). Quando as pessoas encontram uma mentais que uma pessoa usa quando está defronte de
situação-problema, elas precisam aglomerar um con- tarefas novas que não podem ser executadas automa-
junto de procedimentos, que Snow, Kyllonen e ticamente. Estas operações mentais incluem o reco-
Marshalek (1984) chamaram de "programas de nhecimento e formação de conceitos, a compreensão
performance", com o objetivo de resolver a questão de implicações, resolução de problemas, extrapolação,
existente. À medida que existirem programas de e reorganização ou transformação de informações"
performance, isto é, esquemas de ação, armazenados (p.9).
na memória de longo prazo, a solução passa pela re-
Raciocínio Habilidade de raciocinar de maneira indutiva e Comprei um doce que custava R$1,00. Paguei com uma nota de
Quantitativo (RQ) dedutiva sobre conceitos que envolvem relações e R$5,00 e dei a metade do troco para o meu irmão. Quanto dinheiro
propriedades matemáticas. dei para o meu irmão?
Raciocínio Seriação, conservação,- classificação e outras As tarefas clássicas usadas nos estudo de Piaget
Piagetíano (RP) habilidades cognitivas definidas por Piaget.
Tabela 2: Demonstração de duas formas possíveis de divisão de uma tarefa de raciocínio analógico
CONDIÇÃO FASE FASE DE RESOLUÇÃO PREVISÃO DO TEMPO DE REAÇÃO
PRELIMINAR
1 Nada Automóvel Estrada / Trem : ? (A) Estação, (B) Trilho 77? = 5 cod + X inf+ Y map + Z apt + res
2 Automóvel: Estrada Automóvel Estrada / Trem : ? (A) Estação, (B) Trilho TR = 3. cod + Y map + Z apt + res
Nela são descritas as equações para duas con- preliminar. Logo, 5 termos devem ser codificados (5
dições de apresentação. Na primeira condição, to- cod). Na segunda condição os termos A:B são apre-
dos os termos devem ser codificados na fase de re- sentados na fase preliminar. Logo, estes dois termos
solução pois nenhum termo foi apresentado na fase são codificados (2 cod) e as relações entre eles são
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inferidas (X inf) neste momento inicial. Na fase de entre estes termos. Assim, foram operacionalizadas
resolução, portanto, somente três termos devem ser as variáveis que interferem no componente de
codificados (3 cod) e o restante dos componentes codificação (ou seja, o número de atributos que eram
devem ser processados (Y map + Z apl + res ) . os elementos que compunham cada termo individu-
Portanto, a cada condição os componentes são siste- al) e no componente de inferência das relações (trans-
maticamente eliminados na fase de resolução e as formações nos elementos). Em seu delineamento, os
equações de previsão do tempo de reação irão refle- itens do teste representavam composições fatoriais
tir esta eliminação. dessas duas variáveis. Portanto, não havia, como na
Basicamente, nas equações estão envolvidos pesquisa de Sternberg (1977), condições de pré-apre-
parâmetros (cod, inf, map, apl, res) representando o sentação.
tempo requerido por cada componente e variáveis Nesta pesquisa, foram pressupostos quatro
independentes relacionadas às manipulações expe- componentes de processamento envolvidos na res-
rimentais que controlam o número de vezes que os posta ás analogias: (a) comparação e decomposição
componentes devem ser processados. Utilizando a de padrões, (b) análise de transformações e geração
regressão múltipla é possível estimar os valores dos de regras, (c) comparação de regras e (d) resposta.
parâmetros (cod, inf, map, apl, res) das equações in- Neste estudo as analogias eram semelhantes ao exem-
dicando o tempo requerido no processamento de cada plo apresentado para o fator Indução na Tabela 1,
passo no processo de resolução. Sendo o modelo entretanto, no formato verdadeiro ou falso, isto é,
verdadeiro, esta equação teria sucesso em prever o apresentava-se urna analogia completa incluindo o
tempo de reação, fazendo com que a correlação en- termo D e a atarefa do sujeito consistia em dizer se a
tre o tempo previsto e o encontrado fosse alta. De analogia era correta ou não. De acordo com o mode-
modo geral os resultados de foram bem sucedidos lo de Muholland e cols (1980) nestes itens inicial-
em prever o tempo de reação e estimar, portanto, o mente o sujeito compara os dois primeiros termos,
tempo requerido em cada componente (Sternberg, identificando os elementos comuns que os compõem.
