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Manual de

DIREITO
CONSTITUCIONAL

PRINCIPAIS ATUALIZAÇÕES DA 8ª PARA A 9ª EDIÇÃO


Estimado leitor,
Este arquivo é uma diretriz indicativa das principais modificações que estruturei no nosso
Manual de Direito Constitucional para a 9ª edição (lançada em janeiro de 2021).
Não é um documento exaustivo: existem alterações que aqui não foram citadas. Procurei
sinalizar as mais notáveis e valorosas para seu estudo; aquelas que realmente impactaram
na obra (ou na interpretação até então predominante sobre certo assunto).
Algumas reiterações na jurisprudência do STF também foram mencionadas, em razão da
importância do tópico e do meu desejo de lhe revelar que nossa Corte Suprema seguiu
pacífica relativamente àquela temática.
Me preocupei em indicar, ainda, ações cujo julgamento encontra-se suspenso:
certamente no transcorrer deste ano o STF decidirá em definitivo algumas delas,
promovendo viradas paradigmáticas que vão transfigurar entendimentos que
considerávamos sólidos. Preocupe-se em acompanhá-las.
Em suma, caríssimo leitor: utilize este material para atualizar sua edição anterior do nosso
Manual. Esteja certo que em todos os próximos anos faremos esse mesmo trabalho, na
tentativa de lhe manter informado das novidades fundamentais! Afinal, o desígnio central
que orientou a produção deste documento foi o de abrir um novo canal de comunicação
entre nós, reforçando nossa ligação mais elementar: a de estudar e pensar um Direito
Constitucional vivo e dinâmico!
Despeço-me desejando-lhe um ano de 2021 marcado pela dedicação, pelo esforço e pela
vontade de realizar seus sonhos!
Um abraço amigo,
Nathalia Masson
1ª ATUALIZAÇÃO: QUESTÕES NOVAS

- Em todos os capítulos foram inseridas questões do ano de 2020 com o gabarito


devidamente comentado.

2ª ATUALIZAÇÃO: ESQUEMAS

- Os seguintes esquemas foram atualizados:

 Cap. 07 (“Direito de Nacionalidade”)


 Cap. 08 (“Direitos Políticos”)

 Cap. 14 (“Poder Executivo”)


 Cap. 16 (“Funções essenciais à Justiça”)
 Cap. 19 (“Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”)
 Cap. 20 (“Ordem Econômica”)
3ª ATUALIZAÇÃO: PRINCIPAIS INOVAÇÕES JURISPRUDENCIAIS
- Muitas foram as decisões proferidas por nossa Corte Suprema no ano de 2020. Neste
item do arquivo listaremos, dentre as que foram inseridas na 9ª edição do Manual, as
que reputamos mais relevantes.

 Cap. 5: (“Direitos e garantias individuais”):

2. DIREITO À VIDA

2.2. Questões controversas

2.2.2. Aborto
Recomendamos, pois, que o leitor siga acompanhando as decisões do STF sobre o tema,
em especial a ADPF 442, relatada pela Min. Rosa Weber, que discute a questão relativa à
recepção, pela Constituição Federal de 1988, dos artigos 124 e 126 do Código Penal, que
instituem a criminalização da interrupção voluntária da gravidez.
Nessa ADPF, a Ministra Rosa Weber convocou audiência pública (realizada em 2017),
vez que a questão da interrupção voluntária da gravidez nas 12 primeiras semanas envolve
diferentes valores públicos e direitos fundamentais. A discussão, no entendimento da
Ministra relatora, é um dos temas jurídicos “mais sensíveis e delicados”, pois circunda
razões de ordem ética, moral, religiosa e de saúde pública e a tutela de direitos
fundamentais individuais.
A Procuradoria-Geral da República já se manifestou pela improcedência da arguição,
alegando que os pedidos submetidos à apreciação do STF na arguição exigem o exercício de
funções legislativas que não foram concedidas ao Poder Judiciário:
A Constituição Federal reservou ao Poder Legislativo as capacidades institucionais e a
legitimidade democrática para definir, como se busca nesta ADPF, que a conduta de
interrupção da gravidez nas 12 primeiras semanas de gestação não mereça ser tipificada
como crime, nos termos dos arts. 124 e 126 do Código Penal.

Desde setembro de 2020 os autos estão conclusos à relatora. Aguardemos o processo


ser pautado, para, enfim, ser julgado e a questão decidida.
Por fim, lembremos que na ADI 5581, relatada pela Min. Cármen Lúcia, o STF apreciaria
a possibilidade da interrupção da gravidez de mulheres contaminadas pelo vírus zika
(condição que pode levar ao parto de crianças com microcefalia). No entanto, em maio de
2020, o plenário do STF, por unanimidade, julgou prejudicada a ação direta. O colegiado
acompanhou a relatora, ministra Cármen Lúcia, pela perda do objeto da ação – diante da
revogação (pela Medida Provisória 894/2019) do principal ponto questionado na arguição:
a norma que institui pensão vitalícia a crianças com microcefalia decorrente do zika vírus.
No mais, a relatora firmou que a Anadep não tem legitimidade para a propositura da ADPF,
pois a jurisprudência do STF somente reconhece a legitimidade das entidades de classe
nacionais para o ajuizamento de ação de controle abstrato se houver nexo de afinidade
entre os seus objetivos institucionais e o conteúdo dos textos normativos.
Note, estimado leitor, que a extinção dessa ação só adiou uma discussão relevante, que
as principais supremas cortes e tribunais constitucionais do mundo em algum momento já
enfrentaram: o tratamento constitucional e legal a ser dado à interrupção de gestação, à
proteção jurídica do feto e aos direitos fundamentais da mulher.

4. DIREITO À IGUALDADE

4.2. Princípio da isonomia X ações afirmativas

(...)
Cumpre também apresentar a decisão proferida pelo STF, em março de 2020, na ADI
4868. Nesta ação, a Corte concluiu que era inconstitucional a lei distrital que estabeleceu
que 40% das vagas das universidades e faculdades públicas do Distrito Federal deveriam ser
reservadas para alunos que estudaram em escolas públicas do Distrito Federal. Note,
estimado leitor, que a inconstitucionalidade não deriva, por óbvio, do fato de ter sido
estipulada a cota em favor de alunos de escolas públicas, mas sim em razão de a lei ter
restringindo as vagas para alunos do Distrito Federal, em detrimento dos estudantes de
outros Estados da Federação. Assim, por restringir a política inclusiva somente aos alunos
que estudaram no Distrito Federal, acabou por violar o art. 3º, IV e o art. 19, III, da CF/88,
tendo em vista que promoveu uma inaceitável diferenciação entre brasileiros.

(C) Controvérsias em torno da incidência da liberdade religiosa


Nossa doutrina e jurisprudência já enfrentaram interessantes casos em que essa
perspectiva da liberdade foi debatida; vejamos os mais relevantes.
(i) O Estado deve oferecer, sempre que possível, alternativas de datas para pessoas que
não possam prestar concursos públicos ou atividade de serviço público em determinados
dias por motivos religiosos
Em novembro de 2020, o STF realizou o julgamento conjunto de dois recursos
extraordinários (RE 1.099.099 e RE 611.874) nos quais discutiu-se a viabilidade de a
liberdade religiosa obrigar a Administração Pública a buscar alternativas (de datas e de
atividades) àqueles que professam fé que imponha particularidades.
Segundo nossa Corte, em decisão proferida por maioria dos Ministros, é possível a
alteração de datas e horários de etapas de concurso público para candidato que invoca a
impossibilidade do comparecimento por motivos religiosos. O colegiado reconheceu, ainda,
a possibilidade de a administração pública, durante o estágio probatório, estabelecer
critérios alternativos para o exercício dos deveres funcionais ao servidor público em
avaliação caso ele não possa prestar as atividades previamente delineadas por razões
religiosas.
Imaginemos, para ilustrar o primeiro caso, uma candidata adventista que, por razão
religiosa, não possa trabalhar ou se esforçar do pôr-do-sol de sexta-feira ao pôr-do-sol de
sábado. Se ela participa de um concurso e a prova de aptidão física é agendada para um
sábado, ela poderá pleitear a realização da avaliação física em data, horário e local diverso
do estabelecido no calendário do concurso público.
Quanto à segunda situação, pense em um professor adventista que tenha sido
reprovado no estágio probatório por ter se recusado a ministrar aulas às sextas-feiras após
o pôr-do-sol, tendo faltado inúmeras vezes em virtude da sua convicção religiosa. Ele
poderá pleitear atividade diversas, em horários compatíveis com sua crença religiosa.
No final do julgamento, foram fixadas as seguintes teses de repercussão geral:
- No RE 611874: “Nos termos do artigo 5º, inciso VIII, da Constituição Federal, é possível
a realização de etapas de concurso público em datas e horários distintos dos previstos em
edital, por candidato que invoca escusa de consciência por motivos de crença religiosa,
desde que presente a razoabilidade da alteração, a preservação da igualdade entre todos
os candidatos e que não acarreta ônus desproporcional à administração pública, que deverá
decidir de maneira fundamentada”.
- No ARE 1099099: “Nos termos do artigo 5º, VIII, da Constituição Federal, é possível à
administração pública, inclusive durante o estágio probatório, estabelecer critérios
alternativos para o regular exercício dos deveres funcionais inerentes aos cargos públicos,
em face de servidores que invocam escusa de consciência por motivos de crença religiosa,
desde que, presente a razoabilidade da alteração, não se caracterize o desvirtuamento no
exercício de suas funções e não acarrete ônus desproporcional à administração pública, que
deverá decidir de maneira fundamentada”.
Perceba, estimado leitor, que o STF reconheceu que a liberdade religiosa não é mera
divagação acadêmica, determinando que – sempre que seja possível e razoável – o Estado
deva promover as alterações necessárias (em datas ou atividades) para acomodar o pleno
exercício da liberdade religiosa.
3.5. Outros debates acerca da privacidade e intimidade: Direito ao esquecimento e
proteção às mensagens de WhatsApp

Para finalizarmos o estudo acerca do inciso X do art. 5°, ainda existem dois importantes
tópicos a serem enfrentados. Vejamos:

(A) Direito ao esquecimento


(...)
Vale aqui um aparte na discussão sobre o ‘direito ao esquecimento’ para informar ao
estimado leitor que essa decisão monocrática do Min. Rogerio Schietti Cruz (que se valeu
do “direito ao esquecimento” para julgar como inadequada a exasperação da pena-base do
paciente por considerar que a existência de condenação anterior, cuja pena houvera sido
extinta há mais de 25 anos, impediria o reconhecimento de maus antecedentes) já não se
coaduna com o atual posicionamento do STF sobre o tema.
Se antes as Turmas do STF1 vinham se dividindo ao apreciar a questão, manifestando-
se ora pela caducidade dos maus antecedentes, ora pela não caducidade, essa polêmica foi
dirimida em agosto de 2020, quando a Corte proferiu, por maioria, um pronunciamento
definitivo a respeito no julgamento do RE 593.8182 (com repercussão geral reconhecida).
Segundo entendeu o STF, as condenações criminais extintas há mais de cinco anos podem
ser consideradas como maus antecedentes para a fixação da pena-base em novo processo
criminal. De acordo com o entendimento da maioria dos Ministros, o instituto dos maus
antecedentes não é utilizado para a formação da culpa, mas para subsidiar a

1. Precedente favorável à caducidade: Habeas corpus. 2. Tráfico de entorpecentes. Condenação. 3. Aumento da pena-base. Não
aplicação da causa de diminuição do § 4º do art. 33, da Lei 11.343/06. 4. Período depurador de 5 anos estabelecido pelo art. 64, I,
do CP. Maus antecedentes não caracterizados. Decorridos mais de 5 anos desde a extinção da pena da condenação anterior (CP,
art. 64, I), não é possível alargar a interpretação de modo a permitir o reconhecimento dos maus antecedentes. Aplicação do
princípio da razoabilidade, proporcionalidade e dignidade da pessoa humana. 5. Direito ao esquecimento. 6. Fixação do regime
prisional inicial fechado com base na vedação da Lei 8.072/90. Inconstitucionalidade. 7. Ordem concedida. (HC 126.315, Rel. Min.
Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 15/09/2015). Mais recentemente: HC 138.802, Rel.: Min. Ricardo Lewandowski,
Segunda Turma, julgado em 25/04/2017.
Precedente contrário à caducidade: Penal. Habeas Corpus substitutivo de revisão criminal. Crime de Furto. Maus antecedentes.
Peculiaridades da causa que autorizam a concessão da ordem de ofício. 1. A Primeira Turma do STF já decidiu que condenações
anteriores, alcançadas pelo decurso do prazo de 5 anos, embora afastem a reincidência, não impedem os maus antecedentes .
Precedente: ARE 925.136-AgR, Rel. Min. Edson Fachin. 2. Situação concreta em que o paciente está condenado a 2 anos, 7 meses
e 15 dias de reclusão, em regime fechado, por furto qualificado de um botijão de gás. Nessas condições, ante o reduzido grau de
reprovabilidade da conduta e atento à tese adotada pelo Plenário, nos HCs 123.734, 123.533 e 123.108, Rel. Min. Luís Roberto
Barroso, a ordem deve ser concedida de ofício para, na linha de precedente recente desta Primeira Turma (HC 137.217), fixar
desde logo o regime aberto. 3. Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para fixar o regime aberto. (HC 144209,
Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão: Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 27/11/2018).
2. “Matéria penal. Fixação da pena-base. Circunstâncias judiciais. Maus antecedentes. Sentença condenatória extinta há mais de cinco
anos. Princípio da presunção de não-culpabilidade. Manifestação pelo reconhecimento do requisito de repercussão geral para
apreciação do recurso extraordinário. Tema 150 – RE 593818 RG, Rel. Min. Roberto Barroso.
discricionariedade do julgador na fase de dosimetria da pena, quando já houve a
condenação. A tese de repercussão geral fixada no julgamento foi a seguinte: "Não se aplica
para o reconhecimento dos maus antecedentes o prazo quinquenal de prescrição da
reincidência, previsto no art. 64, I, do Código Penal3".
Retomando o tema central deste item, é certo que o debate referente ao “Direito ao
esquecimento” tem ganhado destaque, sobretudo em razão dos já citados
pronunciamentos do STJ, mas também da aprovação de um enunciado na VI Jornada de
Direito Civil4, bem como por estar pendente de julgamento no STF a apreciação do RE
1010606 (reconhecida a existência de repercussão geral – Tema 786), em que se discute a
possibilidade de serem relembrados fatos criminosos do passado, já esquecidos pela
sociedade.
Sobre o RE 1010606, em junho de 2017 o STF realizou audiência pública para ouvir o
depoimento de autoridades e expertos sobre (i) a possibilidade de a vítima ou seus
familiares invocarem a aplicação do direito ao esquecimento na esfera civil e (ii) a definição
do conteúdo jurídico desse direito, considerando-se a harmonização dos princípios
constitucionais da liberdade de expressão e do direito à informação com aqueles que
protegem a dignidade da pessoa humana e a inviolabilidade da honra e da intimidade.
Realizada a audiência e colhido novo parecer da PGR, o julgamento deste recurso havia
sido pautado para 30.09.2020, mas, como de costume, foi retirado da agenda do STF sem
qualquer explicação consistente5 e indicação de nova data de julgamento.
O estudo do assunto no direito pátrio, pois, ainda está em evolução; aguardemos os
novos desdobramentos doutrinários e jurisprudenciais.

Obs.: Atualização que sairá na 10ª ed. (ano 2022):

3
. Código Penal. Art. 64 - Para efeito de reincidência: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) I - não prevalece a condenação
anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a
5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; (Redação
dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).

4. Enunciado 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.
5
. Em verdade, há sempre a apresentação daquela costumeira justificativa, de que os processos julgados antes na mesma sessão não
permitiram que o caso fosse apregoado, em razão da exiguidade de tempo.
STF conclui que direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal 6
Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação
devem ser analisados caso a caso.
11/02/2021 20h03
Por decisão majoritária, nesta quinta-feira (11), o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu
que é incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento que
possibilite impedir, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados
verídicos em meios de comunicação. Segundo a Corte, eventuais excessos ou abusos no
exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, com
base em parâmetros constitucionais e na legislação penal e civil.
O Tribunal, por maioria dos votos, negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE)
1010606, com repercussão geral reconhecida, em que familiares da vítima de um crime de
grande repercussão nos anos 1950 no Rio de Janeiro buscavam reparação pela
reconstituição do caso, em 2004, no programa “Linha Direta”, da TV Globo, sem a sua
autorização. Após quatro sessões de debates, o julgamento foi concluído hoje, com a
apresentação de mais cinco votos (ministra Cármen Lúcia e ministros Ricardo Lewandowski,
Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Luiz Fux).

