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Filosofia para Crianças

Artigos de filósofos e teóricos da Educação, dirigidos a professores e educadores, que


apontam para uma nova perspectiva educacional voltada para o desenvolvimento do pensar.

A Coleção Pensar, desenvolvida pelo Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças, reúne
artigos de filósofos e teóricos da Educação, dirigidos a professores e educadores. Os textos
apresentados apontam para uma nova perspectiva de enfoque educacional, voltada para o
desenvolvimento do pensar.

VOLUME 1 - A Comunidade de Investigação e o Raciocínio Crítico

ALGUMAS PRESSUPOSIÇÕES DA NOÇÃO "COMUNIDADE DE


INVESTIGAÇÃO"

Ann Margaret Sharp

Algum tempo atrás, visitei um treinamento residencial de instrução para professores de


Filosofia para Crianças, dirigido por dois orientadores do Institute for the Advancement of
Philosophy for Children. Logo que cheguei, um dos participantes me disse achar que, como
um grupo, tinham atingido o objetivo: eles agora eram uma verdadeira comunidade de
investigação. - Deu trabalho,- disse ela - mas chegamos lá. Eles estavam reunidos há sete
dias.

Lembro-me claramente que naquele momento senti uma pontada de desgosto, não com a
pessoa, mas com o que ela disse. No entanto, não falei nada. Mais tarde, ao refletir,
perguntei a mim mesma porque havia sentido aquilo. Por que havia tido aquela reação tão
forte? Eu mesma havia dito àqueles professores, no livro Filosofia na Sala de Aula, que
um dos principais objetivos de fazer filosofia com crianças no 1º grau era, justamente,
transformar as salas de aula em comunidades de investigação. Além disso, eu mesma
afirmei que tal meta não seria atingida a não ser que os próprios professores vivenciassem o
que seria participar de tal comunidade.

- Talvez,- pensei - justamente porque você não está realmente certa do que seja uma
comunidade de investigação é que se sente tão mal quando um professor lhe devolve suas
próprias palavras nesse tom de satisfação. Talvez, experimente uma pontada de dor porque
suspeita que foi você mesma a responsável por sua própria desilusão.

Então, me lembrei de algo mais. Um longo poema que havia escrito em 1980 e que contava
a história de uma garota chamada Mieke. Na realidade era uma história sobre investigação
e, no final, Mieke, já na meia idade, diz:
Hoje, eu anseio, exatamente como meu avô fazia, pela liberação intelectual de todas as
crianças, e pelo reconhecimento de seus direitos à investigação. Também anseio, como ele
ansiava, por educação de qualidade para todas as crianças. Se elas soubessem lidar com as
ferramentas da investigação e do diálogo, poderiam efetuar sua própria liberação
intelectual. Uma liberação que é pré-requisito para a reforma econômica, política e social.

A educação dialógica, imbuída de investigação, tem que começar bem cedo, quando as
crianças estão nos primeiros anos escolares. E precisa ser reforçada, ano após ano, por
professores que compreendem as crianças e a investigação, e respeitam as idéias das
crianças. Esses professores devem ajudar as crianças a pensar criticamente, de um modo
aberto ainda que rigoroso, construindo sobre as idéias umas das outras, enquanto vivem a
vida da investigação.

À medida que o processo continua, ano após ano, o enfoque deve sempre ser no
aperfeiçoamento da própria investigação, na sua relação com os problemas em discussão. É
esta educação, e somente esse tipo de educação, que capacita as crianças a pensarem por si
mesmas de uma maneira objetiva, consistente e abrangente.

Só tenho 49 anos. Ainda tenho tempo para ensinar às crianças. Agora, quando eu a vejo,
reconheço o que é uma comunidade de investigação. E, estou ficando cada vez melhor em
ajudar crianças a transformarem as salas de aula em tais comunidades.

Mas me seria difícil especificar todas as suas características. É algo que se vive, ano após
ano, de modo que, após um tempo, se torna parte do seu sangue. E se pode tornar isso, uma
realidade para as crianças. (1)

Talvez vivamos certas experiências que sabemos serem genuínas e as reconhecemos como
tal quando as vivenciamos, embora não possamos descrevê-las ou explicá-las com palavras.
Hà, no entanto, algo a respeito da noção comunidade de investigação, seja ela colocada
como a meta do bom ensino ou descrita como experiência vivenciada, que exige análise e
esclarecimento dos critérios identificadores. Sua própria natureza exige, ao menos, uma
tentativa de uma descrição cuidadosa do processo. Senão, como se saberia que a está
vivenciando? Ou, como um professor saberia quando, finalmente, transformou uma classe
em comunidade de investigação?

É verdade que podemos identificar com precisão alguns comportamentos que indicariam
que um aluno estivesse vivenciando o que é participar de uma comunidade de investigação:

• aceita, com boa vontade, a correção feita pelos colegas;


• é capaz de ouvir atentamente os outros;
• é capaz de considerar, seriamente, as idéias dos demais;
• é capaz de construir sobre as idéias dos colegas;
• é capaz de desenvolver suas próprias idéias sem medo de rejeição ou de
humilhação;
• é aberta a novas idéias;
• é capaz de detectar pressuposições;
• demonstra preocupação com a consistência ao apresentar um ponto de vista;
• faz perguntas relevantes;
• verbaliza relações entre meios e fins;
• mostra respeito pelas pessoas da comunidade;
• mostra sensibilidade ao contexto ao discutir conduta moral;
• exige que os colegas dêem suas razões;
• discute questões com objetividade;
• exige critérios.

No entanto, esses comportamentos realmente não identificam precisamente os pressupostos


da noção comunidade de investigação. É possível que o processo da educação, por si só,
não nos ensine nada além do que já sabemos. Porém, a educação deveria nos ajudar a
esclarecer o que sabemos, nos ajudar a fazer melhores distinções, a reconhecer
pressuposições subjacentes, a distinguir entre boas e más razões, a pensar de modo mais
coerente e abrangente, a criticar tanto as nossas próprias metas como as dos outros e a
criticar nossos próprios pensamentos assim como os dos outros. A educação deveria nos
ajudar a ser mais objetivos em nossa investigação. Embora seja possível que a
racionalidade possa não nos levar à certeza, acho que quase todos nós concordaríamos que
os seres humanos elaboraram conceitos de natureza cognitiva que ajudaram as civilizações
a abandonarem a condição de bárbaras. Não é verdade que estaríamos melhor sem a lógica,
sem uma mente aberta, sem a disposição de aceitar críticas, sem a disposição de submeter
nossas hipóteses à uma análise, sem a disposição de considerar as razões, mesmo que, ao
dialogar, talvez, só cheguemos perto de tais traços. Seríamos muito piores sem a
imparcialidade, a coerência e a razão, embora as utilizemos de modo imperfeito. Quando
nos aproximamos desses traços intelectuais, não só começamos a entender melhor as
pessoas e o mundo em que vivemos, mas também nos aproximamos do auto-conhecimento.
Nós nos educamos.

A teoria da relatividade mudou o nosso modo de pensar sobre as coisas, incluíndo o próprio
processo da educação. Certamente tem a ver com o que pensamos a respeito da matéria, do
espaço e do tempo. Mas também influencia significativamente o que pensamos sobre
certeza e verdade(2). Atualmente, muitos filósofos diriam que não existe uma certeza
essencial. Outros diriam que em relação à verdade, o melhor que podemos conseguir são
asserções garantidas que estão sempre sujeitas a revisão. Mas será que isso condena as
comunidades de investigação ao relativismo, no qual não existe maneira pela qual se posa
decidir entre teorias ou visões de mundo conflitantes? Não! A participação numa
comunidade de investigação permite aos alunos perceberem os pontos de vista dos outros e
os levarem em conta ao construirem sua própria visào de mundo. O diálogo permanece
sempre aberto. Podemos educar os nossos alunos para identificarem um conceito produtivo
de racionalidade, para terem um conceito mais sensato de como viver bem, e para
desenvolverem uma tolerância mais estudada da diversidade de modos de entender o
mundo em que vivemos. Isso porém só pode ocorrer se os levarmos, desde cedo, a
participar de uma comunidade de investigação comprometida com o princípio da auto-
correção e a dialogar dentro da tradição filosófica que os seres humanos elaboraram até
hoje. Esse diálogo não só é caracterizado pela comunidade, mas também pela
responsabilidade e pelo comprometimento individual.
Pode parecer paradoxal, mas a mente da criança e do jovem tanto é educada como
educável. Quando um filósofo perguntou a um grupo de crianças qual era a diferença entre
esperar e desejar, uma delas respondeu: - Até o dia do Natal podemos esperar e desejar um
determinado presente. Após abrir os presentes, podemos apenas desejar que tivesse sido
alguma outra coisa, mas a esperança acabou. O mesmo filósofo perguntou a outro grupo de
crianças o que seria mais precioso para elas: as fotos tiradas durante as férias na praia ou as
lembranças que elas tivessem das férias. Uma das crianças disse: - Minhas lembranças,
porque jamais serão destruídas. Ao discutir os direitos dos seres humanos e dos animais,
outra criança, na Inglaterra, disse que do ponto de vista religioso, achava que moralmente
era mais errado matar um animal. Os seres humanos tinham a oportunidade de viver uma
outra vida, mas o animal não.

É através do falar com outras pessoas que nos tornamos pessoas. É através do falar com os
outros que o mundo é trazido à realidade. Stº Agostinho nos diz nas Confissões: "...e assim,
aprendi não daqueles que ensinavam, mas daqueles que falavam comigo." A linguagem e o
pensar são atividades que se sobrepõem. Contar nossas idéias aos colegas de classe é criar e
expressar nosso próprio pensar e, de certo modo, criar a nós mesmos. Além disso, como
Collingwood salienta, "a experiência do falar é também uma experiência do ouvir."(3) Ao
falar com os outros, o implícito se torna explícito, e é assim que conhecemos melhor o que
antes só conhecíamos de modo confuso. É desse modo que nos educamos.

Quando uma criança participa de uma comunidade de investigação na sala de aula ela é
colocada em uma situação muito estranha. Quando se pode compreender o que um colega
está dizendo, pode-se atribuir a essa pessoa as idéias que as palavras provocaram em nós.
Isso implica tratar as palavras como se fossem nossas, reconstruindo-as de modo que façam
sentido para nós. E isso é essencial para responder apropriadamente. Se o nosso mundo é
tanto feito como encontrado, (e eu acho que é) então, segue-se que, vir a saber, para a
criança, é um processo tanto de refazê-lo quanto de se referir ao que já existe.

Como desde o nascimento, cada pessoa está cercada por outras pessoas, os seres humanos
se tornam conscientes de si como pessoas e de suas próprias idéias, à medida que se tornam
conscientes dos outros. Compreender outra pessoa é mostrar (enquanto ouvinte) que você
pode atribuir corretamene uma idéia à outra pessoa como orador. Não adquirimos uma
linguagem e depois a colocamos em uso. Possuí-la é usá-la e, no uso, nos tornamos pessoas
em relação ao outro. A descoberta de mim mesma como pessoa é também a descoberta das
outras pessoas à minha volta.(4) Os outros oradores e ouvintes se tornam as fronteiras do eu.
Assim, falar com outros é formar uma comunidade de discurso, uma fusão de pelo menos
duas pessoas, suas idéias, seus sentimentos e suas imaginações.

À medida que as crianças, no 1º grau, começam a dominar a arte de falar dialogicamente


entre si (ao invés de sempre com o professor) o discurso deveria passar por vários estágios.
No início, talvez pareça a um estranho que só existe o caos. As crianças têm, inicialmente, a
tendência a querer falar todas ao mesmo tempo. Mas logo aprendem que, se continuam a
fazer isso, não podem continuar a discutir os tópicos nos quais elas mesmas estão
interessadas. Isto implica não só ouvir os outros atentamente, mas também ser capaz de
reconstruir o que está sendo dito, de modo a poder replicar. À medida que o processo
continua, a dinâmica deveria passar de um discurso professor-aluno - aluno-professor, para
um discurso aluno-alunos - aluno-professor - aluno-aluno. Também deveria começar a se
formar um processo de pergunta-resposta-pergunta. Questões formuladas pelo professor ou
pelo aluno, originam respostas que, por sua vez, dão origem a novas questões. Questões
instigam os alunos a investigar, a procurar soluções. Respostas os instigam a defender seus
pontos de vista de modo consistente e compreensível. Esta apresentação dos pontos de
vista, inevitavelmente, gera outras questões. Assim, a construção e a reconstrução de idéias
entre os alunos podem ser vistas isoladamenta para efeito de análise mas, na realidade, são
inseparáveis quando um grupo discute determinado assunto em comunidade.

A comunidade de investigação deve prestar atenção especial ao erro. Os alunos podem


aprender a se tornar atentos à possibilidade de erro em afirmações tidas como verdadeiras e
são muito hábeis em darem contra-exemplos. O erro é a pedra de toque da verdade, e como
Collingwood afirma, "apontar o erro na discussão de uma idéia é o que permite o
crescimento na educação."(5)

A esta altura poderíamos, com razão, perguntar se essa comunidade de eterna investigação
chega a algo. Esse processo de eterna auto-correção produz alguma coisa? Existe alguma
concepção verdadeira de racionalidade ou de moralidade; se tudo o que podemos fazer é
nos aproximar dela no diálogo? É aqui que os pensadores diferem. Como Richard Rorty
afirma em seu livro, Philosophy and the Mirror of Nature, alguns acham que tudo que
temos é o próprio diálogo, o eterno processo de auto-correção continuamente sendo
expresso dentro da tradição filosófica. Além disso, ele e outros acham que esse diálogo é
suficiente para tornar o mundo mais razoável, mais humano, pois proporciona o uso de
modos de procedimento pelos quais podemos tornar o mundo um lugar melhor para viver,
um mundo mais razoável. Outros filósofos acham que o fato de podermos falar de nossas
diferentes concepções como diferentes concepções da racionalidade pressupõe uma verdade
absoluta. O próprio fato de podermos concordar que alguns pensadores no passado tenham
sido teimosos, obsecados por uma idéia ou brilhantes em algumas coisas, mas limitados em
outras, pressupõe, ao menos, que tenhamos um ideal regulador de um intelecto justo,
atencioso e equilibrado. Como diz Hilary Putman, "achamos que realmente existe um
porquê e um como para explicar o fato de alguns pensadores não terem alcançado o ideal".
(6)
A noção de uma comunidade de investigação é muito complexa. Pressupõe alguma
noção de verdade que, por sua vez, pressupõe alguma noção de racionalidade que, por sua
vez, pressupõe uma teoria do bem. O bem depende das concepções que possuímos a
respeito de certas coisas tais como, natureza humana, sociedade, pessoas, moralidade e
mesmo, universo. De fato, temos tido que revisar, repetidas vezes, nossas noções de bem,
quando nosso conhecimento empírico aumenta e muda nossa visão de mundo. (7) Mas, o
simples fato dos seres humanos terem mudado suas visões de mundo, pressupõe uma
comunidade de investigação - uma comunidade de pessoas-em-relação, oradores e ouvintes
que se comunicam entre si de modo imparcial e consistente, uma comunidade de pessoas
dispostas a reconstruir o que ouvem umas das outras e submeterem seus pontos de vista ao
processo auto-corretivo da investigação. Nesse ponto, talvez um professor ou um aluno
pergunte, "por que ser racional? É tão complicado. Por que não fazer simplesmente o que
nos ordenam, aceitar o que a maioria pensa e deixar como está? Seria muito mais fácil". A
resposta mais direta que posso pensar para dar a essa pergunta é que o método racional - o
método da investigação - é o único que ajudará os seres humanos a se tornarem pessoas
completas, capazes de ações autônomas, criatividade e auto-conhecimento. É o único
método que eu conheço, que pode ajudar as pessoas a preverem meios para atingir os fins
que consideram significativos e valiosos. É o único método que permitirá fazer previsões e
viver uma vida de auto-realização moralmente satisfatória. Por outro lado, uma vida
satisfatória envolve viver a vida do próprio método, o que pressupõe racionalidade. (Eu
talvez omitisse esse último comentário se estivesse falando com uma criança).

A educação é um processo de crescimento na habilidade de reconstruir as próprias


experiências para que se possa viver uma vida mais plena, mais feliz, qualitativamente mais
rica. Entretanto, na aquisição de conhecimentos práticos (em contraste a conhecimento
teórico) - isto é, conhecimentos que ajudarão a viver uma vida melhor, mais satisfatória, -
não se pode deixar de reconhecer o papel da imaginação e como é importante o seu
desenvolvimento nos primeiros anos da infância. Tornar-se mais racional é muito mais
extenso do que lógica dedutiva que, como mostra Gilbert Harmon, é mecânico. Quando se
pode raciocinar, pode-se voltar às nossas próprias premissas e verificar se são ou não
verdadeiras e se são ou não as que queremos como premissas do nosso argumento. Essa
habilidade envolve nossa capacidade plena de imaginar e sentir, nossa sensibilidade total.
Essas características não nos são dadas no nascimento. Elas são desenvolvidas através da
prática - vivendo racionalmente e imaginativamente em comunidade com os outros. Tal
comunidade pressupõe respeito: respeito pelos procedimentos da investigação, respeito
pelos outros enquanto pessoas, respeito pelas tradições em que o outro foi criado, respeito
pelas criações dos outros. Assim, existe um componente afetivo para o desenvolvimento de
uma comunidade de investigação em sala de aula que não pode ser subestimado. As
crianças devem passar de uma postura de cooperação, em que obedecem as regras da
investigação porque querem ser reconhecidos, para uma postura em que consideram que a
investigação é um processo colaborativo. Quando elas realmente colaboram, o que importa
é o nós e não apenas o sucesso pessoal. O que importa são nossas idéias, nossas conquistas,
nosso progresso. Há poucos meses elas não pensavam assim, e podem estar tão surpresas
quanto qualquer outra pessoa que começa a pensar em termos de nós. A transição é um
processo misterioso. Há poucos meses a criança não via as coisas assim, agora ela o faz.
Mas as crianças sabem que o grupo se tornou, algo muito significativo para elas: as alegrias
do grupo são tão importantes para cada uma delas como as suas próprias. Elas realmente se
respeitam como pessoas e isso as capacita a conversarem de um modo como nunca haviam
feito antes. Elas podem perguntar sem medo de rejeição ou humilhação. Elas podem testar
idéias que antes nunca teriam pensado em expressar, apenas para ver o que acontece(8).

A imaginação é um passo crucial no crescimento do raciocínio filosófico na comunidade.


Ela se expressa não só no falar e ouvir, mas através da dança, do desenho, da música, do
escrever e mesmo das ciências. Expressões desse tipo é que capacitam a criança a se tornar
consciente de si mesma em relação às outras pessoas do mundo. Isto é a essência do que
entendemos por educação.

O papel da filosofia no 1º grau é fazer uma ponte entre o antigo e o novo, tornar consciente,
nas palavras das crianças, as idéias fundamentais da cultura e ajudar os alunos, através da
investigação, não só a se apropriarem da tradição, mas revivê-la e reconstruí-la numa
versão mais coerente e significativa - uma versão que faça sentido para eles. O raciocínio
filosófico é, por definição, um raciocínio aberto. Aponta novas maneiras de ver, perceber e
compreender o mundo. É também um método de transformar em realidade essas novas
visões e versões, se forem julgadas válidas. Dá novas esperanças às crianças de hoje em
dia, muitas das quais estão desiludidas com as visões e versões da geração mais velha.
Assim como uma obra de Kandinsky pode ser tão excelente e tão bela quanto uma pintura
de Rembrandt, novos modos de ver o mundo e julgar o que é importante e significativo na
vida humana são sempre possíveis para jovens numa comunidade de investigação(9).

Aprender a fazer Filosofia bem, pressupõe uma comunidade de experiências partilhadas na


qual há procedimentos comuns e compromisso com esses procedimentos. Hábitos
intelectuais não são ensinados por preleções, mas sim criando-se condições que permitam
às crianças adquirirem prática em agir de modo imparcial, objetivo e imaginativo,
condições estas que as encorajam a ser abertas a novas experiências e a desenvolver a
coragem que necessitarão para mudar suas antigas visões tendo por base as novas
experiências. Esses hábitos são pré-condições da investigação aberta. E são estes que
poderão desenvolver nas crianças de hoje intelectos harmoniosos, equilibrados e morais.

No melhor de todos os mundos possíveis, qualquer educação capacitaria as crianças a se


livrarem de medos intelectuais, ou como Collingwood o chama, da "corrupção da
consciência". É esse medo que obstrui a audácia intelectual e imaginativa e a ação criativa.
No melhor de todos os mundos possíveis, os professores fariam tudo o que pudessem para
incentivar as próprias crianças a se ajudarem a se libertar da covarde confiança nas idéias
antigas (frequentemente chamadas fatos) não mais sustentáveis, mesmo quando as novas
idéias pudessem parecer pertubadoras. Muitas crianças se desviam de idéias audaciosas e
imaginativas devido ao medo que lhes foi comunicado e engendrado pela geração mais
velha. Essas são as idéias que deveriam partilhar com seus colegas de modo aberto e
crítico, investigando as pressuposições, considerando as consequências e criando juntas
meios de as tornarem reais se, após reflexão, parecerem válidas. Ao invés disso, as crianças
são incentivadas, pela sociedade, a voltarem sua atenção para algo muito menos
intimidador, como habilidades de pensamento ou lógica, devido ao receio de que novas
idéias não as levem à dominação. (Isto não quer dizer que a lógica e outras habilidades de
pensamento não são necessárias para o raciocínio filosófico. Elas são. Mas não são
suficientes. A discussão de idéias filosóficas é igualmente importante para o crescimento da
autonomia intelectual das crianças). Essa "consciência corrupta" é a "pior doença da
mente"(10), e o mais sério obstáculo ao desenvolvimento de comunidades de investigação
em sala de aula, nas quais, fazer filosofia tem um papel central.

Supondo que tivesse dito tudo isso para aquela professora, no último verão, durante o
treinamento intensivo, quando ela disse, tão orgulhosamente, que ela e seus colegas haviam
formado uma comunidade de investigação em apenas sete dias. - Deu trabalho, - disse ela -
mas nós chegamos lá. Será que ela ainda estaria tão satisfeita se eu tivesse,
cuidadosamente, lhe revelado algumas das minhas reflexões a respeito das pressuposições
do que penso ser participar de uma comunidade de investigação?
NOTAS

1. Ann Margaret Sharp, "Children's Intellectual Liberation" (Educational Theory, vol.31).


Volta

2. Hilary Putnam, "Literature, Science and Reflection," in Meaning and The Moral
Sciences," London: Routledge and Kegan Paul. Volta

3. R.G.Collingwood, Principles of Art, Oxford: Clarendon Press 1938. Volta

4. Ibid Volta

5. Sherman M.Stanage. "Phenomenology of Education," in Critical Essays on the


Philosophy of R.G.Collingwood, editado por Michael Krausz. Oxford, Clarendon Press,
1972. Volta

6. Hilary Putnam, "Reason and History," in Reason, Truth and History. Cambridge:
Cambridge University Press. Volta

7. Hilary Putnam, "Values, Facts and Cognition," in Reason, Trut and History. Cambridge:
Cambridge University Press. Volta

8. Para uma discussão dessa passagem de uma postura pessoal através de uma postura
cooperativa para uma postura colaborativa, ver Harry Stack Sullivan (1953), Conceptions
of modern Psychiatry. New York: Norton. Volta

9. Ver Nelson Goodman (1978) Ways of World-Making. Indianapolis, Ind.: Hacket


publishing Company, especialmente cap.1, "Ways of World-Making", e capítulo dois,
"Trouble with Truth." Volta

10. R.G.Collingwood, Principles of Art p.336. Também com relação ao diálogo, ver
Sherman Stanage, "The personal World" - para Stanage, o diálogo é o verdadeiro encontro,
o envolvimento real, o pleno compromisso. A dialética é a mais íntima aproximação do
diálogo como de fato em processo e conhecido reflexivamente como estando em processo.
É recriação, re-interpretação e transformação do diálogo. Estas idéias estão implícitas em
"Principles of Art". Volta

A FILOSOFIA E O DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO

Mathew Lipman
Atualmente há um grande interesse pelo desenvolvimento das habilidades de raciocínio dos
estudantes das escolas de 1º e 2º graus e das universidades. Para muitos observadores do
quadro educacional, a deficiência nessas habilidades é o cerne do problema da educação
contemporânea.

Até recentemente havia pouquíssima informação a respeito dos pormenores dessa


deficiência. E, enquanto a falta das assim chamadas habilidades de raciocínio de "ordem
superior" estivessem recebendo a maior parte da atenção, especialmente no 2º grau e nas
universidades, não parecia necessário explorar a possibilidade de que as raízes da
dificuldade pudessem estar no 1º grau. Somente quando foi notada uma distinção entre as
habilidades primárias de raciocínio e as de "ordem superior", é que se começou a
reconhecer que aquelas habilidades primárias - na maior parte habilidades lógicas
elementares - são o aparato lógico fundamental dos seres humanos de qualquer idade e,
virtualmente, de qualquer cultura. Elaborando um teste de múltipla escolha com 50 itens -
New Jersey Test of Reasoning Skills - baseado numa taxonomia das habilidades primárias
de raciocínio, foi possível comparar a performance de indivíduos nas mais diversas idades.*

Certamente em algumas séries o número de estudantes testados foi muito pequeno para que
se pudesse fazer inferências seguras. Mas o resultado final é sugestivo. Parece haver um
progresso gradual entre a 2ª e a 7ª séries e, em seguida, um declínio. E quando finalmente
os calouros universitários são testados - e esses são apenas uma parte da população jovem,
os 60% academicamente mais bem qualificados na sua faixa etária - a performance não
ultrapassa aquela atingida na 6ª série. Tanto os estudantes da 6ª série como os calouros
universitários conseguem responder corretamente a 76% dos itens do teste.

Isso não significa, necessariamente, que os alunos do 1° grau estejam raciocinando tão bem
quanto poderiam. Mas nos ajuda a compreender um pouco melhor porque muitos
estudantes universitários consideram os cursos tão difíceis: na verdade eles os enfrentam
com uma capacidade de raciocínio condizente com a 6ª série.

Já que cada vez mais suspeitava-se de que a deficiência em habilidades de raciocínio


estava, de algum modo, relacionada com o decepcionante desempenho acadêmico da
grande maioria dos estudantes, várias disciplinas começaram a se interessar pela situação.
A Filosofia está entre essas disciplinas e este artigo pretende frisar que é justamente à
Filosofia que deveria ser confiada a responsabilidade pelo desenvolvimento do raciocínio.

Para a Filosofia o desafio não é novo. Desde suas origens, tem sido a única disciplina capaz
de dar os critérios - os princípios da lógica - que tornam possível distinguir entre bons e
maus raciocínios. A Filosofia tem se preocupado com o desenvolvimento das habilidades
de raciocínio, com o esclarecimento de conceitos, com a análise dos significados e com o
cultivo de atitudes que levem as pessoas a questionar, investigar e tentar, de várias
maneiras, buscar os significados e a verdade. De fato, a Filosofia tem sido tradicionalmente
caracterizada como um pensar que se dedica ao aprimoramento do pensamento. Portanto,
para que se possa melhor cultivar o raciocínio das crianças e dos jovens, a Filosofia deveria
ser parte essencial do currículo da escola de 1° grau.
Isso não quer dizer que a Filosofia tenha que ser apresentada no 1º e 2º graus como tem
sido tradicionalmente ensinada na universidade. A Filosofia ainda é filosofia quando,
despida de sua terminologia técnica e de sua história de sistemas de pensamentos, retém sua
ênfase na discussão lógica das idéias que são importantes tanto para os alunos quanto para
os professores. Continua a ser Filosofia quando consiste em investigação intelectual
cooperativa e auto-corretiva, não importando se os estudantes em questão são do jardim de
infância ou da universidade. Quando a Filosofia é adicionada ao currículo produz uma
educação genuinamente reflexiva motivando os alunos a conversarem uns com os outros de
maneira disciplinada sobre assuntos essenciais e a pensarem objetivamente sobre seu
próprio pensar.

O que propomos é ensinar a raciocinar de modo a desenvolver as habilidades cognitivas dos


alunos. É óbvio que tal desenvolvimento não se dá com a simples explanação dos
princípios da lógica ou forçando os alunos a se engajarem em exaustivos exercícios de
lógica, ou mesmo dando-lhes exemplos de quão maravilhosamente nós, os adultos,
raciocinamos. O que precisa ser debatido é como fazer isso, e várias propostas têm sido
feitas, sendo a baseada na disciplina da Filosofia apenas uma delas.

Mas quais os critérios que deveríamos usar para avaliarmos os vários programas que
propõem desenvolver as habilidades de raciocínio? Parece que dois critérios relevantes são
indispensáveis: um quantitativo e outro qualitativo. O primeiro se refere à aferição do
desenvolvimento das habilidades cognitivas através de testes válidos e seguros. O segundo
refere-se ao significado educacional do programa - no que ajuda o aluno a se tornar um
indivíduo racional, criativo e auto-crítico numa sociedade democrática. É de suma
importância a interdependência desses dois critérios pois, se o primeiro for aperfeiçoado
sem o segundo, o aluno se tornará pouco mais que uma peça de equipamento pensante à
procura de um programador.

Algumas das questões que precisam ser colocadas ao considerarmos a Filosofia como
sendo o veículo para o cultivo da competência do raciocínio são:

a) Qual a relação entre raciocínio e pensamento? Entre raciocínio e linguagem? Entre


raciocínio e lógica? Entre raciocínio e educação?b) Qual a relação entre habilidades de
raciocício primárias ou elementares e habilidades de pensar de ordem superior?c) Quais as
vantagens de se ensinar a raciocinar através do contexto da Filosofia ao invés de
desenvolver as habilidade específicas em disciplinas já existentes no currículo?d) Quais as
disciplinas curriculares e que metodologia pedagógica a Filosofia usa para cultivar o
desenvolvimento da habilidade de raciocinar?e) Como as habilidades elementares de
raciocinar podem ser testadas e quais os aperfeiçoamentos mensuráveis que a Filosofia
pode demonstrar?f) Como se explica o fato de que nas escolas ainda não há instrução das
habilidades de raciocínio?

Essas questões levantam várias discussões, algumas filosóficas, algumas psicológicas e


algumas educacionais. Essas discussões serão tratadas nas próximas sub-seções em relação
ao raciocinar, ao ensinar, ao testar e à Filosofia.1. Raciocinar
As crianças começam a explorar, deliberar, inferir e questionar bem antes da aquisição da
linguagem. Quando surge o comportamento verbal ele é tanto gramatical como lógico: a
criança adquire as regras da lógica e da gramática juntamente com as palavras e seus
significados (neste contexto regras não significam nada mais que o uso que parece
conveniente às crianças). Conversas familiares levam a criança a preferir usos gramaticais
de acordo com as convenções linguísticas do seu ambiente cultural. Usos familiares que são
insinuados às crianças, assim como a própria interação destas com seu ambiente, motivam a
escolha que fazem por inferências válidas ao invés de não-válidas. O resultado é que as
crianças geralmente chegam ao jardim de infância já tendo uma habilidade rudimentar tanto
em usos gramaticais como lógicos.

Nos primeiros anos escolares, o desvio ocasional da criança do uso gramatical aceito estará
sujeito à censura e correção por parte dos professores. Isso é algo que os professores estão
preparados para fazer - ficar atentos a certos desvios e prontamente corrigí-los. Mas, o
mesmo não ocorre em relação à inabilidade da criança que começa a raciocinar. Raramente
os professores são instruídos de modo a estarem preparados para vigiarem os tropeços
lógicos de seus alunos, e a terem informações suficientes para corrigir tais erros com
segurança. É tido como certo que as habilidades de raciocínio primárias são adquiridas
durante a aquisição da linguagem - o que em si não é uma pressuposição descabível. Mas,
também é tido como certo que nas escolas não é necessário tomar nenhuma providência
para diagnosticar ou corrigir deficiências de raciocínio, apesar de empregarem especialistas
para o diagnóstico e a correção de deficiências em leitura.

