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Cont Teorias da globalizacao 1. Capitalismo dominante Estamos assistindo, na atualidade, a0 desenvolvimento de uma nova etapa do capitalismo: a dominagio de todo o planeta. Para entendé-la, Octavio Ianni, um dos mais importantes socidlogos do Brasil, procu rou identificar os diferentes momentos hist6ricos que a precederam. © primeiro corresponde a sua emergéncia ¢ instalagio na Europa, estabelecendo o trabalho livre, a mercantilizagao da produgdo ¢ a orga- 10 do mundo sob a forma de Estados nacionais. Para isso, houve a dissolugio de instituigdes pré-capitalistas de produgio e organizagio territorial. Nessa primeira fase, 0 capitalismo era alimentado pelo colo- nialismo. As colénias dos demais continentes forneciam as respectivas metrdpoles europeias matérias-primas e escravos. Como resultado, a Eu- ropa conheceu um periodo de acumulagio de capital e de emergéncia da burguesia como classe dominante, enquanto que as colonias foram inte- gradas a economia curopeia. Por esse motivo, o capitalismo ja era global. ( segundo momento corresponde & industrializagio e a um processo mais efetivo de implantagio do capitalismo no mundo, por meio de estrei- tas relagdes internacionais de dependéncia econdmica e politica (figura 1), que submeteram as nacdes a centros hegem@nicos, caracterizando o que ficou conhecido por imperialismo. © capitalismo instalou-se por todo 0 mundo, abarcando os mais diversos continentes, mares € oceanos, € pro: com a formacao de impérios. moveu um forte processo de centralizagi Figura # Encontro dos lieres 60 (GSem Heligendamn, Alemanha, 2007, Areumio anus do GB (Estados ‘Unicos inglatera, Aleman, tai, Fraga, Canada, Japio e Russa delibera Sobre as polis econdmicasas0cas Go paneta,moldando captalsmo Conforms orintrerescomuns Sosa hacaes ndustalzndas. neta, 3 Teoitmidade desse for € questionada lemmanifestagdes que contam coma presenga de pessoas de vais pales @ | A cultura se globaliza e se homogeneiza com a criagao da industria cultural, > Indastria cutturat E um termo cunhado pelos fi- \esofos e sociélogos alemaes Theodor Adorno 11903-1969) 2 Max Horkheimer (1895- | -1973), membros da Escola de Frankfurt, aparecendo pela primeira vez na obra Dialetica ‘do esclarecimento, de 1947, A indéstria cultural foi defi | nida pelos autores com base fem sous estudos sobre a pro- ducao e a funcao da cultura | ‘no capitalismo, quando anali saram a conversao da cultu- ra.em mercadoria. 0 conceito | nao se refere aos veiculos televisio, jornais, radio etc, -, mas ao uso dessas tecno. lagias por parte da classe do minante para fazer da produ- 20 cultural e intelectual um objeto de consume de massa Figuras 223 « Absixo,manifestontes ‘com mascara ds dees do Gprctestom fem praia de Kuehlungsborn, Aleman, 2007. Ac lado, rabalhadores descern 3 Laat do Carma, na cidade de So Palo, ‘durante a greve geval de 1917, A economia entrou em um estégio de produ io ampliada e se tornow altamente planificada. A tecnologia passou a desempenhar um papel cada vez mais importante, fosse nas atividades bélicas de conquista e manutengio de territ6rios ou do espago sideral, fosse na producio de mercadorias. Houve fortes movimentos de dissensio e resisténcia em diferentes partes do mundo (figuras 2 e 3), gerando graves conflitos © a emergéncia do movimento mais forte de oposigio ao capitalismo, © comunismo, instaurando um novo modelo alternativo de producao € organizag; » politica. A cultura se globalizou ¢ se homogeneizou com a criagao da inddstria cultural ¢ da cultura de massa. Houve uma grande mobilizagio populacional provocada pelo éxodo rural ¢ pela emigracao, que levou multiddes a se instalar de forma definitiva em outros territérios O terceiro momento ja € aquele que recebe o nome de