(B) Proteção às mensagens de WhatsApp


No mês de outubro de 2020, A 2ª Turma do STF (por maioria) absolveu um indivíduo
que havia sido condenado por tráfico de drogas e posse ilegal de arma depois de policiais
terem apreendido o celular dele e acessado conversas que indicariam o cometimento dos
crimes. Para o relator, Ministro Gilmar Mendes, todas as provas foram obtidas por acesso
ilegal à conta de WhatsApp, já que não houve autorização judicial para tal.
Nota-se, com o proferimento dessa decisão, o reconhecimento (por parte de alguns
Ministros do STF) de que tais dados e informações encontram-se abrangidos pela proteção
à intimidade e à privacidade, constante do inciso X do art. 5°, CF/88.
Lembremos, ademais, que o próprio STJ já havia assentado – em acórdão publicado em
5.12.2017, nos autos do RHC 89.981 – a necessidade de autorização judicial para acesso a
dados constantes do aplicativo WhatsApp, de cujo teor podemos extrair o seguinte trecho:
Contudo, embora a situação retratada nos autos não esteja protegida pela Lei n.
9.296/1996 nem pela Lei n. 12.965/2014, haja vista não se tratar de quebra sigilo
telefônico por meio de interceptação ou de acesso a mensagens de texto armazenadas,

6
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=460414&ori=1
ou seja, embora não se trate violação da garantia de inviolabilidade das comunicações,
prevista no art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal, houve sim violação dos dados
armazenados no celular de um dos acusados. De fato, deveria a autoridade policial, após
a apreensão do telefone, ter requerido judicialmente a quebra do sigilo dos dados
armazenados, haja vista garantia, igualmente constitucional, à inviolabilidade da
intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, prevista no art. 5º, inciso
X, da Constituição Federal. Assim, a análise dos dados armazenados nas conversas de
Whatsapp, revela manifesta violação da garantia constitucional à intimidade e à vida
privada, razão pela qual se revela imprescindível a autorização judicial devidamente
motivada, o que nem sequer foi requerido. (grifos nossos).

3.6. Sigilos pessoais

3.6.3. Sigilo de dados

3.6.3.1. Dados bancários


(viii) Recomendamos ao leitor que tenha também atenção à tese fixada pelo STF RE
1.055.941, que discutia a possibilidade de o Ministério Público obter diretamente dados
bancários e fiscais de contribuintes junto ao Fisco para fins penais. Por maioria, em
novembro de 2019, o STF decidiu que é constitucional o compartilhamento com o
Ministério Público, para fins penais, dos dados bancários e fiscais de contribuintes obtidos
pelo Fisco (pela Receita Federal e pela Unidade de Inteligência Financeira - UIF) no exercício
do dever de fiscalizar, sem a intermediação prévia do Poder Judiciário. Vejamos a tese que
foi fixada pela Corte:
1. É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e
da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil, que define o
lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a
obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das
informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle
jurisdicional.

2. O compartilhamento pela UIF e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser
feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação
do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de
eventuais desvios.

3.6.2. Sigilo de correspondência


(...)
Ainda sobre o tema, em agosto de 2020, o STF fixou a seguinte tese: “Sem autorização
judicial ou fora das hipóteses legais, é ilícita a prova obtida mediante abertura de carta,
telegrama, pacote ou meio análogo. STF. Plenário. RE 1116949, Rel. Min. Marco Aurélio,
Rel. p/ Acórdão Min. Edson Fachin” (Repercussão Geral – Tema 1041). Neste caso, por
maioria, os Ministros decidiram manter a posição que prevalece na Corte, no sentido de
que é possível a abertura de carta, telegrama, pacote ou meio análogo apenas em duas
situações: (i) quando houver prévia autorização judicial; (ii) nas hipóteses em que a lei
autoriza que os agentes públicos abram a correspondência (neste caso, não é exigida a
autorização judicial porque se considera que, em razão da natureza do serviço, não há
violação do sigilo).

4. DIREITO À IGUALDADE

4.4. Igualdade e identidade de gênero


(v) Por último, é também importante citar uma decisão proferida pelo STF em maio de
2020, na qual o Plenário, por maioria de votos (7x4), considerou inconstitucionais
dispositivos de normas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) que excluíam do rol de habilitados para doação de sangue os “homens que tiveram
relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes nos 12 meses
antecedentes". Prevaleceu o voto do relator, ministro Edson Fachin, no sentido de julgar
procedente a ADI 5543, para declarar a inconstitucionalidade de dispositivos da Portaria
158/2016 do Ministério da Saúde e da Resolução RDC 34/2014 da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária7 – normas que relacionavam a proibição a critérios que consideravam o
perfil de homens homossexuais com vida sexual ativa à possibilidade de contágio por
doenças sexualmente transmissíveis (DST). Segundo a maioria dos Ministros, o
estabelecimento de um grupo de risco com base em sua orientação sexual não é justificável.
Os critérios para a seleção de doadores de sangue devem favorecer a apuração de condutas
de risco, do contrário, só estarão criando um tratamento desigual e desrespeitoso com
relação aos homossexuais, baseado no preconceito e não no verdadeiro conhecimento
sobre os fatores de risco a que o doador foi exposto.

7
. Caro leitor, caso você esteja com dúvidas acerca da possibilidade de uma portaria e uma resolução poderem ser objeto de ADI, cumpre
informá-lo que o Min. relator, Edson Fachin, enfrentou a questão referente ao objeto. Segundo ele: “No que toca ao objeto impugnado,
constato que tanto o art. 64, IV, da Portaria nº 158/2016 do Ministério da Saúde, quanto o art. 25, XXX, “d”, da Resolução da Diretoria
Colegiada RDC nº 34/2014 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), constituem atos normativos federais que se revestem
de conteúdo regulatório dotado de abstração, generalidade e impessoalidade, possuindo alta densidade normativa e não se
caracterizando como simples atos regulamentares. Assim, adequado o instrumento utilizado para a aferição de sua constitucionalidade.”
(grifos nossos).
4.5. Aplicação do princípio da isonomia nos critérios de admissão em concurso público
(...)
É, portanto, constitucionalmente legítima a previsão em edital de requisitos
diferenciados de admissão desde que haja:
(a) previsão legal definindo quais são os critérios;
(b) razoabilidade da previsão, afinal, conforme entendimento da Suprema Corte8, a
distinção só será constitucionalmente legítima quando justificada pela natureza das
atribuições dos cargos a serem preenchidos.
Corroborando este entendimento, manifestou-se o STF nos seguintes termos:
o critério de diferenciação de idade somente é autorizado pela Constituição Federal
quando decorrer da natureza do cargo público a ser ocupado, a teor do art. 39, § 3º, sendo
vedado nos demais casos, em obediência ao princípio da isonomia. A regra geral é o acesso
de todos aos cargos públicos, salvo limitações decorrentes de lei. Essas ressalvas podem
ocorrer, por exemplo, em razão da idade, altura, colação de grau em nível superior ou
tempo de prática profissional. Entretanto, elas só são legítimas se forem fixadas, de forma
razoável, para atender as exigências das funções do cargo a ser preenchido9.

Outra manifestação da Corte sobre o tema que é digna de destaque foi proferida em
dezembro de 2020, na ADI 5329. Na ocasião, foi declarado inconstitucional o requisito
previsto no artigo 52, inciso V, da Lei de Organização Judiciária do Distrito Federal e dos
Territórios (Lei 11.697/2008), que exigia a idade mínima de 25 anos e máxima de 50 para
ingresso na carreira da magistratura do Distrito Federal e dos Territórios. De acordo com os
Ministros, o artigo 93 da Constituição Federal prevê, como requisitos basilares para o
ingresso na carreira inicial da magistratura, a aprovação em concurso público de provas e
títulos, o bacharelado em Direito e o mínimo de três anos de atividade jurídica. Ademais, o
estabelecimento de um limite máximo de idade para investidura em cargo cujas atribuições
são de natureza preponderantemente intelectual contraria o entendimento do STF de que
restrições desse tipo somente se justificam em vista de necessidade relacionada às
atribuições do cargo, como ocorre em carreiras militares ou policiais. Pelas características
próprias da atividade jurisdicional, em que a experiência profissional e o conhecimento
jurídico acumulado qualificam o exercício da função, o atingimento da idade de 50 anos,
por si só, não desabona o candidato (ao contrário, tudo indica que a pessoa estará no gozo

8. Súmula 683, STF: “O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da CF/88, quando
possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”.
9. RE 523.737, Rel. Min. Ellen Gracie.
de sua plena capacidade produtiva).
(...)
(v) Sobre o mesmo assunto, vale destacar a decisão do CNJ (Conselho Nacional de
Justiça) proferida em setembro de 2020, na qual foi firmado que as candidatas ao concurso
para magistratura no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) que estão em estágios avançados
de gravidez podem remarcar a data da prova oral do processo seletivo. Não será permitido,
no entanto, a realização da etapa oral por meio de videoconferência.

5.5. Liberdade de profissão


(...)
Nota-se que na percepção do STF nem todos os ofícios ou profissões podem ser
condicionadas ao cumprimento de condições legais para seu exercício, afinal, nos termos
da Constituição, a regra é a liberdade profissional. Deste modo, somente quando houver
potencial lesivo na atividade é que podem ser exigidos requisitos para a profissão ou o
ofício serem exercitados, lembrando que referidos requisitos devem guardar nexo lógico
com as funções e atividades a serem empenhadas.
Para exemplificar, lembremos de algumas decisões interessantes proferidas pelo STF:
(i) Em agosto de 2020, no RE 1156197, a Corte confirmou que a restrição imposta pela
Lei 13.021/2014 – no sentido de que apenas farmacêuticos legalmente habilitados10 podem
figurar como responsáveis técnicos de farmácias e drogarias – é compatível com o 5º XIII,
da Constituição Federal. Segundo os Ministros, considerada a proteção à saúde, o objetivo
maior da Lei nº 13.021/2014 foi o de evitar, tanto quanto possível, danos à coletividade.
Afinal, a atividade de responsável técnico por drogaria ou farmácia é considerada de risco
para a coletividade, caso seja prestada de modo inadequado, de modo que deve mesmo
ser desempenhada por pessoa com conhecimento técnico suficiente.

5.7. Liberdade de reunião


(...)
(iii) Insta informar o leitor que em 14 dezembro de 2020 foi encerrado no Plenário

10
. Em regra, será o farmacêutico (graduado no curso superior de farmácia), inscrito no Conselho Regional de Farmácia.
Virtual do STF o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 806.339, com repercussão geral
reconhecida. Discutiu-se a exigência de aviso prévio à autoridade competente como
pressuposto para o legítimo exercício da liberdade de reunião, previsto no inciso XVI do
artigo 5º da Constituição Federal. Por apertada maioria (6X5), a Corte concluiu que a
inexistência de notificação não torna a reunião ilegal – nos dizeres de Barroso, que votou
com esta segunda corrente, eventual ausência de prévio aviso para o exercício do direito
de reunião não transforma a manifestação em ato ilícito pois o Poder Público pode
legitimamente impedir o bloqueio integral de via pública para assegurar o direito de
locomoção de todos. Fachin, que em divergência com o relator abriu a corrente vencedora,
propôs a seguinte tese: “A exigência constitucional de aviso prévio relativamente ao direito
de reunião é satisfeita com a veiculação de informação que permita ao poder público zelar
para que seu exercício se dê de forma pacífica ou para que não frustre outra reunião no
mesmo local”.
Até a data de fechamento desta edição (22/12/2020), os votos dos Ministros ainda não
tinham sido disponibilizados, tampouco a decisão havia sido noticiada no Informativo da
Corte (também não havia sido ainda disponibilizada a tese fixada). Aguardemos, pois, tais
publicações acontecerem, para compreendermos com mais exatidão o que foi que restou
decidido pelo STF. Infelizmente, já vislumbramos que o julgamento possa ter deixado de
apreciar aspectos relevantes ao enfrentamento da matéria tematizada no Recurso
Extraordinário.
Em nosso sentir, a Corte deveria ter aproveitado o julgamento deste RE para definir
com alguma precisão o alcance da exigência de “prévio aviso à autoridade competente”.
Pensamos que a expressa exigência constitucional da comunicação prévia deve ser
observada, mas nada há na CF/88 que imponha uma forma específica para que ela se
realize. Logo, tal comunicação pode ser efetivada de múltiplas maneiras, desde que, além
de tempestiva, efetivamente alcance a autoridade competente (ainda que de modo
informal). Ademais, a comunicação deverá conter, no mínimo, as informações úteis sobre
o evento, tais como, o local e horário da reunião, o número aproximado de participantes e
alguma síntese acerca da sua forma de realização (ou seja, se a reunião contará com
palanques ou aparelhos de amplificação sonora etc.). Referidas informações servem, tão
somente, para auxiliar o Poder Público na tomada de providências de cunho organizacional,
de modo a tutelar não só os direitos dos manifestantes, mas também os de terceiros alheios
à manifestação. Em nenhuma circunstância o Poder Público poderá controlar o mérito da
realização da reunião (os motivos ou seu objeto), justamente para não violar a previsão
constitucional do art. 5°, XVI. Enfim, aguardemos a publicação da decisão e da tese que dela
poderá ser extraída.
6.3.2. Requisição
A requisição é uma forma de intervenção pública no direito de propriedade em
situações emergenciais, em que há iminente perigo público e a autoridade competente
precisa usar temporariamente uma propriedade (ou um bem ou um serviço) particular (art.
5º, XXV).
Existindo na modalidade civil (art. 5º, XXV, CF/88) e na militar (art. 139, VII, da CF/88),
na requisição não se fala em perda da propriedade (supressão de domínio), mas apenas em
uso do bem pelo Estado visando atender o interesse público.
Trata-se de situação de urgência em que o Poder Público não tem tempo suficiente para
a adoção de providências alternativas que não dependam da interferência nos bens
particulares. O Estado precisa da propriedade privada11, a utiliza (de forma compulsória) e
a devolve ao proprietário logo após a ação. Caso o uso acarrete danos, há de ser fixada uma
indenização. Caso contrário, não tendo ocorrido qualquer avaria ao bem utilizado, a
indenização não se faz necessária. Vê-se, pois, que é em razão da necessária comprovação
de existência de dano, que a indenização será sempre posterior.

(...)
O instituto da requisição administrativa foi bastante debatido no ano de 2020, durante
o combate à pandemia da Covid-19. O STF se pronunciou sobre o tema na ADI 6362 (julgada
em setembro/2020), determinando que os Estados-membros, o Distrito Federal e os
Municípios podem, no exercício de suas competências constitucionais, decretar a
requisição administrativa prevista na Lei nº 13.979/2020 12. Assim, restou firmado pela
nossa Corte Suprema que os gestores locais de saúde (secretarias estaduais e municipais,
por exemplo) façam as requisições de bens e serviços (como a utilização de leitos de UTIs
de hospitais privados, dentre outros recursos) mesmo sem autorização do Ministério da
Saúde. Um dos fundamentos centrais utilizados pelo STF foi o de que constitui competência

11
. Vale frisar que a requisição só atinge bens particulares, não bens de outros entes federados. Partindo dessa premissa, o Min. Celso de
Mello (aposentado em outubro de 2020), em abril de 2020 (durante o combate à pandemia decorrente da Covid-19), determinou que a
União não poderia requisitar respiradores que tinham sido adquiridos pelo governo do Maranhão (Ação Cível Originária - ACO 3385). O
Estado do Maranhão, ao pedir a suspensão da medida que houvera sido determinada pela União, argumentou que a autonomia dos
entes federados impediria que um deles (no caso, a União) assumisse, mediante simples requisição administrativa, o patrimônio, o quadro
de pessoal e os serviços de outro ente público. A única ressalva seria a excepcional circunstância de se tratar de requisição federal de
bens públicos na vigência do estado de defesa (CF, art. 136, § 1º, II) ou do estado de sítio (CF, art. 139, inciso VII). Ademais, por se tratar
de conflito federativo, o STF era a instância adequada para decidir o tema (art. 102, I, ‘f’, CF/88).

12
. Lei federal editada em fevereiro de 2020, estabelecendo medidas para o enfrentamento do coronavírus.
comum da União, Estados, DF e Municípios “cuidar da saúde e assistência pública” (art. 23,
II) – o que significa que a defesa da saúde é atribuição de todas as unidades federadas, que
será efetivada sem que os entes dependam da autorização de outros níveis governamentais
para levá-las a efeito, cumprindo-lhes, tão somente, consultar o interesse público que, por
obrigação constitucional, os entes têm de preservar.

19. INTRANSCENDÊNCIA DA PENA


(...)
Sobre o tema, vale mencionar a ADI 3092, julgada pelo STF em junho de 2020. Nesta
ação, a Corte declarou inconstitucional uma lei estadual que proíba que a Administração
Pública contratasse empresa cujo diretor, gerente ou empregado tivesse sido condenado
por crime ou contravenção relacionados com a prática de atos discriminatórios. Segundo
entenderam os Ministros, a situação imposta pela lei impugnada resultava em ofensa ao
princípio da intransmissibilidade da pena, princípio que preconiza que as restrições jurídicas
decorrentes de processo judicial ou administrativo não podem transbordar a dimensão
estritamente pessoal do infrator, para atingir direitos de terceiros.