Com isto não estamos querendo sugerir que os professores falham em modelar raciocínio
correto diante de seus alunos ou que deixem de envolver seus alunos na realização de
inferências. O fato é que eles fazem isso sem se dar conta que o fazem. Consideremos as
tão familiares expressões dos professores: Estou ouvindo conversas, ou Não estou vendo
nenhuma mão levantada. Os professores não dizem tais coisas por estarem buscando
confirmação da classe a respeito de algum fato. Essas observações funcionam como a
premissa menor de um silogismo condicional cuja premissa maior é omitida (entimema).
Os alunos, mesmo nos primeiros anos escolares, são capazes de suprir as premisssas
omitidas - Se eu ouço conversa, terei que interromper a aula, ou Se você sabe a resposta,
levante a mão. Eles, então, ao lidarem com as regras de silogismos condicionais, fazem as
inferências apropriadas - Se você sabe a resposta, levante a mão. Eu não vejo nenhuma
mão levantada. Portanto, vocês não devem saber a resposta. Os professores geralmente
não se apercebem do valor que tais expressões têm para estimular as habilidades de
raciocínio. Infelizmente, eles também desconhecem os passos que devem ser dados quando
os alunos tropeçam nas exigências lógicas. Quando os professores não são capazes de
reconhecer falhas de raciocínio na sala de aula (como por exemplo, inconsistências, auto-
contradições, etc) ou não estão preparados para remediar aquelas que constatam, os alunos
com deficiências elementares de raciocínio estarão condenados, durante os anos escolares -
e durante toda a vida - a enfrentar da melhor maneira que puderem, um mundo que espera e
exige deles logicidade e racionalidade. De algum modo, muitos conseguem passar
desapercebidos, mas só parcialmente. Eles talvez desenvolvam técnicas de auto-
preservação, afim de camuflarem suas incapacidades, transformando-as em fraquezas
inocentes e charmosas, ou evitando situações em que a habilidade de raciocínio seja
obrigatória. Todavia, enquanto aceitarmos como verdadeiro que as habilidades de
raciocínio são suficientemente aprendidas na primeira infância e que não necessitam
nenhuma atenção subsequente das escolas, deixaremos os alunos abandonados, para nadar
ou naufragar e, muitos deles certamente, mais cedo ou mais tarde, começarão a naufragar.

Para fins educacionais, a matriz comportamental do pensar é o falar e a matriz do pensar


organizado, isto é, raciocinar, é o falar organizado. O ideal seria que a comunicação
linguística da tenra infância na família preparasse as crianças a raciocinarem na linguagem
acadêmica e esta, por sua vez, as preparasse a raciocinar na linguagem das várias
disciplinas. Mas, já que a comunicação familiar, geralmente, não é tudo o que deveria ser, o
diálogo filosófico deveria ser promovido nas salas de aula como seu substituto. Certamente
isto envolve transformações - devem ser feitas traduções e substituições da linguagem
natural que falamos para a linguagem que lemos e escrevemos e desta para a linguagem das
áreas específicas de estudos acadêmicos. Feitas essas especificações, não seria de admirar
que a lógica natural, que é uma parte da linguagem natural, operasse como uma espécie de
estrutura profunda em relação às estruturas superficiais das disciplinas acadêmicas com as
quais a criança virá a se deparar. As habilidades cognitivas primárias representadas por
competências que estão como que embutidas, devem passar por uma sequência de
contextualizações, descontextualizações e recontextualizações antes que a criança esteja
realmente preparada para se engajar, nas diversas disciplinas acadêmicas, em performances
que envolvem habilidades cognitivas de ordem superior. O que as crianças consideram
particularmente difícil são as transições: a tradução da linguagem que falamos para a
linguagem que escrevemos ou a tradução da linguagem comum para a linguagem simbólica
da matemática. As dificuldades nem sempre são unilineares: o aluno que consegue inferir
com facilidade a conclusão de um silogismo formulado em letras, pode ficar perplexo ao se
defrontar com o mesmo silogismo formulado em palavras. Mesmo assim, insiste-se em que
aprendam a sistematização mais elaborada que podemos planejar em cada disciplina,
deixando de fornecer-lhes os degraus intermediários de que necessitam para se
movimentarem, com maior facilidade, de uma linguagem para a outra. Para aqueles que não
percebem claramente as regras de tradução de uma linguagem para a seguinte, cada nova
fase educacional pode ser traumática (Por que a álgebra, por exemplo, é como que um
choque para muitos? Por que essa transição não pode ser melhor preparada? Certamente
crianças que são ensinadas a detectar e lidar com ambigüidades em sua linguagem natural
estão menos sujeitas a se espantarem com ambigüidades nas formulações algébricas. Do
mesmo modo, crianças que discutiram a respeito da natureza das questões na linguagem
natural estão preparadas para entender y = 7+9 como sendo funcionalmente equivalente ao
problema "Qual é a soma de 7+9?"). Talvez os alunos achassem mais fácil realizar as
sucessivas contextualizações, se os educadores de futuros professores e aqueles que
preparam os currículos tivessem em mente a necessidade de sempre prover os meios para a
realização de tais traduções.

Seria melhor dar uma parada neste ponto para mencionar duas concepções errôneas muito
em voga. A primeira tem a ver com a relação entre habilidades primárias de raciocínio e as
assim chamadas habilidades básicas tais como ler, escrever e calcular. Ler, escrever e
calcular são de fato básicas em relação ao desenvolvimento educacional subsequente, pois
sem elas dificilmente podemos nos habilitar nas disciplinas acadêmicas com as quais nos
deparamos desde a escola primária e que são característica da escola secundária e da
educação universitária. Mas ler, escrever, falar, escutar com atenção e calcular são mega-
habilidades incrivelmente complexas e sofisticadas, são orquestrações de um grande
número de habilidades e atos mentais altamente diversificados que foram previamente
desenvolvidos. Racionar não é outra dessas mega-habilidades; é, pelo contrário, o seu
próprio alicerce e é fundamental para que se desenvolvam. Entretanto, se analisarmos, até
mesmo esses fundamentos são multi-nivelados e uma de nossas maiores tarefas é
desembaraçar e ordenar a galáxia de componentes cognitivos que devem ser coordenados
até mesmo num simples ato de ler, escrever, falar, escutar atentamente ou calcular. (1)

Uma segunda concepção errônea é a de que, enquanto amadurecemos, nossas habilidades


de raciocínio proliferam em quantidade e melhoram muito em qualidade. Isto só é
parcialmente verdadeiro. No decorrer de nossas vidas, em grande parte, contamos com o
mesmo núcleo primordial de habilidades de raciocínio: o repertório básico de habilidades
de raciocínio do adulto é pouco diferente do da criança. A situação é mais ou menos
análoga à da aquisição da linguagem. O número de palavras que um indivíduo pode
adicionar a seu vocabulário é virtualmente ilimitado mas, podemos dizer com certeza que,
as letras de cada nova palavra serão extraídas do mesmo repertório básico - as vinte e seis
letras do alfabeto. Portanto, mesmo quando nos engajamos nas mais elaboradas maneiras de
pensar - longas correntes de deduções, construções teóricas altamente complexas, etc. -
pressupomos familiaridade com um número relativamente pequeno de atos mentais,
habilidades de raciocínio e habilidades de investigação sobre as quais são predicadas as
mais elegantes e sofisticadas operações de pensamento. Sem a habilidade de assumir,
supor, comparar, inferir, contrastar ou julgar, deduzir ou induzir, classificar, descrever,
definir ou explicar, nossas habilidades de ler e escrever estariam em perigo, sem mencionar
nossa capacidade de participar de discussões em sala de aula, realizar experiências e fazer
composições em prosa ou verso.

Há boas razões para enfatizar a continuidade entre as habilidades primárias de raciocínio e


as assim chamadas de ordem superior. Talvez possamos melhor demonstrar como se dá tal
continuidade, através de uma analogia. Consideremos um mecânico trabalhando em sua
oficina. Ele possui habilidades primárias quanto ao uso de cada uma das suas ferramentas.
Ele possui uma habilidade para o uso da chave-de-fenda, outra para o uso do macaco
hidráulico e outra ainda para o uso do alicate. Ele compartilha conosco essas habilidades
primárias, pois nós também sabemos como usar essas ferramentas, embora talvez não
tenhamos tanta habilidade quanto ele. Mas nós provavelmente não sabemos - e ele sabe -
como organizar e seqüenciar o uso dessas ferramentas para consertar o motor. Ele não usa
nada mais que essas ferramentas, mas as usa de maneira calculada e estratégica para
resolver o problema mecânico que nós achamos incompreensível e insolúvel. São essas
habilidades de orquestração e improvisação, somadas ao entendimento de como o carro é
construído como um todo e a compreensão do problema mecânico, que fazem a diferença
entre ele e nós. Não é somente o fato dele saber como o motor trabalha e nós não: é que
cada uma das ferramentas é coordenada com a habilidade tática de empregá-la, e empregá-
la bem é emprega-lá em coordenação com outras habilidades tendo uma estratégia geral
para a resolução do problema como um todo, ou com uma metodologia de improvisação
que capacita o mecânico a agir de modo a resolver a dificuldade. O mesmo se dá com as
habilidades de raciocínio: as primárias, todos nós as possuímos - ou supõe-se que
possuimos. As habilidades de ordem superior, entretanto, não são habilidades que
desempenham operações lógicas diferentes, mas são maneiras concatenadas de executar as
mesmas operações. As habilidades de ordem superior não estão como que em sobreposição
em relação ao classificar, definir, descobrir presuposições subjacentes, delinear inferências,
etc; ao invés disso, são habilidades que se ocupam de classificações altamente sofisticadas,
definições, inferências, etc, empregando as habilidades de modo colaborativo e conjunto ao
invés do modo individualizado que usamos quando as isolamos para estudo.

Já que a importância do raciocínio tem sido reconhecida por milhares de anos, como pode
ter acontecido que o cultivo das habilidades de raciocínio tenha sido sistematicamente
omitido dos currículos das escolas de 1º e 2º graus? Sem dúvida os filósofos, guardiões da
sub-disciplina da lógica, deveriam ter elevado suas vozes mais vigorosamente em favor da
instrução filosófica desde cedo. As escolas de educação deviam ter colocado o cultivo do
diálogo e do pensamento reflexivo ao invés do aprendizado e da administração escolar
como sendo o fundamental na preparação de professores. Os taxonomistas dos objetivos
educacionais deviam ter reconhecido que as habilidades de investigação, às quais dão tanta
importância em suas taxonomias, não seriam adquiridas sem os requisitos da linguagem e
das habilidades de raciocínio. (2) E os psicólogos, ávidos em preservar o raciocínio como
um indicador inigualável do processo cognitivo, deviam ter se questionado a respeito das
implicações éticas ao declararem que o raciocínio não poderia ser ensinado sabendo que,
como consequência, ele não seria ensinado. Mas, tudo isso talvez já esteja no passado e
parece que estamos em situação de apresentar algo de promissor na questão do
aperfeiçoamento da habilidade de raciocínio.2. Ensinar

A Filosofia pode ser ensinada de várias maneiras às crianças desde o jardim de infância até
a universidade. Isso não tem que ser feito da maneira que nós do Institute for the
Advancement of Philosophy for Children temos feito, mas somente podemos relatar a nossa
própria experiência. Temos verificado que textos filosóficos para crianças são realmente
essenciais embora possam sem escritos como novelas, ao invés da forma abstrata e didática
dos textos tradicionais. Às crianças que são personagens das novelas não são ensinados, por
exemplo, os princípios da lógica, mas elas os descobrem por si mesmas no processo de
discussão de conceitos filosóficos que lhes são importantes, tais como justiça, amizade e
verdade. Na sala de aula os alunos discutem essas descobertas de uma maneira cooperativa.
Se alguns oferecem generalizações, outros podem oferecer contra-exemplos; se alguns
emitem opiniões sem razões, estas são prontamente exigidas. Eles, aos poucos, vão
descobrindo inconsistências em seus próprios pensamentos. Com o passar do tempo, eles
aprendem a cooperar entre si elaborando sobre as idéias uns dos outros, questionando
reciprocamente pressuposições subjacentes, sugerindo alternativas onde alguns se sentem
bloqueados e frustados, e ouvindo atenta e respeitosamente outras pessoas expressarem os
seus pontos de vista. É através desse diálogo disciplinado que uma comunidade de
investigação começa a se desenvolver na sala de aula. Quando os participantes de tal
comunidade percebem inteiramente o processo no qual tomam parte, eles o internalizam e
ele se torna um método de abordar cada uma das disciplinas acadêmicas na escola. Além
disso, quando o comportamento auto-corretivo do grupo é internalizado, torna-se uma
atitude auto-crítica e auto-corretiva no indivíduo e isso pode ser expresso de maneira
comportamental na forma de maior capacidade de auto-controle.

Os professores de Filosofia para Crianças da escola de 1° grau não necessitam menos


treinamento que os professores de outras disciplinas. Filosofia é uma matéria que depende
muito do professor e, consequentemente nem todos podem estar certos de serem capazes de
ensiná-la com sucesso. Ela requer a habilidade de ouvir cuidadosamente o que as crianças
dizem de fato e aquilo que estão tentando dizer, a habilidade de reconhecer os padrões
lógicos das narrativas dos alunos e a dimensão filosófica de seus interesses, a habilidade de
dirigir discussões e a habilidade de incentivá-los a pensarem por si mesmos. Normalmente
a preparação mínima do professor é um curso de um ano no qual eles participam de 2 horas
e meia de treinamento por semana e aplicam o programa paralelamente em suas classes 3
vezes por semana. No decorrer do ano, o monitor, sempre um professor de Filosofia, visita
a classe de cada um dos professores aplicadores seis vezes ou mais, começando com
sessões modelo nas quais utilisa o material, diante do professor, para motivar uma
discussão filosófica entre os alunos e, continuando com sessões em que o professor é
observado e avaliado com relação à sua habilidade em fazer o mesmo.

Os monitores em Filosofia, como em qualquer disciplina especializada, precisam ser


profissionais hábeis que, além de haverem ensinado crianças, são licenciados na disciplina
e receberam uma série especial de cursos que os habilita a trabalhar com o currículo, com
as crianças e com os professores. Sem tal experiência, os monitores são incapazes de
transmitir aos professores uma apreciação da profusão de conceitos filosóficos que os
alunos estão ávidos por discutir, nem podem, efetivamente, dotar os professores com as
habilidades necessárias para o aprimoramento do raciocínio dos alunos. Mesmo após um
ano de tal preparação, os professores tendem a se sentir inseguros no assunto e são os
primeiros a reconhecerem que o repasse do treinamento (isto é, um professor treinado
tornar-se treinador) seria completamente impróprio em vista da complexidade da
disciplina.* 3. Testar

Quais os pré-requisitos necessários para testes adequados da competência de raciocínio


primário e de investigação? Eis alguns deles:

a) desenvolvimento de uma taxonomia adequada das habilidades a serem avaliadas.b)


seleção de um grupo representativo de habilidades que servirá de base para a construção
dos itens do teste. Para ser adequadamente representativo, deve haver um equlíbrio
criterioso de habilidades de raciocínio formal (ex: ser capaz de lidar com conversão,
contradição e silogismos categóricos na lógica das classes, silogismos condicionais na
lógica proposicional e relações transitivas e simétricas na lógica ordinal), habilidades de
investigação (ex: explicação causal), lógica informal (ex: reconhecer as relações entre a
parte e o todo, diferenças de gênero e grau e diferenças entre razões fortes e fracas) e lógica
da linguagem natural (ex: lidar competentemente com raciocínios analógicos e com
ambiguidades).c) os itens do teste devem ser escritos de maneira tão clara e simples que a
leitura não se torne, por si só, um fator discriminador.d) o conhecimento informativo
requerido para responder as questões deverá ser tão mínimo que não constitua um obstáculo
a indivíduos de qualquer idade escolar. O objetivo é projetar um teste pelo qual as
habilidades de raciocínio das pessoas de qualquer idade possam ser comparadas entre si. e)
os testes devem ser de fácil aplicação e passíveis de resultados computadorizados para que
se possa desenvolver um banco de dados das habilidades de raciocínio que possa fornecer
comparações de desempenhos entre populações demográficamente similares e que possa,
eventualmente, produzir padrões satisfatórios.* 4. Por que a Filosofia?

Muitos educadores já perceberam que não é suficiente que os alunos simplesmente


aprendam o conteúdo das disciplinas acadêmicas; para que os alunos sejam
verdadeiramente educados precisam ser capazes de raciocinar naquelas disciplinas. Eles
devem aprender a raciocinar hiostoricamente, algebricamente, cientificamente e não apenas
ser capazes de memorizar o que lhes foi ensinado em História, Álgebra ou Ciências. A
noção que no entanto permanece entre muitos educadores é de que o caminho certo para
atingir esse objetivo, envolve a identificação das habilidades de raciocínio e de investigação
apropriadas à prática de cada disciplina e a responsabilidade por tais habilidades é dos
próprios professores. Infelizmente isto não é viável. Os professores alegam, com razão, que
não podem dispender o tempo do ensino de suas disciplinas para ensinar as habilidades
necessárias a raciocinar em tais disciplinas. Essas habilidades deveriam ter sido adquiridas
anteriormente; não se pode esperar até que uma disciplina esteja a ponto de ser ensinada
aos alunos para se adquirir as habilidades necessárias a aprendê-la.

Haverá aqueles que dirão que pode não ser muito útil adicionar mais uma disciplina - a
Filosofia - a um currículo já abarrotado e cujos componentes os alunos recebem de maneira
fragamentada e desarticulada. Mas, a adição da Filosofia aliviaria mais do que exacerbaria
esta situação. As principais divisões ou sub-disciplinas da Filosofia representam
abordagens que se cruzam em ângulos retos com as matérias já existentes no currículo e as
funde em um conjunto conexo:

Comunicação Estudos Saúde Matemática Artes Ciências


e Expressão Sociais
Verbal
Lógica
Estética
Ética
Metafísica
Epistemologia
Filosofia Social
Filosofia das
Ciências

Este quadro não representa a adição de novas e desarticuladas áreas de estudo ao currículo
existente; representa, ao contrário, o desenvolvimento da compreensão dos aspectos
lógicos, estéticos, éticos e epistomológicos já presentes nas matérias que os alunos estudam
agora, mas que são negligenciados em virtude da falta da Filosofia no currículo.
É evidente que há necessidade de cursos de Filosofia no decorrer de todos os anos
escolares, desde o jardim de infância até o 2º grau. O cultivo do raciocínio não pode ser
levado a cabo a não ser que haja um critério para se distinguir entre bom e mau raciocínio e
somente a Filosofia fornece tal critério.

Se desejamos estudantes competentes em habilidades primárias de raciocínio - e sem elas


não pode haver competência nas habilidades de raciocínio de ordem superior - não temos
outra escolha senão a Filosofia.

E a respeito das habilidades de raciocínio de ordem superior? A Filosofia é dialógica e


engajar-se em diálogos filosóficos conta pontos para as habilidades de raciocícnio de
ordem superior simplesmente porque leva a enfrentar os aspectos lógicos, epistemológicos,
éticos ou estéticos dos problemas em discussão. A prática em tais discussões favorece o
desenvolvimento dessas habilidades em cada um dos participantes.(3) Seria absurdo alegar
que só a Filosofia cultiva discussões em sala de aula. Mas, certamente o tipo de discussão
que a Filosofia acarreta é melhor para cultivar as habilidades de ordem superior do que
discussões em campos menos preocupados com o cultivo de metodologias auto-corretivas
de investigação. Devotando uma parte de cada dia a discussões disciplinadas de conceitos
significativos mas poucos claros, a educação do futuro perceberá que tanto as habilidades
de raciocínio de ordem superior como as primárias, estão prontas para uso bem antes de
serem necessárias e assim nenhum aluno precisa entrar em classe cognitivamente
despreparado. Deste modo, a Filosofia não representará uma adição ao currículo, mas será a
armação ou tronco central do processo educacional com ramificações que se abrem à
medida que os estudantes ingressam em disciplinas cada vez mais especializadas.

Essas são as vantagens educacionais de se fazer da Filosofia uma parte essencial do


currículo escolar. Mas não se pode deixar de tomar conhecimento de que há também
vantagens sociais. Um sistema educacional anêmico está fadado a produzir uma democracia
anêmica pois, entre todos os sistemas políticos a democracia é o sistema que mais precisa
de cidadãos ponderados, reflexivos e participantes. A Filosofia capitaliza sobre o desejo, de
qualquer estudante, de discutir assuntos que são importantes para a sua vida. Tais assuntos,
em geral, envolvem ideais (como justiça, verdade e liberdade) que são essenciais ao bem-
estar da sociedade. E acontece que a Filosofia constitui, por si só, uma mina de tais
conceitos e uma metodologia para sua análise imparcial.

Alguns educadores, após esta leitura, podem alegar que a filosofia não poderá ser disciplina
obrigatória em todas as séries sem uma total reorganização curricular. Diversas disciplinas
talvez tenham que ser aparadas e isso fará com que vários grupos de profissionais se
coloquem na defensiva. Podemos somente questionar se os educadores estão preparados
para defender cada fragmento do que está presentemente sendo ensinado como sendo
essencial para que uma pessoa seja verdadeiramente educada numa verdadeira sociedade
democrática. Suspeitamos que muito do que atualmente é ensinado, não tem outra razão de
ser que não a de que é o que se costuma fazer - a mesma razão pela qual a filosofia tem sido
excluída. Os educadores podem, certamente, reconhecer que o argumento para a inserção
da filosofia no currículo é muito mais forte do que o argumento para a retenção de muito do
que existe hoje - e, no entanto, preferir se calar e nada fazer. Mas há outros cenários e
podemos perfeitamente escolher um melhor.
Notas

1. Atualmente existe certa preocupação diante da diversidade de comportamentos que são


classificáveis como pensamento, mas a proliferação de inventários das habilidades de
pensar não deve nos levar a acreditar que estamos lidando com algo totalmente impossível
de se manejar. Realmente a mudança de ênfase que tem ocorrido nas últimas décadas em
algumas disciplinas acadêmicas - em filosofia, do intelecto para o pensar; em educação, do
aprender para o pensar - sugere considerável convergência entre diferentes linhas de
investigação.Se toda conduta que é distintamente humana e não redutível ao meramente
mecânico envolve o pensar, então deveria ser possível identificar os principais tipos de
pensar relacionando-os com os principais tipos de comportamento humano. Quais são esses
tipos de comportamento? Uma resposta pode ser dada através da distinção clássica entre
fazer (making), dizer (saying) e agir (doing). Para nossos propósitos, tal distinção poderia
ser reinterpretada como: o pensar envolvido no ato de construir (thinking in construction), o
pensar envolvido na linguagem (thinking in language) e o pensar envolvido na ação
(thinking in conduct). E, já que nosso enfoque é no papel do raciocínio na educaçao, e já
que a comunicação linguística é o principal veículo da educação, podemos centrar nossa
atenção no pensar envolvido na linguagem. Quais são as ordens de atividades de pensar
envolvidas na linguagem? Uma maneira de responder a isso é tomar mega-habilidades
básicas tais como ler, escrever, falar, ouvir e calcular e investigar quais os tipos de pensar
que elas pressupõem. Os componentes resultantes podem se agrupar em: estados
psicológicos envolvendo o pensar, atos ordinários do pensar e performances especializadas
do pensar tais como atos do raciocícnio e atos do investigar. O quadro de ordens não deve
ser considerado nem progressivo nem hierárquico. Os componentes de uma ordem não
podem ser considerados como de maior valor do que os componentes de outra ordem. O ato
mental de supor, por exemplo, não é intrinsecamente de menor valor que o ato de
investigação de avaliar nem se segue que as pessoas devam ser capazes de supor antes de
poderem avaliar (na verdade, em alguns casos dá-se o inverso: ensinar estudantes a avaliar
pode ser um modo de ajudá-los a supor). Outro exemplo: a meta-cognição (pensar sobre o
pensar ou o discurso do pensar sobre o pensar) não vem necessariamente após a cognição
direta.Tomemos dois exemplos de conversa entre uma criança e seu pai:Joãozinho: - O
Marinho me bateu.Pai: - Marinho, você bateu no Joãozinho?

Joãozinho: - O Marinho me bateu.Pai: - Isso é verdade, Marinho?Ambos os modelos


podem ser encontrados na conversação diária com crianças bem pequenas: um não é mais
esotérico que o outro. Mas, no segundo modelo, a pergunta requer de Marinho o ato meta-
cognitivo de julgar se a afirmação de Joãozinho é falsa ou verdadeira.Temos aqui um
quadro mostrando algumas das ordens do pensar envolvido na linguagem: (Acrescentar
quadro anexo)

2. A Taxionomia dos Objetivos Educacionais de Bloom é formulada conforme as operações


constitutivas da investigação científica e escolar, mas dá pouca atenção às habilidades de
raciocínio que a habilidade de se engajar em tal investigação pressupõe. Embora Bloom não
tenha pretendido que sua hierarquia fosse assim interpretada ela, de fato, tem sido encarada
de modo desenvolvimentalista, com os níveis mais baixos da hierarquia emergindo em
primeiro lugar e depois os da mais alta ordem em sequência. Alguns educadores tomaram
isso como significando que crianças pequenas somente são capazes de memorização e não
podem se engajar, de modo significativo, em análises, sínteses e avaliações. Os relatórios
de classes de crianças bem pequenas onde a Filosofia é ensinada, nos fornece um quadro
bem diverso a respeito das habilidade de raciocínio e de pesquisa das crianças, habilidades
essas que surgem quando as crianças são ainda bem jovens mas que se refinam com a
aquisição da linguagem e da experiência.3. Historicamente, toda disciplina agora
considerada científica foi precedida por um período de exploração e deliberação dialógica
que seria mais propriamente filosófico. Quando técnicas mais precisas de observação,
mensuração e predição se desenvolveram, o que tinha sido filosófico tornou-se científico.
Nesse sentido, a Filosofia, inevitavelmente, precede e gera as ciências. Períodos de
discussão de temas, sem uma linha de procedimentos precisos, são seguidos por períodos
em que tais procedimentos começam a surgir. Assim também, as crianças ficam muito
entusiasmadas com assuntos que não possuem uma linha de procedimentos precisos, mas
são cuidadosas em questões onde tais procedimentos existem, pois em tais casos, suspeitam
que as respostas jã são conhecidas pelos adultos. Em outras palavras, as discussões
filosóficas, por deixarem as conclusões em aberto, são as únicas que lhes dão uma sensação
de liberdade, uma sensação de estarem no mesmo nível intelectual dos adultos. Por esta
razão, a Filosofia é ideal na preparação cognitiva para se envolver, mais tarde, em
disciplinas acadêmicas especializadas e motivar a inclinação para tais disciplinas.A
Filosofia é a disciplina que nos prepara para raciocinar nas demais disciplinas.

Raciocínio crítico: o que pode ser isso?


Matthew Lipman

VOLUME 2 - A Comunidade de Investigação e a Educação para o Pensar

COMUNIDADE DE INVESTIGAÇÃO E PRÉ-ESCOLA

Sylvia J. Hamburger Mandel e Isabel Cristina Santana

Para poder explicar a relação possível e necessária da comunidade de investigação com a


pré-escola, vamos antes explicitar o que entendemos por Comunidade de Investigação e o
que entendemos por pré-escola; depois mostraremos porque acreditamos ser possível e
necessário trabalhar pela formação da comunidade de investigação na pré-escola.

A proposta educacional através da Comunidade de Investigação deve sua expansão ao


trabalho de Filosofia para Crianças criado e desenvolvido pelo Dr. Matthew Lipman e seus
colaboradores. O desenvolvimento do currículo começou com o texto A Descoberta de Ari
dos Telles, para crianças de 5ª ou 6ª séries, depois Luísa com enfoque na investigação ética
para alunos de final do primeiro grau, Suki (estética) e Mark (filosofia social) para alunos
do segundo grau. Só após estes textos e os correspondentes Manuais Instrucionais estarem
prontos, é que se pensou em programas para as crianças menores. Foram então escritos, em
ordem cronológica Pimpa, Issao e Guga e Elfie. Após algum tempo a Dra.Ann M.Sharp
escreveu The Doll's Hospital. Este ano o Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças
publicou Rebeca de Ronald Reed e produzimos, Isabel e Sylvia, respectivamente,
atividades para o aluno e o Manual de Instruções para o uso de Rebeca em sala de aula com
crianças de 5 a 7 anos. No Brasil, até o momento, Elfie e The Dool's Hospital não foram
publicados , mas ambos incorporam a idéia de trabalho numa Comunidade de Investigação
com crianças pequenas, o primeiro na faixa de 6 a 8 anos e o segundo com crianças de 3 e 4
anos. Trabalhar a Comunidade de Investigação na faixa etária da pré-escola, embora possa
parecer, não é novidade. Na realidade, algumas experiências-piloto já haviam sido feitas
também aqui no Brasil.

A COMUNIDADE DE INVESTIGAÇÃO

Um dos objetivos da educação diz respeito ao bem pensar. Não queremos com isso dizer
que os conteúdos a ser pensados devam ser aprendidos e decorados; queremos dizer que as
crianças devem ter oportunidades de exercitar o bem pensar de maneira deliberada e
consciente, para que possam depois 'pensar por si mesmas' sobre os assuntos mais diversos
que a vida lhes apresente. A melhor forma que conhecemos de alguém vivenciar esta
experiência é a dada pela comunidade de investigação.

A idéia de Comunidade de Investigação enquanto espaço para o exercício do pensar deriva


de um modelo em que a aprendizagem parte das práticas sociais e dos atos externos (i.e.,
dos outros indivíduos) para as práticas individuais e os atos mentais (internos). A
experiência vivenciada de modo deliberado e consciente na Comunidade de Investigação é,
com o tempo, internalizada e torna possível o 'pensar por si mesmo'. Entendemos por
'pensar por si mesmo' perfazer na mente o percurso de uma discussão arrazoada, tendo
consciência dos critérios que estão sendo utilizados e das razões que levaram a escolhê-los
entre outros possíveis, dos méritos e deméritos de cada justificativa, com busca de
exemplos e contra-exemplos, pondo-se imaginariamente no lugar de outros, levando em
conta o todo da situação, ou do problema em questão, sem descuidar das partes e suas inter-
relações, sendo capaz de fazer juízos e julgamentos justificados.

A comunidade de investigação é o espaço onde, em conjunto, as crianças têm as condições


e a oportunidade de investigando, aprenderem a investigar. A partir de um tema de interesse
mútuo ( o que não significa que tenha que ser unânime), que envolva uma questão aberta
(que seja contestável, que não tenha resposta única), as crianças investigam dentro de uma
estrutura reciprocamente igualitária (cada um tem o direito de expor suas idéias e o dever
de ouvir e examinar as idéias dos outros) em busca de qual seja a 'melhor' resposta para a
questão, avaliando e julgando, enquanto comunidade, quais os critérios que serão levados
em conta e porque são estes e não outros os critérios. Essa escolha e avaliação constante
dos critérios utilizados permite à Comunidade de Investigação ser auto-corretiva. Também
permite que a investigação siga para onde a questão levar, e não para onde alguém queira
que ela vá ou chegue.

As questões abertas têm sua morada na filosofia. Tanto o tratamento das questões abertas
(como por exemplo, O que é verdade? O que é espaço?) quanto a discussão dos métodos da
investigação são temas recorrentes na filosofia. É portanto natural que, inicialmente, a
Comunidade de Investigação seja uma comunidade de investigação filosófica.

