A filosofia é um luxo? O que é um luxo é dispendioso e inútil. [....] É
evidentemente sobre o problema da inutilidade da filosofia que nos deteremos. Parece- nos, portanto, que a questão posta nos obriga a nos interrogar necessariamente sobre a própria definição de filosofia. E, finalmente, para além até mesmo da natureza da filosofia, é ao drama da condição humana que nossa reflexão nos conduzirá. Em geral, os não filósofos consideram a filosofia uma linguagem abstrusa, um discurso abstrato, que um pequeno grupo de especialistas, único a poder compreendê-lo, desenvolve indefinidamente acerca de questões incompreensíveis e sem interesse, uma ocupação reservada a alguns privilegiados que, graças a seu dinheiro ou a uma feliz confluência de circunstâncias, têm o ócio para se dedicar a ela; um luxo portanto. [...] No nosso mundo moderno no qual reina a técnica científica e industrial, no qual tudo é avaliado em função da rentabilidade e do lucro comercial, para que pode servir discutir as relações entre verdade e subjetividade, mediato e imediato, contingência e necessidade, ou a dúvida metódica em Descartes? [...] A glória da filosofia, responderão alguns filósofos, é precisamente ser um luxo e um discurso inútil. Primeiramente, se não houvesse senão o útil no mundo, o mundo seria irrespirável. A poesia, a música, a pintura, elas também são inúteis. Elas não melhoram a produtividade. Mas são, todavia, indispensáveis à vida. Elas nos libertam da urgência utilitária. É, igualmente, o caso da filosofia. Sócrates, nos diálogos de Platão, ressalta a seus interlocutores que eles têm todo o tempo deles para discutir, que nada os apressa. E é bem verdadeiro que, para isso, é preciso ócio, como é preciso ócio para pintar, para compor música e poesia. E é precisamente o papel da filosofia revelar aos homens a utilidade do inútil ou, caso se preferia, de lhes ensinar a distinguir entre dois sentidos da palavra útil. Há o que é útil para um fim particular: a calefação, a iluminação ou os transportes, e há o que é útil ao homem enquanto homem, enquanto sernsante. pe O discurso da filosofia é “útil” nesse último sentido, mas é um luxo, caso se considere como útil apenas o que serve a fins particulares e materiais. [...] Se a maior parte dos homens considera a filosofia um luxo, é sobretudo porque ela lhes parece infinitamente afastada do que constitui a substância de suas vidas: suas preocupações, seus sofrimentos, suas angústias, a perspectiva da morte que os espera e que espera os que eles amam. Em face dessa realidade esmagadora da vida, o discurso filosófico não pode lhes parecer senão uma vã tagarelice e um luxo irrisório... “Palavras, palavras, palavras”, dizia Hamlet. O que é, em última instância, o mais útil ao homem enquanto homem? É discorrer sobre a linguagem ou sobre o ser e o não ser? Não é, antes, aprender a viver uma vida humana? Evocamos há pouco os discursos de Sócrates, discursos sobre o discurso dos outros. Eles não eram destinados, todavia, a construir um edifício conceitual, um 1 Texto publicado pela primeira vez no Le Monde de L’Éducation , nº 191, março 1992, p. 90-93. Utilizamos a versão brasileira, publicada pela É Realizações, referência completa ao final