 Cap. 6: (“Direitos Sociais”):

8. JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE


(5) Em maio de 2016, no julgamento de liminar na ADI 5501, o STF se valeu do princípio
da dignidade da pessoa humana para suspender a eficácia da Lei nº 13.269/2016,
que permitia o uso da fosfoetanolamina sintética, conhecida como “pílula do
câncer”. Em decisão tomada por maioria de votos, os Ministros acolheram o
argumento apresentado pela Associação Médica Brasileira (AMB), autora da ação,
de que em razão da ausência de testes da substância em seres humanos e do
desconhecimento acerca da eficácia do medicamento e dos efeitos colaterais, sua
liberação seria incompatível com alguns dos mais caros direitos fundamentais
constitucionais, como o direito à saúde, à segurança e à vida. Em outubro de 2020,
por maioria, o Plenário do STF confirmou a medida liminar e declarou a
inconstitucionalidade da lei – para mais informações sobre este julgamento, veja o
Cap. 21, Ordem Social, no item 2.5.
(6) Em setembro de 2016, um pedido de vista do saudoso Ministro Teori Zavascki
suspendeu o julgamento conjunto de dois importantes Recursos Extraordinários
(REs), o 566.471 e o 657.718:
- O RE 566.47113 trata do fornecimento de remédios de alto custo não disponíveis
na lista do Sistema Único de Saúde (SUS) e estava pendente de análise. Eis que, em
março de 2020, o STF decidiu que o Estado não é obrigado a fornecer
medicamentos de alto custo solicitados judicialmente, quando não estiverem
previstos na relação do Programa de Dispensação de Medicamentos em Caráter
Excepcional, do Sistema Único de Saúde (SUS). As situações excepcionais ainda
serão definidas na formulação da tese de repercussão geral (Tema 6) – o Tribunal
deliberou fixar a tese de repercussão geral em assentada posterior, isto é, a decisão
sobre os critérios de excepcionalidade, foi adiada para outra oportunidade.
Aguardemos.

(7) Para finalizarmos, uma última decisão do STF, proferida em dezembro de 2020,
referente às medidas de combate à pandemia da Covid-19. O Plenário da Corte
Suprema decidiu que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam,
compulsoriamente, à vacinação contra a Covid-19, prevista na Lei 13.979/2020. De
acordo com a decisão, o Estado pode impor aos cidadãos que recusem a vacinação
as medidas restritivas previstas em lei (multa, impedimento de frequentar
determinados lugares, fazer matrícula em escola), mas não pode fazer a imunização
à força (em outras palavras: é constitucional a vacinação compulsória, mas a
obrigatoriedade não pressupõe forçar, pois depende do consentimento do
cidadão). Também ficou definido que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
têm autonomia para realizar campanhas locais de vacinação. O entendimento foi
firmado no julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs)
6586 e 6587, que tratam unicamente de vacinação contra a Covid-19, e do Recurso
Extraordinário com Agravo (ARE) 1267879, em que se discute o direito à recusa à
imunização por convicções filosóficas ou religiosas.
A tese de repercussão geral fixada no ARE 1267879 foi a seguinte: “É
constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada
em órgão de vigilância sanitária, tenha sido incluída no plano nacional de
imunizações; ou tenha sua aplicação obrigatória decretada em lei; ou seja objeto
de determinação da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios com
base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à
liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem

13. Rel. Min. Marco Aurélio, reconhecida a repercussão geral em 03.12.2007.


tampouco ao poder familiar”.
Nas ADIs, foi fixada a seguinte tese:
(I) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, facultada a recusa do
usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as
quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou
à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela
decorrentes, e tenham como base evidências científicas e análises estratégicas
pertinentes, venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia,
segurança e contraindicações dos imunizantes, respeitem a dignidade humana e os
direitos fundamentais das pessoas; atendam aos critérios de razoabilidade e
proporcionalidade; e sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente.
(II) Tais medidas, com as limitações expostas, podem ser implementadas tanto pela
União como pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, respeitadas as
respectivas esferas de competência.

9. VEDAÇÃO DO RETROCESSO
Em outubro de 2020, no julgamento da ADI 2096, o STF se valeu do conceito de vedação
ao retrocesso social para declarar a constitucionalidade do art. 7°, inciso XXXIII (com
redação dada pela EC nº 20/1998), que proíbe qualquer tipo de trabalho a menores de 16
anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos. A CNTI (Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Indústria), autora da ação, lembrou na petição inicial que antes da
edição da emenda era vedado qualquer trabalho a menores de 14 anos e alegou que a
proibição instituída pela EC nº 20 violava direitos fundamentais dos adolescentes,
notadamente o direito básico ao trabalho. A entidade buscava, portanto, o retorno à regra
anterior, que permitia que adolescentes com 14 anos já trabalhassem.
O Min. Celso de Mello (aposentado no 2° semestre de 2020), relatou a ação e votou
argumentando que retornar à regra anterior, em que menores de 16 anos poderiam
trabalhar, significaria um retrocesso. Em suas palavras:
O retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira
dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional (como o
direito à saúde), impedindo, em consequência, que os níveis de concretização dessas
prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto na
hipótese – de todo inocorrente na espécie – em que políticas compensatórias venham a
ser implementadas pelas instâncias governamentais. (grifos nossos).
 Cap. 7: (“Direito de Nacionalidade”):
(...)
(M.3) Expulsão
(vi) A expulsão não pode ser decretada quando (art. 55, Lei de Migração):
(a) a medida configurar extradição inadmitida pela legislação brasileira;
(b) o expulsando:
(b.1) tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica
ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela;
(b.2) tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil, sem discriminação
alguma, reconhecido judicial ou legalmente;
(b.3) tiver ingressado no Brasil até os 12 (doze) anos de idade, residindo desde
então no País; e
(b.4) for pessoa com mais de 70 (setenta) anos que resida no País há mais de 10
(dez) anos, considerados a gravidade e o fundamento da expulsão.
(vii) Acerca do item (b.1), vale mencionar uma decisão liminar no Habeas Corpus
148.558 concedida pelo Ministro Marco Aurélio em 18.12.2017, na qual ele deferiu liminar
para suspender a expulsão do território nacional do cidadão camaronês Lawrence Ndiefe,
colocado em liberdade após cumprir pena por tráfico de drogas. Ndiefe tem uma filha
brasileira, nascida após a edição da portaria do Ministério da Justiça que determinou sua
expulsão, mas, de acordo com o que observou o relator, a nova Lei de Migração, ao revogar
o Estatuto do Estrangeiro, afastou qualquer condicionante cronológica quanto ao
nascimento de filhos no país, bastando a existência de descendente brasileiro que esteja
sob a guarda ou dependência econômica ou socioafetiva do estrangeiro para impedir a
expulsão. Em outras palavras: a lei anterior previa que não era possível proceder à expulsão
quando o estrangeiro tivesse filho brasileiro que, comprovadamente, estivesse sob sua
guarda e dele dependesse economicamente. Não constituíam, todavia, impedimento à
expulsão a adoção ou o reconhecimento de filho brasileiro supervenientes ao fato que
tivesse motivado o decreto expulsório. Já a nova Lei de Migração, que entrou em vigor no
dia 21 de novembro, simplesmente prevê que a expulsão não ocorrerá, entre outros casos,
“se o estrangeiro tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica
ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela”14.

14
. Em junho de 2020 o STF confirmou essa hipótese, no julgamento do RE 608898/DF, Rel. Min. Marco Aurélio,
(Repercussão Geral – Tema 373; noticiado no Info 983): “O § 1º do art. 75 da Lei nº 6.815/80 não foi
recepcionado pela Constituição Federal de 1988, sendo vedada a expulsão de estrangeiro cujo filho brasileiro
8. PERDA DA NACIONALIDADE
Em 2020 foi a vez de a 2ª Turma do STF confirmar essa possibilidade: por maioria de
votos (em fevereiro de 2020, no MS 36.359), os ministros reafirmaram que o brasileiro nato
perde nossa nacionalidade em razão da aquisição de outra nacionalidade fora das hipóteses
constitucionalmente previstas (no art. 12, § 4°) e, na sequência, pode ser submetido ao
processo extradicional (em setembro de 2020, na Ext. 1630, foi concedida por unanimidade
na 2ª Turma a extradição do empresário Carlos Wanzeler para os EUA).

 Cap. 8: (“Direitos Políticos e Partidos Políticos”):

8. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE (OU ANUALIDADE) ELEITORAL


(iii) Um último, mas muito importante item, acerca do princípio da anterioridade eleitoral.
Caso você se pergunte o porquê de essa norma ter sido instituída, procure notar que ela
garante a estabilidade das normas que disciplinam a disputa pelo poder político, impedindo
alterações casuísticas realizadas no curso do processo eleitoral. O intuito central deste
princípio é, portanto, o de impedir que as regras do ‘jogo eleitoral’ sejam modificadas às
vésperas do pleito, para beneficiar um grupo político (ou um partido, ou um candidato)
específico. É a ideia da não surpresa! Há no artigo 16, CF/88 uma demonstração de nítida
preocupação do Poder Constituinte Originário com o princípio da igualdade, visando
assegurar que o pleito eleitoral se desenrole em perfeita harmonia com o ideal da isonomia.
Tendo em conta, portanto, que um dos fundamentos teleológicos do dispositivo em
análise é justamente o de assegurar a igualdade na disputa das eleições, entendemos que
não configurou desrespeito à Constituição de 1988 a previsão do art. 2º da EC 107, de 3 de
julho de 2020 — que expressamente determinou a não incidência do art. 16, CF/88 ao
disposto na Emenda. Afinal, a excepcionalidade e o ineditismo da crise sanitária planetária
ocasionada pela Covid-19, que exigiu o adiamento das eleições municipais de 2020, não
favoreceu/beneficiou/prejudicou nenhum partido ou candidato em específico. Todos foram
igualmente surpreendidos e atingidos pela pandemia.
Destarte, quando a EC 107 determinou, em julho de 2020, o adiamento das eleições
municipais que aconteceriam em outubro de 2020, não tivemos violação do princípio da
anterioridade eleitoral, em razão de o art. 2º ter afastado a incidência dessa regra para este

foi reconhecido ou adotado posteriormente ao fato ensejador do ato expulsório, uma vez comprovado estar
a criança sob a guarda do estrangeiro e deste depender economicamente”.
específico caso. E tal afastamento só foi possível por não ter colocado em risco o princípio
da igualdade, norte central que orienta o pleito eleitoral.

9. PARTIDOS POLÍTICOS

9.6. Financiamento dos Partidos


Ainda sobre as doações, vale mencionar que o plenário do STF, em decisão unânime
noticiada em novembro de 2015 (Info 807), concedeu o pedido cautelar na ADI 5394-DF
para suspender a eficácia do dispositivo da Lei nº 9.504/1997 que permitia doações ocultas
a candidatos15. O argumento central foi o de que o dispositivo impugnado violava os
princípios da transparência, da moralidade e favorecia a corrupção, dificultando o
rastreamento das doações eleitorais.
Em nossa percepção, a Corte iria mesmo referendar a cautelar (o que se confirmou em
março de 2018), pois a concessão da medida se deu a partir de reflexões e premissas
demasiado valorosas. Pedimos vênia, aliás, para transcrever a educativa ementa da ADI
(MC) 5394:
1. Os dados relativos aos doadores de campanha interessa[m] não apenas às instâncias
estatais de controle da regularidade do processo eleitoral, mas à sociedade como um todo,
e sua divulgação é indispensável para habilitar o eleitor a fazer uma prognose mais realista
da confiabilidade das promessas de campanha de candidatos e partidos.
2. O esclarecimento público da realidade do financiamento de campanhas (a) qualifica o
exercício da cidadania, permitindo uma decisão de voto melhor informada; (b) capacita a
sociedade civil, inclusive os partidos e candidatos que concorrem entre si, a cooperar com
as instâncias estatais na verificação da legitimidade do processo eleitoral, fortalecendo o
controle social sobre a atividade político-partidária; e (c) propicia o aperfeiçoamento da
própria política legislativa de combate à corrupção eleitoral, ajudando a denunciar as
fragilidades do modelo e a inspirar propostas de correção futuras.
3. Sem as informações necessárias, dentre elas a identificação dos particulares que
contribuíram originariamente para legendas e candidatos, o processo de prestação de
contas perde sua capacidade de documentar “a real movimentação financeira, os
dispêndios e recursos aplicados nas campanhas eleitorais” (art. 34, caput, da Lei
9.096/95), obstruindo o cumprimento, pela Justiça Eleitoral, da relevantíssima
competência estabelecida no art. 17, III, da CF.
4. Medida cautelar deferida para suspender, até o julgamento final desta ação, com
eficácia ex tunc, a expressão “sem individualização dos doadores”, constante da parte final
do § 12 do art. 28 da Lei federal 9.504/97, acrescentado pela Lei 13.165/15.

15. Art. 28, parágrafo 12, Lei nº 9.504/1997, inserido pela Lei nº 13.165/2015 (Reforma Eleitoral).
Em conclusão, em março de 2018 (em decisão tomada por maioria), o Plenário do
Supremo Tribunal Federal julgou procedente a ADI 5394 para declarar a invalidade de
trecho da Lei das Eleições (9.504/1997), introduzido pela Minirreforma Eleitoral (Lei
13.165/2015), que permitia “doações ocultas” a candidatos. O colegiado acompanhou o
voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, no sentido da procedência da ADI
(inconstitucionalidade da norma), sob o fundamento de que as doações ocultas retiram a
transparência do processo eleitoral e dificultam o controle de contas pela Justiça Eleitoral.

 Cap. 10: (“Organização Político-Administrativa do Estado”):

4. CLASSIFICAÇÃO DAS FEDERAÇÕES

4.6. O Pensamento do possível no federalismo cooperativo


Para encerrarmos o estudo das diferentes classificações que cercam as federações,
teremos este último tópico, que se conecta ao federalismo cooperativo, tipologia
apresentada no item 4.3.
Em maio de 2020, na Questão de Ordem da ADO 25-DF, o Min. Gilmar Mendes
apresentou em seu voto a expressão “Pensamento do possível no federalismo
cooperativo”. Para que você compreenda, estimado leitor, o significado dessa locução, é
preciso revisitarmos o contexto em que ela foi utilizada, rememorando a paradigmática
decisão proferida pelo STF na ADO 25, em novembro de 2016.
Naquela ocasião, o STF reconheceu haver mora, por parte do Congresso Nacional, em
editar a lei complementar de que trata o art. 91 do ADCT (incluído pela EC nº 42/2003) –
referida norma seria necessária para estabelecer para os Estados alguma compensação em
razão das significativas perdas arrecadatórias que eles sofreram em decorrência da política
econômica adotada pela União que, no intuito de fomentar as exportações, retirou-as da
incidência do ICMS. Afinal, como essa desoneração das exportações gerou uma diminuição
da arrecadação tributária dos Estados-membros, esperava-se que fosse editada uma LC
que, ao regulamentar o art. 91 do ADCT, minimizasse a queda de receitas ocasionada pela
ampliação da imunidade do ICMS.
Enquanto essa LC nova não era editava, valia (como regra supletiva prevendo os
critérios de compensação para os Estados) a Lei Kandir (LC nº 87/96; com a redação dada
pela LC nº 115/2002). Como os parâmetros trazidos pela Lei Kandir não eram favoráveis aos
Estados, com o passar do tempo a insatisfação em razão da não edição da LC (que poderia
prever critérios mais vantajosos) foi aumentando e culminou no ajuizamento da ADO 25.
Eis que em novembro de 2016 o STF julga procedente a ADO e reconhece a mora do
Congresso Nacional em editar a lei complementar exigida pelo art. 91 do ADCT. Diante
disso, o STF fixou um prazo de 12 meses para que o Legislativo fizesse a lei, determinando
que, na hipótese de transcorrer in albis o mencionado prazo, caberia ao Tribunal de Contas
da União regulamentar o dispositivo constitucional.
Veja a ementa da decisão:
Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. 2. Federalismo fiscal e partilha de
recursos. 3. Desoneração das exportações e a Emenda Constitucional 42/2003. Medidas
compensatórias. 4. Omissão inconstitucional. Violação do art. 91 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT). Edição de lei complementar. 5. Ação julgada
procedente para declarar a mora do Congresso Nacional quanto à edição da Lei
Complementar prevista no art. 91 do ADCT, fixando o prazo de 12 meses para que seja
sanada a omissão. Após esse prazo, caberá ao Tribunal de Contas da União, enquanto
não for editada a lei complementar: a) fixar o valor do montante total a ser transferido
anualmente aos Estados-membros e ao Distrito Federal, considerando os critérios
dispostos no art. 91 do ADCT; b) calcular o valor das quotas a que cada um deles fará jus,
considerando os entendimentos entre os Estados-membros e o Distrito Federal
realizados no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ. STF.
Plenário. ADO 25/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 30/11/2016 (Info 849).