globaliza- sao - termo de uso recente que se popularizou nas tiltimas décadas, Os modelos alternativos ao capitalismo, em especial 0 mundo comunista, entraram em decadéncia, e houve um processo de enfraquecimento do nacionalismo e da relagao de proximidade entre Estado e cidadao, For- ‘maram-se organismos internacionais para a administragao econdmica, social e politica, como a Organizagao das Nagdes Unidas (ONU), 0 Fun. do Monetario Internacional (FMI) e 0 Banco Mundial. E a informatica revolucionou a produgao de bens e a divisio internacional do trabalho com o advento da comunicagao em rede por meio das midias digitais, O capitalismo entrou em sua fase efetivamente planetaria, tendo como cen tro hegeménico os Estados Unidos. A racionalizagao econémica atingiu niveis jamais pensados, e as relagées internacionais se redefiniram, 2. O reposicionamento do Estado-nacao Um dos farores mais importantes para entender a sociedade atual «, em especial, a globalizagao, segundo sociélogos que estudam a at lidade, é um novo posicionamento dos Estados nacionais na condu da economia e em sua relagio com o cidadio, © capitalismo se desenvolveu, desde o inicio, a partir da form dos Estados nacionais como instituigdes cap: es de reunir pessoas em i um territério delimitado, ligadas por fortes lagos de identidade e senti mento de perte Estados nacionais criaram estruturas de organizagio soc politicas e econémicas que moldaram e uniformizaram a vida social, per- mitindo a racionalidade e o planejamento. Houve a unificagao dos idio- mas patrios, das moedas, dos exércitos e da produc, Os Estados nacio- nis se agigantaram e se tornaram centralizadores da sociedade mundial, fazendo muitas vezes surgir regimes fortes, controladores e ditatoriais, mento, que chamamos de nacionalismo. Além disso, os ial com fungdes como assistimos na primeira metade do século XX, com o advento do nazifascismo no mundo capitalista e do stalinismo no comunista. A dura experiéncia das duas guerras mundiais, provocadas, entre outros fatores, pelo excesso de rivalidade entre nagdes, pelas atroci- dades cometidas em nome do nacionalismo e pela destruicio econd- mica ¢ politica dos paises europeus, colocou em xeque a hegemonia do Estado-nagio ¢ exigiu 0 surgimento de instituigdes internacionais como a ONU. Por outro lado, a derrocada do mundo soviético e o fim da Guerra Fria, que opunham os paises dos chamados mundo capitalista e mundo comunista, abrandaram conflitos e desconfiangas que os separavam, assim como enfraqueceram todos os recursos de seguranca e defesa entre as nagdes. Além disso, a internacionalizagio do mercado ¢ a transnacionalizagao da economia, com iniimeras empresas instalando filiais em diferentes paises ~ em busca de maior lucratividade advin. da dos menores custos da matéria-prima, do transporte e da mio de obra -, obrigaram os Estados nacionais a redefinir sua posicao na nova “orquestra¢ao econdmica nacional e internacional. Embora as nagdes ainda tenham papel fundamental nas relagdes politicas e econémicas da atualidade, novas forgas disputam a hegemonia mundial: grandes corporagdes econdmicas, organizagées nao governamentais, como Greenpeace, intergovernamentais, como a Unido Europeia, Essas no: vas forgas politicas té caracterizam a nova sociedade em que vivemos. especial importancia no mundo globalizado 3. Informatica e automacao O desenvolvimento da informatica, da auromagio e das telecomu- nicagdes foi fator decisivo na constituigdo da globalizacao, isso por- que no se tratou apenas de mais um invento tecnolégico (figura 4), mas da radical transformagao na maneira de conceber os processos produtivos, que se tornaram mais integrados, centralizados e planeja- dos. A comunicagao em rede, por sua vez, possibilitou novas formas de cooperagio e articulagao