Philip Cam diz que a discussão em sala de aula é "uma discussão em que as crianças fazem
perguntas umas às outras, dão razões umas às outras, escutam o ponto de vista do outro, e
assim por diante, com relação a todos os procedimentos (...) Essa é obviamente uma
atividade cooperativa, na qual a classe se torna uma comunidade de pessoas investigando
juntas - o que Lipman chama uma comunidade de investigação. Como a investigação é
filosófica, podemos dizer que é uma comunidade de investigação filosófica."

Na Comunidade de Investigação, diz a Dra. Ann M.Sharp, a "dinâmica deveria passar de


um discurso professor-aluno - aluno-professor, para um discurso aluno-alunos - aluno-
professor - aluno-aluno. Também deveria começar a se formar um processo de pergunta-
resposta-pergunta."

Outra característica da discussão da Comunidade de Investigação é que ela é balizada pela


lógica. Não é possível uma criança afirmar algo, o colega afirmar o oposto e a discussão
continuar sem que uma das duas posições excludentes seja descartada. Além disso deve
haver persistência para (tentar) ir até o fim das questões, mesmo sabendo que o fim, muitas
vezes, é difícil de ser alcançado.

A PRÉ-ESCOLA

Quando nos propomos a falar sobre a pré-escola no Brasil, não podemos ignorar o
pluralismo pedagógico, cultural, filosófico e político presente nas escolas do nosso país.
Muitas experiências são realizadas, a partir de reflexões pedagógicas desenvolvidas e
aprofundadas, buscando uma melhor prática educacional.

Não encontramos mais a visão de pré-escola apenas como um lugar adequado para dar
assistência às crianças enquanto os pais trabalham, ou como forma de compensação de
possíveis desvantagens sócio-culturais.

Somente após superar essa função ou de custódia ou assistencialista da pré-escola podemos


buscar sua atual identidade e afirmar que a pré-escola é um contexto educativo fundamental
para o desenvolvimento da criança.

A pré-escola, hoje em dia, é vista e assumida com um verdadeiro papel de escola, sendo ela
o início de todo o sistema escolar.

Configura-se portanto, como um espaço intencional e sistemáticamente ordenado para a


educação de crianças entre 3 e 7 anos de idade.

Para tal, tornou-se necessário especificar algumas funções próprias desse período escolar.
De um modo geral, podemos propô-las sob dois aspectos diferentes:

a) "Tornar a criança capaz de tomar consciência da realidade, de intervir sobre ela e


dar sentido à própria experiência. Favorecer o desenvolvimento das suas
capacidades de comunicação e cognição, de socialização e maturação emotiva.
Inseri-la no ambiente físico e na aquisição de valores que possam dar significado ao
seu comportamento.

b) Oferecer uma efetiva igualdade de oportunidades educativas, com o objetivo de


superar os condicionamentos sociais, econômicos e ambientais, através de uma
contextualização dos processos educativos que leve em conta as diversidades
culturais e individuais."
A ênfase dada nos últimos anos à importância da educação infantil e à necessidade de
garanti-la a todos demonstra uma maior consciência da sociedade aos direitos inalienáveis
da criança, enquanto pessoa. Direitos esses, defendidos constitucionalmente. Mas, mais
importante ainda, para a compreensão do papel da pré-escola, é a visão da personalidade
infantil.

"A determinação das finalidades da pré-escola deriva da visão da criança como sujeito
ativo, empenhado num processo de contínua interação com as outras crianças, com os
adultos, com o ambiente e com a cultura.". (SINASCEL-CISL, 1991)

Torna-se imprescindível no contexto educacional a atenção à identidade da criança sob o


aspecto corporal, intelectual e psicodinâmico, contribuindo de forma consciente e eficaz
para uma progressiva conquista de autonomia por parte da criança.

Quando a criança ingressa na pré-escola, já tem uma história pessoal, já assume posturas
diferenciadas e complexas diante da realidade. É ativo, curioso, interessado em conhecer e
entender, capaz de interagir com os outros e de procurar mediações para conhecer e
modificar a realidade.

Estas atitudes básicas da criança, capacidades que ela traz consigo ao ingressar na escola,
exigem do educador uma contínua disponibilidade para dar espaço às suas perguntas,
questionamentos e formas de expressão, evitando oferecer respostas pré-maturas e
incentivando as crianças a buscar as respostas.

Para a formulação de um projeto educacional na pré-escola, é necessário considerar a sua


função básica e a visão que se tem da criança. É certo que as experiências vividas pela
criança dentro da escola são muito diversificadas e todas podem ser fonte de
desenvolvimento e conhecimento. Porém, dada a seriedade e importância do trabalho ao
qual o educador se propõe, torna-se necessária a formulação de uma proposta programática,
de indicações curriculares, evitando generalizações e casualidades nos objetivos propostos.

A pré-escola, através de uma boa proposta curricular, deve assumir de forma explicita e
coerente o seu papel educacional, articulando e orientando as atividades da escola para que
a criança seja estimulada e desafiada a construir novos conhecimentos.
A interessante indicação curricular para a pré-escola encontrada no texto da Segreteria
Nazionale del SINASCEL-CISL, parte das diversas áreas de experiência educativa da
criança como percursos metodológicos que oferecem às crianças boas condições de
aprendizagem.

Entende-se por área de experiência educativa, os campos do fazer e do agir da criança.

Segundo Tiziano Loschi, "dentro de cada área de experiência, acontece sempre uma
interação entre a criança que age e o ambiente que a circunda, uma interação dinâmica, com
a qual a criança dá significado às suas atividades, desenvolve aprendizagem, adquire o
instrumental lingüistico." (p.13)

As diversas áreas de experiência educativa podem ser assim divididas:

1. O corpo e o movimento: é o campo de experiência da corporeidade e da


motricidade; busca promover a tomada de consciência do valor do corpo.
2. O Discurso e as palavras: é o campo específico da capacidade comunicativa,
referente à linguagem oral e a escrita.
3. O espaço, a ordem, a medida: direge-se mais especificamente às habilidades de
agrupamento, ordenação, quantificação e medidas dos fenômenos e fatos da
realidade.
4. As coisas, o tempo, a natureza: está relacionado à exploração, descoberta e início de
sistematização dos conhecimentos sobre o mundo, a natureza, ou seja, é o campo do
conhecimento científico.
5. Mensagens, formas e mídia: considera todas as atividades inerentes à comunicação
e expressão (sonoro-musical, dramático-teatral, audio-visual)
6. Eu e o outro: neste campo encontramos todas as experiências e atividades que
estimulam a criança a compreender a necessidade de doar-se e de referir-se a
normas de comportamento e relações indispensáveis a uma convivência social
válida.

Cada área de experiência educativa apresenta sua própria ênfase educativa,


direcionamentos metodológicos diferenciados, os possíveis indicadores para uma
observação sistemática e avaliação dos diversos níveis de desenvolvimento.
As diversas áreas citadas acima, têm uma estreita interligação, sendo possível promover a
continuidade e conexão dos objetivos das atividades e dos percursos metodológicos a
seguir.

A necessidade de clareza e segurança por parte do professor, dos objetivos e atividades


propostos é de fundamental importância. Seguindo a concepção educacional deweyana,
devemos distinguir as experiências que são genuinamente educativas, daquelas que são
experiências descuidadas, ocasionais e rotineiras. O ato de pensar começa com a
experiência e portanto, as crianças devem ser colocadas diante de ‘problemas’, de situações
que as levem a tentar fazer alguma coisa. (Cunha, 1994)

As conseqüências práticas dessa abordagem são muitas no dia-a-dia escolar. Importa-nos


porém, notar que mesmo dentro de uma proposta que visa a coerência pedagógica e a
eficácia do ensino, é fundamental abrir um espaço específico para a chamada Educação
para o Pensar. A pergunta crucial é feita por grande parte dos educadores: "Como fazer
pensar?"

Loschi afirma que o desenvolvimento lingüístico da criança é favorecido em primeiro


lugar, pela conversação regulada pelo adulto e pela interação com as outras crianças.

COMUNIDADE DE INVESTIGAÇÃO E PRÉ-ESCOLA

Queremos que as crianças pensem, ajam de maneira ética, levem em conta os outros,
tenham competência cognitiva, se expressem bem mas queremos também que sejam
criativas, solidárias e investigativas, além de emotivas e afetuosas.

Bertrand Russell, em Os Problemas da Filosofia, diz que a filosofia "se não pode responder
tantas questões quanto poderíamos desejar, tem ao menos o poder de fazer as perguntas que
aumentam o interesse do mundo, e mostram a estranheza e o maravilhamento que pairam
logo abaixo da superfície mesmo das coisas mais comuns da vida cotidiana."
O trabalho da Comunidade de Investigação não é desprovido de emoções, mas sua
especificidade é a racionalidade. Esse trabalho porém, não acontece de maneira isolada. No
desenrolar de um (ou muitos) anos de trabalho em Comunidade de Investigação as pessoas,
sejam crianças ou adultos, desenvolvem habilidades de caráter ético, afetivo, criativo, e
cognitivo. Dr. Lipman tem afirmado que o pensamento tem três dimensões: o pensar
crítico, o pensar criativo e o pensar atencioso (caring thinking).

Na faixa etária da pré-escola a criança ainda está desenvolvendo o uso da linguagem. Usar
a linguagem implica ser capaz de entender mensagens e ser capaz de comunicar mensagens.
Existem muitas formas de linguagem não verbal que utilizamos todos os dias como, por
exemplo, a linguagem corporal ou dos gestos.

O aperfeiçoamento da linguagem verbal é uma das funções da escola. Na pré-escola isso


implica ajudar a criança a dominar a linguagem oral e ajudá-la a encaminhar-se para a
aprendizagem da linguagem escrita. Cada uma destas tem que ser dominada tanto na forma
da compreensão quanto na forma da expressão. É preciso, então, que se cuide de quatro
aspectos: ao final da alfabetização (que nem sempre precisa ocorrer durante a fase pré-
escolar) a criança deve ser capaz de ler (e entender o que leu), escrever (o que pretendia e
não apenas qualquer coisa), entender o que é dito por outros (colegas, professores, locutores
de televisão, propagandas) e ser capaz de dizer o que tem vontade de modo a que os outros
possam entender o que ela de fato quer comunicar e não algo diferente do que ela pretendia
dizer.

No que diz respeito a entender a comunicação dos outros, não basta a criança entender
quais foram as palavras utilizadas. É necessário que ela entenda o significado do que está
sendo dito. Essa não é uma tarefa fácil, principalmente para crianças. Muitas palavras são
desconhecidas, muitas situações expressas são novas e muitas palavras são ambíguas e nem
sempre é imediato saber qual dos significados está sendo considerado.

Quanto antes as crianças forem chamadas a ler e ouvir com a necessária atenção, mais cedo
poderão comunicar-se com competência o que, além de efeitos cognitivos positivos gera
também benefícios afetivos. Comunicar-se eficazmente é mais fácil, mais produtivo e mais
agradável.

A comunidade de investigação é o lugar onde as crianças, em conjunto, podem discutir e


encontrar ajuda para tentar entender como funciona o uso da linguagem. Ao dialogar com
os colegas sobre temas de seu interesse, e sob os cuidados de um professor especialmente
habilitado, os alunos irão aprender a falar com mais cuidado e a pedir que os colegas que
não estão fazendo isso o façam. A transferência para a linguagem escrita (quando as
crianças a tiverem) acontece naturalmente.

Além dos significados das palavras e da linguagem em geral, as crianças de 5 a 7 anos


também estão tentando entender o significado de suas experiências e de sua existência. É
mais fácil mover-se e agir num mundo que compreendemos do que num mundo que nos
pareça alheio (comandado por ou pertencente a outros) ou aleatório (sem nada nem
ninguém que o regule). Quem não entende as relações existentes entre os diversos
elementos do mundo não consegue perceber as significações e motivos que levam a
realidade a ser como ela é. Na Comunidade de Investigação vai-se a fundo para entender as
relações, descobrindo-a s por meio do diálogo dos participantes, e não, ouvindo o professor
ensinar sobre elas. A criança que percebe na Comunidade de Investigação que o mundo tem
escondidas muitas relações que ajudam a compreendê-lo e que, no trabalho de classe, tenha
se sentido capaz de desvendar estas relações, não deixará de procurá-las na sua busca de
compreensão dos muitos significados que a realidade comporta.

A criança de 5 a 7 anos observa muitas coisas, entende algumas, pergunta a respeito de


diversas. A escola deve ajudá-la a procurar as melhores respostas possíveis ao seu nível de
compreensão. Mas há questões com as quais as crianças se intrigam ou se deslumbram que
(geralmente) não fazem parte do currículo e não são simples. Por exemplo, Existe alguma
situação em que é certo contar uma mentira? ou, Se alguém contar um segredo para outra
pessoa, deixa de ser segredo? ou, O que é família? ou, Quando uma pessoa corta o cabelo
ela deixa de ser ela? Muitas destas questões não simples são questões filosóficas, que não
têm resposta única. São temas que causam perplexidade às crianças e que devem ser
investigados em busca da melhor resposta que elas puderem alcançar. Respostas de adultos
que encerrem o assunto em vez de expandi-lo não fazem nada pelo pensar e pela
capacidade de investigar natural e tão presente nesta faixa etária. Aliás, se esta curiosidade,
perplexidade e deslumbramento da criança pequena não forem tratados com respeito e
seriedade, muito depressa deixarão de ser manifestados. Primeiro a criança deixará de falar
o que a intriga e depois deixará de ocupar-se de observar o mundo e de tentar perceber o
que não parece simples de entender e se questionar a respeito disso.

Num mundo tão variado e maravilhoso como é o nosso, parece necessário que a pré-escola
cuide para que a criança tenha um espaço seguro onde possa expressar e discutir as
perplexidades que encontra. Isso não quer dizer que a Comunidade de Investigação deva ser
um espaço onde impere o espontaneísmo. Uma Educação para o Pensar deve trabalhar de
forma bastante organizada. As questões que a classe discute são as levantadas pelas
crianças a partir de um texto (que pode ser lido pelas crianças ou pelo professor, ou talvez
representado). Além das discussões das questões, algumas habilidades presentes no texto
são trabalhadas, registros são feitos, assim como brincadeiras e atividades pertinentes aos
conteúdos abordados. Passa-se, então, à leitura do episódio ou capítulo seguinte. Temas
intrigantes e instigantes devem estar espalhados como iscas em textos especialmente
concebidos para este fim. Mesmo que algumas iscas não sejam fisgadas pelas crianças
como sendo de seu interesse, outras serão, e as primeiras provavelmente reaparecerão em
textos futuros e poderão ser fisgadas.

A preocupação não deveria ser discutir esse ou aquele tema, mas sim, discutir de maneira
aberta os temas que surgirem na classe a partir do texto. Não é tema da Comunidade de
Investigação se uma aluna da classe estava certa ou errada ao pegar um objeto de um colega
sem pedir permissão mas, se o texto assim sugerir, as crianças podem tentar estabelecer se e
em quais condições seria correto alguém pegar algo de outra pessoa sem pedir permissão.
Histórias pessoais e fatos da realidade entram na discussão como exemplos, mas não são
objeto de investigação por parte da Comunidade de Investigação. Isso deve ser feito por
outra instância, num momento que não seja o reservado para o trabalho, derivado do texto,
da Comunidade de Investigação.

A Comunidade de Investigação não é a ‘roda’ presente em muitas escolas e sua função não
é nem ser doutrinária, nem moralista, nem terapêutica ou disciplinadora. Na ‘roda’ os
alunos também falam mas, geralmente é sobre qualquer coisa que queiram comunicar,
como o presente que ganharam, o passeio que farão ou a briga com algum colega. Na
Comunidade de Investigação a pauta é determinada pelo grupo, mas o contexto está dado
pelos temas sugeridos num texto e implica, necessariamente, uma discussão das questões
levantadas. Na Comunidade de Investigação há diálogo, enquanto na ‘roda’ há uma
conversa espontânea, muitas vezes parecida com uma contação de casos. Como as crianças
podem falar o que querem, as outras nem sempre se preocupam em ouvir e a troca se faz na
direção aluno-professor-aluno, outro aluno-professor-outro aluno, outro aluno-professor-
outro aluno e assim por diante.

Para que uma conversa possa ser considerada diálogo Splitter e Sharp apontam condições
necessárias:

• A conversa ser estruturada, enfocada num tópico ou questão problemática ou


contestável.
• A conversa ser auto-regulada ou auto-corretiva. Os participantes devem estar
preparados tanto para questionar as visões e razões apresentadas pelos outros,
quanto para reelaborar as próprias posições, em vista de questões ou contra-
exemplos que o grupo apresente.
• A conversa ter o que os autores chamam de estrutura igualitária. Os participantes
devem mostrar no discurso que, com relação a alcançar os objetivos do diálogo,
valorizam igualmente a si mesmos e aos colegas, independente da posição de cada
um em relação a um ponto de vista particular.
• A conversação ser guiada pelos interesses mútuos de seus membros. Numa
Comunidade de Investigação os participantes (dos quais o professor é um) devem
estabelecer a pauta e determinar os procedimentos para lidar com os assuntos a ser
tratados.

Uma decorrência do trabalho em Comunidade de Investigação é que as crianças, com o


tempo, se tornam mais envolvidas com os colegas e, com o que acontece na classe e no
mundo em geral. Elas também se tornam mais capazes de perceber quais tipos de pergunta
geram uma discussão interessante e quais não levam a (quase) nada. Depois de um ano de
trabalho consistente e constante na Comunidade de Investigação, os alunos
individualmente, e a classe enquanto grupo, terão uma qualidade cognitiva e afetiva
diferente de classes equivalentes que não tenham trabalhado na Comunidade de
Investigação.

Na Comunidade de Investigação há duas preocupações: com as questões levantadas e com


a necessidade de as crianças (ou adultos) darem razões para o que afirmam. Ao se envolver
no diálogo aqui proposto, logo, os participantes (inclusive crianças) percebem que dar
razões não é suficiente. É necessário que estas razões sejam boas razões. Para saber o que
conta como uma boa razão é necessário verificar o contexto e examinar muitos pontos de
vista e possibilidades. Ao entrar na pré-escola as crianças já são capazes de distinguir boas
e más razões, mas é preciso que se dê a elas a oportunidade de fazê-lo. É importante
salientar que boas razões não são sempre as que o adulto imagina. Aos 5 anos as crianças
sabem justificar se algo é, ou não, uma boa razão para afirmar, por exemplo, que elefantes
podem voar. Também são capazes de justificar as boas razões que nos levam a dar
presentes e cantar Parabéns a você no dia do aniversário de alguém.

Se acreditamos que as crianças se tornarão mais capazes de cooperar sabendo que há boas
razões e razões injustificadas e se queremos que elas sejam capazes de distinguir umas das
outras, então é preciso que tenham a oportunidade, tão cedo quanto possível, de exercitar
esta distinção, e de perceber que ao avaliarmos razões utilizamos critérios e , dependendo
do critério, uma razão pode ser considerada melhor ou pior. Quando, ao vesti-lo, a mãe
explica ao filho pequeno que é preciso colocar casaco porque está fazendo frio ela está
dando a ele a razão pela qual ele deve vestir o casaco. O critério utilizado é a temperatura
ambiente.
Na Introdução do Manual Instrucional de Elfie Dr.Lipman afirma: "Antes mesmo de
entrarmos na escola, aprendemos que, independente de quão satisfatórios nos pareçam, os
nossos atos e as nossas opiniões são muitas vezes considerados questionáveis pelas outras
pessoas. Nesse período estamos no processo de aprender que temos de fazer mais do que
meramente explicar o que dissemos e fizemos: temos de justificar nossas façanhas e
comentários questionáveis. Não apenas dizer qual foi a causa de eu fazer isso, mas qual era
meu propósito ao fazê-lo. Não apenas como cheguei a ter uma certa opinião, mas qual é
minha razão para continuar a mantê-la. Não apenas as condições que me compeliram a
fazer um juízo, mas quais os critérios que me guiaram ao fazê-lo."

No primeiro capítulo do Thinking Together, Philip Cam escreve que existem atividades que
fazemos melhor se pensamos ao fazê-las e existem outras que fazemos melhor se não
pensamos ao fazê-las. As primeiras são as práticas reflexivas. As pessoas devem executar
bem os dois tipos de atividade: acertar a grafia das palavras sem pensar muito para escrever
corretamente é bom , mas agir sem pensar nas conseqüências não é. A conduta sábia
examina as possibilidades antes de agir. Já as pessoas que não estão acostumadas a
examinar mais de um ponto de vista são pensadores dogmáticos, não imaginativos e
inflexíveis. Para que os alunos possam tornar-se inteligentes em seu pensamento e
arrazoados em suas ações, a escola deve trabalhar os dois tipos de habilidade em sala de
aula, as habilidades rotineiras e as reflexivas.

Numa Educação para o Pensar os textos, inclusive os destinados à pré-escola, devem ser
construídos de modo a que diversas habilidades cognitivas e de raciocínio apareçam, dando
ao professor e às crianças a oportunidade de as exercitar. Elas são ferramentas básicas
empregadas nas investigações filosóficas ao se realizar os procedimentos básicos do
pensamento reflexivo.

Entre estes procedimentos destacamos:

• formular perguntas adequadas


• fazer distinções úteis
• deduzir inferências relevantes
• investigar pressuposições questionáveis
• procurar conseqüências significativas
• explorar possibilidades
• procurar alternativas melhores
• dar e pedir razões
• fazer juízos abalizados
Entre as ferramentas básicas destacamos:

• explorar limites conceituais


• descobrir critérios
• desvendar conexões lógicas
• definir termos
• classificar objetos
• identificar relações lógicas
• deduzir inferências
• analisar afirmações condicionais
• construir analogias

Quando estas ferramentas são apresentadas sem seus nomes técnicos e aplicadas a situações
de fácil compreensão, as crianças de 5 a 7 anos são capazes de as utilizar e realizar os
procedimentos básicos para investigar a fundo uma questão de seu interesse. A função do
professor é muito importante pois se a proposta completa do trabalho não estiver clara para
ele, não será possível que coordene bem o trabalho das crianças. Alguns nomes técnicos
podem aos poucos ser introduzidos, quando a habilidade for de domínio dos alunos.
Quando as crianças aprendem, por exemplo, a procurar conseqüências significativas na aula
de Filosofia, elas transferem essa aprendizagem para os outros campos de sua vida e a
incorporam como hábito. O mesmo ocorre com os outros procedimentos e com as
ferramentas do bem pensar.

Para que o trabalho tenha resultados significativos é necessário haver constância e


regularidade. De pouco adianta as crianças de 5 a 7 anos ocuparem-se deliberadamente do
pensar, tanto enquanto exploração das idéias quanto exercício das habilidades, durante meia
hora por semana, quando não houver feriado ou passeio no dia reservado para a aula de
filosofia. Esse tempo é muito exíguo. Três ou quatro períodos semanais, de meia hora ou
quarenta minutos cada, devem ser reservados para a Filosofia. Na pré-escola, mais que no
primeiro grau, há possibilidade de um horário flexível. Levando em conta os ganhos que se
adquirem nestas aulas e que se transferem para as outras (que se tornam mais ricas e
proveitosas), é possível ver que é recuperado o tempo que parece ter sido roubado das
outras disciplinas e atividades. Na realidade, a diminuição da quantidade reflete-se, a médio
e longo prazo, em ganho real de qualidade, não só na vida escolar da criança como também
na vida extra-escolar que, afinal de contas, é uma das razões da escola existir.
Geralmente na pré-escola o mesmo professor acompanha a classe em todas as atividades.
Isso facilita para que sempre que ganchos com outras disciplinas surjam, eles sejam
agarrados e sejam estabelecidas as relações com a aula de filosofia, com o investigar, com
as disposições investigativas e com as habilidades cognitivas e de raciocínio trabalhadas.
As crianças descobrem que podem aprender muito umas das outras, pedem a ajuda dos
colegas quando necessário e o professor passa a ser um coordenador em vez de ser o único
responsável pela aprendizagem do grupo sob seus cuidados.

Outra vantagem de se trabalhar a investigação filosófica na pré-escola é que ela propicia a


interdisciplinaridade de forma natural. O que é discutido numa aula na Comunidade de
Investigação é (ou pode ser) o conteúdo específico de outra área do saber. A profusão de
temas nos textos especialmente escritos para esse fim é grande. São possíveis relações com
as áreas de Ciências, Linguagem, Matemática, Estudos Sociais, Artes e Educação Física.

O trabalho de Educação para o Pensar, realizado com textos especialmente construídos para
esse fim, e feito na forma da Comunidade de Investigação, quando constante e bem
coordenado, propicia aos participantes do grupo (inclusive o professor) verdadeiro prazer
intelectual e afetivo, daqueles que deixam suas marcas ‘para sempre’. Por este motivo, além
de todos os outros acima apresentados, afirmamos que quanto antes for a ‘primeira vez’
mais oportunidades (na escola e fora dela) os alunos terão de desfrutar este prazer. Alunos
que tenham vivenciado a alegria de participar de uma verdadeira Comunidade de
Investigação na pré-escola irão demandar que ela continue existindo no primeiro grau.
Professores que vivenciem uma verdadeira Comunidade de Investigação com seus alunos
relutarão em trabalhar apenas nos velhos moldes.

Splitter e Sharp dizem: "De uma perspectiva mais ampla, a inabilidade - acoplada a uma
falta de desejo - para envolver-se numa conversação séria é um traço das sociedades no
mundo todo (mais em algumas do que em outras), e é dramática demais para sugerir que
muito do conflito no qual o mundo hoje se encontra poderia ter sido evitado, e quase
certamente poderia ser resolvido, se os principais envolvidos fossem capazes e estivessem
inclinados a se engajar em diálogo uns com os outros."

Para a Educação para o Pensar, 5 a 7 anos não é cedo demais para começar a trabalhar na
Comuinidade de Investigação. As crianças são capazes de se envolver em discussões
coerentes, aprofundadas (ao nível delas, não de um grupo de adultos) e devem ser
estimuladas a buscar, no espaço da Comunidade de Investigação, a razoabilidade tão
necessária para a vida de hoje e de amanhã. O verdadeiro diálogo não existe sem ela e, sem
a perspectiva da possibilidade de diálogo efetivo fica difícil imaginar um futuro melhor. E
nós não desistimos do futuro melhor.
Bibliografia:

Borghi, Quinto, Le cose, il tempo e la natura. Bologna, Nicola Milano Editore, 1993

Cam, Philip, Thinking Together; Philosophical Inquiry for the Classroom. Sydney, Primary
English Teacher Association and Hale & Iremonger, 1995.

Cunha, Marcus Vinícius da, John Dewey - Uma filosofia para educadores em sala de aula.
Petrópolis, Editora Vozes, 1994

Lipman, Matthew, O Pensar na Educação. trad. de Ann Mary Fighiera Perpétuo.


Petrópolis, Vozes, 1995

Lipman, Matthew; Sharp, Ann M. e Oscanyan, Frederick S.. Filosofia na Sala de Aula,
trad. de Ana Luiza Fernandes Falcone. São Paulo, Nova Alexandria, 1994.

Lipman, Matthew; Gazzard, Ann, Getting Our Thoughts Togother; Instructional Manual to
Accompany Elfie. Upper Montclair, IAPC, 1988.

Loschi, Tiziano, I discorsi e le parole. Bologna, Nicola Milano Editore, 1994

Mandel, Sylvia; Reed, Ronald, Rebeca: Manual de Instruções. (trad. da autora) São Paulo,
Difusão de Educação e Cultura, Filosofia para Crianças, 1996.

Matthews, Gareth, Phylosophy and the Young Child. Cambridge, Harvard University Press,
1980

Rego, Teresa Cristina, Vygotosky - Uma perpectiva histórico - cultural da educação.


Petrópolis, Editora Vozes, 1995

Sharp, Ann M., Algumas pressuposições da Noção "Comunidade de Investigação" , A


Comunidade de Investigação e o Raciocínio Crítico, Coleção Pensar, São Paulo, CBFC,
p.5-15, 1995.

Splitter, Laurance; Sharp, Ann M., Teaching for Better Thinking; The Classroom
Community of Inquiry, Melbourne, ACER, 1995.

SINASCEL-CISL, I nuovi orientamenti per la scuola materna, 1991

EDUCAÇÃO: UMA JORNADA FILOSÓFICA

Ann Margaret Sharp

Construir comunidades de investigação nas salas de aula.


A educação é um processo pelo qual toda criança passa, pelo menos na maioria dos países,
até os 16 anos de idade. É um dos principais modos pelo qual a sociedade,
sistematicamente, socializa a criança dentro da grande comunidade. Muitos filósofos dizem
que a educação também tem um outro objetivo: autonomia para a criança. As crianças não
só devem aprender respostas, mas também como solucionar os problemas colocados para
elas pelos adultos e como responder certas questões; as crianças devem ser ensinadas a
pensar por si mesmas e lhes deve ser dada a oportunidade de desenvolver critérios relativos
ao que constitui o comportamento razoado (conforme a razão) e moral.

A educação deve procurar produzir agentes morais, inteligentes, sinceros e autônomos que
possam emitir juízos corretos e razoados.

Esse tipo de educação envolve não só anos de domínio da metodologia de investigação,


mas a presença de professores que sejam verdadeiros exemplos da vida da investigação. Se
não são ensinadas às crianças as ferramentas da investigação, e se elas não estão imersas
em comunidades de sala de aula dedicadas à esse ideal, não se pode esperar que se tornem
agentes morais responsáveis, quando chegarem aos 18 anos de idade.

As ferramentas da investigação dão às crianças a capacidade não só de aprender sobre o


passado e o futuro e sobre a cultura que herdaram, mas a terem prática em dominar um
procedimento que as capacitará compreender a si mesmas e a sua relação com a
comunidade mundial. Sem essas habilidades elas serão incapazes de pensar por si mesmas.

Se admitirmos que a educação tem esses dois papéis, socialização e autonomia, então
segue-se que também tem uma dimensão espiritual. A relação entre autonomia e
espiritualidade tem sido explorada por muitos filósofos ocidentais e orientais: Santo
Agostinho, Spinoza, Martin Buber, Gabriel Marcel, J. Maritain, Pascal e S. Tomás de
Aquino, para mencionar somente alguns.1

Um dos maiores perigos hoje em dia, é que a educação tem abandonando seus objetivos de
autonomia e se resignado a ser nada mais que um instrumento de socialização. Uma
evidência disso é a submissão do estabelecimento educacional a estimular a mídia destinada
a atrair o visual infantil, mídia que é contraproducente em auxiliar as crianças a dominarem
as ferramentas da investigação que são um pré-requisito de sua própria autonomia
intelectual. Agora, talvez mais que nunca, os valores sociais e intelectuais frívolos são
capazes de seduzir as mentes jovens.

Sabemos que se a próxima geração deve emitir juízos morais e políticos corretos em
relação aos problemas de nossa sociedade, as crianças de hoje devem aprender um método
para avaliar sua sociedade e seu estado ideal e atual. Elas devem ser incentivadas a
questionar seus próprios valores, assim como os valores universais da sociedades dentro do
contexto de uma comunidade de investigação. Isso é educação moral em sua mais ampla
acepção. "Quando realmente utilizamos método, é que realmente começamos a existir...Nas
ações que têm método, nós agimos...nós realmente agimos."2 Essa educação não seria
apenas filosófica mas também espiritual no sentido mais profundo. Ela levaria à criação de
um mundo mais justo, mais bonito e melhor.
A internalização do método da investigação requer tempo, e precisa de professores que
entendam de crianças, de raciocínio e de pedagogia. Não há dúvida de que as crianças
podem pensar por si mesmas a respeito de qualquer tipo de assunto. Para perceber a
sofisticação de seus raciocínios, precisamos apenas escutar uma conversa entre dois jovens
de 5a. série.3 Atualmente, em educação é quase um lugar comum dizer que o conhecimento
ou o saber não residem só nos livros e nos discursos. Um livro não pode responder, não
pode questionar de maneira que o leitor fique ciente das pressuposições subjacentes e
comece a questionar essas pressuposições. (Uma exceção seriam os trabalhos de Plantão,
Nietzsche e Wittgenstein, que forçam o leitor a entrar no diálogo com o autor). Um
discurso não permite que as descobertas cumulativas de uma sala de aula formem uma
comunidade de investigação cooperativa, comprometida em explorar os assuntos de uma
maneira racional e metódica.