Foi uma verdadeira virada paradigmática pois, pela primeira vez, a Corte
inequivocamente tratou de estabelecer um prazo para o legislador editar a norma faltante
e impôs uma consequência ao descumprimento deste prazo. Não há dúvidas de que essa
decisão representou um passo adiante na natureza meramente recomendatória que se
tinha no julgamento das ADOs.
Mas o fato é que o prazo determinado pelo STF vencia e a lei não era elaborada.
Mantinha-se, pois, a instabilidade político-jurídica (e o consequente abalo para o pacto
federativo) que o tema suscitava há mais de duas décadas. O STF, tentando compor todos
os interesses, acatava pedidos de prorrogação do prazo, compreendendo que fatos
supervenientes justificariam o abrandamento do termo temporal fixado no julgamento de
mérito em 2016.
Eis que em julho de 2019, finalmente, os Estados e a União decidiram negociar um
inédito acordo em âmbito federativo – homologado pelo STF em maio de 2020 e
encaminhado ao Congresso Nacional para as providências cabíveis. Desse acordo, que
finalizou a complexa discussão político-jurídica, nossa federação saiu fortalecida, já que foi
construído um significativo exemplo de cooperação institucional entre os entes federados.
E foi justamente em maio de 2020, quando o Min. Gilmar apresentou no plenário do
STF o seu voto para que a Corte Suprema homologasse o acordo firmado entre Estados e
União, que foi utilizada a expressão agora em análise. Segundo Gilmar, nesta ADO foi
inaugurado o “pensamento do possível no Federalismo cooperativo”, uma das facetas mais
formidáveis da interpretação constitucional. Em seu voto, o ministro assim se manifestou:
Conclamei que todos os entes federativos, na linha do pensamento do possível,
dissipassem-se de suas certezas absolutas, interesses estratificados e compreendessem
aquela oportunidade sob o olhar do federalismo cooperativo, no afã de diminuir as
tensões/diferenças e aproximar as convergências, chegando a bom termo conciliatório.
(grifos nossos).

Essa teoria do “Pensamento do Possível” tem por principal expoente o jurista alemão
Peter Häberle, um dos mais destacados constitucionalistas contemporâneos e um dos
doutrinadores mais influentes para o Judiciário brasileiro 16. Segundo preceitua o autor, as
Constituições não são “normas fechadas" (um texto acabado ou definitivo), mas sim um
projeto em contínuo desenvolvimento, representativo de conquistas e experiências e
aberto à evolução. Destarte, a interpretação da Constituição não deve ser feita segundo a
lógica do “um ou outro”, mas consoante um pensamento permanentemente aberto a
múltiplas alternativas e possibilidades.
Peter Häberle explica melhor:
O pensamento do possível é o pensamento em alternativas. Deve estar aberto para
terceiras ou quartas possibilidades, assim como para compromissos. Pensamento do
possível é pensamento indagativo (fragendes Denken). Na res publica existe um ethos
jurídico específico do pensamento em alternativa, que contempla a realidade e a
necessidade, sem se deixar dominar por elas. O pensamento do possível ou o
pensamento pluralista de alternativas abre suas perspectivas para “novas” realidades,
para o fato de que a realidade de hoje pode corrigir a de ontem, especialmente a
adaptação às necessidades do tempo de uma visão normativa, sem que se considere o
novo como o melhor.” (Häberle, Peter. Die Verfassung des Pluralismus, Königstein/TS,
1980, p. 3 apud MENDES, Gilmar Ferreira; DO VALE, André Rufino. O pensamento de
Peter Häberle na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Conjur/2009). 17

Apesar de o STF já ter se valido dessa teoria do “Pensamento do Possível” em inúmeras


outras ocasiões, na homologação do acordo referente às compensações financeiras devidas
pela União em virtude da desoneração do ICMS para as exportações tivemos a estreia dessa
construção teórica no âmbito da federação cooperativa. Afinal, todos os atores do pacto

16
. Para termos uma pequena dimensão da influência que o jurista tem no constitucionalismo pátrio, lembremos que ele é o criador da
figura do “amicus curiae”, que atua no controle concentrado para pluralizar o debate constitucional instaurado nas ações diretas.
17
. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2009-abr-10/pensamento-peter-haberle-jurisprudencia-supremo-tribunal-
federal?pagina=3. Consulta feita em 24 de novembro de 2020.
federativo foram chamados para, numa composição amigável, tentarem solucionar o antigo
e complexo impasse entre as esferas federativas. E para que o consenso fosse alcançado,
os entes foram conclamados a atuar na linha do ‘pensamento do possível’, abandonando
certezas absolutas e interesses estratificados, compreendendo a oportunidade de construir
uma solução sob o olhar do federalismo cooperativo, visando minimizar as
tensões/diferenças e aproximar as convergências.

5. A FEDERAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988

5.1. Introdução
(...)
Acerca de cada um dos entes apresentaremos, a seguir, alguns breves comentários.
Antes, todavia, vamos comentar um pronunciamento do STF, de setembro de 2020 (na ACO
3427 Ref-MC/BA), que reforça esse ideal de autonomia. Existe em nosso ordenamento um
decreto (Decreto nº 5.289/2004) que determina ser de competência do Ministro da Justiça
determinar a ida da Força Nacional de Segurança Pública para atuar em determinado
Estado-membro ou no Distrito Federal. De acordo com a redação do art. 4º do decreto, a
determinação do emprego da Força Nacional pode ocorrer de duas maneiras: (i) mediante
solicitação expressa do Governador formulada ao Ministro da Justiça; (ii) mediante iniciativa
do próprio Ministro da Justiça, mesmo sem solicitação do Governador. Claro que se a
solicitação de auxílio é realizada pelo próprio Governador, não há qualquer questionamento
referente à autonomia dos entes federados que seja digno de destaque. Agora, por outro
lado, se a determinação de envio da Força Nacional é feita pelo Ministro da Justiça sem que
tenha havido um prévio pedido do Governador, questiona-se: seria essa atuação
constitucionalmente válida? Segundo o STF: “É plausível a alegação de que a norma inscrita
no art. 4º do Decreto 5.289/2004, naquilo em que dispensa a anuência do governador de
estado no emprego da Força Nacional de Segurança Pública, viole o princípio da autonomia
estadual”. Assim decidiu o STF, ao apreciar medida liminar em ação cível originária.

8.5. Competências dos Estados-membros


(...)
(ii) Legislativas privativas: ainda em conformidade com o disposto no art. 25, § 1º, CF/88,
os Estados-membros poderão legislar sobre os temas que não tenham sido enunciados nem
para a União, nem para os Municípios, tampouco estejam vedados pela Constituição da
República.
Para exemplificar, pensemos na edição de leis sobre transporte público. De um lado a
Constituição da República destacou expressamente a competência municipal para tratar de
transporte público local (intramunicipal), conforme art. 30, V, CF/88; no mesmo contexto
determinou à União a competência para tratar do transporte público interestadual e
internacional (no art. 21, XII, “e”, CF/88). Nada explicitou, todavia, a respeito da capacidade
de normatização em se tratando de transporte público intermunicipal (entre Municípios).
Ora, como os Estados detêm a competência legislativa remanescente, referida atribuição
os pertence!
Para exemplificar a competência dos Estados-membros para tratarem do transporte
público intermunicipal, vejamos duas decisões do STF:
(i) Na ADI 84518, o STF definiu que:
Não há no texto constitucional expressa previsão em relação à competência para a
exploração de serviço de transporte intermunicipal. A Constituição cuidou apenas de
dispor sobre a competência para explorar os transportes terrestres rodoviários
interestadual e internacional de passageiros – privativa da União, nos termos do artigo
21, inciso XII, alínea “e” – e para explorar o transporte coletivo no âmbito local – do
município, de acordo com o artigo 30, inciso V. Daí a conclusão, ante o disposto no artigo
25, § 1º, de que a matéria é da competência dos Estados-membros.

(ii) Em agosto de 2020, na ADI 1052, o STF nos lembrou que sendo competência
remanescente dos Estados a prerrogativa de legislar sobre transporte intermunicipal (art.
25, § 1º), a lei estadual que concede dois assentos a policiais militares devidamente
fardados nos transportes coletivos intermunicipais é constitucional e vai ao encontro da
melhoria das condições de segurança pública nesse meio de locomoção, em benefício de
toda a Sociedade. Nessa decisão, o STF ainda afastou qualquer alegação de desrespeito ao
princípio da igualdade, uma vez que o discrímen adotado é legítimo e razoável, pois
destinado àqueles que exercem atividade de polícia ostensiva e visam à preservação da
ordem pública.

8.4. Competências da União

8.4.2. Legislativas privativas – art. 22, CF/88


(...)
Inciso IV – (...)

18. Nesse sentido decidiu o STF na ADI 845-AP, relatada pelo Min. Eros Grau, noticiada no Informativo 489, STF.
(2) Também no mês de agosto de 2019, o STF declarou (na ADI 5610/BA) a
inconstitucionalidade de uma lei estadual que proibia as empresas concessionárias de
energia elétrica de cobrarem pela religação caso houvesse corte no fornecimento de
energia em razão de atraso no pagamento. Considerou nossa Corte Suprema que referida
lei estadual afrontava a competência privativa da União para legislar sobre energia,
desrespeitando, pois, o art. 22, IV e o art. 21, XII, “b”, ambos da CF/88. Assim, se uma
concessionária suspendeu o fornecimento do serviço de energia elétrica de um consumidor,
em virtude do seu inadimplemento, e, posteriormente, este quita os débitos e regulariza a
situação, pode a concessionária cobrar um valor pelo religamento do serviço, sendo
inconstitucional a lei estadual que proibir tal cobrança.
Obs.: Esse entendimento foi confirmado (por maioria) em setembro de 2020, na ADI 6190.
Segundo o STF, é inconstitucional a lei do Estado de Roraima que proibia as distribuidoras
de energia elétrica de cobrar a taxa de religação de energia depois de o fornecimento ter
sido cortado por atraso no pagamento da fatura. A norma ofendeu a competência
legislativa privativa da União para legislar sobre energia elétrica. O relator da ação, Ministro
Lewandowski, lembrou precedentes do STF em que a Corte declarou a
inconstitucionalidade de leis estaduais que concediam isenção de pagamento de energia
elétrica por trabalhadores desempregados e proibiam o corte de energia por falta de
pagamento sem prévia comunicação ao usuário.
(...)
(7) Em junho de 2020 (ADI 2902), o decidiu que é inconstitucional a lei estadual que, a
pretexto de proteger a saúde da população, disciplina a instalação de antenas transmissoras
de telefonia celular e, por isso, adentra na esfera de competência privativa da União.
– Para entender melhor o caso, bem como aproveitarmos para recordar algumas
expressões muito utilizadas pela doutrina norte-americana sobre o tema ‘repartição de
competências no âmbito do federalismo’, vejamos com mais detalhamento o que se passou
neste caso concreto:
(i) Foi editada uma lei no Estado de SP que tratou da instalação de antenas transmissoras
de telefonia celular no Estado. Em um dos dispositivos, a pretexto de proteger a saúde da
população, a lei determinou o seguinte: “Artigo 3º Toda instalação de antenas
transmissoras deverá ser feita de modo que a densidade de potência total, considerada a
soma da radiação preexistente com a da radiação adicional emitida pela nova antena,
medida por equipamento que faça a integração de todas as frequências na faixa prevista
por esta lei, não ultrapasse 435 uW/cm2 (quatrocentos e trinta e cinco microwatts por
centímetro quadrado), em qualquer local passível de ocupação humana (Organização
Mundial de Saúde)”. Perceba, caro leitor, que a lei está claramente estabelecendo limites
de radiação para a instalação de antenas transmissoras de telefonia celular.
(ii) Essa lei tutela a proteção à saúde (tema de competência legislativa concorrente) ou
invade a competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações? Esse tipo
de dúvida é muito comum quando estamos tratando da divisão de competências entre os
entes federados. E, segundo a doutrina federalista norte-americana, sempre que a dúvida
sobre a competência legislativa recair sobre norma que abranja mais de um tema, deve o
intérprete acolher a interpretação que não tolha a competência que detêm os entes
menores para dispor sobre determinada matéria (presumption against preemption -
presunção a favor da competência dos entes menores da federação). Entretanto, por vezes,
afastaremos essa presunção de que, diante deste cenário de dúvida acerca da competência,
determinado tema deve ser disciplinado pelo ente menor. Quando isso ocorrerá? Quando
a lei do ente maior (federal ou estadual) claramente indicar, de forma necessária, adequada
e razoável, que os efeitos de sua aplicação excluem o poder de complementação que detêm
os entes menores (clear statement rule).
(iii) Em outras palavras: a presunção de que gozam os entes menores para, nos assuntos de
interesse comum e concorrente, legislarem sobre seus respectivos interesses (presumption
against preemption) pode ser nitidamente afastada por expressa determinação do ente
maior (clear statement rule).
(iv) Voltando ao caso julgado pelo STF em junho de 2020, a União, no exercício de suas
competências constitucionais (art. 21, XI e art. 22, IV, da CF/88), editou a Lei nº 9.472/97,
que, de forma nítida, atribui à ANATEL a definição de limites para a tolerância da radiação
emitida por antenas transmissoras. Ademais, a União, por meio da Lei nº 11.934/2009, fixou
limites proporcionalmente adequados à exposição humana a campos elétricos, magnéticos
e eletromagnéticos.
(v) Desta forma, justamente porque a lei federal claramente indicou, de forma adequada,
necessária e razoável, que os efeitos de sua aplicação excluem o poder de complementação
que detêm os entes menores (clear statement rule), o STF afastou a presunção de que o
tema poderia ser também disciplinado pelo ente menor em razão de ele possuir
competência concorrente que tangencia o assunto trabalhado na lei.
(vi) Para finalizar este item, insta alertar ao leitor que essas expressões do direito norte-
americano têm sido sistematicamente utilizadas em pronunciamentos do STF sobre o tema
‘repartição constitucional de competências na federação’. Para ilustrar, veja trecho voto do
Min. Edson Fachin no RE 194.704 (julgado em junho de 2017):
Nos casos em que a dúvida sobre a competência legislativa recai sobre norma que
abrange mais de um tema, deve o intérprete acolher interpretação que não tolha a
competência que detêm os entes menores para dispor sobre determinada matéria
(presumption against preemption). Porque o federalismo é um instrumento de
descentralização política que visa realizar direitos fundamentais, se a lei federal ou
estadual claramente indicar, de forma adequada, necessária e razoável, que os efeitos
de sua aplicação excluem o poder de complementação que detêm os entes menores
(clear statement rule), é possível afastar a presunção de que, no âmbito regional,
determinado tema deve ser disciplinado pelo ente menor. Na ausência de norma federal
que, de forma nítida (clear statement rule), retire a presunção de que gozam os entes
menores para, nos assuntos de interesse comum e concorrente, exercerem plenamente
sua autonomia, detêm Estados e Municípios, nos seus respectivos âmbitos de atuação,
competência normativa. [RE 194.704, rel. p/ o ac. min. Edson Fachin, j. 29-6-2017, P, DJE
de 17-11-2017.]

Inciso XX – Relativamente a este inciso vale destacar que são inconstitucionais as leis
estaduais, distritais que versem sobre sistema de consórcio e sorteios, inclusive bingos e
loterias (tendo o STF editado a súmula vinculante nº 0219 a fim de firmar este
entendimento). Vale informar que, apesar de a SV 02 somente mencionar que os Estados e
o DF não podem tratar do tema, o STF confirmou (em outubro de 2018, na ADPF 337,
noticiada no Informativo 920) que também é inconstitucional lei municipal que cria
concurso de prognósticos de múltiplas chances (loteria) em âmbito local.
(1) Ainda sobre o inciso XX, cumpre relatar a decisão proferida pelo STF em setembro de
2020, no julgamento conjunto das seguintes ações: ADPF 492/RJ, ADPF 493/DF e ADI
4986/MT. Segundo nossa Corte Suprema, a competência da União para legislar
exclusivamente sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive loterias, não obsta a
competência material para a exploração dessas atividades pelos entes estaduais ou
municipais (em outras palavras: a competência legislativa acerca de determinado assunto
não se confunde com a competência material, executiva, de exploração de serviço a ele
correlato). Isso porque a exploração de loterias ostenta natureza jurídica de serviço público
e, quando nossa CF/88 quis atribuir a prestação de determinado serviço público com
exclusividade à União, o constituinte o fez de forma expressa. Como nossa Constituição não
atribui à União a exclusividade sobre o serviço de loterias, tampouco proíbe expressa ou
implicitamente o funcionamento de loterias estaduais, esse cenário atrai a competência
residual dos estados-membros, estabelecida em seu art. 25, § 1º.
Um detalhe adicional importante: como somente a União pode definir modalidades de

19. Súmula vinculante nº 2, STF: “É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de
consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias”.
atividades lotéricas passíveis de exploração, as legislações estaduais instituidoras de
loterias, por meio de lei estadual ou decreto, em seus territórios, devem simplesmente
viabilizar o exercício de sua competência material de instituição do serviço público. Tais
normas estaduais ofenderiam a CF se instituíssem disciplina ou modalidade de loteria não
prevista pelo própria União para si mesma. Nesta hipótese, a legislação local afastar-se-ia
de seu caráter materializador do serviço público de que é titular e seria incompatível com o
art. 22, XX, da CF/1988.