1977). Cada padrão identificado é analisado quanto às trans-
A análise componencial inspirou vários estu- formações ocorridas. Identificada a transformação,
dos sobre o processamento cognitivo envolvidos na esta é armazenada na memória de trabalho em forma
resolução de testes psicométricos de raciocínio. Den- de proposições que dizem respeito aos elementos e
tre eles, Mulholland e cols. (1980) pesquisaram mais suas transformações. Este processo de identificação
detalhadamente as analogias com figuras geométri- de um padrão e análise das transformações se repete
cas. Segundo eles "uma fragilidade da teoria de até que se eliminem todos os padrões encontrados
Sternberg em seu estado corrente se relaciona à idéia para os termos "A e B". O mesmo processo ocorre
de que o processo de codificação é exaustivo e de para os termos "C e D", só com uma diferença. Já
que a representação dos atributos associados a um que a forma dos itens pesquisados era do tipo verda-
dado termo da analogia são independentes do con- deiro-falso, depois que a transformação para o pri-
texto. É difícil conceber como a codificação de uma meiro termo é encontrada, ela é comparada com as
nova palavra ou figura, em um problema de analo- proposições armazenadas na memória. Se essas não
gia, sem que um termo anterior ou posterior - ou seja forem semelhantes, o sujeito responde que a analo-
o contexto - gere uma tendência que determine o ní- gia é incorreta. Contudo, se elas forem semelhantes,
vel mais apropriado da representação do item na ele continua o processo de identificação e análise do
memória" (p.254). próximo elemento. Ao final verifica-se se todos os
Com base nestes pontos Muholland e cols elementos foram comparados. Se, neste processo, não
(1980) delinearam uma pesquisa destinada a verifi- houve nenhuma dessemelhança, o sujeito responde
car mais detalhadamente o processo de codificação que a analogia é correta. Caso contrário, responde
manipulando sistematicamente o número de elemen- que esta é incorreta.
tos que compunham cada termo individual, e simul- As principais diferenças entre este modelo e o
taneamente o número de transformações ocorridas de Sternberg (1977), estão no processo de codificação
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e na estratégia geral que relaciona os componentes. no processamento de analogias geométricas. No en-
Nota-se, portanto, que este modelo pressupõe que a tanto grande parte das tarefas mais importantes de
codificação de um termo se faz em relação ao segun- raciocínio analógico usadas na avaliação da inteli-
do termo. O sujeito, em um processo de análise, com- gência fluida consiste em figuras geométricas dis-
para os dois termos, selecionando os atributos rele- postas em matrizes como o item exemplificado na
vantes da analogia, ou seja, os padrões de que são Figura 1 usado em Primi (1998, 2002).
compostos os termos. Na medida em que os padrões
são encontrados, eles são analisados quanto às trans-
formações ocorridas, gerando, com isto, uma lista
de proposições que representam os padrões e suas
transformações. Além disso, este modelo postula a
estratégia: inferência-inferência-comparação, en-
quanto o modelo de Sternberg postula a estratégia:
inferência-mapeamento-aplicação.
Segundo Mulholand e cols (1980) a equação
de regressão simplificada que prevê o tempo de rea-
ção em seus itens seria: TR = xE + yT + k na qual E
é igual ao parâmetro estimado para o processo de
comparação e decodificação dos padrões individu-
ais; x é a variável independente referente ao número
de elementos existentes na analogia; Té o parâmetro
estimado para o processo de análise de transforma-
ções e geração de regras individuais; y é a variável
independente referente ao número de transformações
e comparações exigidas em cada analogia particular
e k é uma constante ligada à resposta.
Contudo, os resultados obtidos violaram a
simples aditividade, gerando efeitos superaditivos em
função da interação das variáveis Te E. Uma razão
potencial para isto é que em níveis mais altos de di- Em problemas desse tipo, as figuras geomé-
ficuldade (número alto de Te E) um tempo maior é tricas estão dispostas segundo regras subjacentes que
gasto em processos ligados à memória, já que um necessitam ser descobertas, possibilitando a
grande número de proposições referentes aos elemen- extrapolação no reconhecimento de qual, dentre às
tos e suas transformações devem ser armazenadas. oito alternativas, completa corretamente o espaço
Portanto, Mulholand e cols (1980) consideram que deixado em branco no canto inferior direito da ma-
os processos envolvidos nos dois componentes são triz de nove quadros.