Mas se os livros e os discursos não são adequados, o que seria? A educação dialógica
comprometida com a investigação em comunidade! De qualquer forma, as crianças
precisam ser redirecionadas para que possam iniciar o processo de entender o pensar, os
vários estilos de pensar e os critérios para destinguir o bom pensar do pensar descuidado,
dentro de uma comunidade de sala de aula. Esse pensar melhor logo se transferiria para um
melhor falar, escrever e ler. Além disso, daria às crianças as ferramentas que necessitam
para pensar por si mesmas sobre quem são e sobre o que suas condutas devem refletir. As
crianças devem ser incentivadas a pensar sobre que tipo de pessoas gostariam de ser e em
que tipo de mundo gostariam de viver. Às crianças deveriam também ser dados os meios
para criarem uma sociedade e um mundo qualitativamente melhor.

A única disciplina que pode enfrentar esse desafio é a filosofia. Por 2.500 anos ela tem se
aperfeiçoado em pensar a respeito de assuntos importantes. Ao fazer filosofia é que as
crianças, aos poucos, começam a prestar atenção em seu pensar e na relação entre seus
pensamentos e suas ações. Essa auto-consciência surge concomitantemente com o
enriquecimento do intelecto. É a filosofia que capacita as pessoas, tanto adultos como
crianças, a verem os acontecimentos do dia-a-dia de modo questionador. Aos poucos, as
crianças começam a pensar sobre as conseqüências de suas ações e o que deveriam levar
em consideração ao fazer um juízo moral ou social. Além disso, elas começam a se
perguntar em que ações devem se engajar agora, se querem atingir certos fins no futuro. Se
uma criança quer ser uma certa pessoa daqui há cinco anos, tem que se perguntar o que
deve ser feito agora para que esse ideal se torne uma realidade. É aqui que a investigação
em comunidade é muito enriquecedora. As crianças começam a perguntar umas às outras
sobre pressuposições subjacentes, sobre como devem escolher suas idéias, suas ações e suas
crenças.

A Filosofia e o método dialógico.

Nos diálogos de Platão, é evidente que o leitor adquire pouco conhecimento de Sócrates.
Contudo, o leitor se torna consciente do método de investigação que Sócrates geralmente
emprega. Ele usa o mesmo método quando está falando com um adulto ou com uma
criança. O método envolve o diálogo (em geral entre duas pessoas) e um compromisso
consciente com a consistência, objetividade e abrangência, assim como o respeito pelas
idéias e pelas pessoas que sustentam essas idéias.

O que aconteceria se o diálogo envolvesse 18 crianças e um professor, ao invés de apenas


duas pessoas? Poderia ser comparado à diferença entre um dueto musical e a música de
uma pequena orquestra: cada instrumento reagindo aos outros instrumentos, enquanto, ao
mesmo tempo os músicos estão consciente do todo da peça musical. A própria música
estabeleceria um clímax levando os participantes a compreenderem a composição - pelo
menos na sua complexidade.

Mas, será que os professores poderiam ser ensinados a transformar as salas de aulas em
comunidades de investigação? Será que eles poderiam ser preparados para dirigir
discussões filosóficas entre as crianças como um maestro que rege uma orquestra? Se
podem, como iríamos preparar tais professores? Uma coisa é certa: levaria tempo e
envolveria uma revolução total no conceito de educação de professores. Os professores em
perspectiva teriam que ser preparados para pensar em determinadas disciplinas e a
comunicar esse processo ativo a seus alunos ao invés de somente transmitir-lhe fatos. No
início, os professores deveriam trabalhar sob a supervisão e acompanhamento direto de um
monitor e começar com conceitos simples e atraentes que se relacionem diretamente com a
experiência das crianças. Então, em seguida, o professor passaria para a construção de uma
consciência de grupo e ajudaria as crianças a perceberem a estrutura do raciocínio em
comunidade.

Vygotsky, em "Mind and Society"4 mostra a diferença entre o aprendizado individual e


aquele em comunidade, o pensamento cooperativo. Neste último, as crianças constróem
umas sobre as idéias das outras de tal modo que, ao final, todas elas estão atuando no mais
auto nível de participação verbal e de raciocínio. Qualquer comportamento do professor
que enfraqueça a investigação comunitária é insensata. O compromisso com a investigação
deve ser manifestado no modo como o professor participa do processo de ensinar. O amor
pelas idéias, o compromisso com o procedimento, a disposição em construir sobre as idéias
dos outros, a humildade, a exigência de honestidade e o questionamento devem ser
evidentes na interação do professor com as crianças como um grupo. As crianças sabem,
em relativamente pouco tempo, se um professor procede dessa maneira. É como se elas
tivessem um sexto sentido para detectar qualquer um que seja um impostor.

São Tomas de Aquino, em seus escritos sobre educação, mostra que, em certo sentido, os
professores são periféricos quanto ao engajamento das crianças no pensar, ouvir e
investigar. A criança é o centro, não o professor. As crianças ensinam-se a si mesmas
quando, em comunidade, exploram as idéias e passam a investigá-las. Mas, em outro
sentido, o professor é crucial. É ele que tem que ter a habilidade de captar o momento certo
em que a criança estará disposta para tratar o assunto com atenção.

Devemos ser cuidadosos ao fazer perguntas filosóficas diretamente às crianças. O papel do


professor é ajudá- las a pensar sobre seus próprios interesses da melhor maneira. Se a sala
de aula for um lugar em que a investigação acontece de uma maneira livre, todos os dias, e
as crianças estiverem convencidas de que o professor não está tentando manipulá-las,
provavelmente as perguntas se tornarão mais numerosas. Quando isso acontece, as crianças
começam a perceber que se pode ver o mundo a partir de muitas perspectivas. A maioria
dos adultos não acha que o mundo esteja cheio de aspectos interessantes e maravilhosos -
do tipo de coisa que suscita questionamento filosófico - mas muitas crianças acham. Os
adultos, em algum momento ao longo de sua educação, começaram a aceitar os
acontecimentos cotidianos de um modo acomodado. As coisas sempre são assim, dizem
para si mesmos. Não há nada para explorar. Essa falta de interesse é exatamente a causa da
perda do deslumbramento que já foi algo tão natural para eles. É como se uma parte da
experiência se atrofiasse enquanto envelhecem porque quando eram jovens não foram
incentivados a explorar os acontecimentos cotidianos e as questões que tinham sobre eles.

Mas como seria se tanto o professor como os alunos fossem realmente questionadores a
respeito de muitas coisas? Nessa situação, as crianças teriam uma boa chance de fazer
filosofia juntas, isto é, se o professor possuisse as ferramentas necessária para guiar uma
discussão filosófica. Mas o que acontece se as perguntas filosóficas não vierem dos alunos?
Isso não é raro, principalmente no início do processo quando não têm certeza se podem
confiar no professor ou mesmo em si próprios. O que fazer, então? Esperar? Não! É nessa
hora que o professor deve propor experiências que provoquem indagações filosóficas. Os
professores e os alunos podem ler e discutir os textos de Filosofia para Crianças.5 Podemos
também usar filmes, contos de fada, literatura infantil, revistas em quadrinhos, desde que
estejam salpicados com temas filosóficos que interessem ás crianças e que o professor saiba
como dirigir a investigação filosófica de maneira rigorosa.

Não é uma questão de ou isso ou aquilo. Podemos usar vários veículos ao mesmo tempo
como trampolins para a investigação, enquanto percebemos as implicações filosóficas ou
lógicas do discurso diário das crianças. Disto temos um belíssimo exemplo na discussão de
Santo Agostinho com seus discípulos em Cassicíaco (geralmente denominado como
"Divina Providência e o Problema do Diabo"). Á medida que a classe se torna mais
habilidosa nas regras da investigação, há uma boa possibilidade de que comecem a apreciar
uma discussão mais rigorosa e estruturada e, ao mesmo tempo, a perceber a dimensão
filosófica da própria conversação.

O professor tem que estar atento ao fato de que algumas questões são mais frutíferas para o
diálogo filosófico. É aqui que a formação acadêmica em filosofia, teologia e pedagogia é
tão importante. Não é que o professor tenha que saber a resposta; ou melhor, é a formação
acadêmica em filosofia, teologia e pedagogia, unida à participação diária na investigação
em comunidade, que coloca o professor em situação de saber que questões não serão
educativas e quais delas o serão.

Uma vez que a discussão esteja se desenrolando, o professor pode facilitar a formação de
uma comunidade em sala de aula fazendo perguntas como estas:

- Você entendeu o que ele perguntou?


- O que se deduz do comentário dele?

- O que você acha do comentário dele?

- Será que você pode ajudar o colega a expressar seu pensamento mais claramente?

- Você pode imaginar uma outra maneira de ver essa posição?

- O que está pressuposto no que ele está dizendo?

- Por que você acha isso?

- Quais seriam as conseqüências se fizéssemos o que você diz?

Essas perguntas não só incentivam os alunos a se escutarem mas os ajuda a analisar o


significado de suas palavras, assim como as pressuposições de suas afirmações. Á medida
que o processo prossegue, alguns alunos irão mais rapidamente em auxílio dos outros. Cada
vez mais alunos começarão a oferecer seus pontos de vista. Alguns, que tinham ficado em
silêncio, começarão a falar assim que sentirem que serão ouvidos e respeitados. Perguntas e
respostas podem começar a emergir subitamente. (Um visitante acharia isto um caos ou
imaginaria que está havendo um simples bate-papo).

Entretanto, devemos ter cuidado para não confundir a evidência de uma comunidade de
investigação, que está começando a surgir, com um simples bate-papo. Se o tema em
discussão é interessante para as crianças, provavelmente elas exigirão algumas regras de
procedimento para que possam ser ouvidas. É melhor esperar até que os alunos busquem
um procedimento aceitável por todos aos invés de impor-lhe um logo de início.

Algumas regras de procedimento do diálogo filosófico em sala de aula.

Nesta altura, o professor deve sugerir algumas regras ou pedir aos alunos que eles mesmos
as criem. Algumas regras a serem sugeridas podem ser:

1. Quando estamos tentando expressar um pensamento, devemos tentar usar uma


linguagem simples.
2. Devemos estar dispostos a oferecer razões para nossos pontos de vista, se forem
solicitadas.
3. Não devemos trazer à baila assuntos que não estejam relacionnados com o tema em
discussão.
4. Se quisermos mudar o assunto em discussão, devemos perguntar aos demais se
concordam.
5. Devemos estar dispostos a perceber as pressuposições de nossas afirmações e
defendê-las se questionadas.
6. Devemos estar dispostos a seguir a investigação por onde ela for.
7. Devemos nos abster de citar um autor, mesmo que esse autor fale sobre o assunto
em discussão.
8. Só uma pessoa deve falar de cada vez.
9. Devemos respeitar cada pessoa na classe como uma possível fonte de verdade. Esse
respeito se manifesta em ouvir atenta e cuidadosamente os outros e em auxiliar os
colegas a desenvolverem suas posições, mesmo que não concordemos com ela.
10. Devemos acompanhar o diálogo ao invés de pensar sobre nossa própria posição ou
no que vamos dizer.
11. Devemos estar dispostos a construir sobre as idéias dos outros e submeter a nossa
posição à investigação de todos.
12. Os professores devem abster-se de dar sua opinião até que a classe esteja pronta a
aceitá-la como apenas outro ponto de vista a ser explorado.
13. Devemos tentar incentivar todos a falarem sobre o assunto.
14. Os professores devem ser claros a respeito da lógica, e estarem certos de que seus
alunos a dominam.

Estas são apenas 14. Provavelmente os alunos poderão vir com mais 14, se lhe derem
tempo. O importante é admitir a necessidade de regras de procedimento desenvolvidas a
partir das discussões das crianças, ao invés de impor uma série de regras logo no início.

Podemos dizer que ensinar dialogicamente é um método de incutir integridade e


honestidade num mundo cheio de fraude. É comum ao andar pelos corredores de uma
escola, ouvirmos um professor dando uma aula. Nos perguntamos se os estudantes, que
estão passivamente sentados em seus lugares tomando notas, compreendem o significado
do que o professor está dizendo. Podemos imaginar um jovem estudante pensando: - O que
será que isto tem a ver com qualquer coisa na minha vida? Acho que poucos estudantes
compreendem os assuntos em discussão até que sejam capazes de participar ativamente. Se
eles não participam de modo ativo, possivelmente não serão capazes de aplicar suas
anotações de aula a um problema particular. Alguns estudantes de escolas tradicionais,
podem até ser capaz de falar eloqüentemente sobre o que algum filósofo em particular disse
sobre tempo, espaço, beleza, individualidade, ética, Deus e liberdade. Mas, quando lhe
perguntamos o que eles acham, ficam mudos.

O ensino dialógico força os alunos a pensarem sobre o significado de suas palavras e sobre
as conseqüências de suas opiniões, assim como de suas ações. Por estarem participando
ativamente de todos os assuntos em discussão, começam a vivenciar a relação entre teoria e
prática, em contraste com falar sobre. Uma das pressuposições do método é que deliberar
com os outros é um caminho mais seguro para a verdade e para o significado do que uma
reflexão solitária ou a memorização do discurso do professor.6

A transformação das salas de aula em comunidades de investigação necessita um


compromisso com o próprio processo de investigação por parte de cada um dos membros
da classe. Sem esse compromisso provavelmente haverá disputa, intolerância, questões
tolas, falta de atenção e forte egocentrismo.

A investigação em comunidade é a antítese de simplesmente procurar pela resposta do


professor. Alguns hábitos têm que ser desenvolvidos: capacidade de trabalhar duro, atenção
para os detalhes, objetividade, aversão por falsidade e manipulação, interesse por melhores
meios de raciocinar, disposição em acolher alternativas e respeito por cada um dos
membros da classe e seus pontos de vista. E o mais importante é que se deve estar disposto
a rever uma opinião se for para onde a investigação conduz. Quando tal investigação vem a
ser uma realidade na sala de aula, moralidade torna-se investigação ética, isto é, um pensar
em conjunto sobre assuntos morais ao invés de submissão à inculcação autoritária de certas
regras ou princípio éticos.

A investigação filosófica como educação moral.

Uma educação dialógica em que as crianças são incentivadas a investigar, entre si mesmas,
sobre amor, integridade, verdade, regras, padrões, respeito, amizade, identidade,
propriedade, liberdade e justiça é um processo que pode guiar as crianças em direção a um
estágio moral que elas já internalizaram. O benefício dessa educação fica evidente na
capacidade das crianças de responder eticamente, se surgir a necessidade.7

As leis morais não são o tipo de coisa que pode ser provada. Como Wittgenstein uma vez
disse numa aula de ética: "Minha tendência e, acredito, a tendência de todos os homens que
tentaram escrever sobre ética, era ir além das fronteiras da língua.... A ética, na medida em
que provém do desejo de dizer algo sobre o sentido último da vida, o bem absoluto, o valor
absoluto, pode não ser ciência....Mas é um documento da tendência da mente humana que
eu, pessoalmente, não posso deixar de respeitar profundamente". O que consideramos como
ação moralmente certa é mais o resultado de um juízo estético, da habilidade de perceber a
ação apropriada num determinado contexto, do que de qualquer abordagem científica.

No entanto, há uma grande diferença entre agir irrefletidamente e agir após ter tido muita
prática em pensar cuidadosamente e levar tudo em consideração, inclusive as
conseqüências de nossas ações. Essa habilidade de pensar leva anos de imersão no diálogo
filosófico. Num certo sentido, tornar-se um agente moral é como se tornar um artista;
ambos estão comprometidos em criar uma harmonia. A vida do artista envolve anos de
observação, experimentação, estudo da obra dos artistas do passado, trabalho sob a
orientação de um mestre, desenvolvimento de um certo senso de cor, textura, proporção,
perspectiva, objetividade, composição, experiência com uma imensa variedade de meios de
comunicação e decisão de qual meio é o certo para expressar o que ele quer comunicar.
Entretanto, eventualmente isso envolve o desenvolvimento de nosso próprio estilo, nossa
própria perspectiva, nosso próprio meio de expressão - todos totalmente únicos para o estilo
individual do artista. Não desenvolver um estilo próprio é não ser nada mais que um
simples técnico. Ninguém consideraria tal indivíduo um artista.

Tornar-se um agente moral é algo semelhante. A vida, continuamente dá exemplos de como


devemos proceder de acordo com nosso senso do que é certo. Além de considerar a
conveniência e consistência de nossas próprias idéias e ações, temos também que
estabelecer padrões morais. Como agentes morais, temos que tentar estabelecer nossos
juízos dentro de algum tipo de ordem, de modo que não haja inconsistência que possa
impedir a relação de todas nossas ações morais com uma mesma harmonia. As crianças
necessitam prática em perceber conexões entre o que dizem, o que pensam e o que fazem.
Precisam entender as coisas a partir de várias perspectivas. Precisam ter prática em
reconhecer relações entre a parte e o todo quando elas se referem a valores; precisam ter
prática em aprender a detectar inconsistências e avaliar situações. Assim como não
devemos esperar que um jovem ou um adulto se torne um artista da noite para o dia, não
devemos esperar que as crianças verbalizem decisões morais em sala de aula antes que
tenham adquiridos as ferramentas intelectuais necessárias, que são um pré-requisito para tal
investigação. A educação moral não deve ser só trabalhada filosoficamente mas deve
enfocar o aprimoramento da investigação.

Finalmente, uma educação moral deve tornar as crianças capazes de pensarem por si
mesmas de modo que forme um todo harmonioso. As ações devem ser tanto estética como
moralmente corretas. A felicidade, então, é a recompensa pela ação correta, uma
recompensa intrínseca. As pessoas não devem fazer a coisa certa pelo elogio ou por alguma
outra recompensa. Elas agem, como diz, Wittgenstein, de uma certa maneira porque lhes
convém de acordo com os seus próprios valores. Tais ações fazem com que se sintam em
harmonia com o mundo, consigo mesmo e com os outros. Quando alguém se engaja nesses
tipos de ações, dia após dia, começa a ver a "vida como auto-justificada, a única vida
correta para aquela pessoa."8

Alguém pode não enfatizar suficientemente a importância da investigação, da auto-crítica e


dos modelos adultos moralmente sensíveis durante os anos de formação da criança. Assim
como o artista iniciante precisa cuidadosamente estudar os mestres do passado, as crianças
precisam estar num ambiente de adultos que demonstrem sua moralidade em seus
comportamentos. Santo Agostinho foi quem nos lembrou que: "Você aprenderia melhor
nos observando e nos ouvindo quando realmente envolvidos no trabalho em si do que lendo
o que nós escrevemos."9 Tradicionalmente, a moralidade tem sido vista como um modo de
reprimir paixões do diabo. Contudo, é o modo com que as paixões são canalizadas que, em
última análise, distingue o ato moral e o ato imoral. Seria preferível que as crianças vissem
atos morais surgindo naturalmente de um ambiente de reflexão em que o método de
investigação se manifesta nas ações de todos os membros do grupo.

As crianças podem ser ajudadas a ser tornarem sensíveis à necessidade ou força em suas
vidas. Assim como um bom artista demonstra a necessidade dessas coisas que têm que ser
aceitas e toleradas, mesmo asseguradas, assim também o estudo da filosofia pode ajudar as
crianças a se tornarem conscientes da necessidade em suas próprias vidas e de como lidar
com isso se quiserem se tornar independentes para sempre. A arte pode ajudar as pessoas a
transcenderem a rotina diária e a falta de sentido de muitas de suas atividades e a perceber a
perfeição universal do mundo. A filosofia pode ajudar as crianças a superarem o trivial e
banal e verem sua própria experiência diária a partir de uma imensa diversidade de
perspectivas. Essa realização é libertadora para uma criança porque a capacita colocar
alguma ordem na sua experiência.

A boa arte, seja música, pintura, escultura, poesia, arquitetura ou ficção, ajuda as pessoas a
separarem o qualitativo do trivial. De certo modo, a arte ruim é uma falsidade a respeito do
mundo, assim como as más ações são respostas inadequadas a uma determinada situação.
Aprender a distinguir o adequado do inadequado, a fraude da verdade, o genuíno do
impostor é uma educação durante toda vida, de experiência, reflexão e investigação numa
comunidade filosófica.10 Pierce nos diz que certos tipos de ações têm uma qualidade
estética que as tona intrinsecamente satisfatórias. Os seres humanos naturalmente
encontram inconsistência entre seus ideais e suas ações detestáveis. Se olharmos ao nosso
redor, veremos que as pessoas fazem algum esforço para serem consistentes, embora muitas
tenham se treinado para viver com inconsistência pelo fato de não pensarem sobre isso.

Contudo, muitas pessoas, de tempos em tempos, revêm seus ideais e suas ações. Isso não é
algo que só acontece uma vez na vida. A vida está constantemente apresentando às pessoas,
situações às quais elas podem ou não responder. O remorso só é positivo quando leva as
pessoas a agirem, no futuro, de acordo com seus ideais.

A habilidade de raciocinar está sempre em crescimento, assim como a habilidade de agir


mais e mais consistentemente. O ideal de conduta, quando considerado como ideal
regulador, pode ajudar as pessoas a criarem uma vida e um mundo mais razoável. O
raciocínio é essencialmente um pensamento sob auto-controle assim como a moralidade é
uma conduta sob auto-controle.11 Quando fazemos um juízo moral, a conduta deve parecer
boa em si mesma, consistente com nossos outros valores e deve garantir conseqüências
benéficas. As ações morais não só têm conseqüências morais, elas têm uma qualidade
estética que gera felicidade. Essa pessoa está em paz consigo mesma e disposta a viver no
presente. Quanto mais suas ações são dessa natureza, mais ela começa achar que sua vida
está de acordo com o propósito da existência e percebe com certa satisfação que é um fim
em si mesma.

As crianças como pessoas racionais

A filosofia é uma testemunha da nossa eterna busca de significado e de um raciocínio mais


refinado: "Crer no raciocínio sobre os fenômenos é crer que eles são governados por Deus.
Para minha mente isso é uma crença altamente importante e sadia".12
Fazer filosofia com crianças pressupõe que elas são capazes de realizar juízos racionais,
uma vez que lhe sejam fornecidas as ferramentas da investigação. O que falta às crianças é
experiência. A crença de que a racionalidade e a moralidade são vinculadas tem suas raízes
na filosofia ocidental. Baseando sua visão no desenvolvimento psicológico, assim como no
trabalho de Piaget e Kohlberg, John Rawls em "A Theory of Justice" diz que existem três
estágio de desenvolvimento moral pelos quais todos nós passamos: (1) a moralidade da
autoridade; (2) a moralidade da associação; (3) a moralidade dos princípios. De acordo com
Rawls, o terceiro é o único estágio racional. Ele acha que as crianças não atingiram esse
estágio e portanto não deveriam ser consideradas agentes morais nem responsáveis pelo que
fazem.13 O desenvolvimento psicológico é uma ferramenta perigosa de persuasão nas mãos
daqueles que são a favor do paternalismo em relação às crianças. A teoria dos estágios, por
ser puramente descritiva, não leva em conta o processo educacional.

O que aconteceria se os professores e os pais acreditassem que as crianças são racionais e


que não só podem pensar sobre assuntos acadêmicos tradicionais mas também podem
pensar por si próprias a respeito da ética, da epistemologia, da estética e da metafísica?
Lady Welby, numa carta para Charles Sanders Pierce, escreve: "A capacidade média do
homem na primeira infância é muito mais alta do que supomos: o problema é como
preservar o frescor e a perspicácia da mente da criança enquanto fornecemos o treinamento
lógico essencial, cuja falta é uma grande desvantagem."14

É verdade que as crianças não podem falar sobre assuntos filosóficos com um vocabulário
técnico, e a maioria das crianças não teria nenhum interesse em ler os textos filosóficos de
Aristóteles, São Tomás de Arquivo ou Kant. No entanto, se elas fossem guiadas por um
professor treinado que soubesse como traduzir o vocabulário técnico da filosofia para a
linguagem cotidiana das crianças, os resultados poderiam mostrar evidências que lançariam
dúvidas sobre a validade da teoria dos estágios. Qualquer objeção à teoria dos estágios
poderia fazer uma enorme diferença na educação atual quando a maior parte do currículo é
ditada pelos assim chamados "estágios Piagetianos". Se os psicólogos, os educadores e os
pais pudessem observar as crianças investigando sobre assuntos filosóficos poderiam se
dispor a rever suas noções sobre as capacidades das crianças e levar em consideração a
importância do primeiro ambiente educacional da criança e da rica investigação de que elas
são capazes com pouca idade, uma vez que lhe sejam fornecidos os professores certos.

Uma das coisas mais maravilhosas sobre a investigação é que ela não só torna os
investigadores auto-conscientes mas também é auto-corretiva quando conduzida num
ambiente comunitário. Essa auto-consciêcia e auto-correção podem se avivar e acompanhar
a investigação para onde se dirigir. Uma vez que os adulto e as crianças começam a
pressentir um mundo em que ambos podem discutir todo tipo de assunto de uma maneira
racional, a própria educação pode ser revolucionada. Não só as crianças cresceriam na
compreensão das perspectivas dos adultos mas, os adultos (inclusive os professores)
cresceriam em sua capacidade de ver o mundo a partir de perspectivas muito mais ricas. À
medida que esse adulto amadurecido é percebido pelas próprias crianças, isso reforçará
seus esforços para compreender as perspectivas dos adultos e para questionar a experiência
humana em geral.
Se os adultos estão realmente interessados em ajudar as crianças a se prepararem para o
futuro, eles devem estar dispostos a viver de tal modo que a discussão racional seja um
estilo de vida, em casa ou na sala de aula. Exigir que se dê as razões, as explicações e que
se acolha uma pluralidade de perspectivas são pré requisitos para o diálogo racional tanto
para as crianças quanto para os adultos. Desenvolver o hábito de examinar as
pressuposições subjacentes nas regras, em casa e na sala de aula, buscar alternativas que
sejam mais aceitáveis tanto para adultos quanto para crianças, escutar as necessidades de
todos os participantes - isto indica um reconhecimento da habilidade de raciocinar das
crianças e, portanto, um respeito a elas como pessoas.

Uma vez existindo essa atmosfera, podemos imaginar novas visões da vida familiar e da
relação entre alunos e professores que envolvem as contribuições das crianças. Às crianças
falta experiência, não racionalidade; os adultos geralmente têm muita experiência no que
fazem mas raramente lhes é pedido para dar as razões para as regras que eles formulam
para as crianças. Assim, se tanto as crianças como os adultos estiverem engajados num
diálogo racional, possibilidades nunca antes imaginadas podem se tornar uma realidade.15

Foi Santo Agostinho quem disse que a insegurança e a infelicidade humana provêm de uma
falta de critérios para julgar o bom a partir do ruim, o genuíno a partir do falso, o belo a
partir do feio. "Não há melhor maneira de ver a verdade que pelo método de perguntar e
responder".16

Tornar-se um agente moral é um processo de desenvolver, por si mesmo, critérios para


destinguir o melhor do pior, e viver de modo que o melhor faça uma diferença. Isso envolve
a capacidade de ver a si próprio como capaz de agir no mundo de modo a levar em conta
tanto as intenções, os propósitos e as conseqüências quanto os ideais. Além disso,
pressupõe que se seja consciente dos outros como indivíduos e não só como projeções de
nossas próprias necessidades. Os agentes morais se esforçam por superar auto- decepções e
serem capazes de desempenhar ações que acham corretas. Nossas ações são determinadas
por aquilo que as precede no tempo. No entanto, como Pierce salienta em seu artigo Ideais
de Conduta "... minha avaliação dos fatos ... deixa o homem na plena liberdade... isto é, o
homem pode ou, se preferir, é levado a tornar sua vida mais razoada,"17 sejam as ações
determinadas ou não. Qualquer prazer ou sensação de satisfação e bem-estar, qualquer
estado de calma que alguém experimente após a ação ter sido executada, confirma o senso
de auto controle e a autonomia de uma pessoa.

Se escutarmos as crianças no pátio da escola ou no recreio, ouviremos repetidamente a


frase não é justo. Essas crianças acham que sabem o que é justiça e acham que elas e seus
colegas são capazes de analisar as situações: Elas esperam que seus colegas façam coisas
certas e justas. Novamente é Santo Agostinho que nos diz ...não é o homem que possui
aquilo que ama que é realmente feliz, mas o homem que ama aquilo que deve ser amado.
Tal pessoa não esta fazendo o que "acha que deve ser feito" mas está fazendo o que pensa o
que é certo. É neste ponto que uma pessoa, nas palavras de Santo Agostinho, "pode amar e
fazer aquilo que deseja".
As crianças como agentes morais

Podemos ver moralidade como uma atividade responsável, conveniente e bela da parte do
agente autônomo. Por serem racionais, os seres humanos podem aplicar os critérios da
investigação a seus pensamentos e ações. Esses critérios serão éticos, estéticos e lógicos. É
novamente Peirce que pergunta: "No que consiste o raciocínio correto?" Parece que se
pudéssemos calcular isso teríamos meios de atingir nosso objetivo. Mas qual é esse
objetivo? Os lógicos, a essa altura, devem imaginar que Peirce acha que o objetivo final do
ser humano é ético. Mas quando nos voltamos para a ética, tudo que descobrimos é que as
pessoas têm que ter poder de auto-controle. Nenhum objetivo limitado ou egoísta pode
jamais ser satisfatório. O único objetivo satisfatório é o mais amplo, o mais alto e o mais
geral. Para mais esclarecimentos, temos que nos voltar para os estéticos, cujo trabalho é
dizer qual é o estado das coisas mais admiráveis em si mesmas, independentemente de
quaisquer razões finais. E qual é esse estado? Beleza! Aquele que é admirável em si
mesmo. Assim, moralidade não só se interessa pelo pensar e agir justa e corretamente mas
pelo se engajar em atos belos. Os atos morais estão sujeitos aos critérios estéticos, assim
como aos lógicos e éticos.

É por isso que agir moralmente é muito mais que fazer o que se deve. Esta razão é limitada,
pequena, a antítese de um belo ato fruto do amor.

O poeta produz beleza fixando a atenção em algo real. O ato de amor é produzido do
mesmo jeito. Saber que esse homem, que está com frio e fome, existe realmente tanto
quanto eu mesmo e, está realmente com frio e fome - isso é suficiente. O resto vem por si
mesmo. Os valores puros autênticos - verdade, beleza e bondade - são resultado de um
único e simples ato, uma certa aplicação de atenção a esses estados mais elevados do
objeto.

Fazer filosofia com crianças é um modo de trazer sensibilização ás relações. Á medida que
as crianças perseguem a investigação, são forçadas a lutar com relações entre partes e todo
assim como com relações entre meios e fins. A comunidade de investigação como um todo
trata de como as percepções se relacionam com o conhecimento, como os ideais se
relacionam com as ações, como as palavras se relacionam com as frases, como a linguagem
se relaciona com a natureza do ser. Não se pode fazer filosofia dentro de uma comunidade
de sala de aula a não ser que se perceba a si próprio como ser em relação com os outros
investigadores, ao invés de buscar individualmente o significado. É a criança em relação
com as outras crianças e adultos em seu mundo que torna possível fazer filosofia.