por todo o planet Dorada de intensa penetragio, a informatica passou a fazer parte do dia a dia das pessoas, dos sistemas de defesa, da comunicacio da engenharia genética e, principalmente, da produgao e do mercado (figuras 5 e 6). A agilidade da produgio, das trocas comerciais e dos fluxos financeiros deu 3 do, propiciando a mercantilizagdo das relacdes sociais que assistimos na globalizacao ¢ que alguns autores chamam de mercado-rede — uma entidade reguladora das ages econdmicas e politicas da sociedade que vel internacional. economia um ritmo nitidamente mais acelera~ atua en A dura experiéncia das duas guerras mundiais colocou em xeque a hegemonia do Estado-nagao, Figura» Processor de computador Amicreletrénica fez sister de redes de computadores de telecomunicagdes evolu "apidamente Flguras 5 ©6« Noaito. saa de telemarketing O que a grande matoria das pessoas vem produzindo em seu trabalho € informacdo social. Registrada em patentes de produtos ou processos; comunicada em relatorios, protétipos, desenhos, painéis de controle de méquinas; gravada em pel cculas cinematograficas; transmitida em programas de radio ou televisdo, por telegrama ou telefone.” DANTAS, Marcos. Kgica do capital¢nformagao. L io de jane: Contrapont, 2002p. 117. investimento na comunicagao, especialmente nos Estados Uni- dos, resultante de seu envolvimento na Guerra Fria, criow um mosai- co de redes que penetraram nas mais distintas relagdes e processos Produtivos. Isso resultou na implosio das formas de regulamenta- sao existentes que organizavam 0 trabalho, a producio, as relacdes entre as pessoas ¢ as comunicagdes. Esse processo recebeu o nome de “destegulamentacao”, ¢ nele estado incluidas as privatizagdes dos servigos publicos, em especial os de comunicacao, as leis de dircito autoral, a distingao entre trabalho manual e intelectual. Enfim, num efeito “em cascata”, as praticas administrativas ¢ produtivas, além das mais clementares rotinas de nossa vida cotidiana, foram afetadas por essa “desregulamentacao”. A informatizacao acabou gerando modificagées radicais nos processos produtivos, levando a uma reengenharia industrial com a adogao crescente de sistemas automatizados em substituigao a mao de obra humana, Um dos resultados disso é a grande onda de de- semprego que afeta 0 mundo todo, além da obsolescéncia de tecno- logias e de profissdes que se tornaram desnecessérias. Como consequéncia, a economia informal se desenvolve, com legi Ges de pessoas tentando sobreviver de atividades temporarias ou ins6- lias. Aumentam a exclusio social e o empobrecimento das regides ¢ paises periféricos, 0 que vem corroborar as analises de que o desenvol- vimento econdmico nao ¢ acessivel a todos, sejam nagdes, empresas, regides ou individuos. - Interdependéncia . Mesmo diante dessas consideragdes, as tecnologias da informagio tornam-se protagonistas de novas relagdes sociais em um mundo glo- balizado, promovendo fusdes de empresas, departamentos e processos produtivos. As unidades sio substituidas por redes, que sao constitui- das por setores da produgio que trabalham integrando departamen- tos, de empresas conjugadas, de fornecedores, de clientes ¢ de const midores. Todas essas relagdes se baseiam em conexdes tecnoldgicas que geram um novo principio de pertencimento muito diferente do nacionalismo, da vizinhanga ou do parentesco. Estar perto, pertencer, participar & conectar-se, é ter a senha ou 0 cédigo de acesso. “RROEES ES BRRRRELROR EE A ideia de uma sociedade de miltiplas redes (figura 7), que orga- nizam areas de agao, relagao, reacao, troca € fluxos, alimenta a con: vicgao em uma forte interdependéncia, que da a nogao de globaliza- Go um contetido proximo ao de sistema ~ 0 sistema-mundo, como o chama Oliver Dollfus. Isso nos remete a reciprocidade € a