aditivos, e as sobrecargas de memória seriam a ex- O modelo de processamento para itens desse
plicação para o aumento do tempo de reação em itens tipo, adotado nesse estudo, será descrito com o auxí-
difíceis. Logo a equação de regressão final assumiu lio da Figura 2. Nela apresentam-se os principais sis-
a seguinte forma: TR = xE + yT+TE + k, onde TE é temas envolvidos no processo de resolução (memó-
igual ao tempo gasto no componente ligado à me- ria de longo prazo, memória de trabalho, sistema sen-
mória. sorial perceptual e sistema motor) representados pela
Os componentes de processamento cognitivos para cor cinza indicando seu estado de ativação.
problemas em matrizes O processamento foi dividido em três blocos,
De um modo geral, o trabalho de Mulholland e cols denominados dessa maneira por incluírem mais de
(1980) trouxe avanços significativos possibilitando um componente de processamento. Esses blocos são:
uma maior compreensão dos processos envolvidos (a) um bloco associado à criação das representações
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mentais que compõem o problema e à criação de re- gura 2, já que, como apontaram Pellegrino e Lyon
gras que descrevem seu relacionamento; (b) um blo- (1979), o estudo clássico de Sternberg (1977), e mui-
co ligado ao reconhecimento dos paralelos entre a tos que o seguiram, utilizaram analogias relativamen-
regra e uma situação nova e sua confirmação; (c) a te fáceis, não ambíguas e, portanto, os modelos pro-
aplicação dessas regras na criação de alternativas para postos nesses estudos não seriam automaticamente
o problema, Esse modelo foi resultado de uma tentati- generalizáveis para analogias mais complexas como
va de integração das descobertas da literatura, princi- as que foram utilizadas aqui. De fato, Carpenter e cols.
palmente no trabalho de Carpenter & cols. (1990) que concluíram que "a análise do raciocínio em analogias
estudou os processos de resolução das Matrizes Pro- simples ilumina os processos de inferências específi-
gressivas de Raven (Raven, 1962; Raven, Raven & cos da tarefa, mas são improváveis em representar as
Court, 1998). Esse estudo é o que propõe o modelo diferenças individuais em tarefas de raciocínio mais
mais adequado para itens do tipo apresentado na Fi- complexas"(p. 429).
Primeiro Bloco: input primeira linha, análise perceptual e análise conceituai (indução de regras) (Carpenter, Just & Shell, 1990); codificação e
inferência de relações (Sternberg, 1977), comparação e decomposição de elemento, análise de transformações e geração de regras (Mulholland,
Pellegino & Glaser, 1980).
Segundo Bloco: input segunda linha, análise perceptual, análise conceituai (generalização)
(Carpenter, Just & Shell, 1990), mapeamento (Sternberg, 1977), comparação de regras (Mulholland, Pellegino & Glaser, 1980).
Terceiro Bloco: input terceira linha, análise perceptual, análise conceituai (generalização), geração e seleção de uma resposta (Carpenter, Just & Shell,
1990), aplicação, comparação e resposta (Sternberg, 1977), comparação de regras, resposta (Mulholland, Pellegino & Glaser, 1980).
Memória de Trabalho
Figura 3: Modelo para a TAüdade de pToceaimioito
memória de trabalho de
ücsecutivo C e n t r a l
acordo Alan Baddeley e
O o n t r o l e da atenção (atenção seletiva)
Graham J. Hich C o o r d e n a ç ã o de atividades mentais
Seleção, ativação e m a n i p u l a ç ã o de informações
da m e m ó r i a de l o n g o p r a z o
Buffers de A r m a z e n a m e n t o
Informações InformçoBS
auditivas, verbais visuais eespaoíais
Inteligência Fluida 67
O primeiro chamado ciclo fonológico (reading span) criada por Daneman e Carpenter
(phonological loop) é responsável pelo (1980). Nesta tarefa os sujeitos devem ler listas com
armazenamento de informações acústicas (ou liga- duas a seis frases tais como (exemplo com duas fra-
das à fala) e consegue manter traços por dois ou três ses): "O táxi entrou na avenida Michigan onde eles
segundos. Depois deste intervalo os traços de me- tiveram uma bela vista do lago / Quando finalmente
mória só permanecerão ativos por mais tempo se seus olhos abriram, não havia o brilho do triunfo e
ocorrer alguma estratégia de repetição. nem uma sombra da raiva" e após a leitura devem
O segundo, chamado área de armazenamento responder algumas perguntas e ao final repetir a últi-
visual-espacial (visuo-spatial sketch pad), é respon- ma palavra de cada frase. Como pode ser observado
sável pelo armazenamento de informações visuais. além do armazenamento estas tarefas requerem si-
Este subsistema é dividido ainda em uma parte espe- multaneamente o processamento das informações
cializada no armazenamento de informações espaci- apresentadas.