Inciso XXIV – Tendo em conta a competência da União para legislar sobre as diretrizes e
bases da educação nacional, foi considerada inconstitucional a lei estadual do Acre que
tratava da revalidação de títulos obtidos em instituições de ensino superior dos países
membros do MERCOSUL. A lei foi declarada inconstitucional pois obrigava que o Poder
Público estadual aceitasse como válidos os diplomas expedidos por instituições do Mercosul
mesmo sem procedimento de revalidação, contrariando o disposto na Lei Federal nº
9.394/1996 e no Decreto 5.518/2005.
(1) Ainda sobre o inciso XXIV, cumpre comentar a decisão proferida pelo STF em abril de
2020, na ADPF 457, na qual a Corte firmou que, dada a competência privativa da União para
legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, os Municípios não podem editar leis
proibindo a divulgação de material com referência a “ideologia de gênero” nas escolas
municipais. Nessa postura, há inconstitucionalidade formal. Ademais, conforme
comentamos no cap. 5 desta obra (sobre os “Direitos e Garantias Individuais”), há também
inconstitucionalidade material, pois tais normas municipais proibitivas afrontam (i) a
liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (art.
206, II, CF/88); (ii) o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (art. 206, III); (iii) um
dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, que é a promoção do bem
de todos sem preconceitos (art. 3º, IV, CF/88); (iv) o dever estatal de promover políticas de
inclusão e de igualdade, contribuindo para a manutenção da discriminação com base na
orientação sexual e identidade de gênero.

(2) Justamente porque é competência privativa da União legislar sobre as diretrizes e bases
da educação, que não pode o Estado-membro, ao tratar do tema, afrontar o teor da
legislação federal. Assim, tendo por base o inciso XXIV do art. 22, CF/88, o STF declarou (em
março de 2020, na ADI 6073), que é inconstitucional lei estadual que afasta as exigências
estabelecidas na legislação federal (Lei nº 9.394/1996; Lei de Diretrizes e Bases da Educação
– LDB) para que haja a revalidação de diploma obtido em instituições de ensino superior de
outros países. Referida lei invade a competência privativa da União para legislar sobre o
tema, desrespeitando as rigorosas determinações federais (postas no art. 48 da lei) para
que haja o reconhecimento da validade, no Brasil, dos diplomas expedidos por
universidades estrangeiras.

Inciso XXV – Considerando este inciso, o SF decidiu que os Estados-membros não possuem
competência legislativa para determinar a obrigatoriedade da microfilmagem de
documentos arquivados nos cartórios extrajudiciais do Estado. Afinal, este tema envolve
registros públicos e responsabilidade civil dos notários e registros, matéria que é de
competência privativa da União, nos termos do art. 22, XXV, da CF/88 (ADI 3723, Rel. Min.
Gilmar Mendes, julgada em março de 2020).

8.4. Competências da União

8.4.3. Materiais comuns – art. 23, CF/88


Sobre as competências comuns listadas pelo art. 23, CF/88, vale mencionar alguns
interessantes pronunciamentos do STF:
(i) Em abril de 2020, durante um crítico período de combate à pandemia da Covid 19, o STF
(na ADI 6341 MC-Ref) determinou que as providências adotadas pelo Governo Federal na
tutela do direito à saúde não afastam atos a serem praticados pelos Estados, pelo Distrito
Federal e pelos Municípios, considerada a competência comum na forma do artigo 23,
inciso II, da CF/88. Por isso, foram considerados válidos, no curso da superação da crise
decorrente do novo corona vírus, muitos decretos editados por Prefeitos e Governadores
que, sob o argumento de estarem tutelando à saúde da população, restringiam múltiplas
atividades (proibindo ou limitando o horário de funcionamento de estabelecimentos
comerciais; restringindo a entrada e saída de pessoas em seus territórios).
– Insta destacar que, em maio de 2020, no julgamento da ADI 6343 MC-Ref/DF, o STF
confirmou que os Estados/DF e Municípios podem, mesmo sem autorização da União,
adotar medidas protetivas à saúde da população (como isolamento, quarentena,
exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver) e, ainda, determinação de restrição
à locomoção interestadual e intermunicipal em rodovias, portos ou aeroportos – cumpre
destacar que Estados e Municípios não podem fechar fronteiras, pois sairiam de suas
competências constitucionais. No mais, a Corte frisou que a adoção de medidas restritivas
relativas à locomoção e ao transporte, por qualquer dos entes federativos, deveria estar
embasada em recomendação técnica fundamentada de órgãos da vigilância sanitária e teria
de preservar o transporte de produtos e serviços essenciais, assim definidos nos decretos
da autoridade federativa competente.

8.4. Competências da União

8.4.4. Legislativas concorrentes – art. 24, CF/88


(...)
Inciso V – Em homenagem à competência legislativa concorrente da União, Estados e DF
para legislar sobre consumo (art. 24, V, da CF/88), o STF determinou que é constitucional
lei estadual que autoriza a comercialização de bebidas alcoólicas nas arenas desportivas e
nos estádios. A decisão foi proferida em março de 2020, na ADI 6195. Segundo nossa Corte
Suprema, o inciso II do art. 13-A da Lei Federal nº 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor)
estabelece condições gerais de acesso e permanência do torcedor em recintos esportivos,
entre as quais a de não portar bebidas proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a
prática de atos de violência. Note, no entanto, que a lei federal citada (que representa uma
norma geral) não particulariza quais seriam essas bebidas – o que levou a Corte a concluir
que inexiste uma vedação geral e absoluta para o consumo de bebida alcóolica. Destarte,
entendeu o STF que subsiste a possibilidade de o legislador estadual, no exercício de sua
competência concorrente complementar, e observadas as especificidades locais,
regulamentar a matéria, sempre respeitando à razoabilidade e proporcionalidade na
normatização estadual. Portanto, é constitucional a lei estadual que permite o consumo de
bebidas de baixo teor alcoólico (cerveja e chope), igualmente autorizadas nos grandes
eventos mundiais de futebol e outros esportes, inclusive na Copa do mundo organizada pela
FIFA e nas Olimpíadas.
Seguindo essa mesma linha argumentativa, o STF determinou (em junho de 2020, na
ADI 5951) que é constitucional lei estadual que estabeleça que as instituições privadas de
ensino superior são obrigadas a devolver o valor da taxa de matrícula, podendo reter, no
máximo, 5% da quantia, caso o aluno, antes do início das aulas, desista do curso ou solicite
transferência. Isso porque a lei impugnada trata de consumo e proteção ao consumidor,
matérias que são de competência legislativa concorrente, nos termos dos incisos V e VIII do
art. 24 da Constituição Federal. Ademais, o tema também envolve a matéria “educação”,
igualmente de competência legislativa concorrente (art. 24, IX, da CF/88). Por fim, o STF
confirmou que a legislação relacionada à prestação de serviços educacionais não envolve
meramente o direito civil (assunto que é de competência privativa da União; art. 22, I,
CF/88), mas múltiplos outros assuntos.
Inciso VI – Em abril de 2020, na ADI 5996, o STF considerou que é constitucional a lei
estadual que proíbe a utilização de animais para desenvolvimento, experimentos e testes
de produtos cosméticos, de higiene pessoal, perfumes e seus componentes – afinal, a
proteção da fauna é matéria de competência legislativa concorrente entre a União, os
Estados e o DF (art. 24, VI, da CF/88). Sabemos que há lei federal regulamentando o tema
(Lei federal nº 11.794/2008) e que ela possui uma natureza permissiva – autorizando a
utilização de animais em atividades de ensino e pesquisas científicas, desde que sejam
observadas algumas condições relacionadas aos procedimentos adotados, que visam a
evitar e/ou atenuar o sofrimento dos animais. Entretanto, segundo entende o STF, a
legislação estadual pode sim tratar o tema de modo mais restrito, sem que isso importe em
violação das normas gerais fixadas pela União. Tal postura não enseja inconstitucionalidade
pois, em princípio, é possível que os Estados editem normas mais protetivas ao meio
ambiente, com fundamento em suas peculiaridades regionais e na preponderância de seu
interesse, conforme o caso. Nos dizeres da Corte:
(...) 4. A sobreposição de opções políticas por graus variáveis de proteção ambiental
constitui circunstância própria do estabelecimento de competência concorrente sobre a
matéria. Em linha de princípio, admite-se que os Estados editem normas mais protetivas
ao meio ambiente, com fundamento em suas peculiaridades regionais e na
preponderância de seu interesse, conforme o caso.

Inciso IX –
– Em agosto de 2019, na ADI 3874, o STF confirmou a constitucionalidade de lei estadual
que proíbe a cobrança pelos estabelecimentos de ensino sediados no Estado do Rio de
Janeiro, por provas de segunda-chamada, provas finais ou equivalentes, não podendo
os estudantes ser impedidos de fazer provas, testes, exames ou outras formas de
avaliação, por falta de pagamento prévio. Afinal, entendeu nossa Corte Suprema que
ao estabelecer regras protetivas dos estudantes mais amplas do que as federais, quanto
à cobrança por provas de segunda chamada ou finais, o Estado do Rio de Janeiro atuou
dentro da área de sua competência concorrente para legislar sobre direito do
consumidor e educação (art. 24, inciso V e IX).
– Em junho de 2020, o STF decidiu (na ADI 5951) que é constitucional lei estadual que
estabeleça que as instituições de ensino superior privada são obrigadas a devolver o
valor da taxa de matrícula, podendo reter, no máximo, 5% da quantia, caso o aluno,
antes do início das aulas, desista do curso ou solicite transferência. Segundo nossa Corte
Suprema, a lei impugnada trata não só sobre o tema ‘educação’, mas também sobre
proteção ao consumidor, matéria que igualmente é de competência legislativa
concorrente, nos termos dos incisos V e VIII do art. 24 da CF/88.

 Cap. 11: (“Intervenção”):


Nota de rodapé nº 2.
Tramitava no STF, desde março de 2018, a ADI 5915, que questionava a constitucionalidade
do decreto presidencial que determinou a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro.
Em fevereiro de 2019, todavia, o Min. Ricardo Lewandowski determinou a prejudicialidade
da ação, em virtude da perda superveniente do objeto. Segundo a Corte, como a
intervenção no Estado do Rio de Janeiro foi encerrada em 31/12/2018, o decreto deixou de
produzir efeitos no mundo jurídico.

4.2. Intervenção estadual


(...)
(i) inicialmente, tem-se que as hipóteses que autorizam a decretação da intervenção
estadual são aquelas apresentadas pelo art. 35, CF/88, de modo taxativo. Não estão as
Constituições estaduais autorizadas, pois, a ampliar o rol de motivos geradores da
intervenção;
– Exatamente porque o rol do art. 35, CF/88 é taxativo que o STF, em março de 2020,
declarou inconstitucional dispositivo de Constituição estadual que estabelecia que o
Estado-membro poderia intervir em seus Municípios caso ali fossem praticados atos de
corrupção e improbidade administrativa (ADI 2917, Rel. Min. Gilmar Mendes). Como não
pode o Estado-membro ampliar em seu documento constitucional as hipóteses trazidas
pelo art. 35, CF/88, o dispositivo foi considerado violador da CF/88.

 Cap. 12: (“Poder Legislativo”):


3. COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES DAS CASAS LEGISLATIVAS

3.1. Câmara dos Deputados

(A) Composição
Sobre a suplência na Câmara dos Deputados, é importante lembrar que o STF definiu
em 201120 que a vaga aberta por eventual afastamento/renúncia/morte de Deputado
Federal deveria ser preenchida pelo candidato mais votado na lista da coligação21 e não do
partido. Logo, suplente seria o próximo candidato com melhor votação da coligação,
independentemente de pertencer ou não ao partido do Deputado Federal afastado. Afinal,
se o quociente eleitoral para o preenchimento das vagas de Deputado Federal estava sendo
definido em função da coligação, a mesma regra deveria ser seguida para a sucessão dos
suplentes22.
No entanto, caro leitor, entendemos que a edição da EC nº 97/2017 promoveu uma
alteração com relação a este entendimento. Isso porque referida emenda determinou (no
art. 17, § 1°, CF/88) que as coligações não mais serão possíveis nas eleições que utilizam o
sistema proporcional (isto é, nas eleições para os cargos de deputado federal, estadual e
distrital e vereador). Destarte, nos termos propostos pela emenda, desde as eleições de
2020 não mais temos coligações em eleições proporcionais, o que certamente acarreta uma
mudança na regra da suplência dos cargos preenchidos por esse sistema: ao nosso sentir, o
suplente passará a ser o candidato mais bem votado do próprio partido.

Por fim, vale destacar a atribuição que a Constituição Federal confere à Câmara dos
Deputados e ao Senado Federal para a convocação de algumas autoridades para prestarem
informações sobre assuntos previamente determinados:

Art. 50. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal, ou qualquer de suas Comissões,
poderão convocar Ministro de Estado ou quaisquer titulares de órgãos diretamente
subordinados à Presidência da República para prestarem, pessoalmente, informações
sobre assunto previamente determinado, importando crime de responsabilidade a
ausência sem justificação adequada. (Redação dada pela Emenda Constitucional de
Revisão nº 2, de 1994)

§ 1º Os Ministros de Estado poderão comparecer ao Senado Federal, à Câmara dos


Deputados, ou a qualquer de suas Comissões, por sua iniciativa e mediante

20. No julgamento dos MS 30.260 e 30.272.


21. As coligações podem ser definidas como conformações políticas decorrentes de aliança partidária formalizada entre dois ou mais
partidos políticos para concorrerem, de forma unitária, às eleições proporcionais ou majoritárias. Distinguem-se dos partidos
políticos que a compõem e a eles se sobrepõe, temporariamente, adquirindo capacidade jurídica para representá-los.
22. Leia mais sobre o sistema eleitoral proporcional no item 5 do cap. 14. Também é importante destacar que as coligações nas eleições
proporcionais já estão vedadas desde as eleições de 2020, por força da EC nº 97 de outubro de 2017 (que modificou o art. 17, §
1º, CF/88).
entendimentos com a Mesa respectiva, para expor assunto de relevância de seu
Ministério.

§ 2º As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal poderão encaminhar


pedidos escritos de informações a Ministros de Estado ou a qualquer das pessoas
referidas no caput deste artigo, importando em crime de responsabilidade a recusa, ou
o não - atendimento, no prazo de trinta dias, bem como a prestação de informações
falsas. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 2, de 1994)

Como o STF entende que o art. 50, caput e § 2º, da Constituição Federal representa
norma de observância obrigatória, os Estados-membros, por imposição do princípio da
simetria (art. 25, CF), não podem ampliar o rol de autoridades sujeitas à fiscalização direta
pelo Poder Legislativo e à sanção por crime de responsabilidade (ADI 5.300, Rel. Min.
Alexandre de Moraes, DJe 28/6/2018).

Corroborando este entendimento, em abril de 2020 (na ADI 5416 - Rel. Gilmar Mendes,
noticiada no Info 977), o STF declarou inconstitucional norma da Constituição Estadual que
estabeleceu a possibilidade de a Assembleia Legislativa convocar o Presidente do Tribunal
de Justiça ou o Procurador-Geral de Justiça para prestar informações na Casa, afirmando
que a sua ausência configura crime de responsabilidade. Uma vez que o art. 50 da CF/88
(norma de reprodução obrigatória) apenas autoriza que o Poder Legislativo convoque
autoridades do Poder Executivo (e não do Poder Judiciário ou do Ministério Público), não
podem os Estados-membros ampliar o rol de autoridades sujeitas à convocação pelo Poder
Legislativo e à sanção por crime de responsabilidade, por violação ao princípio da simetria
e à competência privativa da União para legislar sobre o tema (súmula vinculante 46, STF 23).