A humanidade ou a consciência de suas próprias imperfeições é uma virtude intelectual que


ocasiona a autoconsciência e o compromisso com a abertura da investigação que é, ela
mesma, auto corretiva. O conhecimento de nossas imperfeições enquanto seres pensantes é
o conhecimento mais imediato... implica uma relação com a perfeição, um valor supremo,
que, no entanto, mostra-se ao homem negativamente e como relacionado com o
pensamento.
A consciência da necessidade, de nenhum modo alivia a responsabilidade de uma pessoa de
se aperfeiçoar. Porque as pessoas não são só conscientes mas auto-conscientes e capazes de
responder de modo moral e humano á situações, sempre haverá culpa íntima, a consciência
da imperfeição. O que sou hoje não deve me satisfazer. Assim, eu me esforço
incessantemente por auto-integração, uma harmonia, uma consistência entre o que eu creio,
o que eu penso, e o que eu faço. Em relação aos sentimentos, a investigação desenvolve
lealdade nas crianças - interesse pelo bem estar de todos os participantes e pelo
procedimento da própria investigação. Essa lealdade liga as pessoas numa comunidade.
Para Josiah Royce a comunidade é uma pessoa. Tal lealdade surge do trabalho comum - do
fazer filosofia. Não é mera emoção. Se manifesta nos feitos. Tal lealdade é algo que
transcende o indivíduo particular e suas necessidades pessoais.

É através desse tipo de lealdade que a criança vai aos poucos compreender auto-
conhecimento. Lealdade para Royce é a devoção disposta, prática e eficaz de uma pessoa
para uma comunidade.

Quando você pergunta a alguém quem ela é, ela não pode simplesmente dar-lhe seu nome.
Mas se ela responde em termos de vocação de lealdades sociais, de posição em uma
comunidade, ela está dando a única resposta possível se uma pessoa procura e ainda não
encontrou sua verdadeira lealdade, busca é um propósito, uma natureza temporária. Mas em
todo caso, onde quer que haja lealdade, há auto-conhecimento, personalidade, objetivo
individual na vida.

As crianças de hoje serão dirigentes de amanhã. Porque elas estarão vivendo em um mundo
pluralístico, elas precisam receber uma educação formadora, que as sensibilize para a
complexidade da experiência humana e para a variedade para as respostas morais. As
crianças não só merecem mas necessitam de uma educação que as ajudará a desenvolver
critérios para destinguir justiça de injustiça, moralidade de inmoralidade, e humanidade de
desumanidade. A educação que eles recebem deveria não somente encorajá-las a pensar por
si mesmas provendo-as com as ferramentas intelectuais e experiências que exigem
pensamento original, mas deveria imergi-las numa tradição da cultura, integridade e
comunidade.

1. Ver Santo Agostinho, The Confessions e sua Exposition of the Psalms; The Instruction of the
Uninstructed; e Concerning the Teacher. Ver também Rousseau, Emilie; Maria Edgeworth, "Wit and
Judgment" em The Practical Education of the Child (New York: John Hopkins Press 1965); Alfred
North Whitehead, The Aims of Education (New York Macmillan, 1929); Gabriel Marcel, The Mystery
of Being (Chicago:Regnery Company, 1951); Maurice Merleau-Ponty, Consciousness and the
Acquisition of Knowledge trad. de Hugh J. Silverman (Evanston, IL: Northwestern University
Press, 1973); John Dewey, Democracy and Educacion, Art As Experience, Experience and Nature; e The
Theory of the Moral Life; L.Wittgenstein, Lectures and Conversations on Aesthetics (Berkeley, C.A:
University of California Press, 1967); Philosophical Investigations, trad. G.E.M. Anscombe (Oxford,
Blackwell,1958); On Certainty (Oxford: Blackwell,1969); e Tractatus Logico-Philosophicus, trad.
D.F.Pears and B.F.McGuinness (N.York: Humanities Press,1961). Podemos ver também a obra de
Adrian Du Puis para uma filosofia da educação Católica. Volta
2. Simone Weil, Lectures on Philosophy, trad. Hugh Price, com introdução de Peter Winch (N.York:
Cambridge University Press, 1978) p.73. Volta

3. Robert Coles, "Political Children", The New York Review of Books, 20 de fevereiro, 6 de março e 20
de março, 1975. Coles nos leva a acreditar que as crianças não só podem pensar por si mesmas
quando emitem juízos políticos, mas também não têm dúvidas ao darem as razões para seus
julgamentos. Stephen Toulmin em Cognitive Development and Epistemology (N. York: Academic
Press, 1971} pp. 27-71, mostra que nossa "opção pela teoria dos estágios em psicologia terá o mesmo
valor que a opção pela fisiologia do desenvolvimento; nos compromete com a mesma visão geral a
respeito das capacidades que queremos que os adolescentes desenvolvam e com uma opinião ética
a respeito da verdadeira natureza do homem, todas elas muito questionáveis." p.53. Volta

4. L.S.Vygotsky, Mind and Society (Cambridge: Harvard University Press, 1978) p.87 Volta

5. Essas novelas foram escritos por Matthew Lipman e, no Brasil, são traduzidas e publicadas pelo
Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças. A Descoberta de Ari dos Telles, lida com a lógica e a
investigação filosófica em geral; Luísa lida com a lógica e sua relação com a investigação ética; Suki
(não traduzido), lida com a estética e a filosofia da linguagem aplicada à escrita da poesia; Mark
(não traduzido), é dedicado ás relações entre filosofia social e política, teoria sociológica e estudos
sociais. Cada texto é acompanhado por um manual de instrução que esclarece cada um dos
conceitos dos vários capítulos do texto e operacionaliza cada um desses conceitos com planos de
discussão, exercícios e atividades para serem executadas em sala de aula. Volta

6. Ver "The Socratic Method", em Leonard and Nelson, Socratic Method and Critical Philosophy:
Selected Essays (New Haven: University Press,1957). Volta

7. Martin Buber "The Education of Character" em Between Man and Man {N.York: Macmillan, 1965} e
C.I.Lewis, The Ground and Nature of the Right (N. York: Columbia University Press, 1955). Volta

8. Max Black, A Companion to Wittgenstein’s Tractatus (Ithaca: Cornell University Press, 1964), p. 372.
Volta

9. Santo Agostinho, The Instruction of The Uninstruted, 23, citado em G.Howie, Educational Theory and
Practice in St.Augustine, p.109. Volta

10. L.Wittgenstein, Tractatus Logico-Philosophicus, trad. D.F.Pears e B.F.McGuinness (N.york:


Humanities Press,1961) 6,421.Aqui Wittgenstein compara a estética com a ética. Mais tarde, no
entanto, em Philosophical Investigations, como S.Weil, ele fala do componente estético da ação ética.
Peter Winch em Ethics and Action, mostra as semelhanças entre Wittgenstein e S. Weil. Volta

11. Charles Sanders Peirce, " Ideals of Conduct", p.612. Volta

12. Peirce para Lady Welby, Semiotic and Significs: Correspondence between Peirce and Victoria Lady
Welby, ed. Charles S. Hardwick (Bloomington: Indiana University Press,1977) p.13. Podemos
também ver "Ideals of Conduct", Collected Papers, 591 a 615. Volta

13. Ann Palmeri, "Childhood’s End: Toward the Liberation of Children". Whose Child? (Totowa,
N.J.: Littlefield, Adams and Company,1980), p.110. Ver também Shulamith Firestone, The Dialectic
of Sex. Firestone faz uma forte analogia entre o tratamento da mulher numa sociedade e o
tratamento das crianças. Ela, assim como Ann Palmeri, acham que as crianças são raciocinais e que
o lhes falta é experiência. Volta

14. Lady Welby para C.Peirce, Semiotic and Significs, p.14. Volta

15. Ann Palmeri, Whose Child?, p.120. Volta

16. Santo Agostinho, Exposition of the Psalms,26,7. Citado em George .Howie, Educational Theory and
Practice in St.Augustine (N.York: Teachers College Press, 1969),p. 170. Volta

17.Charles S. Peirce, "The Ideals of Conduct", p. 602. Volta

COMUNIDADE DE INVESTIGAÇÃO: EDUCAÇÃO PARA A


DEMOCRACIA

Ann Margaret Sharp

Neste artigo gostaria de enfocar a comunidade de investigação da sala de aula como um


meio educacional que favorece o senso de comunidade que é uma pré condição para
participar ativamente numa sociedade democrática. Tal comunidade cultiva as habilidades
do diálogo, do questionamento, da investigação reflexiva e do bom juízo. No decorrer do
artigo, tentarei responder as seguintes questões:

- quando entro numa sala de aula, como sei que uma comunidade de investigação está em
formação?

- quais os comportamentos que os alunos e o professor estão tendo e quais as disposições


que estão sendo manifestadas?

- quais são algumas das pressuposições teóricas desses comportamentos?

- quais são algumas das consequências práticas, sociais, éticas e políticas desse
comportamento?

Vou pressupor que uma comunidade de investigação é caracterizada pelo diálogo que é
estabelecido colaborativamente com a contribuição ponderada de todos os participantes.
Vou pressupor também que as discussões em sala de aula tornam-se mais disciplinadas
pelas considerações lógicas, epistemologicas, estéticas, éticas, sociais e políticas
apropriadas. Nesse tipo de comunidade, o professor monitora os procedimentos lógicos
mas, filosoficamente torna-se um do grupo. Os estudantes aprendem a rejeitar o raciocínio
fraco, construir um raciocínio forte, aceitar a responsabilidade de contribuir para o
contexto, aceitar sua dependência em relação aos outros, seguir a discussão por onde ela
for, respeitar as perspectivas alheias, envolver-se colaborativamente em auto correção
quando necessário e ter orgulho das realizações do grupo assim como das suas próprias.
Além disso, no processo, eles praticam a arte de elaborar bons juízos dentro do contexto do
diálogo e da investigação comum.

Existem alguns comportamentos cognitivos que podem ser observados:

• dar e pedir boas razões


• fazer boas distinções e conexões
• fazer inferências válidas
• levantar hipóteses
• dar contra-exemplos
• descobrir pressuposições
• usar e reconhecer critérios
• fazer boas perguntas
• inferir consequências
• reconhecer falácias lógicas
• exigir relevância
• definir conceitos
• buscar esclarecimento
• expressar implicações
• perceber relações
• emitir bons juízos
• padronizar
• usar boas analogias
• ser sensível ao contexto
• oferecer pontos de vista alternativos
• construir logicamente sobre as contribuições dos outros
• expressar diferenças sutis

Os participantes passam a ver a produção do conhecimento como contingente,


estreitamente ligada aos interesses e atividades humanas e, portanto, sempre aberta a
revisão. Além disso, os estudantes tornam-se mais tolerantes em relação à complexidade e à
ambiguidade e reconhecem que a justificação das crenças está enraizada na ação humana.
Geralmente, a condição humana requer que se estabeleça um comprometimento provisório
com uma crença ou um curso de ação por causa da necessidade de agir, mas isso não
significa, de modo algum, que a crença em particular possa ser justificada como verdade
absoluta. Essa necessidade de agir é que exige bons juízos práticos juízo que só serão bons
se formos educados dialogicamente em estabelecer diferenças sutis e aprender a fazer plena
justiça a situações particulares. Em última análise, essa capacidade de julgar está baseada
no senso cívico comumque é necessário para realizar julgamentos morais e políticos. Tais
julgamentos são intersubjetivos e requerem ser testados em face das opiniões de outras
pessoas.

Desde que não existe nenhum critério, independente das várias preocupações práticas, que
no diga quando atingimos a verdade, e já que o conhecimento é algo essencialmente
linguistico e inseparável da atividade humana, o conhecimento é um produto do raciocínio
prático. E é por essa razão que a aquisição e retenção do conhecimento deve ser sempre um
processo ativo.
Existem alguns comportamentos sociais que podem ser observados:

• ouvir uns aos outros


• apoiar uns aos outros ampliando e corroborando seus pontos de vista
• submeter as opiniões dos outros à investigação crítica
• dar razões para apoiar as opiniões, mesmo quando não se concorda com elas
• levar em conta seriamente as idéias uns dos outros, respondendo e encorajando a
expressarem suas opiniões

O grupo manifesta um certo cuidado, não só com os procedimentos lógicos mas com o
crescimento de cada um dos membros da comunidade. Esse cuidado pressupõe a disposição
de estar aberto, de ser capaz de mudar de idéia e de prioridades para cuidar do outro. No
verdadeiro sentido, cuidar pressupõe uma boa vontade em ser transformado pelo outro - em
ser afetado pelo outro. Esse cuidado é essencial ao diálogo. Mas também é essencial para o
desenvolvimento da confiança, uma orientação básica em relação ao mundo que é
responsável pelos indivíduos perceberem que têm um papel a desempenhar no mundo, que
podem fazer uma verdadeira diferença. Além disso, o mundo é um lugar que receberá não
só seus pensamentos, mas também suas ações. A confiança, por sua vez, é uma pré
condição para o desenvolvimento da autonomia e da auto-estima dos indivíduos
participantes. Esse cuidar torna possível uma concepção do mundo como um lugar em que
se pode obter resultados e criar beleza onde antes nada existia.

Os participantes parecem ser capazes de se dar aos outros, falar quando acham que têm algo
relevante a dizer ou quando acham que têm a responsabilidade de trazer o diálogo de volta
aos trilhos. Os estudantes parecem ter rejeitado o papel de prima donna e parecem capazes
de colaborar e cooperar com a investigação. Eles podem ouvir e acolher o que os outros
têm a dizer de modo a que o significado e a vitalidade são compartilhados. (5) Eles estão
livres da necessidade de sempre estar certos. Eles têm a coragem e a capacidade de tentar
mudar suas mentes e de manter seus pontos de vista. Eles parecem não estar na defensiva
mas sim encantados em estar numa comunidade de investigação. Se o pensar dialógico
requer uma boa vontade em ser desafiado e perturbado pelas idéias dos outros, também
implica uma abertura à verdade emergente - um dar de si mesmo, no mais amplo sentido -
embora perceba-se que a verdade que se atinge no final é apenas provisória. Para fazer isso,
os estudantes precisam ser capazes de chegar a entender que não sabem muita coisa, talvez
nada.

Existem características psicológicas ou sócio-psicológicas que podem ser observadas.


Essas características envolvem:

o crescimento do eu em relação aos outros

colocar o ego em perspectiva

disciplinar a centralização do eu

a eventual transformação do eu
Os participantes evitam se envolver em extensos monólogos que esvaziam o diálogo, ou
que realmente não requerem uma resposta. Eles sabem como dialogar entre si - o diálogo
implica uma certa capacidade para flexibilidade intelectual, auto-correção e crescimento.
Nós mesmos já não tivemos a experiência de submeter uma questão ao grupo e, então, ver
emergir do árduo, se bem que excitante, diálogo uma compreensão muito mais profunda do
que a oferecida por uma única contribuição? Esse acontecimento deveria ser avaliado não
só em termos do produto mas também em termos do processo - as relações experienciadas
no decorrer da investigação.

Os professores e os participantes podem se calar para incentivar os demais a expressarem


suas próprias idéias. Eles têm a capacidade de omitir suas posições para ouvir abertamente -
ouvir e seguir a investigação onde ela levar. Isso exige que se permita que a verdade
emergir mesmo que sabendo que será provisória e requer que se reconstrua o próprio e
estimado sistema de crenças. Num trabalho de comunidade de investigação, os
participantes deixam de considerar a si mesmos e a suas realizações como importantes e
passam a se focalizar no grupo e suas realizações. Eles não só têm consciência do seu
próprio pensar mas também começam a examinar e a corrigir os métodos e procedimentos
uns dos outros. Quando internalizam a metodologia da auto-correção têm a possibilidade de
se tornarem pensadores críticos - os indivíduos abertos à auto-correção são sensíveis ao
contexto e utilizam critérios conscientemente ao emitir juízos práticos.

Assim, a relação do indivíduo com a comunidade é interdependente. O sucesso da


comunidade é compatível e depende das expressões da individualidade. Além disso, cada
participante aceita a disciplina de fazer sua contribuição para o contexto das contribuições
dos outros. Isso significa aceitar a interdependência e repudiar uma atitude de "sabe-tudo".
A comunidade só funciona se os participantes podem se adaptar aos processos dessa
comunidade - lógicos e sociais. Se um dos princípios de procedimento é questionado, outro
procedimentos precisam ser adotados para que a discussão possa prosseguir. A
conformidade também está manifesta num crescente compromisso com os princípios e
práticas subjacentes que governam o próprio empreendimento: tolerância, consistência,
abrangência, abertura de mente, auto-correção, uso consciente dos critérios, sensibilidade
ao contexto e respeito por todos os participantes como fontes em potencial de idéias. As
brincadeiras só são toleradas se produzem progresso para a investigação do grupo. Se não
forem construtivas, o grupo se auto corrige e elimina o comportamento. Geralmente isso é
feito através do silêncio - não respondendo ao comportamento que bloqueia o diálogo ou a
investigação reflexiva.

Quando se observa uma comunidade de investigação funcionando nõa se vê simplesmente


um grupo nem simplesmente indivíduos. O que se observa é uma comunidade em que
opiniões individuais são trocadas e servem como fonte para outras investigações. Os
participantes são capazes de ser inteiramente presentes uns para os outros de modo que
todo significado e toda vitalidade do diálogo seja compartilhada. Os participantes não falam
de si mesmos, mas sim oferecem significados aos quais os outros podem responder. Eles
podem correr o risco de se comunicar. Se existe a confiança e o cuidado da comunidade é
muito mais provável que o indivíduo corra esse risco.E, às vezes é um verdadeiro risco.
Expomos as nossas crenças cientes de que, provavelmente, seremos desafiados e forçados a
repensar nossa posição. Esse pensar, ou restruturar, leva tempo - o que significa que haverá
um período durante o qual o indivíduo se sentirá confuso, talvez inseguro e até mesmo
amedrontado. Tenho visto estudantes tímidos finalmente juntar coragem para expressar
suas crenças verbalmente e, simplesmente, vê-las cair por terra com um ruído surdo de
silêncio. E, ainda assim, muitos são capazes de aceitar o silêncio e tentar novamente dar
algum tipo de contribuição para a investigação em andamento. Os participantes tendem a se
retrair em expressar suas idéias dogmaticamente. Se observarmos de perto, vemos que as
convicções individuais, geralmente, referem-se mais ao caráter básico, sempre em
formação, do que a alegações de conhecimento.

Os indivíduos numa comunidade de investigação precisam ser capazes de ouvir e responder


ao significado do próprio diálogo. Esse significado provém de duas fontes:

1. da boa vontade dos participantes de se envolverem na investigação,e

2. do assunto em discussão à luz da tradição intelectual de que todos somos herdeiros.

Precisamos estar dispostos a ouvir a questão atrás da questão, o medo atrás do desafio, a
insegurança atrás da timidez - tudo isso como sendo um componente essencial do
significado do próprio diálogo. Além disso, precisamos ser capazes de ver, ler a expressão
facial dos que falam e dos que não falam, e interpretar o que estão, ou não, dizendo. Alguns
talvez fiquem em silêncio porque não têm nada a dizer. Outros talvez fiquem em silêncio
porque têm medo de expressar suas idéias. Outros, talvez sejam tímidos. Outros talvez
tenham medo de que suas idéias sejam desafiadas - e isso é um sinal de que algo está muito
errado.

O colapso da comunidade ocorre quando existe uma obliteração das pessoas. E isso
acontece quando uma pessoa explora a outra, isto é, usa as relações que se estabeleceram
para qualquer outro propósito fora do que se pretendia: a busca do significado, da
compreensão e o crescimento de cada membro da comunidade. Na medida em que os
indivíduos se envolvem em monólogos, eles bloqueiam a investigação. Na medida em que
fazem pressuposições sobre o que o outro vai dizer, antes que o outro tenha oportunidade
de dizer, eles bloqueiam a investigação. Na medida em que se envolvem em devaneios
quando alguém está falando, eles bloqueiam a investigação. Na medida em que assumem a
responsabilidade de falar pelos outros por medo ou insegurança, eles destróem a confiança
essencial para a investigação dialógica.

Um dos propósitos do diálogo entre os participantes é trazer vitalidade ou vida à forma da


comunidade de investigação. Sem essa vitalidade, a forma é vazia ou sem significado.
Fazer perguntas não significa nada se não se está ativamente envolvido na busca de
compreensão. A tensão entre os membros do grupo pode causar conflito, mas ela mesma,
não é um conflito. Quando, por exemplo, as cordas de um violino têm a tensão exata podem
ser usadas para produzir bela música. Similarmente, quando uma tensão criativa existe
entre os participantes - uma tensão entre a vitalidade de muitas relações e a forma da
comunidade de investigação - o grupo tem o potencial para o debate aberto, para o
crescimento, e cada participante tem o potencial para a auto transformação. Porque a tensão
é dolorosa, tendemos a querer nos livrar dela a qualquer custo. Geralmente escolhemos a
forma da investigação comum ao invés da forma do diálogo. Entretanto, o propósito de uma
comunidade de investigação é restaurar a tensão entre vitalidade e forma, trazer os
participantes para relações mais profundas e significativas, livrá-los da sua complacência,
suas falsas convicções e torná-los disponíveis para uma comprensão mais abrangente.
Segue-se, portanto, que o pensar dialógico na comunidade requer uma boa disposição para
ser perturbado e desafiado pelas idéias dos outros, um processo de reconstrução ativa que
usa os critérios de abrangência, coerência e consistência juntamente com a sensibilidade à
particularidade de cada situação.

Como já foi dito anteriormente, os indivíduos numa comunidade de investigação aprendem


a manter suas crenças em caráter experimental. Dada a natureza do conhecimento humano e
de sua justificativa - isto é, para justificar qualquer crença temos que baseá-la numa outra
crença que é dependente da linguagem, é uma questão de buscar a coerência entre nossas
crenças e a correspondência com o mundo. O que eu quero dizer é que o mundo é
independente da linguagem, da percepção e da compreensão humana. Mas não existe essa
coisa de conhecimento do mundo como ele realmente é já que nunca podemos nos
separarda linguagem e atividades de determinados grupos ou comunidades de seres
humanos. Assim, o conhecimento é sempre contingente, aberto à revisão e uma questão de
juízo prético. Não é uma questão de mirar um espelho do mundo como ele realmente é e,
então, passivamente observar o modo como as coisas realmente são, independente das
preocupações humanas práticas, sociais e pessoais. Ao invés disso, o conhecimento é uma
atividade histórica, linguistica e social, e como tal, sempre aberta a auto correção à medida
que novos dados ou evidências têm que ser levadas em conta. Não há nenhuma
fundamentação última para o nosso conhecimento. O que temos é a razão como um ideal
regulador, e até a forma desse processo de raciocínio está aberto à revisão dentro do
contexto do questionamento, do diálogo e da praxis.

Assim, poderíamos dizer que a comunidade de investigação fornece ao estudante um


processo de comunicação, um movimento para trás e para a frente entre uma estrutura mais
estreita e uma mais ampla que talvez permita emergir o significado e a compreensão, e que
cada participante talvez possa ser capaz de ativamente jugar no final, embora dentro de
estruturas de compreensão que posam só ter emergido no diálogo da própria comunidade.
Quando se está ativamente envolvido numa comunidade de investigação, pressupõe-se que
a experiência subjetiva individual não pode revelar nem mesmo uma verdade provisória. É
o ponto de partida da investigação, não o resultado final. Além disso, os significados que a
experiência totalmente subjetiva revela são estreitos e insignificantes se comparados com
os significados que se pode extrair da investigação em comum.

Finalmente, existem considerações morais e políticas que precisamos levar em conta


quando refletimos sobre a natureza de uma comunidade de investigação. se pressupormos
que o propósito da educação não é só transmitir um corpo de conhecimentos mas também
equipar os estudantes com as habilidades e disposições que necessitam para criar novos
conhecimentos e emitir juízos práticos melhores, então a aula tradicional de "contar"não é
apropriada. Se também pressupormos que o propósito da educação é formar as pessoas -
pessoas de responsabilidade e integridade, pessoas de caráter moral que são capazes de
emitir juízos práticos sobre o que é certo e errado, belo e feio, apropriado e inapropriado, e
se anteriomente estavamos corretos, então o diálogo torna-se um instrumento, ou meio,
essencial à educação, e a comunidade de investigação, um meio e um fim satisfatório em si
mesmo e que, ao mesmo tempo, dá origem às características essenciais para uma pessoa
moralmente diferente.

A comunidade de investigação exige não só perseverança e coragem mas também todas as


virtudes socráticas. Exige um compromisso de permanecer com o grupo durante seu
crescimento e mudança. Implica pessoas com um modo de ser-no-mundo direcionado para
lutar por compreensão e auto-conhecimento através de um processo que é intersubjetivo.
Além disso, os produtos finais dessa comunidade de investigação também são
intersubjetivos. Entretanto, multiplicando as pessoas, nós não só multiplicamos as
inteligências, as experiências e as perspectivas. Nós temos por objetivo produzir
conhecimento prático na troca de perspectivas, de opiniões, no compartilhar as experiências
e questionar as pressuposições das crenças que abraçamos. Note que isso é muito diferente
de realizar uma discussão polêmica. É mais parecido com o desempenho de um quarteto em
que cada instrumento tem um papel importante a desempenhar na produção da música. E,
com toda probabilidade, existem muitos quartetos e muitas peças musicais desempenhadas
com integridade e beleza. O ideal de uma comunidade de investigação universal
abrangendo toda a humanidade é altamente improvável.(12) Mas isso de maneira nenhuma
invalida a visão de muitas comunidades em que exista uma genuína investigação, a
verdadeira participação de todos os seres humanos (ao invés de só do homem branco
ocidental) com comunicação aberta entre os vários grupos.(13)

Assim, a comunidade de investigação constitui uma praxis, uma ação reflexiva em conjunto
- uma maneira de agir no mundo. É um meio de transformação pessoal e moral que
inevitavelmente leva a uma mudança nos significados e valores que afetam os juízos e
ações cotidianas de todos os participantes. Uma característica marcante de uma comunidade
de investigação é que, com o tempo, seus membros mudam. Eles, com o tempo, serão
capazes de dizer a si mesmos coisas como:

- Acho que não sou obrigado a aceitar pontos de vista que levam a consequências que
considero perigosas.

- Acho que sempre pensei dessa maneira mas, agora, posso explicar porque penso dessa
maneira.

- Não preciso disfarçar o que eu sinto ou penso.

- Meu gosto, em muitas coisas, está mudando.

- Estou começando a perceber quais os padrões de comportamento que têm mais sentido em
minha vida.

- Posso mudar minha mente sobre assuntos importantes.

- O que as outras pessoas dizem pode fazer diferença no que eu penso.

- Estou começando a entender o quão pouco eu sei.


Podemos explicar essas declarações como uma liberação progressiva vagarosa do
subjetivismo, do isolamento intelectual e social, de achar que o mundo é um lugar confuso
e estranho, em direção à descoberta do que é participar de uma comunidade de investigação
que nos capacita a viver ativamente, razoavelmente e responsavelmente no mundo, ao invés
de simplesmente aceitá-lo, fugir ou ignorá-lo. É como se o processo de participar dessa
comunidade se tornasse um empreendimento descobridor de sentido. Os participantes
descobrem as diretrizes morais pelas quais querem viver e as virtudes morais que querem
exemplificar em suas vidas do dia-a dia. Eles adquirem prática em realizar juízos morais
discriminados, sensíveis e adequados. Num verdadeiro sentido, eles ao mesmo tempo
descobrem e criam a si mesmos na medida em que investigam juntos - eles descobrem e
criam as pessoas que acham que devem ser.

Finalmente, o compromiso de se envolver numa comunidade de investigação é um


compromisso político, mesmo no nível da escola primária.

É um compromisso com a liberdade, com o debate aberto, com o pluralismo, com o auto-
governo e com a democracia. A razão política, a investigação reflexiva e o juízo prático
ponderado na praxis política comum pressupõe que as pessoas na sociedade tenham um
senso de diálogo e de investigação comum e facilidade com as habilidades dessa
investigação. Só na medida em que os indivíduos têm a experiência de dialogar com outros
iguais, de participar da investigação pública partilhada é que são capazes de,
eventualmente, desempenhar um papel ativo na formação de uma sociedade democrática.
Entendimentos e experiências compartilhados, práticas diárias intersubjetivas, senso de
afinidade e solidariedade, junto com todos os laços afetivos tácitos que unem as pessoas
numa comunidade são uma pré condição para a ação reflexiva em comum na esfera
política.(14)

Assim, ao responder à pergunta "Como podemos promover o tipo de participação, de


diálogo, de investigação comunitária e o reconhecimento e o respeito mútuo que está
pressuposto nas comunidades políticas?", podemos propor a conversão das salas de aula
educacionais em comunidades de investigação, começando pelo jardim de infância e se
extendendo até a experiência do curso de graduação. Só assim a próxima geração estará
preparada social e cognitivamente para se envolver no diálogo, no questionar judicioso vital
para a existência de uma sociedade democrática, manutenção do planeta Terra e
sobrevivência das espécies. Nestes tempos em que a ameaça da extinção nuclear e do
desastre ecológico é tão real, é crucial tentar desenvolver e alimentar as comunidades de
investigação nas salas de aula da escola primária e durante toda a experiência educacional,
para que a próxima geração seja capaz de agir de modo a que a comunidade humana não só
continue a existir mas continue a existir de modo mais justo e mais razoável. Essa
conversão da estrutura educacional vai além das discussões e das teorias, atinge o reino das
ações concretas, dirigindo e mudando o mundo para melhor.

A COMUNIDADE DE INVESTIGAÇÃO E A TRANSFORMAÇÃO DO


SELF

Ann Margaret Sharp


Introdução

Nesta última década tem havido muita discussão na literatura educacional sobre a
construção da auto-estima, na tentativa de relacioná-la com o sucesso escolar. A maior
parte dessa literatura enfatiza o "sentir-se bem consigo mesmo" como se esse estado
resultasse em confiança, sucesso acadêmico e felicidade. Um exame dessa literatura revela
pouca análise do que significa a expressão "consigo mesmo" ou o que está envolvido no
"estimar". Será que se considerassemos o significado desses dois conceitos não
questionaríamos em que sentido a auto-estima poderia estar relacionada ao sucesso
educacional ou à felicidade? Além disso, será que o conceito de auto-estima não poderia ser
substituído pelo conceito de auto-transformação como indicador de sucesso, crescimento,
felicidade e respeito pelos seres em constante mudança que somos?

Estimar é dar valor a algo - achar que vale a pena. Para estimar, é preciso ter critérios,
normas, padrões e ideais. Eu posso estimar um determinado filme como sendo bom, mas
quando meus critérios são submetidos à investigação pública posso perceber que meu juízo
está distorcido. Eu posso estimar um determinado vinho mas se for exposto a outros mais
refinados, mais delicados, mais aromáticos, posso mudar de opinião. Eu posso estimar uma
certa pessoa mas, refletindo sobre o que creio ser as características de um amigo, posso
descobrir que a minha estima está dedicada a quem não merece. O mesmo é válido para o
self. Eu posso estimar a mim mesmo como sendo atraente, agradável, competente,
responsável, honesto, esforçado e inteligente. Mas posso estar errado. Como posso ter
certeza disso se não submeter meus critérios a alguma investigação pública? Quando eu
faço isso, me envolvo numa investigação metafísica, estética, lógica ou ética. Negar o
acesso às ferramentas dessas disciplinas é negar à pessoa os meios de que ela necessita para
emitir juízos qualitativos sobre o self.

Se queremos ajudar as crianças a construirem uma auto-estima ponderada, precisamos


fornecer-lhes a oportunidade educacional de participar de uma comunidadde de
investigação filosófica na sala de aula. Por quê? Porque é nessa comunidade em sala de
aula que se é exposto tanto às disciplinas normativas da lógica, da ética e da estética como à
investigação metafísica. Essa investigação filosófica é necessária para ajudar as crianças
não só a compreenderem o que é merecedor da sua estima mas também a compreenderem o
self como um processo de infinita mudança, experimentação e auto-correção.