ais, por exemplo, sobre a localização de objetos, e
outra especializada em informações sobre as propri- O executivo central e a inteligência fluida
edades de estímulos visuais, por exemplo, a aparên- A relação entre a inteligência fluida e a me-
cia de objetos. mória de trabalho passou a ser evidente quando as
Os sistemas ciclo fonológico e área de pesquisas mostraram que medidas de memória de
armazenamento visual têm capacidades limitadas de trabalho se correlacionavam com atividades
armazenamento e este limite varia de pessoa a pes- cognitivas complexas ligadas aos fatores
soa, isto é, existe uma grande variabilidade indivi- psicométricos (Jurden, 1995). Três trabalhos são mais
dual quanto à capacidade de armazenamento. relevantes e conhecidos: Carpenter e cols. (1990),
O terceiro, chamado de executivo central (cen- Daneman e Carpenter (1980) e Kyllonen e Christal
tral executive) é responsável pelo processamento (1990).
cognitivo ligado ao ciclo fonológico e à área de Daneman e Carpenter (1980) compararam as
armazenamento visual. Baddeley (1996b) define a correlações de medidas tradicionais de memória de
memória de trabalho como "um sistema de capaci- curto prazo, que só requerem a habilidade de arma-
dade limitada capaz de armazenar e manipular in- zenar informações, e medidas de memória de traba-
formações" (p. 13488). Portanto ao invés de referir- lho, requerendo o armazenamento e processamento,
se simplesmente à capacidade de armazenamento, a com a habilidade verbal medida pelo SAT (Scholastic
memória de trabalho refere-se à capacidade de Assessment Testy um teste usado na seleção de alu-
armazenamento + processamento fazendo-a distinta nos para as universidades americanas. Os autores
do construto memória e curto prazo anteriormente encontraram uma correlação de 0,59 (p <0,01) para
concebido. Portanto, o executivo central é elemento memória de trabalho e 0,35 (n.s.) para memória de
que faz a memória de trabalho diferir do conceito de curto prazo concluindo que a memória de trabalho é
memória de curto prazo integrando uma estrutura elemento crucial na compreensão da linguagem.
mais funcional ligada ao processamento além das Kyllonen e Christal (1990) fizeram um exten-
estruturas ligadas ao armazenamento como antes se so estudo empregando a análise fatorial confirmatória
concebia. investigando a estrutura fatorial subjacente a um
Esta distinção é claramente percebida nas ta- conjunto de provas de inteligência cristalizada, inte-
refas criadas para avaliar a memória de trabalho. Por ligência fluída e memória de trabalho. Eles encon-
exemplo, Kyllonen e Christal (1990) criaram medi- traram correlações entre 0,82 a 0,88 entre medidas
das de memória envolvendo simultaneamente a ma- raciocínio e memória de trabalho concluindo com
nutenção e manipulação de informações. Eles pedem uma frase que ficou famosa no âmbito acadêmico
aos sujeitos que memorizem algumas equações como: que titulava o artigo relatando esta pesquisa: "A ha-
A = C + 3; C = B/3; B = 9, e depois perguntam o bilidade de raciocínio é (um pouco mais que) a ca-
valor de A, B e C. Outra tarefa clássica de medida da
memória de trabalho é chamada extensão em leitura 4
Mais informações sobre este teste podem ser obtidas em http:/
/www.collegeboard.com/
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paridade de memória de trabalho?" quando outros estímulos competem pela atenção.
Carpenter e cols. (1990) fizeram uma análise Este processo relaciona-se à ativação de certas re-
extensa e bastante interessante do processamento presentações mentais e também pela inibição de ou-
cognitivo envolvido na resolução das Matrizes Pro- tras representações distratoras.
gressivas de Raven um teste clássico de raciocínio A lógica do-estudo de Engle e cols. (1999)
indutivo ou inteligência fluida (Raven, J., Raven J. sustenta-se na idéia de que ambas medidas de me-
C. & Court, 1998). Uma das descobertas é que a com- mória de curto prazo e medidas de memória de tra-
plexidade dos itens aumenta a medida em que há mais balho requerem o armazenamento de informação mas
regras a serem consideradas nos problemas. Por isso somente as medidas de memória de trabalho reque-
para resolver estes problemas a pessoa precisa pos- rem o controle da atenção, já que envolvem a execu-
suir "habilidade de gerar submetas na memória de ção de múltiplas tarefas simultaneamente. Sendo as-
trabalho, armazenar a satisfação destas submetas, e sim argumentam que as correlações entre medidas
planejar novas submetas a medida que outras são de memória de curto prazo e memória de trabalho
atingidas" (p. 413). Este processo de geração è ma- ocorrem por causa da capacidade de armazenamento.