relagao dialét subdividem em varias sub-redes e subdiretérios. Anthony Giddens, um dos estudiosos da pds-modernidade, denomina essa interdependéncia 0 nos impede de identificar determinismos no mundo contemporaneo: se em certas nagdes 0 poder Ges politicas se enfraquece, em oytras aumenta; se em cer- tos paises as formas tradicionais de produgio entram em decadénci que parece existir entre os nds interligados pelas redes que se de “reflexividade”. Segundo 0 autor, das institui em outros parecem renascer com toda forga A globalizagao, éhtretanto, é um fendmeno vivido por todos no dia a dia e nos obriga a experimentar uma nova dimensao social. Cada netros habito ou comportamento implica, na atualidade, novos par societadrios de alcance, volume e diversidade caracteristicos da glo- balizagao. Exemplo disso é 0 futebol, que deixou de ser apenas uma tari, modalidade esportiva para se tornar um empreendimento pla: envolvendo nagdes, times, industria, ciéncia aplicada, tecnologia ¢ re- des de comunicagao. Da mesma forma, outras mudangas profundas afetam o que entendemos por sociedade lance mundial ountemet como é mak conhecds), que permita nas fom sts derelsionamento, que oerecem# qualquer pesioa do planets 3 apart informagao, sabre pratiamente qualquer assum fensmeno vivido por todos no dia a dia e nos ob a exper dev origem 8 WNW (Werld Wie Web rede de fade de acoso retantaneo 2 qualquer ® As relacdes em rede vido nos fazendo perder as referencias do mundo que nos cerca. Figura 8» Check indo 2eroporto. Intemacionl de Uverpoot na lla oo" A ensténca de ugares come Seroport sem vin dentidade exclsiva, store rela com o entorn, forma um 2mpioconjunta de espacos ser ga ou NED logan pico do mundo global zado 4. Desterritorializacao [As cidades estao chetas de gente. As casas cheias de inquil nos. Os hotéis cheios de héspedes. Os trens cheios de viajantes. Os cafés cheios de consumidores. As praias cheias de banhistas. © que antes nao era problema, hoje comeca a sé-lo: encontrar um lugar ORTEGA Y GASSET A rebel das massas. n: ORTIZ, Renato. Um outro territério, Sao Paulo: Olho d’Agua, s.d. p. 96. A comunicacio em rede ¢ a globalizagao repercutiram de forma de- cisiva nas concepgdes de tempo e espago das pessoas ~ se dois jogado- res disputam uma partida de xadrez or-line, estando um de manhi no Japao c 0 outro a noite, do outro lado do mundo, em que dia se realiza ‘0 jogo? Em qual fuso horario a partida se situa? Se esses dois joga- dores estiverem estabelecendo um contrato, que data deverd constar nesse documento? Qualquer resposta dependera de um acordo entre eles, ou seja, de uma convengao, As relagdes em rede vio nos fazendo perder as referéncias do mundo que nos cerca, adquirindo uma artifi cialidade nova ¢ desconhecida do cotidiano da cultura. O imaginario humano jé nao procura reproduzir os movimentos da natureza, mas busca criar um tempolespago ficticio ou convencional. Passamos a conviver com um desenraizamento que, se ja existia desde o advento dos meios de comunicagio, se aprofunda ¢ alarga Canclini aponta para a emergéncia de novos processos de aproxima- Gao c afastamento ~ sentimo-nos mais distanciados de nossos vizinhos €, muitas vezes, mais irmanados de pessoas que sequer conhecemos, ‘mas com as quais estabelecemos relagdes de troca e dependéncia. Isso sem mencionar que a aplicagao da tecnologia tem transfor- mado o ambiente e o habitat das cidades, tornando-as muito seme- Ihantes umas as outras. Os cendrios j4 ndo representam modos de vida tinicos ¢ diferenciados, mas tendéncias e habitos muito pareci- dos, que vao aculrurando 0s lugares, transformando-os no que Mare Augé chama de nao lugares ~ espacos que parecem negar sua con- digao de “lugar”, tornando-se mera passagem ou itinerdrio, mui- to similares em qualquer canto