A investigação em comunidade envolve um método de peceber as coisas que as ajuda a


colocar o ego em perspectiva. Com o tempo, essas crianças tendem a ficar menos
envolvidas com o seu próprio mundo, menos ligadas às fantasias de como podem manipular
os outros e a própria natureza. Essa investigação em comunidade proporciona às crianças a
oportunidade de se abrirem para o mundo de modo a que o ego ganancioso que só quer,
quer e quer porque quer, tem a oportunidade de crescer.

Muitas tradições espirituais enfatizaram a necessidade de "abrir mão do ego", de formas


que desvalorizam a pessoa, particularmente as mulheres e as crianças, que raramente têm
tido a oportunidade de individualizar sua personalidade. No entanto, Filosofia para
Crianças enfatiza a integridade da personalidade, pressupondo que as crianças são pessoas
razoadas capazes de aprender como colocar seus egos em sadia perspectiva. A prática da
investigação em comunidade convida as crianças a afirmarem a integridade do ser enquanto
seres humanos. (Reuther, p.251) Quando as crianças vêem a si mesmas e as suas idéias em
relação aos outros, elas tornam-se capazes de perceber e comparar as coisas com mais
clareza, e de saber o que fazer em cada situação em particular. Resumindo, elas são capazes
de fazer julgamentos qualitativos melhores. Mas podemos notar também outras coisas. Os
participantes de uma comunidade de investigação tendem a ser mais brincalhões,
espontâneos, cooperativos e percebem o mundo como ele é e não como uma "coisa" a ser
usada ou manipulada para atingir os seus fins.

Filosofia para Crianças e a Transformação do Self

Para que uma transformação seja realmente genuína é preciso que surja algo genuinamente
novo. É como se algo que existia antes desaparecesse, dando lugar a alguma coisa
diferente. Numa comunidade de investigação genuína, esta coisa nova emergente é o
cultivo das habilidades de raciocínio, de investigação, de formação de conceitos e de
tradução - pré-requisitos necessários para a ação e o juízo inteligentes. No entanto, existem
mais coisas, além das habilidades. O diálogo filosófico em comunidade é um processo
criado para que, com o passar do tempo, comece a surgir uma nova forma de ser no mundo,
caracterizada pela atenção, curiosidade, cooperação, paciência, todas mescladas por um
sentimento de maravilhamento por se estar vivendo neste mundo.

Aprender a colocar o ego em perspectiva não é tarefa fácil. Envolve ter um controle sobre
as emoções egoístas, e descobrir como o self se relaciona com os outros, sejam pessoas,
animais, plantas, enfim, toda a natureza. Este conceito de um self equilibrado é um sub-
produto da investigação filosófica em comunidade que cultiva novos hábitos e disposições,
dentre os quais o exame de pressuposições, o auto-controle, a abertura de espírito, a
tolerância e a apresentação de perspectivas alternativas às hipóteses mais estimadas.
Dialogar com rigor sobre a dimensão filosófica das experiências, auxilia no cultivo das
disposições necessárias para a experiência da felicidade, entendida como sendo a
disposição para maravilhar-se, para agir com cuidado e atenção, para compreender,
investigar, experimentar e para entrar no desconhecido e crescer.

Filosofia para Crianças, isto é, a investigação filosófica em comunidade, não pode, por si
só, esperar solucionar todos os problemas das crianças, pois muitos só podem ser resolvidos
pela ação. Mas, certamente pode ajudar a ver, com maior clareza, quais são os problemas e
a levantar hipóteses que podem levar à sua superação. Se o problema for uma baixa auto-
estima, a prática da filosofia em comunidade pode envolver as crianças num processo onde
elas descobrem aspectos desconhecidos de si mesmas, possibilidades de auto correção
nunca antes vivenciados e, normas e ideais que jamais foram levados em consideração.
O self é uma construção social, elaborado por nós mesmos com a ajuda de outros desde a
infância. Trata-se de um conceito enigmático, sempre sujeito a mudanças e não acessível
pela introspecção. Por mais improvável que possa parecer a princípio, os momentos nos
quais percebemos nosso self mais intimamente não são aqueles em que nos sentimos bem a
nosso respeito. Pelo contrário, são aqueles em que cometemos erros, temos consciência da
pessoa que cometeu esses erros e iniciamos o árduo processo da auto-correção com a ajuda
das pessoas da comunidade. Portanto, é pela auto-correção que chegamos a nos conhecer.

Filosofia para Crianças dá valor aos erros, à falta de conhecimento, às respostas incorretas
ou limitadas - não como fins em si, mas como meios de se chegar a uma compreensão mais
abrangente de nós mesmos e do mundo em que vivemos. A afirmação "Eu não sei" pode
ser o início de um processo de descoberta de novos conhecimentos e de significado - o
significado da nossa busca de compreensão e da nossa necessidade de nos transformar em
seres humanos mais investigadores, curiosos, inteligentes e responsáveis.

Por considerar o conhecimento como um produto da investigação em comunidade,


Filosofia para Crianças enfatiza a cooperação, a construção de idéias a partir das idéias dos
outros e a identificação com os resultados do grupo. Nesse processo, as crianças têm a
oportunidade de se perceber em relação às outras e de internalizar tanto os movimentos
cognitivos umas das outras como também a auto-correção que governa o próprio processo.
Percebendo a importância da construção das idéias a partir das idéias dos outros, as
crianças aprendem a ouvir com atenção, a levar as pessoas a sério e a respeitar o ponto de
vista de cada um como sendo uma fonte potencial de novas idéias. Desta forma, a
comunidade de investigação é caracterizada por um tipo de igualitarismo, indispensável à
internalização de modos de procedimento democráticos.

O objetivo da comunidade de investigação em sala de aula é colocar em prática


procedimentos morais tais como tolerância, ouvir atentamente, dar razões e auto-correção.
Assumindo-se o falibilismo, a auto-correção transforma-se num modo de vida. À medida
que a comunidade amadurece, as crianças passam a interessar-se pelo crescimento de todos
os aspectos da vida das outras pessoas, fazendo o possível para que este crescimento seja
uma realidade contínua.

Algumas pessoas descreveram a comunidade de investigação em sala de aula como sendo


um ambiente seguro caracterizado pelo que tem sido denominado de pensar crítico, criativo
e responsável. Essa forma de pensar leva em conta os contextos e os critérios, a auto
expressão e o crescimento. Além disto, incentiva o desenvolvimento da percepção ética,
isto é, a capacidade de detectar os fatores importantes e as suas relações numa determinada
situação e levá-los em consideração ao fazer julgamentos. A preocupação não é só com as
conseqüências, mas também com as implicações das ações, com os motivos e com os
juízos, tanto em relação a nós mesmos como em relação aos outros. Para que possam
discernir o maior número possível de implicações sem perder a capacidade de ação, as
crianças devem se posicionar de modo criativo e crítico em relação às situações em todos
os seus mais variados aspectos. As crianças aprendem que elas sempre estão envolvidas em
algum tipo de situação e que não podem dispor de nenhum "ponto de vista divino"
(Lorraine Code, What She Can Know, p. 108). As pessoas sempre fazem juízos a partir de
posições específicas e de acordo com circunstâncias específicas. Por esta razão, a
deliberação em comunidade deve sempre considerar a história das pessoas e a experiência
humana que, geralmente, são filtradas pelas teorias ideais de imparcialidade que
pressupõem a possibilidade de nos libertarmos das contingências da existência. Como no
caso de um bom ensino, é necessária uma compreensão que seja tanto cognitiva quanto
afetiva. "Isto consiste na capacidade de detectar os aspectos éticos de um assunto em
particular e... não só emitir juízos intelectuais mas ter em relação a eles uma reação
emocional adequada". (Nussbaum, Fragility of Goodness, p. 364). A ênfase é sempre
colocada na deliberação em comunidade e no compromisso em formar um juízo correto, no
momento correto, no contexto correto. O juízo formado deve sempre satisfazer alguns
critérios, tais como reflexão, consideração, contextualização e uma percepção engajada que
contrasta profundamente com o simples cumprimento de regras.

Aberta do ponto de vista intelectual, esta comunidade de investigação deliberativa


apresenta também abertura às críticas, à auto-crítica e ao exame público. Dando espaço
para as tentativas e erros, a comunidade mostra que algumas práticas não conduzem ao bom
julgamento ao passo que outras, sim. Fundamentalmente, ela requer um contínuo
desenvolvimento da consciência moral e política a fim de evitar o subjetivismo e o
conservadorismo por um lado, e a mera tolerância, por outro. Este processo de bom
discernimento envolve um comprometimento com as particularidades. Iris Murdoch (1992)
afirma que a jornada em direção ao bem não é vivenciada apenas de modo cognitivo e
verbal. É também vivenciada nas nossas relações mais íntimas com o mundo, onde as
percepções que temos das coisas mínimas (lixo, copos, folhas, pedras, formigas, brotos,
etc.) podem ser profundas e cuidadosas. Se Aristóteles estava correto ao afirmar que nossos
julgamentos estão relacionados com a adequação das nossas percepções, então segue-se que
a educação da percepção é essencial. O que está em jogo aqui, é uma mudança da
percepção de nós mesmos como o centro do universo, e dos outros como projeções das
nossas necessidades, para o reconhecimento do próprio direito das outras pessoas e
espécies.

Existe uma antiga história Sufi sobre um homem que, à noite, deixou cair suas chaves no
lado escuro da rua. Ele atravessou a rua em direção a um poste de luz e começou a procurar
suas chaves onde estava claro. Quando um amigo lhe perguntou por que ele procurava suas
chaves perto do poste de luz, ao invés de procurá-las onde as havia deixado cair, o homem
respondeu: "Estou procurando as chaves aqui porque está mais claro." Não seria isto que os
adultos geralmente fazem? Buscam apenas dentro das estruturas familiares habituais? Não
importa que isto não funcione. Muitos de nós insistimos em continuar as nossas buscas,
teimosamente, debaixo do poste de luz. (Charlotte Joko Beck, Nothing Special, 1993,
p.120-121). Muitos de nós temos medo de nos expor aos pontos de vista diferentes dos
nossos, de questionar os nossos pressupostos, de repensar os nossos hábitos, enfim, de nos
auto-corrigir.

O que nos leva à transformação? No fundo, essa força vem das inseguranças que temos
com relação ao modo como vivemos. Sentimos que há algo melhor para além de uma vida
sem sentido. E mesmo assim, relutamos em mudar, em questionar nossa visão de mundo,
ou em submeter nossos pontos de vista ao exame público. Por quê? Será que o processo de
socialização nos incentivou a ficar presos às nossas ilusões e a não questionar os
pressupostos fundamentais da nossa vida do dia-a-dia? Este poema de W.H.Auden capta
muito da atitude do adulto, egoísta, controladora, não questionadora, desprovida de
qualquer disposição para investigar em comunidade os pressupostos básicos da nossa
experiência cotidiana. Será que Auden poderia estar certo quando diz:

Preferiríamos nos destruir a nos transformar

Preferiríamos morrer de pavor

A nos crucificarmos num momento

E permitir que morram as nossas ilusões. (Auden p.407)

ou será que os hábitos da mudança precisam ser inculcados durante a infância, de modo a
serem realmente efetivos?

A contribuição de Peirce

Uma das formas de se considerar o self é como um processo de crescimento que só faz
sentido quando relacionado aos outros que o influenciam. O self cresce na medida em que
aumenta a capacidade de auto-controle sobre sua própria conduta e a habilidade de agir de
modo a atingir seus propósitos e objetivos. Foi Charles Peirce quem sugeriu que o processo
de auto-correção revela o self para o self. A auto-correção é o processo no qual formas mais
abrangentes e criativas de percepção de mundo começam a surgir a partir das constantes
mudanças de hábito, motivadas pelo desejo de auto-correção. Peirce pensava no self como
um pacote cheio de hábitos. Em constante mudança, o self é um fio frágil com o qual
costuramos o tempo numa única história. Esta história é algo que vamos construindo à
medida em que vivemos a nossa vida cotidiana. Uma comunidade de investigação em sala
de aula oferece às crianças a oportunidade de falar sobre essas histórias. Tais histórias
revelam suas idéias, suas lutas, seus erros e suas tentativas de auto-correção, de improvisar
e de responder a contextos imprevistos. Revelam, também, a capacidade das crianças de
mudar de opinião e de aprender novas habilidades, novos hábitos. Resumindo, suas
histórias revelam seu crescimento. Participar de uma comunidade de investigação filosófica
é estar envolvido na construção de uma história que revela o crescimento da nossa auto
consciência e da compreensão que temos não apenas dos outros, mas de outras visões de
mundo em relação à nossa própria visão de mundo que está em contínua expansão.

Para Peirce, o critério fundamental que guia o nosso auto-controle é a razoabilidade que se
desenvolve numa comunidade. "Nenhuma mente pode dar um passo sem o auxílio de
outras mentes", nos lembra Peirce. Neste sentido, todos os selves são inter-dependentes. É
um engano pensar no self como uma essência individual ou como uma célula independente,
pois é apenas numa comunidade que nos tornamos nós mesmos. Cada pessoa vive um
processo contínuo de criação e definição de sua própria identidade através da sua interação
com o mundo natural e com as outras pessoas.

Peirce considerava o self como sendo um signo em constante processo de interpretação, não
só pelos outros mas, também, por ele mesmo. É neste sentido que nós estamos
continuamente envolvidos no processo de contar a nós mesmos histórias sobre nós mesmos.
São estas histórias que formam a base do conceito que temos de nós mesmos. Algumas
histórias ajudam o crescimento e outras o impedem. Dizer a mim mesma que sou fraca,
indulgente, desmerecedora de amor ou incapaz de qualquer ação que possa fazer uma
diferença qualitativa no mundo, pode retardar o meu crescimento. No entanto, pode
também ser o primeiro passo para a auto-correção. Geralmente, esta auto-correção nasce de
um desgosto intenso de si mesmo, da percepção de que não estamos atendendo aos
mínimos requisitos que nos colocamos para nos considerarmos pessoas.

Ser uma pessoa é ser uma criatura que fala consigo mesma. Este diálogo interno é chamado
de pensamento pelo filósofo George Herbert Mead e por outros pragmatistas americanos.
Esses diálogos não podem ser separados do processo contínuo de auto-construção. Peirce
nos lembra que:

Uma pessoa não é absolutamente individual.

Seus pensamentos são aquilo que ela diz a si mesma,

isto é, o que ela diz ao outro self que está

vindo à luz no fluxo do tempo.

Quando alguém raciocina, é a esse self crítico

que está tentado persuadir.

Quando o self pensa, são sempre dois selves pensando: o self habitual e o self inovador.
Quando o self pensa, o self habitual procura persuadir o self inovador. O primeiro
representa os hábitos de uma pessoa, e o segundo os desafios a estes hábitos. Como o self
inovador está sempre dialogando com o self habitual, temos a sensação de que existe
sempre um mistério dentro de nós - é como se nunca tivéssemos muita certeza de quem nos
tornaremos. Participar de uma comunidade de investigação filosófica em sala de aula é dar
um passo na direção de uma reflexão comunitária sobre o tipo de pessoas que deveríamos
vir a ser.
E é neste sentido que Peirce percebia o self como sendo um pacote da hábitos. Ter um
hábito é dizer que eu me comportarei sempre de uma mesma forma numa mesma
circunstância. Esses hábitos podem ser positivos ou negativos, condutores de crescimento
ou de auto-destruição. Porém, o que importa, é que são sujeitos a transformação à luz da
reflexão e da experiência. A mudança não precisa, necessariamente, ser previsível, ou
sujeita às normas da maioria. O que faz com que o ser humano seja maravilhoso é a
possibilidade de realizar alguma coisa bela que seja original, harmoniosa e única. A esta
capacidade de auto-correção, de adoção de hábitos que produzam o crescimento, podemos
creditar a nossa surpreendente criatividade, a nossa liberdade humana.

Para Peirce, o maravilhoso é que o self não está confinado ao corpo. Por ser um signo, o
self pode não só ser interpretado por nós mesmos e pelos outros, mas também ser
comparado com a palavra. E, assim como as palavras, é possível as mentes estarem em dois
lugares ao mesmo tempo:

Mas, estamos fechados numa caixa de carne e sangue?

Quando comunico meus pensamentos e sentimentos

a um amigo com quem me simpatizo profundamente,

de modo que os meus sentimentos se transfiram a ele, e eu

percebo o que ele sente, não estarei vivendo em seu cérebro e ele

no meu? Sim, é verdade que minha vida animal não está lá, mas lá estão

minha alma, meus sentimentos, meus pensamentos, minhas atenções...

Um materialismo miserável e bárbaro prega

que o homem não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo,

como se ele não passasse de uma coisa.

Mas os selves não são coisas. E é por isso que, em circunstâncias normais, não deveríamos
tratar as pessoas como se fossem coisas. Aquilo que chamamos de auto-conhecimento é
composto de inferências (algumas mais ponderadas do que outras) do mundo exterior e de
juízos que expressamos do próximo. Não podemos chegar a nos conhecer apenas pela
introspecção. Pelo contrário, é quando nos percebemos cometendo um erro, que nos
tornamos conscientes do self que cometeu o erro. Essas pessoas têm a capacidade de levar
em conta o que os outros dizem e corrigir seus próprios erros. A auto-correção torna-se,
então, o critério significativo do auto-conhecimento, da auto-transformação e do auto-
crescimento. Perceber-se a si mesmo como um self é ser capaz de reconhecer onde
falhamos.

Resumindo então, para Peirce, o self é (a) uma construção evolutiva orientada para o futuro;
(b) uma teleologia do desenvolvimento, uma busca de propósitos e planos dos quais podem,
de fato, emergir propósitos genuinamente novos; (c) básica e fundamentalmente um
processo de auto-correção no qual, em qualquer momento da vida, algum tipo de
significado está em vias de se desenvolver. E é justamente na comunidade de investigação
filosófica em sala de aula que refletimos sobre tais significados.

O Diálogo e o Desenvolvimento do Self

Se observarmos uma comunidade de investigação por algum tempo, poderemos perceber


que ela é governada por princípios democráticos onde cada ponto de vista e cada idéia são
respeitados, ouvidos e valorizados como sendo uma fonte potencial de idéias importantes.
Tais comunidades geram significados alternativos, perspectivas diversas, apoio e ajuda
comunitária para seus membros. Expressar diferenças não é apenas um direito de cada
participante mas, também, um meio importante de enriquecimento do self em evolução.

Em comunidades como essas, percebe-se que as crianças procuram descobrir quem elas são
- o que elas pensam e o que elas querem fazer de suas vidas é importante. Para que isto seja
possível, elas necessitam de tempo para analisar conceitos contestáveis subjacentes à sua
existência cotidiana - conceitos como, liberdade, fé, verdade, amizade, comunidade,
democracia, justiça, regras, self, identidade, linguagem, tempo, amor, morte, conhecimento,
significado, bondade, sociedade - e tentar descobrir o que cada conceito significa para elas.
Alguns autores chamaram isso de busca de autenticidade. Autenticidade esta que nasce de
uma mudança na consciência que temos daquilo que exigimos de nós mesmos: as verdades
pessoais e a integridade passam a ser considerados como fins em si mesmos. Essa
autenticidade está relacionada com a liberdade - a habilidade de pensar e agir por si mesmo.
Envolve, por parte da criança e com o auxílio dos seus companheiros de investigação, a
busca e a criação do seu projeto de vida. O ideal de autenticidade pode direcionar as
crianças para um modo de vida mais responsável, mais completo, mais diferenciado e mais
apropriado.(Taylor, p.64)

A autenticidade pessoal exige originalidade, criação e imaginação moral. Demanda análise


crítica dos pressupostos de uma determinada cultura e a revolta contra as convenções.
Charles Taylor afirma que autenticidade implica em criação, construção, descobrimento,
originalidade e freqüente oposição reflexiva às regras da sociedade e ao que reconhecemos
como sendo moralidade. Mas, é também verdade que são necessárias uma abertura a novos
horizontes de significados (pois do contrário, a criação perderia o contexto que a protege da
insignificância) e a auto-definição no diálogo. A comunidade geralmente descobre, com o
tempo, que essas demandas criam tensões que, por sua vez, exigem a criação de uma
estratégia de investigação adequada. (Taylor, p.66)

Os participantes de uma comunidade de investigação procuram compreender uns aos


outros. Além de aprender a escutar, precisam aprender a conversar e a se expressar de
modo coerente. Além disto, precisam desenvolver a capacidade de entrar no mundo das
outras pessoas e a vê-lo de acordo com as perspectivas dos outros, adotando uma atitude
aberta e compreensiva. Essa habilidade dialógica envolve os indivíduos numa relação ativa
entre as nossas expectativas pessoais e os objetivos, propósitos e crenças das outras pessoas
que exige, ao mesmo tempo, humildade intelectual e uma autêntica disposição para a auto-
correção. Esta disposição para a auto-correção é baseada no pressuposto do falibilismo.
Pressupomos que ninguém está sempre certo. De fato, as probabilidades são que nossas
visões sejam, quando não totalmente erradas, muito limitadas. Ninguém quer dialogar com
alguma pessoa por muito tempo, se percebe que não há progresso, que as idéias de cada
indivíduo permanecem inalteradas. Em situações como essas, ninguém aprende nada.

Portanto, um diálogo autêntico exige humildade intelectual que pressupõe que (a) somos
falíveis, (b) que nossas idéias são, em geral, muito limitadas, quando não erradas e ( c ) que
somos criaturas que podem estar abertas para diferentes formas de encarar as experiências.
O comprometimento com o falibilismo e com a investigação aberta não significa que
abramos mão imediatamente das nossas idéias e perspectivas. A auto-correção pressupõe
um ideal de verdade regulador, com o qual toda a comunidade se compromete de modo
mais ou menos consciente. Por esta razão, os participantes conseguem perceber se houve ou
não algum progresso. Entretanto, é um fato que, quando expressamos nossas idéias e
perspectivas aos membros da comunidade - com visões de mundo muito diferentes das
nossas - manifestamos coragem de arriscar nossas crenças e opiniões presentes e
incorremos na possibilidade de experimentar uma auto-transformação radical. É como se,
neste ponto, uma pessoa dissesse a si mesma: "Eu não quero viver uma vida de ilusões.
Quero saber das coisas e conhecer todas as suas possibilidades. Quero entender o mundo, a
mim mesmo e aos outros. E, caso eu não entenda, então me disponho a mudar a forma
como encaro as coisas."

Percebendo a nós mesmos em relação à natureza

Filosofia para Crianças está comprometida com a narrativa como modo educacional para
elevar a consciência da dimensão filosófica da experiência. Não pressupõe uma hierarquia
da realidade na natureza: os seres humanos são vistos em relação aos animais, às estrelas,
ao oceano, aos planetas, e não acima deles. Essa ênfase nas relações ajuda as crianças a
desenvolverem uma sensibilidade ecológica do mundo em que vivem. O currículo de
Filosofia para Crianças enfatiza as relações não só entre as palavras e as idéias, as
disciplinas e a experiência, mas também entre as espécies na natureza.

Se partirmos do pressuposto de que a Terra forma um sistema vivo do qual os seres


humanos, inextricavelmente, fazem parte, começamos a perceber que chegamos tarde à
Terra, que somos um produto muito recente da sua vida evolutiva. Na construção social e
cultural da "natureza", os seres humanos têm modificado e transformado os sistemas
terrestres, dando novas formas às plantas, aos animais, ao ar, à água e ao solo. A natureza,
como sistema terrestre à parte da influência humana, está em constante processo de
adaptação e mudança. As novas formas dadas pelos seres humanos à natureza não-humana
são, em si mesmas, uma fase desse processo de adaptação contínua. (Reuther, p.6)

A observação atenta dos reinos subatômicos e das galáxias, nos leva a perceber que a
distinção clássica entre matéria e energia desaparece. A matéria é energia se movendo em
padrões relacionais definidos. Mesmo assim, os humanos continuam sendo o "meio" ou o
mediador entre os mundos. Isto ocorre porque aquilo que percebemos só pode ser
conhecido e avaliado a partir do contexto do nosso ponto de vista. Somos, neste sentido, a
"mente" do universo, o lugar onde o universo toma consciência de si mesmo. (Reuther,
p.249)

A consciência reflexiva é tanto o nosso privilégio como o nosso perigo. Pelo menos nestes
últimos milhares de anos da nossa história cultural, a classe dominante masculina tem se
utilizado desse privilégio da mente para colocar-se acima e à parte da natureza e das
mulheres e crianças dominadas. Com isto, negando a existência da teia de relações que nos
mantém todos unidos, e da qual é, ela mesma, uma parte absolutamente dependente. A
tarefa urgente da comunidade de investigação é ajudar as crianças a tornarem-se
conscientes da Terra, de modo que possamos utilizar as nossas mentes para entender a teia
da vida e nela viver como seus guardiões e não como seus destruidores.

Existem filósofos que crêem que este tipo de sensibilidade ecológica deve basear-se em três
premissas: a transiência dos selves, a interdependência viva de todas as coisas e o valor da
comunicação pessoal. À medida que as crianças começam a aceitar o valor do self, elas
despertam para um novo senso de familiaridade em relação a todos os organismos. Assim
como os seres humanos, as plantas e os animais são centros vivos da vida orgânica que
existem por alguma razão. Um relacionamento saudável entre os seres e com a Terra requer
uma nova consciência por parte da próxima geração. A participação em uma comunidade
de investigação filosófica possibilita não só uma transformação psíquica interna, mas
também uma transformação na forma como concebemos as inter-relações entre homens,
mulheres e crianças, entre os seres humanos e a Terra, entre os seres humanos e a
experiência do sagrado, entre o divino e a Terra. Resta-nos pouco tempo para mudar, se
quisermos salvar o sistema biótico da Terra que está em perigo. O Worldwatch Institute
estima que temos por volta de 40 anos para, voluntariamente, transformarmos o estado das
coisas. Depois deste período, prevê-se desastres como a fome e o colapso do sistema vivo,
todos estes provocados pela pressão da exploração humana. Nem o pessimismo, nem o
otimismo são necessários, mas sim uma comunidade de investigação engajada e dedicada à
preservação da natureza.
A metanoia ou a mudança de consciência, começa com cada comunidade de investigação
em sala de aula. Isto não ocorre de um momento para o outro, mas é um processo
ininterrupto. Fundamentalmente, é preciso que sistema educacional prepare as crianças a
pensarem e agirem tanto globalmente quanto localmente. As crianças precisam saber sobre
as comunidades de investigação que existem na Europa Ocidental e Oriental, na Asia, na
África e na América Latina e sobre como os problemas específicos de cada uma destas
diferentes regiões têm interconexões com as nossas próprias vidas. Essa consciência global
desempenha dois papéis. Primeiro, as crianças percebem que seus esforços locais são parte
de um empenho global, e que somos todos interdependentes neste esforço. Segundo, pode
possibilitar que as crianças mantenham ligações com movimentos internacionais onde
ocorrem fóruns políticos e sociais. As lutas pelas mudanças locais carecerão de
profundidade, caso não sejam concebidas como parte integrante de uma nova consciência
global. (Reuther, p.273).

Uma comunidade de investigação enfatiza o raciocínio social, dialógico e contextual.


Raciocínio este, não divorciado do corpo nem das emoções. Até hoje, a razão tem sido
freqüentemente associada a um modelo imaginário de pessoa desengajada. Para que seja
pura, a racionalidade nos oferece um modelo ideal de indivíduo separado das imundices da
sua constituição corporal, da sua situação dialógica, das suas emoções e das suas formas de
vida tradicionais. Esta é uma das formas de racionalidade mais valorizadas na nossa
cultura, exemplificada no raciocínio matemático e na lógica formal. Argumentos,
considerações, conselhos que se dizem baseados nesse tipo de racionalidade desengajada
têm grande poder persuasivo na nossa sociedade, embora nem sempre sejam adequados ao
assunto, como por exemplo, nas ciências sociais. (Taylor, p.106)

Descartes, o mais famoso porta voz deste modelo de raciocínio descompromissado, deu um
passo decisivo que nos levou a muita confusão. Podemos considerar este modo de
raciocínio como uma realização a ser almejada para que alguns propósitos sejam atingidos -
apesar de que o nosso pensamento é dialógico e, na maioria das vezes, incorpora aspectos
emocionais, tradicionais e culturais. Descartes partiu do pressuposto de que somos uma
razão descompromissada - isto é, puro entendimento, distinto do corpo - e de que a visão
que temos de nós mesmos é apenas confusão. É justamente essa forma de conceber a
racionalidade que nos leva a controlar o meio ambiente. A dominação parece nos fazer
sentido, seja porque podemos tirar mais proveito daquilo que desejamos, porque a sensação
de poder nos envaidece ou porque se adequa ao que consideramos como sendo auto-
realização. No entanto, a "dominação da natureza" não é tudo. Existem dois outros
contextos morais que precisamos lembrar:

1. Nós já vimos que a "dominação na natureza" está relacionada com a forma de nos
concebermos como racionalidade potencial desengajada. Isto está fundado num ideal moral
de raciocínio auto-responsável e auto controlado. Há aqui um ideal de racionalidade que é
também um ideal de pensamento autônomo e auto criador.

2. Uma outra visão que passou a ser aceita nestes últimos quatro séculos é o que Taylor
denomina de afirmação da vida comum, isto é, a percepção de que a vida de produção e de
reprodução, a vida familiar, profissional e comunitária tem sentido. Além disso, essa
concepção parece ser uma boa forma de aliviar o sofrimento humano. Em contraste com a
visão aristotélica de mundo, Francis Bacon propôs uma ciência que pudesse contribuir para
a condição humana, e cujo critério de verdade seria sua eficácia instrumental. Você
descobre algo quando pode intervir para a mudança das coisas. (Taylor, 104)

Se pensarmos na campo da medicina, podemos perceber os prejuízos causados pelo


raciocínio descompromissado. Somos agentes personificados, vivendo em condições
dialógicas, habitando no tempo de uma forma especificamente humana, isto é, concebendo
as nossas vidas como sendo uma história que conecta o passado, de onde viemos, com os
nossos projetos futuros. Isto quer dizer que se formos realmente tratar um ser humano,
devemos respeitar esta natureza personificada, dialógica e temporal. A prática médica que
esquece que o paciente é uma pessoa, que não leva em conta como o tratamento se
relaciona com sua história, com as determinantes de esperança e desespero, estará
negligenciando a relação essencial entre médico e paciente - e estará resistindo a todas estas
determinantes em nome de uma perspectiva moral de benevolência que justifica as
aplicações do raciocínio instrumental. Se chegamos a entender por que a tecnologia é
importante para a medicina, então ela deve ser enquadrada nos limites de uma ética de
responsabilidade (ethic of caring). (Taylor, p.106)

Outrossim, se quisermos nos tornar ecologicamente conscientes, devemos buscar visões


alternativas da tecnologia que não resultem em desastres ambientais. Ao invés de
encararmos a criação de novas tecnologias como sendo instâncias de dominação da
natureza, teremos de entendê-las dentro dos parâmetros da ecologia responsável (Fuller,
Robert, p7) baseados na correta compreensão das interrelações ecológicas e dos seres
humanos enquanto agentes, e não em relação ao fantasma desencarnado da razão
desengajada. A tecnologia a serviço da ecologia responsável deve levar a sério a teia de
interrelações que concebe os indivíduos como sendo relacionais ao invés de atomísticos, e
como sendo parte da natureza ao invés de superior a ela.