nutenção de metas na memória claramente requer A variância residual da medida de memória de tra-
além do armazenamento o processamento das infor- balho, após o controle estatístico removendo a
mações o que supõe que a resolução deste teste de- variância comum com a memória de curto prazo,
pende muito da memória de trabalho. Em um dos corresponderia às diferenças individuais na capaci-
experimentos os participantes responderam ao Raven dade de controle da atenção sendo este o construto
e a Torre de Hanói um jogo com grande dependên- que estaria envolvido nos testes de inteligência flui-
cia da memória de trabalho. A correlação entre a da. Os resultados de Engle e cols. corroboraram esta
quantidade de erros cometidos nos dois instrumen- idéia mostrando uma correlação de 0,49 (p <0,05)
tos foi muito alta (r=0,77;p <0,01) sugerindo, como entre o resíduo de medidas de memória de trabalho
o estudo de Kyllonen e Christal (1990), que a capa- com o fator inteligência fluida depois que o compo-
cidade de memória é uma das mais importantes ca- nente ligado ao armazenamento foi estatisticamente
pacidades envolvidas na resolução do Raven. removido ao passo que a correlação entre memória
A partir de estudos como estes vários outros de curto prazo e a inteligência fluida depois do con-
foram feitos procurando relacionar medidas de raci- trole estatístico foi de 0,12 (n.s.).
ocínio ligadas ao fator inteligência fluida e memória Em outro estudo Kane, Bleckley, Conway e
de trabalho tais como os de Embretson (1995,1998). Engle (2001) avaliaram mais diretamente as correla-
Mesmo Carroll (1993) já antecipava esta linha de ções entre as diferenças individuais em memória de
pesquisa em seu estudo fatorial clássico (p. 247). trabalho e o controle de atenção. Os autores compa-
Mais recentemente Engle, Tuholski, Laughlin raram sujeitos com alta e baixa capacidade de me-
e Conway (1999) realizaram um estudo das correla- mória de trabalho em duas tarefas. Uma delas que
ções entre medidas de memória de curto prazo, en- exigia exclusivamente o controle da atenção para
volvendo o armazenamento simples, medidas de evitar uma resposta automática. A tarefa controle
memória de trabalho, envolvendo o armazenamento exigia uma resposta quase automática não exigindo
simultaneamente ao processamento cognitivo, me- controle da atenção e nem memorização. Os resulta-
didas de inteligência fluida (Raven e Testes Livres dos indicaram diferenças de desempenho entre os
de Viés Cultural de Cattell) e o SAT. Os autores usa- sujeitos com alta e baixa capacidade de memória de
ram a análise de estruturas de covariância permitin- trabalho na primeira tarefa indicando que a memória
do a testagem de vários modelos buscando explicar de trabalho esta associada ao controle da atenção.
as correlações encontradas. A hipótese central era Em outro estudo recente Miyake, Friedman,
que o processo básico ligado ao executivo central é Rettinger, Shah e Hegarty (2001) empregaram pro-
atenção controlada. O controle do foco da atenção cedimentos de análise semelhantes aos de Engle e
permite que a pessoa consiga manter representações cols. (1999) mas no domínio das habilidades visu-
mentais ativas mesmo em condições de distração ais. Este estudo analisou as correlações entre medi-
Inteligência Fluida 69
das de memória de trabalho visuo-espacial, memó- mações não pertinentes, ou eliminando informações
ria de curto prazo visuo-espacial, medidas da função que parecem não ser úteis para a resolução do pro-
executiva e três fatores específicos de processamento blema" (p. 8).