do mundo, como shopping centers © acroportos (figura 8). Essa sensacao de desenraizamento se torna.ainda mais aguda se pensarmos que as iiltimas décadas foram anos nos quais grandes po- pulagdes se transferiram de um local para outro, deixando suas tra- digdes e passando a mescli-las as culturas receptoras, desenvolvendo ‘um hibridismo inusitado. Do campo para a cidade, do interior para 0 litoral, das zonas rurais para as industriais, dos paises pobres para os paises ricos e vice-versa, vamos nos acostumando a enfrentar 0 espaco estranho ou os estranhos que se avizinham de n6s. Campos de refugia: dos, colonias de imigrantes e empresas multinacionais de capital misto siio alguns dos processos atuais de desterritorializagio. E nesse jogo de aproximagao e afastamento, de puxa ¢ empurra, da acao combinada de forcas centripetas e centrifugas que a globali- zagio atua, tornando cada vez mais atraentes e miticas culturas que, durante a formacio e a plena vigéncia dos Estados nacionais, tendiam c- i i rs a ser desvalorizadas porque negavam, de certa forma, a integragio nacional, ou seja, as culturas que diferenciam e dao identidade as lo- calidades ¢ aos localismos, aos regionalismos, as subnagdes dentro de nagdes, como os bascos na Espanha, 0s indigenas na América, as tribos na Africa, as minorias religiosas na india, os etnodescendentes ‘em qualquer parte do mundo, A desterritorializacao, contudo, tem a ver também com a trans nacionalizagao da economia € com as fusoes empresariais que com- petem em poder ¢ riqueza com a nagao. Diz respeito igualmente a novas aliangas que unem blocos regionais mais amplos, enfraquecendo as barreiras e fronteiras nacionais e a circunscri¢ao do Estado. Mais flexiveis, 0s territérios, as fronteiras, as vizinhangas precisam ser cons- tantemente atualizados ou redefinidos, 5. Metropolizacao A urbanizagio nao é um fendmeno recente. Ela remonta ao Re- nascimento curopeu, intensificou-se com a industrializagdo € se ace- Ierou com o desenvolvimento das comunicagdes. No entanto, a partit do século XX, as grandes cidades se tornaram pontos estratégicos da sociedade, centralizando as relacdes politicas e sociais, 0s fluxos de ‘comunicacio e a circulagio de pessoas e de bens. Para dar conta des- sas novas fungdes, os grandes centros urbanos passaram por um pro- fundo processo de transformacao ~ chamado de metropolizagao -, que provocou mudangas na aparéncia das cidades, nos estilos de vida, nas instituigdes sociais ¢ nas relagdes entre as pessoas. Hi nesse processo de metropolizagao a tendéncia de assimilacao dos mais diferentes cenarios e espagos a um modelo tecnolégico de arquitetura no qual predominam superficies, reflexos, transparéncias & efeitos luminosos. Mais impessoais e artificiais, esses espacos transmi- tem a ideia de racionalidade. Materiais industrializados, imitagdes de materiais nobres, reconstrugdes e espagos tradicionais em recuperagio so as opedes estéticas dos espagos urbanos globalizados. A cidade adquire nova feicao nova fungao — é o entroncamento de fluxos de informagao, comunicacao, habitantes € mercadorias. [As cidades tornam-se os nés mais importantes dessa rede globali- zada e para la afluem pessoas de diferentes origens étnicas, religiosas ¢€ raciais. Em razao disso e da opedo pelos materiais industriais e pela alta tecnologia, esses centros vao se tornando cada vez mais parecidos. © crescimento dessa malha urbana plural e miltipla forma as grandes metropoles que sediam os acontecimentos do mundo contemporineo. Trata-se de um tecido que se amplia constantemente, do centro para a periferia, mas vai gerando nticleos diferenciados e particulares que procuram estabelecer nova identidade. Pequenas Irélias, bairros latinos, chinatowns, quarteitdes drabes e bairros turcos, sem contar 108 