A Felicidade e a Comunidade de Investigação

Se perguntarmos aos filósofos por que as crianças devem aprender filosofia nos anos
formativos de suas vidas, teremos provavelmente muitas respostas: para aprimorar o
pensamento, para ajudá-las a fazer juízos melhores, para cultivar a sabedoria, para melhorar
o desempenho escolar, para aumentar sua auto-estima. Poucos diriam que as crianças
devem aprender filosofia para serem felizes. Talvez haja uma boa razão para isto. A
felicidade não parece ser algo a ser buscado diretamente como um objeto de desejo,
interesse ou ação. Ela é, como diz Dewey, "um produto final, um acompanhamento
necessário de uma certa maneira de ser ou de uma condição do self. A felicidade é o fruto
espontâneo de um interesse em objetos que são duradouros e intrinsicamente relacionados
com uma natureza expansiva e extrovertida".

Mesmo assim, a maioria dos pais querem que suas crianças sejam felizes. Muitos
professores querem que seus alunos sejam felizes. Algumas vezes a felicidade das crianças
é mais importante do que a dos próprios pais ou professores. É como se acreditassem que a
infelicidade nas crianças causasse impaciência, ódio, ciúme, desesperança,
desconsideração, intolerância, indiferença ao próximo e dificuldade em lidar com
mudanças. Observando o mundo hoje, descobrimos que existem muitas crianças infelizes.
Às vezes a infelicidade provêm da pobreza - no entanto, freqüentemente ela tem origem em
outra coisa. A depressão nas crianças é comum em famílias consideradas de classe média
ou alta. O índice de suicídio infantil é consideravelmente mais alto nos países do primeiro
mundo onde as necessidades básicas das crianças são atendidas.

Em todas as novelas de Filosofia para Crianças a palavra felicidade aparece apenas uma
vez, no final do capítulo 1 de A Descoberta de Ari dos Telles. Nesse capítulo, encontramos
Ari percebendo que ele está feliz por ter feito uma descoberta intelectual, por tê-la corrigido
com a ajuda de um amigo, e por ter colocado sua descoberta em prática no mundo real da
comunicação entre adultos e entre adultos e crianças. Ari percebe que a sua descoberta não
só funciona, mas pode também fazer uma diferença ética na forma como pensamos e
falamos sobre as outras pessoas. É como se a prática persistente da investigação, da auto-
correção, da colaboração intelectual numa comunidade e a sua aplicação, pudessem criar o
estado de espírito que todos chamamos de felicidade.

A felicidade não é apenas um sentimento de realização ou de bem estar, e sim uma certa
disposição que carregamos conosco e que nos auxilia nas situações cotidianas. Ela envolve
uma qualidade mental com a qual nos deparamos e interpretamos as novas situações. Como
na história onde uma pessoa vê um copo meio cheio e outra o vê meio vazio, a felicidade é
uma atitude mental característica que pode ser mantida por algumas pessoas mesmo em
circunstâncias adversas. Não é algo que possa ser buscado, ou alcançado diretamente. Não
é algo que possa ser comprado ou dado por alguém. Da mesma forma como o significado, a
felicidade é algo que devemos descobrir por nós mesmos, e que depende do cultivo da
investigação, da percepção, da coragem de tentar coisas novas e da compreensão da
complexidade do mundo. Ela é o acompanhamento de um certo modo de vida desenvolvido
numa comunidade, é uma condição do self numa comunidade de investigação engajada na
transformação e no crescimento qualitativo. É o produto final espontâneo de um interesse
crescente e do responsabilidade com relação a objetos que valham a pena, que sejam
duradouros; objetos de beleza, de justiça, de significado e de verdade. (Rockfeller, John
Dewey, p.380) Se é verdade que a felicidade está relacionada a uma natureza expansiva, a
uma natureza caracteristicamente investigadora, cooperativa, corajosa, experimental,
aberta, está relacionada às pessoas que estão engajadas em trazer os ideais à realidade,
então os educadores devem se perguntar que tipo de educação poderia desenvolver estas
disposições nas crianças.

A felicidade é um sub-produto de um self empenhado em auto transformação no contexto


de uma comunidade de investigação. Essa pessoa está mais preocupada em ser do que em
ter. Além de cultivar uma mente aberta, perceptiva e investigadora, esta pessoa cultiva a
compaixão e a empatia com relação a toda a natureza. Pessoas felizes são pessoas que se
comprometeram com o auto-crescimento de si mesmas e dos outros. São pessoas que se
admiram com as possibilidades da natureza humana.
A participação freqüente numa comunidade de investigação envolve uma auto-
transformação que enfatiza, utilizando a terminologia de Gabriel Marcel, o ser ao invés do
ter. Será que poderíamos dizer que, no primeiro mundo de hoje, existam tantas
oportunidades externas para o acúmulo de posses que nós nos esquecemos de nutrir as
fontes do auto-desenvolvimento e da auto-estima? Será que na maioria das salas de aula de
hoje exista pouco diálogo em comunidade, pouca investigação filosófica, pouco cultivo das
disposições para se ir a fundo, para que se busque uma compreensão que vá além da
aparência superficial das coisas? Será que num mundo onde a educação é dominada pelo
individualismo, pela competição, pela tecnologia e pela busca da "resposta certa", as
crianças tenham sido iludidas com relação as coisas que podem fazê-las felizes? Será que
uma sociedade que percebe os seres vindo a existir num determinado ponto do tempo, não
estaria defendendo uma visão atomistica e estática, diminuindo a importância do nosso
falibilismo, do nosso desenvolvimento como processo e da auto correção tão necessários
para o crescimento humano? Numa sociedade que enfatiza o nascimento ao invés da
participação, o conhecimento ao invés da investigação, respostas corretas ao invés do erro,
a competição ao invés da colaboração, as pessoas estão aptas a encontrar objetivos e
procedimentos educacionais que iludem as crianças a buscarem o sucesso e a felicidade nos
lugares errados. Da mesma forma como incentivamos as crianças a enfatizarem as posses
materiais no lugar da auto transformação e do auto crescimento, nós mesmos estamos
criando o problema de crianças infelizes que têm pouca auto-estima, pouca tolerância com
relação à espera de gratificações, pouca disposição para cuidar e dar atenção às
necessidades das outras pessoas, das outras espécies e da própria natureza.

Conclusão

É um engano falar de um self essencial ou de um self real. É um engano falar de um self


divorciado do relacionamento com as outras espécies na natureza. Como é também um
engano falar sobre auto-estima como algo dado. Por ser uma construção social e relational,
o self é algo a ser aprendido. Se o self é algo que passa a existir na medida em que,
conscientemente, nos impomos hábitos, o controle desses hábitos e o controle do controle
desses hábitos, então devemos perceber que esse controle é sempre guiado por normas,
critérios e ideais que devem ser aceitos como algo que vale a pena. Educar é, então, dar a
oportunidade de investigar em comunidade a natureza desses critérios, dessas normas e
desses ideais. Isto significa uma oportunidade de investigação nas disciplinas de lógica,
ética e estética com o propósito de construir e descobrir significados, normas e ideais que
fazem sentido nas nossas vidas práticas.

Quais seriam as conseqüências das crianças assumirem o self como sendo uma obrigação
de crescimento em direção ao "self ideal" em relação com toda a natureza? Este self ideal é
um produto da nossa imaginação, do diálogo e da tradição humana. Ele é regulado por
normas, critérios e padrões que devemos submeter à investigação em comunidade. É neste
sentido que dizemos que não só temos o direito, mas também a obrigação, de fazer
filosofia. Como pessoas somos não só obrigadas a pensar mais logicamente, a viver mais
ética e esteticamente, mas também a idealizarmos um self e a utilizar este ideal para regular
as nossas decisões importantes e o nosso comportamento cotidiano. E ninguém pode fazer
esse trabalho por nós. Mas outras pessoas podem nos ajudar a dar os primeiros passos. A
comunidade de investigação em sala de aula é um fórum dialógico no qual todas as crianças
podem cultivar um método que lhes servirá de base para se engajarem no processo vital da
auto transformação e correção. O self que é conquistado pelo auto-controle aperfeiçoado
numa comunidade de investigação em sala de aula e pela exposição contínua a perspectivas
alternativas, torna-se um poder autônomo e em constante crescimento capaz de se dedicar a
projetos que demandam planejamento, lealdade, coragem, inteligência e o retardamento de
gratificações. Sob esta perspectiva, o self é um gerador de poder que passa a existir pelo
esforço infindável da auto-correção e auto-controle. Tornar-se um self é lutar contra o self
habitual, é obrigar-se a crescer apesar dos revezes. Transformar-se num self que cresce e
reflete, atento a sua interdependência com toda a natureza, em constante processo de tornar-
se a si mesmo, é uma das formas mais íntimas de liberdade que as crianças podem
experienciar. Se a educação é um processo liberador, ela tem a obrigação de fornecer a
oportunidade para que as crianças realizem esta forma pessoal de liberdade.

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Em seu poema, a vida é um contínuo começo e fim na Terra e um progresso através das
gerações de filhas. O que sabemos, sabemos em relação à matéria - nossos corpos, os
corpos dos que vieram antes de nós e dos que virão depois, sejam humanos, animais ou
minerais. Isso acontece porque somos matéria. Não existe luz fora do mundo da natureza,
nenhuma realidade ou mundo de formas do qual nossas vidas são simplesmente pálidos
reflexos; qualquer luz que seja é natural. Nós somos compostos dela do mesmo modo que
somos compostos de água - a mesma água que forma os pântanos, os lagos e os rios ou que
sustentam o musgo e a urze. Nós somos natureza vendo natureza... Natureza falando da
natureza para a natureza Para Griffin, a luz está em nós... Nós compartilhamos com a
natureza as células que fornecem energia iluminadora. Nós colaboramos para produzir o
fenômeno que entendemos por luz.

- Hein, Hilde "Knowledge and the Model of Mind"em Half a Mind: Philosophy from a
Woman’s Point of Wiew, seu livro manuscrito não publicado. Nesse trabalho Hein
pergunta se existem aspectos da experiência da mulher que sejam suficientemente
difundidos e incipientes para ter um papel determinante em modelar o seu modo de
cognição. Ela acha que a nossa adaptação biológica à reprodução nos torna mais receptivas
à noção de integração e menos ameaçados pela intermisturação e interpenetração espacial.
"As mães e as crianças modelam umas as outras não simplesmente durante o período da sua
ligação física mas durante toda a vida." Esses fatos não predispoém as mulheres a uma
preocupação com o espaço interior como concluiu Erikson prematuramente. Mas Hein diz
que geraram um novo modelo para a compreensão do conhecimento, um modelo que ela
chama de interpenetrativo. E embora não haja nada de exclusivamente feminino em relação
a esse modelo de mente, Hein diz que "a ausência condicionada de fronteiras do ego, a
preparação no decorrer da vida para o papel reprodutivo, a negação da individualidade e a
pluralidade de tarefas relacionais que as mulheres desempenham" o torna mais familiar às
mulheres. Hein vê esse modo de conhecer como análogo ao amor: "Imaginem o conhecer
como um ato de amor... um dar do self ao assunto, ao invés de um objetivo fixo à distância.
À medida que permitimos que o conhecido banhe o ser, o compreendemos, o envolvemos e
somos envolvidos por ele. O conhecedor, como disse Aristóteles, torna-se o conhecido, mas
também se transforma... o conhecedor torna-se literalmente absorto por aquilo que é
conhecido." Nesse modelo não existe nenhum outro.

Comparar com: J. Maritain "O amor nos une a um outro na medida em que se torna um
conosco."; S. Tomás "O amor é uma força mais unificadora que o conhecimento."; e com
Peirce quando ele fala a respeito do ágape como outra forma de razão.

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A COMUNIDADE DE INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA E O


DESENVOLVIMENTO MORAL

Ann Margaret Sharp

Conferência em 7 de julho de 1994 - Buenos Aires - Argentina

Somente há cerca de oitenta anos a ciência foi considerada como algo que podia ser levado
à escola primária e, só recentemente, a partir da segunda metade do século XX, é que
começou a se desenvolver uma estrutura curricular para favorecer o estudo das disciplinas
científicas na escola primária. Em 1969, Dr. Matthew Lipman achou que teria que fazer o
mesmo com a disciplina da filosofia, isto é, teria que reconstruí-la de maneira a ser
acessível às crianças, sem perda de sua integridade.

Durante vinte anos, Lipman havia ensinado na universidade dando aulas de Introdução à
Lógica e Introdução à Filosofia. Em 1969, ele disse a si mesmo: se eu pudesse colocar o
conteúdo dessas disciplinas em novelas, talvez os alunos de oito, nove, dez ou onze anos
pudessem enfrentar as mesmas questões que ensino na universidade. Ele estava bastante
interessado em fazer isso porque tinha quase certeza de que essas matérias não eram bem
trabalhadas na universidade. A lógica, tal como ele a ensinava, os estudantes achavam
aborrecida ou, então, não estavam interessados nela; e a socialização não os preparava para
receber bem sequer as questões que tinham a ver com uma Introdução à Filosofia.

Em 1969, Piaget era extremamente popular e Lipman também dava cursos de Filosofia das
Ciências Sociais. Um dos seus cursos incluía uma explanação completa acerca de Piaget e o
desenvolvimento intelectual das crianças. Piaget afirmava que as crianças de dez ou onze
anos são capazes de realizar operações formais que chamaríamos de operações lógicas
básicas. Lipman queria assegurar-se de que as ferramentas da filosofia fossem acessíveis
para as crianças. Não se tratava de levar às crianças a história da filosofia - não era isso que
ele queria. Na verdade o que ele queria era utilizar a disciplina como um todo - suas
habilidades cognitivas e intelectuais, seus conceitos e, de alguma maneira, reconstruí-la na
forma de histórias ou novelas e fornecê-la a crianças e professores juntamente com uma
pedagogia que chamou de "Comunidade de Investigação"; o que, de certa forma, permitiria
que utilizassem essas ferramentas com algum sentido de libertação. Ele estava certo de que
se não se dispõe dessas ferramentas cognitivas, se não se sabe dialogar e como envolver-se
no diálogo, e se não se consegue reconhecer um conceito filosófico quando o encontramos,
de certa forma, somos presas fáceis da propaganda dos meios de comunicação no sistema
em que vivemos. Assim, vou tentar falar tanto sobre o conteúdo da filosofia como sobre os
procedimentos pelos quais nós ensinamos.

Não podemos nos esquecer que Filosofia para Crianças já tem mais de vinte anos e que
nesse meio tempo houve uma revolução na educação. Em primeiro lugar, nos anos 70,
tivemos o movimento de desenvolvimento das habilidades de pensamento; nos anos 80,
tivemos o movimento do pensamento crítico de modo que, hoje em dia, a educação para o
pensar é algo muito comum, muito usual entre as teorias a respeito da educação. E desde o
início estamos comprometidos, estamos certos de que o pensar tem sua morada, sua casa na
filosofia. E não seria justo dar às crianças somente as habilidades cognitivas e não o
restante da disciplina. Vamos falar da educação para um pensar de ordem superior - uma
combinação de pensamento crítico e criativo ou, em outras palavras, pensamento analítico e
pensamento sintético. Esse pensar é cultivado, desenvolvido e estimulado pelo diálogo
numa comunidade de investigação.

Com efeito, uma das coisas que Filosofia para Crianças faz é transformar a sala de aula
tradicional numa comunidade onde o professor está encarregado de facilitar os
procedimentos da investigação e passa a ser um co-investigador quando chega às perguntas
substantivas da filosofia: ‘O que é um amigo?’, ‘O que é a verdade?’ porque percebe que
nem ele, nem os alunos têm respostas para as perguntas filosóficas que estão sendo
levantadas.

Estas são algumas perguntas da filosofia:

• O que é razão?
• O que é real?
• Qual o limite entre o que é real e o que é imaginário?
• O que é pensar ou pensamento?
• Posso saber o que outra pessoa está pensando?
• O que é regra?
• Por que temos de tratar as pessoas com respeito?
• O que é pessoa?
• Qual a relação entre essa coisa que chamamos corpo e essa coisa que chamamos
mente?
• O que significa belo ou bonito?

Se você se olha no espelho e diz a você mesma: ‘Bem, acho que sou bonita!’, como você
sabe disso? Ou então, você se olha no espelho e diz: ‘Na verdade, me acho muito feia!’,
como você sabe disso? Que tipo de critério você teria de ter para fazer esse juízo?

A filosofia é uma disciplina muito diferente das outras que as crianças têm na escola: dá
mais atenção às idéias do que aos fatos e convida todas as pessoas da comunidade a
prestarem especial atenção a tudo aquilo que no dia-a-dia assumimos ou aceitamos como
certo. Atualmente, Filosofia para Crianças conta com um currículo de histórias, ou novelas,
para crianças dos três aos dezoito anos de idade. Imaginem como seria se tivessem três anos
de idade , começando a ter algum conhecimento da linguagem e, todos os dias, trabalhando
com definições de alguns conceitos filosóficos. Uma manhã, por exemplo, ao se levantar,
sua mãe lhe diz: ‘Você tem de se apressar para chegar a tempo no colégio.’ Nos
perguntamos o que será que ela quer dizer com a palavra tempo. Seria possível perguntar à
mãe, mas não tenho certeza se ela poderia dar uma resposta satisfatória. Embora só tenha
três anos de idade, espera ser uma boa criança e suas mães também esperam que seja uma
boa criança. O que será que ela quer dizer com ser uma boa criança? As pessoas esperam
que a criança diga sempre a verdade, supõem que não precisam mentir, mas me pergunto o
que querem dizer com verdade. As crianças têm irmãos e irmãs que vão à escola e se
perguntam porque também têm que ir a um lugar como esse. As crianças de três anos falam
de suas mentes, usam a palavra mente, e dizem palavras como eu. E eu me pergunto o que
querem dizer com isso já que o tempo todo dizem ‘Eu quero isso’, ‘Eu quero aquilo’.

A filosofia é uma tentativa de explorar coisas como essas, observar os conceitos que
formam a nossa experiência cotidiana. Trata-se de prestar atenção aos conceitos que
usamos diariamente e que, na verdade, não temos nenhuma idéia do que significam.

Quando começamos a observar esses conceitos, começamos a explorar o mistério da nossa


experiência diária e, então, o mundo começa a ter um certo sentido de maravilha: o
percebemos surpreendente como um quebra-cabeças.

Como já disse anteriomente, em filosofia não se está interessado nas provas ou evidências
científicas, no que chamamos de fatos, embora esse seja outro conceito filosófico e me
pergunto o que querem dizer com a palavra fatos e como as coisas chegam a ser fatos. Mas,
em filosofia não se está só interessado em somar opiniões a respeito de conceitos tais como
verdade ou amizade, mas também em encontrar boas razões para o que se pensa. Além
disso, depois que a criança passa a escutar os colegas, a filosofia torna-se uma disciplina
que nos dá coragem para mudar de idéia se percebemos que não é conveniente ou não é
bom manter o ponto de vista que tínhamos antes. Nesse sentido a filosofia é um amor à
sabedoria.

Em Filosofia para Crianças, seguimos alguns procedimentos com as crianças: por exemplo,
podemos utilizar cartazes com a letra Q para indicar qual a questão que estamos discutindo;
com a letra R para pedir ao colega que dê a razão pela qual está afirmando algo; com a letra
S para perguntar quais as suposições que estão sendo feitas ao dizerem o que estão dizendo;
com a letra I para explicar as inferências que estão sendo feitas. Como podemos distinguir
uma boa inferência de uma inferência ruim? Com a letra E para pedir um exemplo com
relação ao que se está dizendo; com a letra C para solicitar um contra-exemplo do que está
sendo dito.

Assim como as crianças podem aprender a usar um computador mais rapidamente que um
adulto, acredito que também podem aprender a jogar esse jogo mais rápido que nós. E elas
gostam, porque isso as ajuda a dar sentido ao mundo em que vivem.

Uma maneira de ver o todo da nossa proposta é pensar a respeito das antigas e tradicionais
categorias tais como verdade, belo, bom e, depois, perguntar a nós mesmos como podemos
ver as subdisciplinas ou partes da filosofia. Lidar com essas perguntas - o que é verdadeiro
ou o que é a verdade, o que é belo ou o que é a beleza, o que é bom ou o que é o bem - e
levá-las a crianças e jovens de três a dezoito anos. Percebam que em Filosofia para
Crianças aposta-se no cultivo do bom juízo - os juízos estão envolvidos no que dizemos,
produzimos e fazemos. Então, a beleza, o bem e a verdade começam a servir de idéias
reguladoras a partir das quais nos conduzimos. As proposições são verdadeiras ou falsas, as
obras de arte são belas ou não são belas (as criações) e as ações são boas ou são más.

Outra maneira de ver o todo da proposta é que Filosofia para Crianças trata de dar às
crianças a conscientização - conscientizá-las em relação aos vários atos em que estão
envolvidas no dia-a-dia quando falam umas com as outras.

Não se trata apenas de falarem sobre as coisas nas quais estão interessadas mas que sejam
conscientes, por exemplo, de que em alguns casos têm de ser sensíveis ao contexto: quando
dão as razões, quando apresentam os contra-exemplos, quando fazem inferências, quando
fazem analogias e avaliam se são boas, quando emitem juízos de valor de modo que seus
colegas podem perguntar quais são seus critérios. Enfim, a lista de coisas que fazemos com
nossa mente todos os dias é infinita.

Mas quando estou consciente desses tipos de atividades mentais que tenho, posso chegar a
ter um certo autocontrole e a ser consciente de como posso chegar a pensar e agir melhor.
Existe, portanto, uma ênfase no construir, ou chegar à perfeição, no crescer em direção à
perfeição. E a pergunta é: como fazer isso com crianças e jovens entre três e dezoitos anos?
O que nós fizemos foi escrever uma série de novelas eliminando todo o campo técnico da
filosofia, o jargão filosófico, ou seja, usando as palavras do dia-a-dia, as palavras comuns,
observando os diferentes ramos da filosofia e verificando como se relacionam com a nossa
experiência.

Se o objetivo for trabalhar nos primeiros anos da escola primária, temos Elfie, que se
concentra na habilidade de fazer distinções. O programa Issao e Guga centra-se no mundo
da natureza, na importância de melhorar e enriquecer nossas percepções e entender a
relação entre o eu e o mundo - o mundo das estrelas, dos animais, dos rios. Pimpa centra-se
na linguagem e nas habilidades de raciocínio analógico. Se não dominamos perfeitamente
as analogias, de certo modo estaremos prejudicados para o resto de nossas vidas pois não
teremos a habilidade de perceber semelhanças e diferenças, e todo o mundo da linguagem
figurada estará fechado para nós.

A descoberta de Ari dos Telles, uma novela para crianças entre dez e doze anos, tenta
introduzi-las à lógica formal e informal e à investigação filosófica em geral. Luísa é uma
novela centrada na investigação ética e foi pensada para jovens no final do 1o grau. Suki é
uma novela centrada na investigação estética e foi pensada para alunos do início do 2o grau
e baseia-se na escrita de poesias e de pequenas histórias de ficção. Mark é uma tentativa de
aplicar a filosofia às questões políticas e sociais: o que é liberdade, o que queremos dizer
com as palavras democracia, comunidade, justiça. Recentemente, elaboramos um programa
para crianças bem pequenas chamado The Doll Hospital. Neste programa, as crianças são
levadas a perceber as condutas necessárias numa comunidade de investigação de maneira
consciente - o que realmente quer dizer escutar uma outra pessoa, quando se pode dizer que
estamos realmente escutando e quando não estamos, o que é dar uma razão. Sempre temos
que dar razões? Como distinguir uma boa razão de uma que não é boa?
Outra maneira de dizer isso é observar todo o conjunto de disciplinas a que as crianças
estão expostas no 1o grau - linguagem, artes, matemática, ciências, educação física, estudos
sociais, e perceber quais as habilidades que tentamos cultivar - ler, escrever, falar e escutar,
prestar atenção. Depois, verificar qual o tipo de pensamento que se pressupõe que elas
tenham para fazer esse tipo de coisa em geral : o pensamento crítico e o criativo estão
subjacentes ao ler, ao escrever e ao falar bem. Então, por que não posso ter a oportunidade
de tratar do tipo de pensamento subjacente às atividades que tenho na escola?

Outra maneira de ver a proposta é fixar-se nos diferentes tipos de programa que criamos e
observar as habilidades que tentamos desenvolver em cada um dos níveis. Por exemplo,
para as crianças de 6 a 8 anos, fazer distinções e fazer conexões; ter consciência do tipo de
inferência que fazem para as de oito anos; raciocínio analógico para as de nove e dez anos;
o reconhecimento de contradições para a investigação ética, investigação estética e
investigação política, e assim por diante. É preciso perceber que nos primeiros anos
estamos envolvidos em muita prática, e só mais tarde começamos a ver a estrutura do que
estamos fazendo.

É interessante notar que em filosofia, embora em diferentes idades possamos dar mais
atenção a diferentes habilidades, o tipo de conceito sobre o qual falamos não tem idade. No
programa inicial (The Doll Hospital) encontramos as crianças discutindo os mesmos
conceitos que aparecem repetidamente em todas as novelas - o que é uma escolha, o que é
um amigo, como sei que alguém gosta de mim, o que aconteceria se o tempo andasse para
trás, o que é a morte. Nos programas para o 2o grau usamos a palavra liberdade em vez de
escolha; identidade em vez de eu. As palavras mudam mas os conceitos se repetem. E,
lembrem-se: são esses conceitos que estão por trás da nossa experiência cotidiana. E quanto
mais nos apropriamos das habilidades, mais capazes seremos de discutir esses conceitos
que são subjacentes à nossa experiência cotidiana.

Mas em 1969, os professores, os orientadores pedagógicos e os elaboradores de currículos


não tinham nenhum interesse em que as crianças tratassem dos conceitos e das experiências
da vida do dia-a-dia. Eles diziam que para levar a filosofia para a escola primária teriam
que pagar um preço muito alto: mostrar que a filosofia realmente faz uma diferença em
termos educativos. Isso quer dizer mostrar que se as crianças estudam filosofia, elas lêem
melhor, falam melhor, escrevem melhor e agem melhor. E que também podem fazer juízos
melhores. Nós dissemos que da nossa parte estava bem, iríamos fazer isso; se não queriam
filosofia em outros termos, nós a daríamos nestes termos.

A partir de 1974 estudamos e fizemos algumas investigações pedagógicas que se


multiplicaram em outros países que adotaram o currículo de Filosofia para Crianças.
Atualmente o programa está em cerca de 40 países e as novelas e os manuais foram
traduzidos para 20 idiomas. Mas sempre que um programa chega a um país, exige uma
investigação pedagógica e nós mostramos, que se o programa for bem trabalhado, isto é,
por alguém que entende a disciplina e sabe como transformar uma sala de aula numa
comunidade de investigação, vamos ter resultados pedagógicos significativos nas seguintes
áreas: pensamento crítico, aumento da compreensão em leitura, melhoria na escrita,
elevação da auto-estima; mas o mais importante que tem ocorrido é a transferência da aula
de filosofia para as aulas das outras matérias. Por que isso acontece? Acontece porque a
filosofia é uma disciplina muito peculiar, formada por conceitos que estão subjacentes em
todas as outras disciplinas que se estudam na escola.

Além disso, o interessante é que os conceitos filosóficos são contestáveis, isto é, existem
muitos pontos de vista sobre o que significa uma determinada coisa. Se estamos fazendo
filosofia e nos deparamos com palavras como verdade, liberdade, democracia, mente, eu,
vamos nos perguntar o que a outra pessoa está supondo ao usar essas palavras; e isso é o
que quero dizer quando digo que a filosofia é libertadora, pois quando percebemos que são
questões sempre em aberto, estamos mais protegidos em relação à doutrinação. E trata-se
também de respeitar as outras pessoas que têm pontos de vista diferentes, por exemplo,
sobre a natureza do eu. Podemos nos dar conta de que outras pessoas podem ter uma
concepção de mundo coerente, diferente da nossa, e que dá sentido ao que ela faz. Se
esperamos entender uns aos outros, devemos perceber o que cada um pressupõe quando usa
palavras como amigo, tempo ou justiça. Podemos estar casados com uma pessoa por trinta
anos e, de repente, nos dar conta de que ela pensa de uma maneira muito diferente a
respeito dessas palavras.

Mas, nas diversas disciplinas da escola de 1o grau, estamos tratando dessas questões
filosóficas, estamos o tempo todo cruzando com elas: por exemplo, em educação artística,
estamos expostos a critérios estéticos. Dizemos que algumas obras são boa literatura e
outras não, e se não estamos habituados a perguntar qual o critério que está sendo usado
para fazer tal distinção, nós simplesmente a introduzimos no sistema intelectual. Em
ciências sociais, por exemplo, boa sociedade, democracia, justiça, são conceitos que
precisam ser esclarecidos. Em ciências, temos palavras como causa e efeito, descrição e
explicação, e todas elas têm diferentes significados para diferentes cientistas e, no entanto,
nós assumimos que todos pensam a mesma coisa a respeito desses conceitos quando
chegamos nas aulas de ciências na escola. E, assim, eu poderia passar muito mais tempo
mostrando os pressupostos filosóficos que aparecem em cada uma dessas disciplinas.

Um ponto positivo da filosofia é que permite perceber as conexões entre as demais


disciplinas. Uma das razões das crianças não se mostrarem muito interessadas na escola é
porque vêem os conceitos aparecendo aqui e ali sem se darem conta de como as coisas se
ligam.

A filosofia é uma maneira de perceber que tempo aparece em ética, em estudos sociais e em
todas as diferentes disciplinas.

Como já disse antes, a metodologia que utilizamos em Filosofia para Crianças é chamada
de Comunidade de Investigação e, de certo modo, envolve uma outra revolução em relação
à educação tradicional. Na educação tradicional é como se o capitalismo tivesse penetrado
na maneira como educamos as crianças de modo que ao invés de achar que o conhecimento
é algo que deve ser compartilhado, em vez de achar que você pode me ajudar e eu posso
ajudá-lo e nós dois juntos podemos construir e dar significado ao mundo, acaba achando,
após algum tempo, que o conhecimento é como o dinheiro que tenho no banco e não quero
compartilhar com ninguém. Guardo-o para mim mesma, só me interesso pela prova e trato
de tirar uma boa nota porque quero ser a melhor da classe e só estou interessada em mim,
em mim, em mim! Eu não compartilho nada, não falo com os outros porque eles podem
aprender comigo e talvez tire uma nota mais alta e eu não quero isso; e além do mais, quero
entrar na universidade... E todos nós já sabemos o resto!

A comunidade de investigação coloca tudo isso em questão. Vê o processo do


conhecimento como um processo social, compartilhado, em cooperação. Eu preciso de
vocês para ser eu mesma, preciso de vocês para ser educada, para vir a ter um mundo com
significado, com sentido para mim, e isso que chamamos de conhecimento é uma
construção social. Não pertence aos indivíduos, é algo que pertence a todos nós. Portanto, o
professor, o coordenador de uma comunidade de investigação tem de ser alguém que
inspire confiança e, como já disse antes, do ponto de vista filosófico tem de estar
convencido de que não tem respostas. Mas é muito difícil que os adultos assumam que não
têm certeza sobre o que é ser amigo ou que a pergunta a respeito do que é ser amigo é
muito mais complexa do que achavam que era.

Nesse tempo todo também vimos como as crianças crescem em relação a auto-estima, em
seu próprio senso de personalidade. Algumas são ouvidas pela primeira vez, antes suas
idéias nunca tinham sido levadas a sério e na comunidade de investigação constrói-se a
partir delas. Isso é muito importante para o crescimento das crianças. Uma outra
característica da comunidade de investigação é trabalhar cooperativamente, respeitando uns
aos outros como possíveis fontes de saber. Algumas vezes, mesmo a criança mais apagada
pode dizer algo capaz de mudar todo o rumo da conversação; o que não só é importante
para essa criança como também para o trabalho de investigação que se está fazendo.