visual (Gv): visualização, relações espaciais e'velo- Portanto, a definição dos processos cognitivos
cidade perceptual. No estudo de Engle e cols (1999) e das habilidades básicas ligadas a estes processos
as medidas de memória eram predominantemente para inteligência fluida reside no estudo do executi-
verbais ligadas ao ciclo fonológico. Já no estudo de vo central. Baddeley (1996a) faz uma revisão de suas
Miyake e cols. (2001) elas eram ligadas à área de pesquisas tentando elucidar os processos básicos
armazenamento visual. Os autores encontraram uma subjacentes ao executivo central e os divide em qua-
alta correlação entre medidas de memória de curto tro capacidades: (a) capacidade de coordenar ativi-
prazo e memória de trabalho visuais indicando que dades mentais simultâneas dos dois sistemas de
as duas dependem na mesma medida do executivo armazenamento (ciclo fonológico e área de
central. Enquanto no estudo de Engle e cols. ficou armazenamento visual), (b) capacidade de supervi-
evidente que o ciclo fonológico, ou a memória de sionar a atividade mental alternando estratégias au-
curto prazo verbal, embora altamente correlacionada, tomáticas com estratégias novas quando necessário,
é distinta do executivo central, o estudo de Miyake e (c) capacidade de atenção seletiva, isto é, prestar aten-
cols. indicou que a memória visual é praticamente ção em informações específicas relevantes e ao mes-
indistinguível do executivo central. Uma das expli- mo tempo inibir a ativação de outras informações
cações para isso é que as pessoas estão muito mais irrelevantes e (d) capacidade de ativação de infor-
habituadas em lidar com representações auditivo- mações da memória de longo prazo.
verbais do que usar representações visuais. Conse- Este último componente é importante pois re-
qüentemente as tarefas verbais seriam mais automá- laciona a memória de trabalho com a memória de
ticas e menos dependentes do executivo central quan- longo prazo. Engle e cols. (1999) cita um modelo
do fossem realizadas com poucas informações. Ao que concebe a memória com um único sistema am-
contrário as tarefas visuais, mesmo envolvendo de plo com vários elementos em diferentes níveis de
uma pequena quantidade de informação, já sobre- ativação. As informações da memória de curto pra-
carregaria o sistema de memória exigindo o executi- zo corresponderiam a parcelas da memória de longo
vo central. prazo com um alto nível de ativação e a memória de
Os estudos citados acima permitem concluir trabalho consistiria destes elementos ativados mais
que a relação entre memória de trabalho e inteligên- os processos de controle da atenção usados para
cia fluida ocorre em razão de ambas dependerem das manter o nível de ativação e impedir que outras re-
funções realizadas pelo executivo central. Ambas as presentações internas ou estímulos externos desvi-
tarefas requerem o armazenamento de várias infor- em o foco da atenção levando o conteúdo da memó-
mações e a execução simultânea de processos ria à desativação.
cognitivos de transformação dessas informações ul- Rosen e Engle (1997) compararam pessoas
trapassando o montante de informações que os com alta e baixa capacidade de memória de trabalho
buffers de armazenamento (ciclo fonológico e área em tarefas de fluência verbal solicitando-as que lem-
de armazenamento visual) conseguem manter ativas. brassem o maior número de animais em um interva-
Portanto é necessário um controle ativo e voluntário lo fixo de tempo. Os autores descobriram que a ca-
dos processos de atenção para organizar a atividade pacidade de memória de trabalho está ligada à fluên-
mental para que resolução possa ser atingida. Como cia de recuperação. Nesta tarefa as pessoas precisam
afirma Hunt (1999) as tarefas exigem "estruturas de ativar automaticamente a partir de uma idéia (a cate-
controle da atenção que possibilitam às pessoas fi- goria "animais") "espalhando" a ativação para idéi-
xarem atenção em um ou outro item na memória ... as da mesma categoria, monitorar-se para não forne-
assegurando um fluxo ordenado de informações para cer respostas repetidas, suprimir respostas anterior-
a memória de trabalho, vindas do mundo externo e/ mente pensadas e gerar "pistas" para a criação de
ou da memória por si mesma, seja bloqueando infor- novas idéias. Principalmente os últimos três elemen-
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tos envolvem o executivo central já que estão liga- Tabela 3: Síntese das capacidades ligadas ao
dos a uma busca ativa por informações na memória executivo central
de longo prazo requerendo um controle ativo da aten-
ção. Os resultados deste estudo indicam que a maior • Capacidade de manter representações ativas.
capacidade de memória de trabalho facilita a ativa- • Capacidade de coordenar atividades mentais
ção e fluência de recuperação de informações da simultâneas. "
memória de longo prazo. • Capacidade de monitorar e supervisionar a atividade
mental. Capacidade de atualizar ou. manipular as
As funções do executivo central recentemen- representações na memória de trabalho. .
te têm sido igualadas à metacognição definida como • Capacidade de atenção seletiva, isto é, focalizar a
a avaliação e controle dos processos cognitivos. atenção em informações específicas para aumentar sua J