guetos, favelas e cortigos, as zonas de boémia, as cidades univer- sitdrias ¢ as dreas ocupadas pelos moradores de rua criam pequenos, territérios na metrépole pés-moderna, que tanto expressa planeja~ mento e racionalidade como a castica intervengio das minorias ¢ dos movimentos sociais mais radicais (figuras 9 € 10), Figuras 9 10. Nosito, manfestagio cos Sem-tet,ocupando prio no certo do lo {de anera, 2006, Embaixa, comemeraqio do Diada Consciénea Negra, junto esttua {3 Zumbi na Ro de Jeo, 2007. AS ‘dade abrigar ante 3 desesperanca dos ‘xcuidos como a utopia das minis e dos fmargnalzados Como lugar nenhum ow nao lugar, a metrépole trai, provoca, engole € promete a realizagio funcional e planejada de todos os sonbos. Paradigma. A discussto a respeito {o carater natural cu convencional da linguagem levou os filésofos ‘9regos a criar oterme paradigma, ue significa, aproximadamente, ‘modelo, ou sea, 0 padrla regular ddevariacdes de uma palavra, Outros pensadores ampliaram esse conceito pressupondo também uma cadeialagica de idelas associadas ou derivadas, Dessa forma, o conceite de paradigma passou das gramaticos ara os linguistas e destes para os antropélogos e psicanalistas, No seculo XX, idela de paradigma ‘aproxima-se da de mentalicade = um sistema interdependente de principiose valores que ‘caracterizam uma épaca ea ‘epresentam. As transtormacdes ‘ocorridas na sociedade na segunda metade do século XX ‘0 consideradas uma mudanca de paradigma, de uma sociedade ‘em que se valeriza oindividuo, 3 producdo em série, a comunicarao Imassiva ea eletricidade, para outra formada por sujeitos andnimos, que produzom por ‘demanda, comunicam-se em rede utilizar eletrénica na produgae | imatorate materia da vid @ Cosmopolitismo, anonimato, coletivismo e pluralidade sio as caracte- risticas das metr6poles que funcionam como os grandes centros propul- sores da globalizacio. Palco das angustias, das reivindicagdes das mani- festagdes sociais da atualidade, os grandes centros criam novos lagos de dominagio em relagao as areas circundantes, gerando uma nova topogra- fia que no se assenta nas condigdes fisicas e geogrficas, mas na geopoli- tica da produgao, da comunicagio, do mercado e da geragio da cultura, Henry Lefebvre é um dos socidlogos que estudam 0 processo de urbanizacao da sociedade, identificando nele trés etapas diferentes 1. A primeira corresponde ao desenvolvimento industrial que, segundo ele, “saqueia a realidade urbana preexistente”, procurando negé-la, A cidade vai se transformando em centro de servigos e troca, 2. No segundo periodo, a sociedade urbana se generaliza, e desapare- em, 205 poucos, sua centralidade e caracteristicas. Torna-se uma realidade socioeconémica para a qual qualquer planejamento se torna dificil. 3. Nesta iiltima etapa, a cidade antiga esté decomposta e, em ver do centro, surgem diversos e dispersos centros de decisio. Descentra~ da, a cidade parece excluir até mesmo as classes sociais e suas dis- tingdes. Hi autores, porém, como Mare Augé, que veem nessa nova paisa- gem o lugar por exceléncia da utopia, palavra que significa “lugar ne- nhum”, Como lugar nenhum ou ndo lugar, a metrépole atrai, provoca, engole e promete a realizagao funcional e planejada de todos os sonhos, 6. Pés-modernidade e globalizacao ‘Todas essas transformagdes que modificam a cultura e 0 meio so- cial em que vivemos sio identificadas por diversos autores pelo con- ceito de pés-modernidade. Esse termo, criado no campo das artes plasticas e no da arquitetura, designa uma opcio estética que rejeita Principios da modernidade, como a existéncia de valores universais e a autonomia da arte e do campo artistico. Em razio do desenvolvimen- to tecnolégico da indiistria cultural e da cultura de massa, os artistas P6s-modernos rompem com o