Uma comunidade de investigação baseia-se no princípio do falibilismo. Isso significa que


sempre é possível que tenhamos nos enganado e, então, temos de estar acostumados a dar a
nós mesmos um contra-exemplo de nossas próprias hipóteses. Notem que isso é muito
diferente da educação tradicional onde a ênfase está colocada nas respostas corretas
enquanto que aqui a ênfase está em buscar seu próprio erro, assumindo que qualquer
consenso a que se chegue, provavelmente, durará pouco. As crianças educadas desse modo,
vêem de uma maneira mais interessante isso que chamamos verdade - podemos dizer que
se treinam a autocorrigir-se.

Se alguém apresenta uma tese ou um livro a respeito da comunidade de investigação, ou se


está acompanhando o trabalho em sala de aula, verá uma variedade de coisas que ali estão
ocorrendo. Verá raciocínio, investigação, verá que estão falando a respeito de questões de
opinião e verá que estão melhorando naquilo que chamamos de tradução, isto é, são
capazes de fazer as perguntas corretas. De tal maneira que possam entender que tipo de
cosmovisão vai sendo definida, como usam as palavras e como essas palavras têm sentido
em relação ao fundamento dessa cosmovisão. Então, ao invés de estar constantemente
tentando provar que o outro está enganado, pergunto o que está pressupondo ao dizer coisas
como essa ou aquela, ou se poderia me dizer como vê o mundo para afirmar o que está
afirmando. E é através desse tipo de tradução que posso compreender ou entender.

Notem que existe uma certa conscientização no tipo de coisas que se assume no diálogo
filosófico. E, de um ponto de vista pedagógico, as crianças estão cultivando certas
disposições: por exemplo, a disposição para maravilhar-se, a disposição para ser visto, para
respeitar os outros e respeitar pontos de vista diferentes dos seus. Disposição para ser
criativo, coragem para produzir suas próprias teorias, disposição para ver alternativas
diferentes das suas e, portanto, para autocorrigir-se. À medida que o processo se
desenvolve, começam a sentir a necessidade de algum tipo de ideais que regulem a conduta
do dia-a-dia. Assim, ideais como verdade, beleza e bondade começam a ter sentido ou um
significado intrínseco para mim e, se não tiverem, certamente os colegas na comunidade
vão me ajudar. Nesse sentido, a investigação filosófica é uma educação moral pois,
mediante a experiência do diálogo em comunidade, fortalecemos nosso raciocínio e
expressamos que queremos viver nossas vidas de um modo que sejam mais verdadeiras,
mais belas e melhores.

Finalmente, havia algumas pessoas que estavam interessadas na avaliação e, então, o que
fizemos foi distinguir uma série de condutas para poder observar por meio de vídeos se
aconteciam mudanças nas condutas que ocorrem na sala de aula. Seis meses após ter se
iniciado o diálogo, as crianças estão fazendo mais perguntas, perguntas melhores, parecem
reconhecer a dimensão filosófica do que vêem e parecem evitar o que chamaríamos de
grandes generalizações como ‘todos os argentinos são....’, ‘todos os chilenos são..’, ‘todos
os mexicanos são...’ou ‘todas as pessoas dos Estados Unidos são...’; parece que esse tipo de
generalização começa a desaparecer. Em outras palavras, as crianças começam a ser mais
cuidadosas com o que dizem, pedem mais provas, mais evidências, começam a fazer
hipóteses sobre temas como personalidade, tempo, espaço Começam a trabalhar juntas em
lugar de tentar derrubar umas às outras. Se alguém diz algo e o professor pergunta ‘Por
quê?’ - sempre há algum outro que logo tenta ajudar a dar uma razão. Estão construindo a
partir das idéias dos outros, estão trabalhando como uma equipe, estão fazendo analogias,
estão perguntando e questionando as analogias, estão questionando as inferências, parecem
escutar uns aos outros com mais atenção, parecem ter a mente mais aberta, parecem estar
mais dispostas a abrir os conceitos ao invés de fechá-los. E essas são coisas que podemos
ver se estão ou não sendo feitas. E se estiverem, talvez também estejam pensando melhor.

Nossa esperança é que à medida em que pensem melhor, vivam um mundo melhor em
termos qualitativos. Sem dúvida, não há garantias. Uma das coisas que a filosofia lhes
ensina é aprender a pensar por elas mesmas e uma vez que se aprende a fazer isso é muito
difícil prever o que vai se fazer com essas habilidades. Mas a comunidade de investigação
atua como uma espécie de rede de segurança porque é preciso praticar certas virtudes para
sobreviver. Como, por exemplo, aprender a escutar os outros e levá-los a sério. E se alguém
tem dez ou quinze anos de prática dessa investigação em comunidade, acho que alguns
hábitos e algumas habilidades que aprende passam a fazer parte de sua experiência no
mundo.

VOLUME 3 - Reflexões sobre a Educação para o Pensar

A FILOSOFIA PARA CRIANÇAS E A INSTITUCIONALIZAÇÃO

Ann Margaret Sharp*

* Profa. Ann Margaret Sharp é diretora do Institute for the Advancement of Philosophy for Children, na
Universidade de Montclair, NJ, Presidente do International Council for Philosophical Inquiry with Children e
co-autora dos manuais do Programa de Filosofia para Crianças.
Existem hoje mais crianças fazendo filosofia no Brasil do que em qualquer outro país.
Muitos centros regionais já existem e outros virão a ser criados. A institucionalização da
Filosofia para Crianças já começou em várias universidades do país. Programas de
treinamentos e Mestrados em Filosofia para Crianças também já passaram a existir. Tudo
isso me dá grande alegria e me maravilho com o que vem ocorrendo. Podemos afirmar hoje
que o "sonho impossível" de Catherine Young Silva está se tornando uma realidade
concreta.

No entanto, ao iniciarmos a institucionalização da Filosofia para Crianças nos cursos de


graduação, a inclusão formal da filosofia no currículo primário, a preparação sistemática de
professores de Filosofia para Crianças - precisamos ter consciência de alguns perigos.
Podemos nos perguntar se os progressos da Filosofia para Crianças no mundo é sinal da
criação de um novo paradigma educacional - um novo esquema que substituirá os velhos
cânones da educação - e se isto for comprovado, quais serão os novos cânones?

A Filosofia para Crianças apresenta um novo paradigma - um que se baseia no ideal de


converter todas as salas de aula em comunidades de investigação. Esperamos que este seja
um paradigma bem diferente daqueles que existiram no passado. Este modelo está
comprometido com o falabilismo, com a liberdade, a democracia, a investigação e o
pluralismo. Quando as crianças e os adultos participam de uma comunidade de
investigação, eles dão lugar às condições que fomentam sua pessoalidade e sua autonomia.
O fato de que cada uma das comunidades de investigação seja uma conquista - algo sobre o
qual devemos trabalhar durante anos - é transcendente. Pois uma comunidade de
investigação transcende a forma como os seres humanos se comunicam entre si.
Transcende também os modos usuais de comportamento entre as pessoas. Estas
comunidades de investigação em salas de aula são criações conscientes e complexas dos
alunos e professores, marcadas pela deliberação reflexiva, em grupo, sobre os assuntos de
importância e por algumas tensões. Essas tensões são tensões entre:

1. memória e expectativa

2. tempo cronológico e tempo realizado

3. signos e símbolos

4. burocracia e espírito

5. socialização e liberdade

A institucionalização da Filosofia para Crianças no Brasil será efetiva se soubermos


equilibrar estas tensões de modo a não perdermos de vista o objetivo maior, que é a
liberação das crianças. Passemos a uma análise cuidadosa destas tensões.
O trabalho com a primeira tensão entre memória e expectativa no contexto educacional
implica na promoção, entre crianças e professores, da esperança, virtude essencial de onde
se origina a coragem, a graça natural para a luta contra a opressão, o medo, o poder
coercivo e outras formas de inércia (ou segundo Simone Weil, "gravidade"). É a esperança
que permite que os potenciais do futuro se redefinam nos poderes emergentes do passado. É
a esperança que nos leva a transformarmos a semente em algo mais maduro. É a esperança
que faz com que a transformação seja possível, que uma nova idéia seja assimilada
historicamente num país - uma assimilação que rompe a semente de onde ela se originou.

É preciso ser historicamente honesto. A Filosofia para Crianças não é uma idéia totalmente
nova no Brasil. Quando Catherine Young Silva retornou do Institute for the Advancement
of Philosophy for Children, nos Estados Unidos, descobriu que ela voltava a um solo fértil.
Em pouco tempo, ela percebeu que sua construção se calcava no trabalho de Paulo Freire,
que havia preparado milhares de professores brasileiros para pensar em termos de diálogo,
criatividade, raciocínio crítico e de superação da opressão. Os objetivos e a metodologia da
comunidade de investigação foram bem vindos - o que era necessário era o controle do
legado intelectual, herança legítima de todas as crianças brasileiras. Legados, no entanto,
pretendem dar poder que é utilizado da forma que considerarmos mais apropriada. Legados
não devem paralisar, nem sufocar, nem dominar. O legado intelectual da humanidade está
aí para ser apropriado pelas crianças para que elas o utilizem para criar um mundo melhor.

A segunda tensão é aquela existente entre o tempo cronológico (Chronos) e o tempo


realizado (Kairos). Cada comunidade de investigação em sala de aula deve aprender a lidar
com essa tensão. As comunidades de crianças rígidas, estáticas e não investigativas
experienciam o tempo cronológico. Se visitarmos essas salas de aula, perceberemos que as
discussões são chatas, aborrecidas, sem espírito. As conversas não são marcadas pela
expectativa nem pela esperança de descobrir algo novo e significativo.

Por outro lado, quando uma investigação genuína ocorre numa sala de aula, as crianças e os
professores esquecem o tempo cronológico. Eles entram em outro reino: o de kairos ou o do
tempo realizado - eles experienciam o atemporal. Já foi dito que a observação de uma
comunidade de investigação em andamento é análoga à observação prazerosa de uma obra
de arte genuína. A discussão entre as crianças e o professor expressa a qualidade da
liberdade associada à criatividade e autodeterminação. As possibilidades emancipatórias
latentes das experiências passadas das crianças se abrem através do diálogo partilhado -
diálogo carregado de expectativas de novas idéias. Há uma dimensão de criação estética na
conversação em curso. A participação neste tipo de diálogo permite que a criança
desenvolva um senso do que é certo e apropriado falar numa determinada situação. Uma
espécie de totalidade com vida própria é criada a partir dos diálogos. Tal conversação é
marcada pela comunhão - pessoas reunidas em comemoração harmoniosa. E o que estão
comemorando? Os ideais, aquelas criações que fazem com que nós nos superemos:
verdade, justiça, beleza, amor, bondade. Essa comunhão tem sempre uma conotação
atemporal.

Infelizmente, nós seres humanos, não vivemos num contexto onde podemos sempre criar,
pensar e agir além do tempo cronológico. Precisamos tanto do tempo cronológico quanto
do tempo realizado para vivermos o nosso dia-a-dia de modo criativo e responsável. Por
sermos seres físicos, nos vemos interminavelmente tentando equilibrar as tensões entre
esses dois tempos. Mas não devemos jamais esquecer que é kairos que traz o espírito, a
comunicação. É kairos que sinaliza a criatividade e a liberdade. Este tempo é sagrado -
tempo espiritual - de onde nós extraímos a matéria das nossas criações. As pessoas que
experienciam este tempo de forma partilhada, desejam naturalmente criar rituais. Esses
rituais são os signos de sua vontade de evocar uma atmosfera especial ou uma presença
para o trabalho em grupo. São símbolos do modo como uma comunidade se reúne para
criar algo novo com a colaboração de cada um dos participantes. Pensem nos rituais
variados e ricos que têm sido criados nas salas de aula pelo Brasil afora que marcam esta
experiência comunitária.

Uma comunidade de investigação em sala de aula é um grupo de pessoas que, consciente e


deliberadamente, trabalham com a tensão entre signos e símbolos. Os símbolos são criações
da humanidade que apontam para além do cotidiano - criações de significados conscientes,
cuja importância latente, são exploradas pelas crianças e professores. Quando Dewey
descreve a "grande comunidade", ele nos lembra que ela nunca é monolítica, e sim
pluralista, ecumênica e caracterizada por "vários símbolos que possibilitam a partilha de
experiências sagradas." Sem esses símbolos estaríamos condenados ao não-crescimento.

Vejamos quais os símbolos que se tornaram significativos para nós, no Brasil, no


movimento de Filosofia para Crianças. No ano retrasado, durante o I Encontro Nacional de
Educação para o Pensar, em Florianópolis, nós partilhamos do símbolo da semente - um
símbolo que significa o renascimento, a esperança no futuro da Filosofia para Crianças no
Brasil. Comemoramos o plantio dessa semente por Catherine Young Silva. Este ano, temos
o símbolo da liberação - uma lembrança da personagem de A Descoberta deAri dos Telles -
feminina, negra e forte - que pula de carteira em carteira dentro do contexto institucional.
Esse símbolo significa movimento, espírito, dinamismo, liberdade e abertura para a
autonomia e criatividade - ao invés de perda da individualidade. Ambos os símbolos
brasileiros da Filosofia para Crianças apontam para algo a "mais" - algo que "ainda não é",
algo "transcendente": os ideais que nos ajudam a trabalhar juntos, de modo colaborativo, na
direção da liberação das crianças no Brasil.

Estes dois símbolos apontam para o objetivo maior da Filosofia para Crianças: a liberação
das crianças. Eles não tratam da criação de estruturas institucionais, nem do poder, do
dogma ou do autoritarismo. Trabalhar colaborativamente para converter as salas de aula em
comunidades de investigação é possibilitar as condições educacionais para que as crianças e
os professores se tornem seres reflexivos, autocorretivos e autocompreensivos enquanto
indivíduos e enquanto grupos. Essas comunidades são caracterizadas por kairos e pelo
diálogo genuíno - a intersubjetividade autêntica. As crianças aprendem a aprender com as
outras e experienciar o que significa crescer, mudar de idéia e criar horizontes de
significados cada vez mais vastos para elas mesmas e para os seus colegas. Essas
comunidades de investigação são as sementeiras de novos significados, novas
possibilidades e novas energias - o solo fértil para a transformação social e espiritual.

Devemos assegurar que todos os Centros de Filosofia, sejam eles nacionais ou regionais, se
caracterizem pelos traços de uma comunidade de investigação, para que não se tornem
rígidos, dogmáticos, temerosos do novo ou excessivamente competitivos. Devemos ser
capazes de reconhecer imediatamente os grupos de Filosofia para Crianças pelo seu
pluralismo, pelo não autoritarismo, pela autocorreção, solidariedade, diversidade e
comprometimento com o falibilismo. São esses traços característicos que protegerão a
Filosofia para Crianças da degeneração num culto ou num dogma, ou num corpo inerte de
fatos a serem memorizados pelas crianças.

Os participantes de uma comunidade de Filosofia para Crianças são indivíduos leais - leais
sempre, mas de uma forma crítica. São pessoas, como vocês e eu, que buscam trabalhar em
direção a uma sociedade não sexista, não racista, diversa, complexa, multifacetada, justa e
significativa para todos. Elas sabem que no seu trabalho do dia-a-dia devem ser
inerentemente democráticas, igualitários e não hierárquicas. Reconhecemos essas pessoas
não pelo que elas dizem, mas pelo que elas fazem. Observem como elas sempre abrem
espaço para novas vozes, novas formas de se ver o mundo e de solucionar os nossos
problemas comuns.

Dewey disse, em algum lugar, que a boa educação é caracterizada por uma tensão entre a
socialização e a liberdade. Para que seja acessível para as massas, a educação deve ser, de
alguma forma, institucionalizada. Isto é um fato. Entretanto, nós da Filosofia para Crianças,
temos a responsabilidade de sempre dar um passo para trás e nos assegurarmos que a
institucionalização não seja uma conquista em detrimento da reflexão crítica, da
criatividade, do espírito nem da liberdade. Esse distanciamento pressupõe que estejamos
equipados para ter uma consciência crítica e criativa de todos os poderes comuns que dão
forma a nossos pensamentos e ações enquanto deliberamos em grupo. As comunidades de
investigação são lugares onde crianças e adultos se tornam criticamente conscientes de
todos os significados e temas (sociais, políticos, econômicos, etc.) que exercem influência
nas nossas vidas cotidianas e de como eles dão forma ao mundo. Essas pessoas nutrem,
uma nas outras, a coragem para mudar essas forças, caso elas sejam contrárias à liberação.

Resumindo, aproveitemos a oportunidade hoje, para reconhecermos que a Filosofia para


Crianças - nesta fase inicial de institucionalização no Brasil - precisa se prevenir dos
perigos de uma institucionalização irrefletida: inércia, desconfiança, burocracia, disputas
internas, autoritarismo, ciúme e poder coercivo. Este tipo de institucionalização é mortal,
pois é insuficientemente autocorretiva, autocompreensiva e desatenta com relação às forças
que determinam seu comportamento. Este tipo de institucionalização constitui o "lado
sombra" de todas as tentativas humanas de liberação. Este "lado sombra", quando não
controlado, tem o poder de aniquilar qualquer movimento. A prevenção desses perigos só é
possível se nos mantivermos atentos ao que fazemos e às razões que nos levam a cada ação
a cada momento. Reconhecer a influência nefasta deste "lado sombra" da natureza humana,
que nos modela os pensamentos e as ações, é a única forma de iniciarmos a árdua tarefa de
criar a salvaguarda ou as estratégias que nos possibilitarão superá-la. Talvez seja esta a
maior tarefa humana que podemos empreender.

Muito obrigada.

A EDUCAÇÃO PARA O PENSAR E A COMUNIDADE DE


INVESTIGAÇÃO
Prof. Marcos Antônio Lorieri

Gostaria, ao trabalhar este tema de forma provocadora, de retomar idéias já trabalhadas em


outros textos, acrescentando outras para esta ocasião.

O melhor lugar onde a racionalidade pode ser desenvolvida através do cultivo das
habilidades do pensamento (as habilidades de investigação, de raciocínio, de formação de
conceitos e de tradução) é na "comunidade de investigação", cuja alma ou essência é o
diálogo.

É na troca de idéias que as pessoas têm grande chance de estar expondo suas idéias aos
outros, de estar escutando as idéias dos outros sobre o mesmo tema ou assunto, de estar
comparando suas idéias com as dos outros e as dos outros entre si e de estar, a partir daí,
podendo melhorar, completar, ou mesmo modificar o que pensam ou, então, confirmar
ainda mais seus pontos de vista.

Costumamos dizer que, na situação de dialogo, as pessoas trocam, alem das suas
convicções, os seus argumentos, as suas razões relativas às próprias convicções. É nesta
troca de razões que elas podem ficar mais fortalecidas, menos fortalecidas ou até
claramente frágeis ou sem sustentação. Estas oportunidades são ótimas para provocar, nas
pessoas envolvidas, a autocorreção dos seus pontos de vista, o que implica a utilização das
mais diversas habilidades de pensamento.

Fazer tudo isto é fazer investigação sobre um tema ou um assunto, em grupo, e com a
intenção de esclarecê-lo cada vez mais. Pôr-se em grupo e com tal intenção é o que
chamamos de comunidade de investigação.

A proposta de se trabalhar assim no processo de educação escolar é muito forte e muito


enfatizada nas falas e nos escritos de Lipman e de Ann Sharp. E isto porque partem do
princípio fundamental de que "a discussão aguça o raciocínio e as habilidades de
investigação das crianças como nenhuma outra coisa pode fazer", conforme diz Lipman em
seu livro A Filosofia Vai à Escola, página 41. Esta mesma idéia é reforçada na introdução
do Manual do Professor de Pimpa, à página 8: "Agora, por que favorecer o diálogo? Para
uma criança, diálogo é um jogo como pular corda, ou pular amarelinha, ou jogar "pega-
pega". Se você entra no jogo, você se encontra em situações que o desafiam e o compelem
a desenvolver habilidades que o tornam capaz de ser competente naquele jogo.

As habilidades que revelam competência no diálogo são habilidades de raciocínio. Por essa
razão, diálogo entre crianças permite que você promova as habilidades de raciocínio sem o
uso de treinos, sem compulsão. O caráter de jogo, espontâneo, do diálogo entre as crianças
faz com que a participação seja agradável e autogratificante. Não é algo que se faça para
agradar ao professor ou por qualquer recompensa extrínseca."
Este caráter de jogo, de lúdico, de automotivação, pode ser observado facilmente quando
se trabalha com crianças e jovens em situações de diálogo. Quando eles estão juntos,
buscando esclarecer conceitos não muito claros, construir uma informação ou
conhecimento a respeito de algo, decidir se um comportamento ou uma atitude é a mais
adequada ou correta que outra, etc., o envolvimento das crianças e dos jovens é
surpreendente, como é surpreendente o esforço que têm que fazer para estar:

- dizendo exatamente o que pretendem dizer;

- escutando e entendendo o que os outros dizem;

- dando razões para suas afirmativas ou para suas concordâncias e discordâncias;

- rebatendo, com argumentos, as discordâncias dos outros em relações a seus pontos de


vista;

- autocorrigindo-se quando convencidos pelos outros de seus pontos de vista não são
verdadeiros ou completos;

- fazendo análise e síntese a todo momento;

- elaborando mentalmente tudo isto e sendo capazes de expressar verbalmente este conjunto
de elaborações.

Afora isto, há subprodutos éticos importantes na participação de uma comunidade de


investigação em que o diálogo e não a disputa é a regra:

- aprende-se a respeitar os pontos de vista dos outros;

- aprende-se que o próprio ponto de vista tem o mesmo valor e peso que os dos outros;

- aprende-se a respeitar a vez dos outros e a exigir respeito pela própria vez;

- aprende-se a respeitar regras combinadas;

- aprende-se que as regras podem ser discutidas e modificadas, mas que são necessárias
para a vida comum;

- aprende-se que todos somos iguais;

- aprende-se que todos somos igualmente dignos de respeito, etc.

Estas, e as razões anteriores, não são boas razões para concordarmos que nossas salas de
aula devem ser transformadas em pequenas comunidades de investigação? Por que não
tentar?
Em A Filosofia na Sala de Aula, Lipman acrescenta, ainda, as seguintes idéias: "Quando
nos envolvemos no diálogo, devemos estar intelectualmente alertas: não há lugar para o
raciocínio desleixado ou para comentários involuntários ou brincadeiras impensadas.

Devemos ouvir cuidadosamente os outros (pois ouvir é pensar). Devemos, então, ensaiar
em nossas mentes o que nós e os outros dizemos e reconsiderar o que deveríamos ter dito
ou o que os outros deveriam ter dito.

Assim, participar de um diálogo, é explorar as mais variadas possibilidades, descobrir as


alternativas, reconhecer outras perspectivas e estabelecer uma comunidade de investigação.
À medida em que os membros dessa comunidade refletem sobre as idéias e a lógica da sua
emergência, cada um deles replica a conversação original, mas com uma nova ênfase, posto
que o ângulo de cada um dos indivíduos é diferente."

Ao lermos algumas das poucas obras disponíveis de Vigotsky encontraremos reforços a


esta tese relativa à importância das interações socio-comunicacionais tal como nos diz
Tereza Cristina Rego em seu livro: Vigotsky: Uma Perspectiva Histórico-Cultural da
Educação, publicado pela Editora Vozes:

"Portanto, na perspectiva de Vigotsky, construir conhecimentos implica numa ação


partilhada, já que é através dos outros que as relações entre sujeito e objeto de
conhecimento são estabelecidas.

O paradigma esboçado sugere, assim, um redimensionamento do valor das interações


sociais (entre os alunos e o professor e entre as crianças) no contexto escolar. Essas passam
a ser entendidas como condição necessária para a produção de conhecimentos por parte dos
alunos, particularmente aquelas que permitem diálogo, a cooperação e a troca de
informações mútuas, o confronto de pontos de vista divergentes e que implicam na divisão
de tarefas onde cada um tem uma responsabilidade que, somadas, resultarão no alcance de
um objetivo comum. Cabe, portanto, ao professor não somente permitir que elas ocorram,
como também, promovê-las no cotidiano das salas de aula."

Voltando às idéias de Lipman, é importante ressaltar que, para ele, a Comunidade de


Investigação é o coração da sua proposta de uma Educação para o Pensar. No seu livro, O
Pensar na Educação, também publicado pela Editora Vozes, vamos encontrar reiteradas
análises sobre a importância da investigação realizada dialogicamente como, por exemplo,
em toda a última parte do mesmo (pp.331-375) cujo título é "A Natureza e os usos da
Comunidade de Investigação".

Juntamente com Lipman, Ann Sharp tem escritos sobre este tema dentre os quais chamo a
atenção para o artigo Educação: Uma Jornada Filosófica (publicado pelo Centro Brasileiro
de Filosofia para Crianças - Coleção Pensar no. 2), no qual ela diz:

"A investigação em comunidade é a antítese do meramente procurar a "resposta do


professor". Alguns hábitos têm que ser desenvolvidos: capacidade de trabalhar duro,
atenção para os detalhes, objetividade, aversão por falsidade e por manipulação, interesse
por melhores meios de raciocinar, disposição em acolher alternativas e respeito por cada
um dos membros da classe e seus pontos de vista. E o mais importante é que se deve estar
disposto a rever uma opinião se for para onde a investigação conduz."

Paulo Freire caminha na mesma direção ao propor uma Educação Dialógica, expressão
forte e marcante do seu pensamento pedagógico. Num dos seus livros, Extensão ou
Comunicação?, onde o próprio título já propõe a discussão do que escolher, comunicação
(diálogo), ou extensão (ensino de verdades prontas), ele diz:

"A educação é comunicação, diálogo, na medida em que não é transferência de saber, mas
um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação de significados"(p.69).

"Ser dialógico é não invadir, não manipular, não sloganizar. Ser dialógico é empenhar-se
na transformação constante da realidade. Esta é a razão pela qual, sendo o diálogo o
conteúdo da forma a ser própria à existência humana, está excluído de toda relação na qual
alguns homens sejam transformados em "seres para os outros" por homens que são falsos
"seres para si". É que o diálogo não pode travar-se numa relação antagônica.

O diálogo é o encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o


"pronunciam", isto é, o transformam e, transformando-o, humanizam para a humanização
de todos"(p.43).

A idéia acima de "invasão cultural" é uma idéia fortemente repugnante para quem se pauta
pelo ideal de uma autêntica racionalidade. Invadir as mentes dos outros e colocar nossas
idéias, autoritariamente nelas, é o mesmo que alguém invadir a casa dos outros ou um país
invadir o país dos outros. As três situações são situações de violência e de dominação e, por
isto mesmo, elas não são justificáveis. isto é, não há razões ou conteúdos racionais que as
justifiquem.

Gostaria, por último, de dizer o seguinte: na Comunidade de Investigação, como


metodologia educacional, há alguém fundamental que é o educador. Nenhum dos autores
aqui citados dispensa o papel da boa intervenção educacional daqueles que se sentem
responsabilizados por todos os avanços que a humanidade já produziu o que, por isso, os
trazem para re-discussão das novas gerações.

No educador, no professor comprometido com objetivos educacionais claros, reside a base


deste trabalho, mas há que ser educador que realmente compreenda e leve à prática os
princípios e os encaminhamentos de uma Educação para o Pensar que tem na Comunidade
de Investigação o seu melhor recurso.

Petrópolis, 11 de julho de 1996

EDUCAÇÃO PARA O PENSAR E COMUNIDADE DE


INVESTIGAÇÃO

Darcísio Natal Muraro


O Programa Filosofia para Crianças, desenvolvido pelo filósofo americano Matthew
Lipman se propõe ensinar a pensar desde os primeiros anos de escolaridade e, para isso,
desenvolve uma metodologia baseada na "comunidade de diálogo e investigação". Para
Lipman, o programa se fundamenta na mudança de paradigma na história da educação onde
o aprender deu lugar ao pensar, a partir dos trabalhos de J. Dewey, Pierce e Mead. O
programa atribui um papel específico à filosofia que teria um instrumental muito rico
extraído de sua tradição para o ensino do pensar a fim que este seja crítico, criativo e
cuidadoso. Por que e como a filosofia desenvolveria esse papel?

Um bom começo para entender o papel da filosofia é a obra "Filosofia na Sala de Aula",
onde Lipman inicia refazendo o percurso histórico da filosofia na Grécia antiga, quando os
cidadãos começaram a pensar sobre os pensamentos. A partir de Sócrates, no século V a.C.,
a filosofia passa a ser relacionada com a investigação dialógica. Ele nos mostra que pensar
é um ofício, e é um tipo de ofício que não se faz por ninguém. Ele modela a investigação
intelectual para nós, procurando se abster de impor produtos prontos da sua própria
investigação. Esta investigação começa com os assuntos de maior interesse para cada um,
para conhecer a si mesmo, um incentivo de ver a vida se aperfeiçoar a partir do pensar
sobre ela. Ele envolve na conversação, desperta intelectualmente para ouvir
cuidadosamente os outros (que é pensar), pesar as palavras para falar (que é pensar),
reconsiderar o que foi dito, explorar as possibilidades, descobrir alternativas, reconhecer
outras perspectivas, ângulos de visões diferentes. O seu pensar é rigoroso. As idéias e
opiniões têm que ser internamente coerentes, apoiadas em evidências. Nas palavras de
Lipman, "A investigação intelectual é uma disciplina que tem a sua própria integridade, e
não se desfaz em investigação científica, nem permite ser mascarada com uma ideologia
política ou religiosa" ( Lipman, 1994, p.13). Sócrates descreve-se como uma "parteira" e
nos propõe tal atitude. Platão aprendeu com Sócrates que a filosofia é diálogo, a vida do
filósofo é de aprendiz de professor; que a filosofia é ensinada tanto quanto é aprendida. Ela
não pode ser incutida à força, mas desejada.

Historicamente a filosofia tem sido relegada a uma segundo plano, perdeu seu caráter
popular, tornando-se elitista. A proposta de Lipman é de democratizar a filosofia. Fazer
filosofia é um direito de todas as pessoas por ser uma necessidade de todos os seres
humanos.

Lipman parte da sua experiência frente à ineficiência do sistema educativo e dos métodos
utilizados para combatê-lo. O critério que propõe para mudar a educação é que o objetivo
global do sistema educacional deve estar voltado, essencialmente, para o seu valor
intrínseco em contraste radical com o sistema cujos valores são puramente instrumentais e
extrínsecos, com significado e racionalidade e com uma unidade metodológica coerente.

Um primeiro ponto desta educação que propõe é a descoberta de significados das


experiências e experiências significativas. Lipman se inspira em Dewey. Para Dewey, as
experiências constituem o paradigma de compreensão da cognição, pois elas possibilitam a
formação de hábitos de domínio sobre o meio e a capacidade de usá-lo para fins humanos.
A vida mental decorre do esforço de adaptação no sentido de pensar, refletir a experiência,
e com o acúmulo deste processo, antecipar a ação. A gênese é sempre o meio social que
cria as atitudes mental e emocional do indivíduo, devido ao acúmulo de respostas e
conhecimentos em cada cultura. Para ele, não há cognição sem conhecimento e
conhecimento pressupõe o já acumulado mas com vista a determinado objetivo, isto é, o
como se conhece está vinculado ao o que se conhece. Meios e fins são inseparáveis. O
maior desenvolvimento da vida psíquica ocorre em ambiente social equilibrado, onde haja
cooperação, colaboração, partilha. O uso do aparato mental deve estar voltado para a vida
democrática, participativa em sociedade. Por isso propõe educação e democracia, pois esta
é a forma que propicia aos homens se tornarem mais inteligentes. A escola deve ser uma
destas instituições de caráter democrático com um ensino ativo, implicando a
individualidade de cada um, suas experiências e a cultura. Ela deverá articular a lógica da
investigação, sempr