3.3. Quadro comparativo da composição da Câmara dos Deputados e do Senado Federal


Comparativamente podemos estruturar a composição das duas Casas Legislativas da
seguinte maneira:

CÂMARA DOS
SENADO FEDERAL
DEPUTADOS

NÚMERO DE 81 Senadores
513 Deputados
PARLAMENTARE (cada Estado e o Distrito
(mínimo 8, máximo 70)
S Federal: 3)

Representantes dos
COMPOSIÇÃO Representantes do povo
Estados e do Distrito

23
. Súmula Vinculante 46: “A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e
julgamento são de competência legislativa privativa da União”.
CÂMARA DOS
SENADO FEDERAL
DEPUTADOS

Federal (bicameralismo
federativo)

REPRESENTAÇÃO Proporcional Paritária

DURAÇÃO
1 legislatura (4 anos) 2 legislaturas (8 anos)
DO MANDATO

RENOVAÇÃO
Total Parcial (ora 1/3, ora 2/3)
DA CASA

IDADE MÍNIMA 21 anos 35 anos

Brasileiro nato ou Brasileiro nato ou


naturalizado naturalizado
NACIONALIDADE
(presidência da casa: (presidência da casa:
brasileiro nato) brasileiro nato)

SISTEMA
Proporcional Majoritário simples
ELEITORAL

Suplente era o candidato


mais votado na lista da
coligação24. Parece-nos
que com o fim das
coligações nas eleições Cada Senador é eleito com
SUPLÊNCIA
proporcionais, o suplente 2 suplentes
passará a ser o candidato
mais votado do partido a
que pertence o
parlamentar afastado

4.3. Mesas Diretoras e sessões preparatórias


A Mesa Diretora é responsável pela direção dos trabalhos legislativos e dos serviços
administrativos da Casa. No âmbito do Poder Legislativo Federal temos a Mesa do
Congresso Nacional, a Mesa da Câmara dos Deputados e a Mesa do Senado Federal.

24. Vale recordar que as coligações nas eleições proporcionais acabaram: foram válidas nas eleições de 2018, todavia, estão vedadas
desde as eleições de 2020, por força da EC nº 97 de outubro de 2017 (que modificou o art. 17, § 1º, CF/88).
A Mesa do Congresso Nacional é presidida pelo Presidente do Senado Federal e os
demais cargos são exercícios, alternadamente, pelos membros da Câmara dos Deputados e
do Senado Federal (art. 57, CF/88). Conforme Regimento Interno do Congresso Nacional,
da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a composição da Mesa do Congresso
Nacional se estrutura da seguinte maneira:
(1) Presidente do Senado;
(2) 1º Vice-Presidente da Câmara;
(3) 2º Vice-Presidente do Senado;
(4) 1º secretário da Câmara;
(5) 2º secretário do Senado;
(6) 3º secretário da Câmara;
(7) 4º secretário do Senado.
No que tange as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, estas são
eleitas, nesta ordem, pelos Deputados e Senadores, havendo uma representação
proporcional dos partidos políticos ou dos blocos parlamentares que participam da
respectiva Casa (respeito ao colorido partidário da Casa – art. 58, § 1º, CF/88). A Mesa da
Câmara é composta por sete membros: um Presidente, dois Vice-Presidentes e quatro
secretários25; o mesmo se passa com a Mesa do Senado Federal26.
A eleição das Mesas é regulada pelo art. 57, § 4º, CF/88. Segundo este dispositivo, as
Casas do Congresso Nacional reunir-se-ão em sessões preparatórias, a partir de 1º de
fevereiro, no primeiro ano da legislatura27, para a posse de seus membros e eleição das
respectivas Mesas, para mandato de dois anos, sendo vedada a recondução para o mesmo
cargo na eleição imediatamente subsequente (art. 57, § 4º, CF/88 – “Cada uma das Casas
reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da

25. Conforme dispõe o art. 14, § 1º do Regimento interno da Câmara dos Deputados: “A Mesa compõe-se de Presidência e de
Secretaria, constituindo-se, a primeira, do Presidente e de dois Vice-Presidentes e, a segunda, de quatro Secretários”.
26. Nos termos do art. 46 do Regimento Interno do Senado Federal: “A Mesa se compõe de Presidente, dois Vice-Presidentes e quatro
Secretários”.
27. Apesar de o texto constitucional, no art. 57, § 4º, mencionar que teremos sessão preparatória somente no 1º ano da legislatura, é
certo que ela também existirá no 3º ano da legislatura (afinal, cada Mesa Diretora é eleita para dois anos, razão pela qual temos
eleições no 1º e no 3º ano da legislatura). O art. 3º do RISF corrobora nosso entendimento, quando determina que: “A primeira e
a terceira sessões legislativas ordinárias de cada legislatura serão precedidas de reuniões preparatórias, que obedecerão às
seguintes normas: (...) IV – a primeira reunião preparatória realizar-se-á: a) no início de legislatura, a partir do dia 1º de fevereiro;
b) na terceira sessão legislativa ordinária, no dia 1º de fevereiro; V – no início de legislatura, os Senadores eleitos prestarão o
compromisso regimental na primeira reunião preparatória; em reunião seguinte, será realizada a eleição do Presidente e, na
terceira, a dos demais membros da Mesa; VI – na terceira sessão legislativa ordinária, far-se-á a eleição do Presidente da Mesa na
primeira reunião preparatória e a dos demais membros, na reunião seguinte.
legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato
de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente
subsequente”).
Apesar de o parágrafo 4° do art. 57 conter uma norma que não constitui preceito
constitucional estruturante (vale dizer: não trata de um assunto materialmente
constitucional, o que significa que essa previsão sequer precisava estar em nossa
Constituição, pois poderia ter sido regulada em legislação infraconstitucional – não o foi em
razão da nossa conhecida propensão à prolixidade), o tema tem sido objeto de calorosos
debates. Abaixo, apresentaremos toda a sucessão de discussões e disputas (políticas e
jurídicas) que já circundaram esse dispositivo constitucional.
(i) O art. 57, § 4° prevê de forma categórica uma vedação a uma conduta objetivamente
definida – reeleição para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente. Destarte,
aquele que presidiu, por exemplo, a Mesa diretora da Câmara dos Deputados em um
mandato de 2 anos, não poderia pleitear, na próxima eleição (na imediatamente
subsequente) sua reeleição para o mesmo cargo.
Apesar da clareza do preceito constitucional, a expressão “imediatamente
subsequente” (constante do § 4º do art. 57, CF/88) tem sido interpretada de modo a
somente abarcar a eleição imediatamente subsequente que ocorra na mesma legislatura
(da primeira Mesa para a formação da segunda Mesa, ambas as Mesas da mesma
legislatura). Em havendo alternância da legislatura (da segunda Mesa de uma legislatura
para a primeira Mesa da legislatura subsequente) a eleição para o mesmo cargo é
considerada possível. O Regimento Interno da Câmara dos Deputados reforça essa
interpretação, em seu art. 5º, § 1º, ao estabelecer que: “Não se considera recondução a
eleição para o mesmo cargo em legislaturas diferentes, ainda que sucessivas”.
Essa interpretação que tem sido adotada para o parágrafo 4° fere, ao nosso sentir, a
própria literalidade do dispositivo, que foi enfático ao proibir a reeleição para o mesmo
cargo na eleição imediatamente subsequente. Note, caro leitor, que a Constituição não
limita a vedação à eleição que ocorra da Mesa 1 de uma legislatura para a Mesa 2 daquela
mesma legislatura; da mesma forma, não há nenhum indicativo em nossa Constituição de
que não estaria abarcada pela vedação a eleição que ocorra da Mesa 2 de uma legislatura
para a Mesa 1 de uma legislatura subsequente.
(ii) Vale frisar que justamente por não ostentar o caráter de princípio estruturante da
Constituição Federal, essa vedação para a recondução ao mesmo cargo na eleição
imediatamente subsequente contida no art. 57, § 4° não é considerada norma de repetição
obrigatória, isto é, não precisa ser obedecida em âmbito estadual (conforme decidiu o STF
nas ADIs 792-RJ, STF, Rel. Min. Moreira Alves e 793-RO, Rel. Min. Carlos Velloso). Veja, por
exemplo, como o tema está regulamentado na Constituição do Estado de Minas Gerais:
Art. 53, § 3º – No início de cada legislatura, haverá reuniões preparatórias, entre os dias
primeiro e quinze de fevereiro, com a finalidade de:
(...)
II – eleger a Mesa da Assembleia para mandato de dois anos, permitida uma única
recondução para o mesmo cargo na eleição subsequente, na mesma legislatura ou na
seguinte. (Inciso com redação dada pelo art. 1º da Emenda à Constituição nº 64, de
10/11/2004.) (grifo nosso)

(iii) Ainda sobre o tema, informamos ao leitor que tramita no STF a ADI 5632. Nesta ação,
está em discussão a possibilidade de o Presidente da Casa Legislativa, eleito em mandato-
tampão, poder se reeleger dentro de uma mesma legislatura. Na petição inicial da ação, o
autor (o partido Solidariedade) pede que o STF dê interpretação conforme ao Regimento
Interno da Câmara dos Deputados (artigos 8º, parágrafo 2º, e 5º, parágrafo 1º) “com vistas
a fixar o entendimento de que a proibição prevista para a recondução do presidente da
Câmara dos Deputados na mesma legislatura também se aplica ao deputado que tenha sido
eleito para completar o mandato de presidente em razão de vacância definitiva”. A
Procuradoria-Geral da República já se manifestou (em agosto de 2018) pela improcedência
do pedido, considerando que não se aplica a quem exerça mandato residual (mandato-
tampão) no primeiro biênio da legislatura a vedação de recondução/reeleição inscrita no
art. 57-§4º da CR:
É dizer, na hipótese de alteração da composição da Mesa por vacância, aquele que
assumir a vaga não está sujeito aos impedimentos do art. 57, §4º da Constituição. O
“mandato-tampão” não equivale ao mandato principal, porquanto exercido em caráter
suplementar e por força de normas regimentais de feição estritamente interna.

Essa ADI, ainda pendente de análise pelo STF28, ganhou realce em fevereiro de 2017
(dois meses depois de ter sido ajuizada). Entenda o porquê: em julho de 2016, após a
renúncia do então Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, Rodrigo Maia se
elegeu Presidente da Casa para finalizar o mandato do seu antecessor. No final de
janeiro/2017, com o término do seu mandato-tampão à frente da Câmara na Mesa 1 da
legislatura, passou-se a discutir se seria possível que ele se elegesse Presidente da Casa para
a Mesa 2 da legislatura em curso ou se isso afrontava a regra do art. 57, § 4º, CF/88. Como
a ADI 5632 não tinha sido movimentada desde então, parlamentares contrários a
possibilidade dessa candidatura foram ao STF por meio de mandados de segurança (34602;

28
. A última movimentação, de novembro de 2020, foi a redistribuição da ação para o novo relator (Min. Nunes Marques, tendo em vista
a aposentadoria do Min. Celso de Mello).
34574, 34603, 34599): as liminares que tentavam barrar a reeleição de Maia não foram
concedidas, Maia foi candidato, venceu e, portanto, foi o Presidente da Câmara dos
Deputados em duas Mesas subsequentes dentro da mesma legislatura: na 1ª cumpriu
mandato-tampão, na 2ª foi reeleito.
Parece-nos que essa ocorrência fática envolvendo a candidatura de Rodrigo Maia criou
um precedente:
– É possível que o Presidente da Casa Legislativa que tenha sido eleito para completar
o mandato anterior já iniciado por seu sucessor (“mandato-tampão”), candidate-se a um
mandato autônomo dentro da mesma legislatura (recondução da M1 para a M2 dentro da
mesma legislatura, desde que a M1 tenha sido mandato-tampão).
Aguardemos o pronunciamento do STF na ADI 563229. Entretanto, não custa já
partilhar com o estimado leitor como pensamos que a Corte decidirá a questão: ao nosso
sentir, se e quando o STF julgar essa ação direta, provavelmente ratificará aquilo que os
congressistas já firmaram como possível. Valerá, pois, o entendimento de que o “mandato-
tampão” não equivale ao mandato principal, e aquele que cumpri-lo poderá se reeleger
para o mesmo cargo na Mesa seguinte dentro da mesma legislatura.
(iv) No mês de dezembro de 2020 o art. 57, § 4°, CF/88 foi novamente objeto de intensos
debates e muita polêmica. Desta vez em razão de o STF ter julgado, no plenário virtual, a
ADI 6524. Nesta ocasião, por apertada maioria (6X5 — a maior cisão possível em plenário!),
a Corte confirmou que a Constituição não permite a reeleição da presidência — e dos
demais membros da Mesa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal— em uma
mesma legislatura.
A corrente que ficou vencida defendia que o dispositivo em análise (art. 57, § 4°) não é
norma materialmente constitucional (não é princípio estruturante da Constituição Federal),
razão pela qual configuraria assunto interno do Congresso Nacional. Ademais, não sendo a
vedação da reeleição na Mesa Diretora uma cláusula pétrea, sua permissão traria mais
coerência à relação entre Legislativo e Executivo — sobretudo diante da emenda
constitucional (EC nº 16/1997) que instituiu a possibilidade de reeleição para a Presidência
da República. Note, caro leitor, que a argumentação seria impecável, salvo por um único e
singelo motivo: o texto da Constituição veda de forma expressa e inequívoca essa
possibilidade de reeleição.
Por seu turno, os ministros vencedores, em que pese entenderem como compreensível
o sentimento de que exista uma assimetria no sistema constitucional dos Poderes (ao

29. Até o fechamento desta edição, os autos estavam conclusos para o relator, desde 01.08.2018. Aguardemos.
permitir a reeleição do Presidente da República e não se permitir a recondução dos
presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados), se valeram de um argumento
incontornável: o texto da Constituição, que veda a recondução.
Veja bem, caro leitor: não há nenhum obstáculo para que o Congresso Nacional,
seguindo o procedimento do art. 60, CF/88 altere formalmente o § 4° do art. 57 e passe a
permitir a recondução dos presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. O
que não é aceitável é tolerarmos que o STF realize tal mudança, por via interpretativa. Como
bem sabemos, a mutação constitucional é cabível desde que a ‘nova leitura’ do dispositivo
se enquadre nas possibilidades semânticas do texto. Diante de uma vedação expressa,
como é a que temos no caso em discussão, o reconhecimento de mutação constitucional se
inviabiliza, pois não podemos ler “é possível a recondução” onde a Constituição expressa e
cristalinamente diz “é vedada a recondução”. Qualquer entendimento que desconsidere
isso não é interpretação ou argumento, mas sim fraude ou trapaça.
(v) Para encerrar a apresentação dos nossos comentários sobre o malfadado § 4° do art. 57,
insta informar que ainda há um tópico nebuloso nessa matéria. No item anterior, vimos que
o STF decidiu (por 6X5), em dezembro de 2020, que é inconstitucional a reeleição de
presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados. Mas entre os 6 votos vencedores
subsistiu uma divergência: três ministros votaram para vedar a recondução ao cargo
somente durante a mesma legislatura; outros três proibiram a reeleição também em
legislaturas diferentes, quando consecutivas.
É certo que esta divergência precisará ser solucionada pelo STF, que terá que definir
qual é o alcance da regra constitucional que veda a reeleição nas Casas Legislativas (se o
dispositivo só vale para eleições dentro da mesma legislatura ou se alcança qualquer eleição
imediatamente subsequente, na mesma legislatura ou em legislaturas distintas). Com votos
com conclusões diferentes dentro da corrente vencedora, é possível que essa discussão seja
levada novamente ao plenário. E, neste caso, mesmo os 5 Ministros que se posicionaram a
favor da reeleição e ficaram vencidos, poderão votar – e provavelmente devem se alinhar
à corrente que admite a reeleição em legislaturas diferentes.
Na tentativa de ofertar ao leitor alguma conclusão acerca do que está decidido (e o que
pode vir a ser alterado), apresentamos a seguinte estruturação:
A- Não é possível a recondução dos presidentes das Casas Legislativas para o mesmo
cargo na eleição imediatamente subsequente, dentro da mesma legislatura. O art. 57, § 4°,
CF/88 veda expressamente tal prática – na ADI 6524, julgada em dezembro de 2020, dos 11
Ministros da Corte, 6 votaram nesse sentido.
B- Tem-se entendido que não viola a Constituição a interpretação que vem sendo dada pelo
Congresso Nacional de admitir a recondução (b.i) em caso de prévio exercício de mandato-
tampão ou (b.ii) de eleição ocorrida em nova legislatura – na ADI 6524, julgada em
dezembro de 2020, o item b.1 não foi apreciado e o item b.2 gerou divergência: dos 6
Ministros da Corte que formaram a corrente vencedora, 3 ministros votaram para vedar a
recondução ao cargo somente durante a mesma legislatura; outros 3 proibiram a reeleição
também em legislaturas diferentes, quando consecutivas.