paradigma da produgdo artistica que caracterizou, entre os séculos XV e XX, a modernidade. A ruptura em rclagao a esse paradigma, que previa certa unifor- midade de gosto ¢ de reconhecimento do valor artistico, deu lugar a movimentos de contestagao baseados no que podemos chamar de contracultura, como o hip-hop, que, nascido-nos Estados Unidos, ir- rompeu nas periferias das grandes cidades. Das manifestagdes artisticas, a pés-modernidade chega a outros campos da vida socidl, propondo novas rupturas em relagio a mode- los até entdo aceitos de comportamento social e politico, Passam a prevalecer padrées alternativos de associagio, organizagio social € ativismo, como 0 que se verifica nas organizagoes nao gover- namentais que buscam saidas diferentes das alicercadas no Estado e no poder politico institucional. Essa terceira via, que busca alternativas con- ciliando interesses privados e piblicos, capitalismo ¢ trabalho, produti- vidade e justica, procura superar os entraves da modernidade e contribui Para um novo equilibrio na sociedade humana globalizada e planetatia. E por meio desse viés que a pés-modernidade se apresenta como uma das consequéncias do processo de globalizagio e com ele se identifica, do : i 7. Disparidades e desigualdades A sociologia do desenvolvimento é o campo das ciéncias sociais, que mais abalos sofre em consequéncia dos estudos da globalizagio, pois, em vez do crescimento lento e seguro das nagdes rumo a um fim comum, assiste-se a um distanciamento maior entre nagdes ¢ regides ricas e pobres As disparidades regionais se acentuam, a geragio de riqueza se centraliza, ¢ as desigualdades sociais se tornam ainda mais evidentes, apesar de a globalizagao atingir a todos e modificar a vida cotidiana nos mais diferentes espagos geogrificos e sociais. A competigo entre paises € regides se torna mais acirrada; as re- lagdes se mercantilizam; as mudangas sdo abruptas e geram grande to de inseguranga; as crises se sucedem; os pregos oscilam; os ios perdem valor; as organizagdes que protegem pobres ¢ traba- Ihadores enfraquecem; valores consagrados s4o abandonados; servigos piiblicos se deterioram:; ¢ as minorias se insurgem (figura 11). De outro lado, a tecnologia cria, continuamente, equipamentos que rapidamente se tornam necessidades, enquanto 0s antigos ficam obso: letos; a produtividade cresce; o consumo se agiganta; o cidadao se tor- nna menos participante; a educagao se populariza e perde qualidade; as moedas oscilam. Trata-se de um quadro assustador? Aparentemente, mas ha os otimistas que vem na comunicacio em rede uma possibili dade inigualavel de liberdade e afirmacao pessoal, de gestao de orga- nizagoes, de atuagao independente e de ago revolucionaria. Os mo- aldeia vimentos dissidentes se multiplicam e a comunicagao cria un global, em que a opinido publica passa a ter crescente importincia. Para muitos estudiosos da sociedade contemporanea, sao as desi gualdades sociais, a exclusio ¢ a miséria 0s principais problemas da atualidade. Um quadro que contrasta, por sua agudeza, com a aparen- te riqueza do mundo e com o desenvolvimento da ciéncia e da teeno- logia. Por isso a questao da pobreza ¢ analisada por muitos sociélogos como um objeto de estudo especial. E, dada sua importancia na socio- logia da atualidade, vamos dedicar a esse assunto 0 préximo capitulo. A teenologia cr continuamente, eguipamentos gue rapidamente se tornam necessidades. A comunicagao cria uma aldeia global, em que a opinido publica passa 4 ter crescente importincia. Figura 11» Manifestates, detados obo emblemstce tour de Wall Street protetam conta acre finances de 2008, cenunciando 0 "stoma coptalta, Wall Street ea Sdministraco do ent presidente George Bush. stados Unidos, 2008 ©

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