6. IMUNIDADES DOS CONGRESSISTAS

6.2. Imunidade material


(...)
Aguardemos o julgamento definitivo das Ações Penais30. Parece-nos, todavia, que o STF
irá mesmo manter essa virada jurisprudencial, de forma que a imunidade material só possa
amparar condutas dos parlamentares, ainda que em razão de ofensa irrogada em plenário,
quando ficar comprovado o nexo entre o ato e o exercício funcional.
Aliás, em março de 2020, no julgamento da PET 7174/DF (noticiada no Info 969), a 1ª
Turma do STF corroborou essa nossa percepção de que o entendimento da Corte mudou.
Isso porque a Turma recebeu queixa-crime formulada contra parlamentar pela prática de
crime de difamação e injúria. De acordo com a inicial, o parlamentar-querelado, em discurso
proferido no Plenário da Câmara dos Deputados e em reunião da Comissão de Constituição
e Justiça e da Cidadania da mesma Casa, teria desferido ofensas verbais a artistas, ao
afirmar, dentre outras imputações, que eles teriam “assaltado” os cofres públicos ao
angariar recursos oriundos da Lei Rouanet (Lei 8.313/1991).
A Turma salientou que o fato de o parlamentar estar na Casa legislativa no momento
em que proferiu as declarações não afastava a possibilidade de cometimento de crimes
contra a honra, nos casos em que as ofensas são divulgadas pelo próprio parlamentar na
Internet. Afirmou, ademais, que a inviolabilidade material somente abarca as declarações
que apresentem nexo direto e evidente com o exercício das funções parlamentares:
O Parlamento é o local por excelência para o livre mercado de ideias – não para o livre

30. Vale destacar que este julgamento deve demorar alguns anos para acontecer. Isso porque, em fevereiro de 2019, em
razão da imunidade penal temporária atribuída ao Presidente da República prevista no artigo 86, parágrafo 4º, CF/88
(ele não responde a fatos de natureza criminal anteriores ao mandato), o Ministro Luiz Fux determinou a suspensão
do trâmite das Ações Penais (APs) 1007 e 1008. Em sua decisão, o Ministro Fux observou que Bolsonaro tomou posse
em 1º de janeiro de 2019 na Presidência da República e, em razão do fato, “aplicam-se as normas da Constituição
Federal relativas à imunidade formal temporária do chefe de Estado e de Governo, a impedir, no curso do mandato, o
processamento dos feitos de natureza criminal contra ele instaurados por fatos anteriores à assunção ao cargo”.
mercado de ofensas. A liberdade de expressão política dos parlamentares, ainda que
vigorosa, deve se manter nos limites da civilidade. Ninguém pode se escudar na
inviolabilidade parlamentar para, sem vinculação com a função, agredir a dignidade
alheia ou difundir discursos de ódio, violência e discriminação.

Entretanto, como nenhuma mudança de entendimento é simples e fácil (alterações na


compreensão de um tema sempre encontram resistências), vale registrar que o Ministro
Alexandre de Moraes (relator da Petição) ficou vencido neste caso. Ele rejeitou a queixa-
crime e absolveu sumariamente o querelado, pontuando que as declarações do querelado
foram proferidas na Casa Legislativa, circunstância que desautoriza a deflagração de
qualquer medida judicial censória da conduta imputada ao parlamentar, sendo indiferente
indagar-se acerca do conteúdo da manifestação realizada.

8.1.3. A polêmica envolvendo a condenação criminal transitada em julgado e a perda


(automática ou não?) do mandato do congressista
(...)
Repare, pois, que as duas Turmas do STF atualmente divergem acerca da possiblidade
de a condenação criminal definitiva ensejar, ou não, de forma automática, a perda do
mandato. Podemos resumir o atual cenário da seguinte maneira:
(i) 1ª Turma:
(a) Quando a condenação criminal definitiva de um parlamentar ultrapassar 120 dias
em regime fechado, a perda do mandato será uma consequência lógica da condenação (por
aplicação art. 55, III c/c o § 3º). À Mesa da Casa Legislativa respectiva (Câmara ou Senado)
restará apenas declarar (e não deliberar) que houve a perda do mandato (sendo incabível
discordar do STF).
* Precedente 1: 1ª Turma, STF, AP 694/MT, Rel. Min. Rosa Weber– ação penal julgada
em maio de 2017.
* Precedente 2: 1ª Turma, STF, AP 863/MT, Rel. Min. Edson Fachin – ação penal julgada
em maio de 2017.
* Precedente 3: 1ª Turma, STF, AP 965/DF, Rel. Min. Luís Roberto Barroso – ação penal
julgada em junho de 2020.

10.7. Tribunais de Contas dos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios

A propósito do tema, lembremos que, atualmente, só existem dois Tribunais de Contas


do Município: o Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro e o Tribunal de Contas
do Município de São Paulo 31. Aliás, sobre este último, vale ressaltar que, em junho de 2020,
nas ADIs 346 e 477632, o STF declarou constitucional o dispositivo da Constituição do Estado
de São Paulo que determinou que o Tribunal de Contas do Município de São Paulo seria
composto por 5 conselheiros. Segundo o STF, essa previsão não ofende a autonomia
municipal, tampouco viola o princípio da simetria. Afinal, se nossa CF/88 prevê nove
conselheiros para a composição do TCU e sete para a composição dos TCEs, é razoável que
um tribunal de contas municipal tenha um número inferior de conselheiros.

10.4. Atribuições dos Tribunais de Contas e a prerrogativa para apresentação de projetos


de lei
(iii) Apreciar a legalidade dos atos de admissão de pessoal e de concessão de
aposentadorias, reformas e pensões civis e militares (art. 71, III):
• neste inciso, a Constituição estabelece competir ao TCU apreciar, para fins de
registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal na administração direta e
indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo poder público,
excetuadas as nomeações para cargos de provimento em comissão, bem como a
das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias
posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório.
Importante frisar que os atos enunciados neste inciso produzem seus efeitos antes
mesmo da apreciação e concordância do Tribunal de Contas. Vale dizer, os atos de
concessão de aposentadoria, reforma e pensão de agentes públicos estatutários produzem
efeitos imediatos tão logo sejam publicados: como o agente é afastado do serviço ativo,
surge uma vaga no quadro de pessoal, há uma definição quanto ao valor do provento ou
pensão – que será percebido pelo beneficiário também de forma imediata – e há a
obrigatoriedade de o processo concessório correspondente ser imediatamente enviado ao
órgão de controle. Se o Tribunal de Contas constatar alguma ilegalidade impassível de
correção no ato de admissão, concessão de aposentadoria, reforma ou pensão, se recusará
a conceder o registro, o que significa que o ato praticado pela Administração deixará de
produzir efeitos (exemplo: se o TCU recusar o registro da aposentadoria de um servidor que
havia sido concedida por um órgão da Administração, o servidor deverá retornar ao
trabalho)33.

31
. É certo que o art. 31, § 4º, da CF veda que os municípios criem seus próprios tribunais, conselhos ou órgãos de contas. Isso,
entretanto, não implicou a extinção do TCM-SP e do TCM-RJ, criados sob a égide de regime constitucional anterior.

32
. Noticiadas no Informativo 980.

33. BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Sinopses para Concursos: v. 17 – Direito Constitucional – Tomo
II. 1ª ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 378.
No entanto, até fevereiro de 2020, não tínhamos um prazo limite estabelecido para que
as Cortes de Contas exercessem a competência de controle prevista nesse dispositivo. Por
óbvio, a inexistência de um lapso temporal preciso no qual a Corte de Contas deveria se
pronunciar ocasionava um grave e custoso problema: os processos de registro se
prolongavam no tempo, às vezes por décadas, gerando uma inaceitável insegurança jurídica
para o aposentado (ou seus herdeiros).
E foi justamente em homenagem ao ideal de segurança jurídica e da proteção da
confiança nas relações constituídas de boa-fé entre o Estado e os indivíduos que a
jurisprudência do STF evoluiu significativamente nos últimos anos, alterando, em sucessivas
oportunidades, seu entendimento sobre o tema. Acompanhe nos itens postos abaixo, caro
leitor, as diferentes concepções que já foram adotadas pela nossa Corte Suprema:
(i) De início, tivemos a edição (na Sessão Plenária de 30/5/2007) da Súmula Vinculante nº
3, asseverando que: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o
contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de
ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do
ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.”
Nota-se que, em um primeiro momento, o STF entendeu que nos casos de concessão
de aposentadoria, reforma e pensão, a eventual negativa do TCU em registrar
definitivamente o ato podia ser efetivada sem que se tivesse dado, ao eventual prejudicado,
o direito de defesa.
(ii) No entanto, no mesmo ano de 2007 (no julgamento do MS 25.116/DF ) o STF iniciou um
processo de ponderação na aplicação do enunciado da súmula vinculante 3. No caso em
discussão, a Corte de Contas negara registro a ato de aposentadoria especial de professor
por considerar indevido o cômputo de serviço prestado sem contrato formal e sem o
recolhimento das contribuições previdenciárias. Considerando, todavia, o extenso lapso
temporal entre o início da percepção da aposentadoria por determinação da Administração
até a negativa do registro pelo TCU (cinco anos e oito meses), entendeu-se haver direito
líquido e certo para o impetrante em exercitar as garantias do contraditório e da ampla
defesa. Invocou o STF os princípios da segurança jurídica e da lealdade para justificar a
mitigação ao enunciado da súmula vinculante. Destarte, nossa Corte Suprema firmou o
entendimento de que seria necessário cientificar o interessado para assegurar o
contraditório e ampla defesa nos casos de controle externo de legalidade pelo TCU, quando
ultrapassado sem decisão o prazo de cinco anos contado da chegada a esse órgão do
processo administrativo de concessão de aposentadoria ou pensão.
Nas palavras da Corte
A recente jurisprudência consolidada do STF passou a se manifestar no sentido de exigir
que o TCU assegure a ampla defesa e o contraditório nos casos em que o controle externo
de legalidade exercido pela Corte de Contas, para registro de aposentadorias e pensões,
ultrapassar o prazo de cinco anos, sob pena de ofensa ao princípio da confiança – face
subjetiva do princípio da segurança jurídica. (…) Nesses casos, conforme o entendimento
fixado no presente julgado, o prazo de 5 (cinco) anos deve ser contado a partir da data de
chegada ao TCU do processo administrativo de aposentadoria ou pensão encaminhado
pelo órgão de origem para julgamento da legalidade do ato concessivo de aposentadoria
ou pensão e posterior registro pela Corte de Contas. (MS 24.781/DF, Rel. Min. Ellen Gracie,
Rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 02/03/2011).

Certamente essa orientação representou um incontestável progresso, uma vez que


estimulou que as Cortes de Contas fizessem a análise de controle de modo mais célere,
além de ter possibilitado a participação e manifestação dos interessados (quando
ultrapassado o prazo de cinco anos sem nenhuma decisão). Não impediu, todavia, o
alongamento temporal desmedido dos processos de controle/registro: estes continuaram
sem um prazo de conclusão definido. Assim, a insegurança jurídica na emissão do registro
continuava a cercar o beneficiário, pois seu processo podia se estender por muitos anos, as
vezes décadas.
(iii) Eis que em 19/02/2020, no julgamento do RE 636.553/RS (com repercussão geral
reconhecida, ), inaugura-se uma nova fase na compreensão do tema, em que o STF
reconheceu os graves inconvenientes impostos ao beneficiário em razão da inexistência de
prazo para a Corte de Contas exercer seu dever constitucional descrito no art. 71, III, CF/88.
E foi justamente para superar esse embaraço que o STF, orientado pelo ideal de
segurança jurídica e pela necessidade da estabilização das relações, fixou o prazo de 5 anos
como prazo decadencial para a emissão do ato de registro em sede de controle de
legalidade descrito no inciso III do art. 71, CF/88. Caso esse prazo de 5 anos transcorra sem
que tenha havido a emissão do ato de controle, o ato concessório original será considerado
definitivamente registrado.
Em maio de 2020 o acórdão foi publicado, com a seguinte ementa:
Recurso extraordinário. Repercussão geral. 2. Aposentadoria. Ato complexo. Necessária
a conjugação das vontades do órgão de origem e do Tribunal de Contas. Inaplicabilidade
do art. 54 da Lei 9.784/1999 antes da perfectibilização do ato de aposentadoria, reforma
ou pensão. Manutenção da jurisprudência quanto a este ponto. 3. Princípios da
segurança jurídica e da confiança legítima. Necessidade da estabilização das relações
jurídicas. Fixação do prazo de 5 anos para que o TCU proceda ao registro dos atos de
concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, após o qual se considerarão
definitivamente registrados. 4. Termo inicial do prazo. Chegada do processo ao Tribunal
de Contas. 5. Discussão acerca do contraditório e da ampla defesa prejudicada. 6. TESE:
"Em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de
Contas estão sujeitos ao prazo de 5 anos para o julgamento da legalidade do ato de
concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo
à respectiva Corte de Contas". 7. Caso concreto. Ato inicial da concessão de
aposentadoria ocorrido em 1995. Chegada do processo ao TCU em 1996. Negativa do
registro pela Corte de Contas em 2003. Transcurso de mais de 5 anos. 8. Negado
provimento ao recurso. (grifos nossos).

Acerca da fixação do prazo em cinco anos, dois aspectos merecem destaque:


(1) Como não há uma lei disciplinando de forma específica um prazo para que as Cortes de
Contas analisem a concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, o Supremo
Tribunal, valendo-se do princípio da isonomia, resolveu aplicar, por analogia, o prazo
descrito no art. 1º do Decreto 20.910/1932 34 (que foi recepcionado pela CF/88 como lei
ordinária). Assim, sendo de 5 anos o prazo que o administrado possui para pleitear seus
direitos perante a Fazenda Pública, de igual forma o Poder Público, no exercício do controle
externo (Cortes de Contas), possuirá idêntico prazo para poder rever eventual ato
administrativo favorável ao administrado. Findo este prazo, sem que a Corte de Contas
tenha realizado o registro dos atos de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou
pensão, estes serão considerados, em definitivo, registrados.
(2) O prazo de 5 anos começa a ser contado na data em que o ato concessório chega no
órgão de controle (na Corte de Contas).
Vamos finalizar a análise dessa atribuição do TCU mapeando algumas últimas questões
que podem ter gerado dúvidas para o estimado leitor. Vejamos:
(a) O enunciado 3 da súmula vinculante do STF não foi cancelado. Mas uma coisa mudou: a
exceção que jurisprudencialmente o STF houvera construído para tal verbete não mais
vigora (ou seja, em nenhuma situação será necessário que a Corte de Contas assegure ao
interessado o direito de exercer o contraditório ou a ampla defesa).
(b) Assim, quando a Corte de Contas realizar o controle de legalidade do ato de “concessão
inicial” da aposentadoria, reforma ou pensão ela não deve assegurar ao interessado a
possibilidade de exercer o direito ao contraditório e ampla defesa. Afinal, tal apreciação
representa a realização de um ato administrativo, não havendo litígio ou acusação que
justifique a incidência de tais princípios.

34
. Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda
Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual
se originarem.
(c) Antes da decisão proferida pelo STF em fevereiro de 2020 (no RE 636.553), nos casos em
que transcorresse o prazo de cinco anos (contados do ingresso do processo administrativo
perante o TCU) sem que tivesse havido a apreciação da legalidade do ato de concessão
inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a Corte de Contas continuava a poder
examinar o ato, mas deveria resguardar o direito de defesa (contraditório e ampla defesa)
ao interessado.
(d) Após a decisão proferida pelo STF em fevereiro de 2020, caso o Tribunal de Contas
demore mais de 5 anos para realizar sua atividade de controle (isto é, para apreciar a
legalidade do ato de “concessão inicial” da aposentadoria, reforma ou pensão), ele não mais
poderá rever tal ato. Assim, esgotado o prazo de 5 anos, considera-se que a aposentadoria,
reforma ou pensão está definitivamente registrada, ainda que tenha havido nenhuma
análise por parte do Tribunal de Contas.
(e) Por fim, pensamos que não mais faça sentido qualificarmos o ato concessório como “ato
complexo” – aquele que só se aperfeiçoa por intermédio da manifestação de vontade de
dois ou mais órgãos diversos. Afinal, se antes o ato concessório só se tornava definitivo
depois da aprovação do Tribunal de Contas (vale dizer: só se tornaria perfeito e acabado
após exame e registro pela Corte de Contas), desde fevereiro de 2020 o ato concessório
produz efeitos a partir da sua edição e tais efeitos podem tornar-se definitivos, em âmbito
administrativo, com o simples transcorrer do tempo. Em outras palavras: o ato de registro
pode não acontecer, em virtude da inércia do órgão de controle, que deixa esgotar o lapso
temporal hábil para o exercício dessa sua competência. Por isso, parece-nos que
tecnicamente é mais apropriado considerarmos o ato concessório inicial como sendo um
ato administrativo simples, que está, todavia, sujeito à condição resolutiva de negativa do
registro. Essa é também a opinião do Min. Edson Fachin, conforme noticiado no Informativo
967: “O ministro Edson Fachin acompanhou o relator quanto à parte dispositiva. Enfatizou,
porém, que o ato de concessão de aposentadoria é um ato simples e não complexo”. A
maioria dos Ministros, todavia, não se ateve a esse ponto, e seguiu considerando o ato
como complexo. Deste modo, o Informativo 967 registrou a corrente vencedora da seguinte
forma: “O Tribunal, seguindo sua jurisprudência dominante, considerou que a concessão de
aposentadoria ou pensão constitui ato administrativo complexo, que somente se
aperfeiçoa após o julgamento de sua legalidade pela Corte de Contas”.

6.6.2. Foro especial para os congressistas

(D) Últimas considerações sobre o foro especial


(...)
(3) Neste item, apresentarei (mais um!) curioso caso de instabilidade da nossa Corte
Suprema com suas próprias decisões. Pois bem, vejamos:
(i) Até ser editada, em 2014, a Emenda Regimental nº 49, todos os membros do Congresso
Nacional tinham suas ações penais e inquéritos analisados pelo Plenário do STF, de forma
que os 11 Ministros discutiam o caso e votavam no processo.
(ii) Após a alteração regimental, todavia, somente os Presidentes da Câmara e do Senado
passaram a ser julgados pelo Plenário. Os demais parlamentares seriam processados e
julgados pelas Turmas, compostas, cada uma, por cinco Ministros35. Assim, com a nova
redação dada ao regimento, ao Plenário passou a competir o julgamento do Presidente da
República e do Vice, dos Ministros do STF, dos Presidentes da Câmara e do Senado e do
Procurador-Geral da República. Por seu turno, as Turmas passaram a analisar as ações
penais e inquéritos que envolviam Deputados Federais e Senadores que não estavam no
exercício da Presidência da respectiva Casa Legislativa, bem como os Ministros de Estado,
os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros do Tribunal de
Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente.
(iii) Referida mudança regimental foi questionada (no próprio ano de 2014) perante o STF
na ADI 5.175, ajuizada pela Mesa da Câmara dos Deputados. Em junho de 2020, por
unanimidade, os Ministros julgaram improcedentes os pedidos feitos e consideraram
constitucional a mudança estabelecida pela norma regimental.
(iv) Menos de 4 meses depois, em sessão administrativa de outubro de 2020, nova virada
no tema: os ministros do STF aprovaram, por unanimidade, proposta regimental para
retomar a competência do plenário do Supremo para julgar ações penais e inquéritos
policiais envolvendo as autoridades com prerrogativas de foro. Com a aprovação, volta a
valer a norma original do RISTF:
Compete ao Plenário processar e julgar originariamente: I - nos crimes comuns, o
Presidente da República, o Vice-Presidente da República, os Deputados e Senadores, os
Ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador-Geral da República, e nos crimes
comuns e de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, da Constituição Federal, os
membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de
missão diplomática de caráter permanente, bem como apreciar pedidos de
arquivamento por atipicidade da conduta.

A proposta foi feita por Luiz Fux (na condição de presidente da Corte), que observou
uma queda vertiginosa na quantidade de ações penais e inquéritos tramitando no Tribunal:
em razão da nova regra referente à prerrogativa de foro, em 05/10/2020 o STF tinha 166

35. Lembremos sempre que desde maio de 2018, em razão do julgamento da AP (QO) 937, o STF só é o foro dos parlamentares nos
casos em que o crime é praticado durante o mandato e em razão dele.
inquéritos e 29 ações penais (para efeitos de comparação, em 2018 eram 500 inquéritos e
89 ações).

 Cap. 13: (“Processo Legislativo”):

3.6.8. Últimas observações sobre as medidas provisórias


(iii) Em equivalência ao que foi dito no item anterior, se a MP tratar de tema já previsto em
lei ordinária, esta última ficará suspensa, aguardando a conversão da MP em lei (situação
em que a lei ordinária anterior será revogada) ou a rejeição da MP (caso em que a lei
ordinária anterior voltará a produzir seus efeitos).
Segundo o STF:
Medida provisória não revoga lei anterior, mas apenas suspende seus efeitos no
ordenamento jurídico, em face do seu caráter transitório e precário. Assim, aprovada a
medida provisória pela Câmara e pelo Senado, surge nova lei, a qual terá o efeito de
revogar lei antecedente. Todavia, caso a medida provisória seja rejeitada (expressa ou
tacitamente), a lei primeira vigente no ordenamento, e que estava suspensa, volta a ter
eficácia. ADI 5709, ADI 5716, ADI 5717 e ADI 5727, Rel. Min. Rosa Weber, j. 27.03.2019).

 Cap. 14: (“Poder Executivo”):

5. ELEIÇÃO, SISTEMAS ELEITORAIS E MANDATO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA


(1) Sistema proporcional
(...)
Segundo a primeira, deve-se inicialmente dividir o número de votos válidos pelo
número de cadeiras a preencher. O produto desta divisão é exatamente o quociente
eleitoral. Caso algum partido, ao somar os votos obtidos pela legenda e pelos candidatos,
não alcance número de votos pelo menos igual ao quociente eleitoral, não terá elegido, de
início, nenhum candidato para aquela Casa Legislativa (o partido que não obteve número
de votos que corresponda ao menos uma vez ao valor do quociente eleitoral, só terá direito
a uma vaga na Casa Legislativa pela regra da “sobra eleitoral” do art. 109, § 2° do Código
Eleitoral – “Art. 109 (...) § 2º Poderão concorrer à distribuição dos lugares todos os partidos
e coligações que participaram do pleito”)36.

36
. Vale destacar que antes da edição da Lei nº 13.488/2017, o art. 109, § 2° do Código Eleitoral estabelecia que somente podiam
concorrer à distribuição dos lugares os partidos ou as coligações que tivessem obtido o quociente eleitoral. A regra foi alterada
justamente para valorizar a participação das minorias. O STF, em março de 2020, na ADI 5947, confirmou a constitucionalidade
13. RESPONSABILIDADE DOS GOVERNADORES E DOS PREFEITOS
(ii) Prefeitos
(...)
Vale destacar que em setembro de 2019, no RE 976566, o STF decidiu que o julgamento
de prefeito municipal por crime de responsabilidade não impede sua responsabilização civil
pelos mesmos atos de improbidade administrativa. Por unanimidade, os ministros
entenderam que, como as instâncias penal e civil são autônomas, a responsabilização nas
duas esferas não representa duplicidade punitiva imprópria.
Em seu voto, o relator do RE, Ministro Alexandre de Moraes, destacou que,
independentemente de a conduta dos prefeitos e vereadores serem tipificadas como
infração penal ou infração político-administrativa (artigos 1º e 4º do Decreto-Lei 201/1967),
a responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa é autônoma e deve ser
apurada em instância diversa da penal. Para o Ministro, o combate à corrupção, à
ilegalidade e à imoralidade no Poder Público deve ser prioridade absoluta no âmbito de
todos os órgãos constitucionalmente institucionalizados. Vejamos um trecho da sua
manifestação:
A corrupção é a negativa do Estado Constitucional, que tem por missão a manutenção
da retidão e da honestidade na conduta dos negócios públicos, pois não só desvia os
recursos necessários para a efetiva e eficiente prestação dos serviços públicos, mas
também corrói os pilares do Estado de Direito e contamina a necessária legitimidade dos
detentores de cargos públicos, vital para a preservação da Democracia representativa.

No mais, foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: “O processo e o julgamento de


prefeito municipal por crime de responsabilidade (Decreto-lei 201/67) não impede sua
responsabilização por atos de improbidade administrativa previstos na Lei 8.429/1992, em
virtude da autonomia das instâncias”.

 Cap. 15: (“Poder Judiciário”):

dessa alteração. De acordo com o relator da ação direta, Ministro Marco Aurélio, a modificação permite que partidos menores,
geralmente vinculados à defesa de demandas de grupos socialmente minoritários, tenham representação parlamentar. Segundo
ele, há casos em que candidatos dessas siglas foram bem votados, mas, pelas regras anteriores, não poderiam assumir o mandato,
pois a sigla não havia alcançado o quociente eleitoral.
3. PRINCÍPIOS DE OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA NO ESTATUTO DA MAGISTRATURA
(...)
(a) Inciso I: Ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de Juiz substituto, mediante
concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados
do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três
anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de
classificação.
- Lembre-se que, conforme preceitua o art. 59, da Resolução nº 75/2009, do
Conselho Nacional de Justiça, considera-se atividade jurídica aquela exercida com
exclusividade por bacharel em direito: o efetivo exercício de advocacia, inclusive
voluntária, mediante a participação anual mínima em cinco atos privativos de
advogado em causas ou questões distintas; o exercício de cargos, empregos ou
funções, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de
conhecimento jurídico, independentemente de serem privativos de bacharel em
direito; o exercício da função de conciliador junto a tribunais judiciais, juizados
especiais, varas especiais etc., no mínimo dezesseis horas mensais e durante um
ano; e o exercício da atividade de mediação ou de arbitragem na composição dos
litígios. Os três anos serão aferidos quando da inscrição definitiva no concurso.
Ademais, tal Resolução prevê cinco etapas para integrar a magistratura: uma prova
objetiva (eliminatória e classificatória); duas provas escritas (eliminatórias e
classificatórias); uma terceira etapa de análise de vida pregressa, investigação
social, sanidade física e mental e exame psicotécnico; uma prova oral, que constitui
a quarta etapa (caráter eliminatório e classificatório); e uma quinta e última etapa
de avaliação de títulos, de caráter meramente classificatório.
- Ainda sobre o tema, vale destacar a decisão proferida pelo STF em dezembro de
2020, na ADI 5329, na qual foi declarado inconstitucional o requisito previsto no
artigo 52, inciso V, da Lei de Organização Judiciária do Distrito Federal e dos
Territórios (Lei 11.697/2008), que exigia a idade mínima de 25 anos e máxima de
50 para ingresso na carreira da magistratura do Distrito Federal e dos Territórios.
De acordo com os Ministros, o artigo 93 da Constituição Federal prevê, como
requisitos basilares para o ingresso na carreira inicial da magistratura, a aprovação
em concurso público de provas e títulos, o bacharelado em Direito e o mínimo de
três anos de atividade jurídica. Ademais, o estabelecimento de um limite máximo
de idade para investidura em cargo cujas atribuições são de natureza
preponderantemente intelectual contraria o entendimento do STF de que
restrições desse tipo somente se justificam em vista de necessidade relacionada às
atribuições do cargo, como ocorre em carreiras militares ou policiais. Pelas
características próprias da atividade jurisdicional, em que a experiência profissional
e o conhecimento jurídico acumulado qualificam o exercício da função, o
atingimento da idade de 50 anos, por si só, não desabona o candidato (ao contrário,
tudo indica que a pessoa estará no gozo de sua plena capacidade produtiva).
Alínea (f) Processar e julgar, originariamente, os litígios federativos, isto é, as causas e os
conflitos entre certos entes federados (União, Estados-membros e Distrito Federal),
inclusive as respectivas entidades da administração indireta.

(...)
- Para exemplificar situação na qual há conflito federativo que culmine no
reconhecimento da competência da Corte, lembremos que em março de 2019, na
Rcl 4.210/SP, o STF confirmou que configura tal conflito a ação na qual a União e o
Estado-membro, em polos antagônicos, discutem se determinado projeto se
enquadra como atividade de transporte de gás canalizado (art. 177, IV, da CF/88)
ou fornecimento de gás canalizado (art. 25, § 2º).
- Outro exemplo pode ser extraído da decisão proferida pelo Min. Celso de Mello
(aposentado em outubro de 2020) na Ação Cível originária (ACO) 3385. Em abril de
2020 (durante o combate à pandemia decorrente da Covid-19), o Min. confirmou
que a União não poderia requisitar respiradores que tinham sido adquiridos pelo
governo do Maranhão. Referido Estado-membro, ao pedir a suspensão da medida
que houvera sido determinada pela União, argumentou que a autonomia dos entes
federados impediria que um deles (no caso, a União) assumisse, mediante simples
requisição administrativa, o patrimônio, o quadro de pessoal e os serviços de outro
ente público37. Ademais, por se tratar de conflito federativo, o STF era a instância
adequada para decidir o tema (art. 102, I, ‘f’, CF/88). Sobre o tema, vale a pena
lermos um trecho do voto do Ministro, bastante esclarecedor quanto ao ponto
definidor da competência do STF:
O Supremo Tribunal Federal, em sua condição de Tribunal da Federação, deve atuar nas
causas em que se busque resguardar o equilíbrio do sistema federativo (RTJ 81/330-
331), velando pela intangibilidade dos valores que informam o princípio fundamental
que rege, em nosso ordenamento positivo, o pacto da Federação (RTJ 95/485 – RTJ
132/120, v.g.). Em consequência, não é qualquer causa que legitima a invocação da
cláusula fundada no art. 102, I, “f”, da Constituição, mas, exclusivamente, aquelas

37
. Vale frisar que a requisição (art. 5°, inciso XXV, CF/88) só atinge bens particulares, não bens de outros entes federados. A única ressalva
seria a excepcional circunstância de se tratar de requisição federal de bens públicos na vigência do estado de defesa (CF, art. 136, § 1º,
II) ou do estado de sítio (CF, art. 139, inciso VII).
controvérsias das quais possam derivar situações configuradoras de vulneração, atual ou
potencial, à intangibilidade do vínculo federativo, ao equilíbrio e/ou ao convívio
harmonioso entre as pessoas estatais que integram o Estado Federal brasileiro (AC 2.156-
REF-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Ou, em outras palavras, não se instaura a
competência originária do Supremo Tribunal Federal, que é sempre excepcional (ACO
359/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ACO 2.430-AgR/DF, Rel. Min. LUIZ FUX, v.g.), pelo
fato da mera existência de “conflito entre entes federativos”, cuja situação de
litigiosidade, por si só, não se qualifica, para efeito de incidência da regra
consubstanciada na Constituição da República (art. 102, I, “f”), como “conflito
federativo” (ACO 2.101-AgR/SC, Rel. Min. DIAS TOFFOLI).

(1) Obs.: Sobre o art. 109, XI, vale recordar alguns pontos importantes acerca da
competência para processar e julgar processos que envolvam este assunto:
(a) Segundo dados extraídos do site do STJ38, o Brasil tem aproximadamente 800 mil índios,
divididos em mais de 200 povos que falam cerca de 300 idiomas e dialetos diferentes e
estão espalhados por todas as unidades da federação. A intervenção do ordenamento
jurídico nacional no cotidiano dessa população é sempre tema de controvérsias, tendo em
vista a divisão de competências para cada caso.
(b) Nossa Constituição, em seu artigo 231, determina que cabe à União zelar pela proteção
das terras e dos direitos dos índios no Brasil. Apesar desse dispositivo constitucional, nem
todos os processos que envolvem índios serão processados e julgados pela Justiça Federal.
(c) A competência dos juízes federais está descrita no artigo 109, inciso XI, da CF/88, para
os casos em que houver disputa sobre direitos indígenas, o que não se configura
necessariamente sempre que um índio for parte em algum processo.
(d) A Justiça Federal só será competente quando o processo envolver a efetiva disputa de
interesses indígenas. Na hipótese de um crime em que o indígena for autor ou vítima, o
caso deverá ser julgado pela Justiça estadual, conforme definiu o Superior Tribunal de
Justiça (STJ) ao editar a Súmula 140 (“Compete à justiça comum e radial processar e julgar
crime em que o indígena figure como autor ou vítima”). Como você pode imaginar,
estimado leitor, a distinção entre uma situação e outra é objeto de frequentes
controvérsias.
(e) Estaremos diante de uma disputa sobre direitos indígenas (que será de competência da
Justiça Federal) quando a causa envolver a organização social dos índios, seus costumes,
línguas, crenças e tradições, bem como os direitos sobre as terras que tradicionalmente
ocupam. Para ilustrar, um processo sobre calúnia e difamação entre índios foi reconhecido

38
. http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2017/2017-09-24_08-
00_Conflitos-de-competencia-e-outras-questoes-indigenas-na-pauta-do-STJ.aspx. Acesso em 04.10.2020.
como de competência da Justiça Federal, pois se concluiu que o caso ocorreu no âmbito de
uma disputa entre caciques por terras e pelo domínio da aldeia, em conflito relacionado à
liderança que envolvia o interesse de toda a comunidade.
(f) Por outro lado, em um caso em que um índio foi acusado de homicídio, foi aplicada a
Súmula 140 do STJ, por entender-se que a situação não envolvia lesão a direitos indígenas
coletivamente considerados. De acordo com o processo, o autor intelectual da morte do
chefe da tribo teria agido por vingança, por ter sido expulso da comunidade em razão da
suspeita de seu envolvimento em furtos.
(g) Em outro caso analisado pela Terceira Seção do STJ, em 2017, os ministros entenderam
que o homicídio cometido sob a alegação de estar o autor dominado por feitiço não era
elemento suficiente para atrair a competência da Justiça Federal. O relator do caso, ministro
Felix Fischer, afirmou que o feitiço não pode ser vinculado à cultura indígena para deslocar
o caso para o âmbito federal. Nas palavras do relator: “O suposto homicídio praticado por
índio contra outro não teve conotação de disputa de seus direitos indígenas, não sendo
relevante, para fins de competência, a crença pessoal do autor que alega ter praticado o
crime em virtude de feitiço, porquanto tal fato não atinge direitos coletivos, ou seja, o crime
não foi praticado para atingir a cultura indígena” (CC 149.964).
(h) Ademais, também temos pronunciamento do STJ no sentido de que a extensão do que
se considera violação de direitos coletivos indígenas não abarca, por exemplo, crimes de
exploração sexual de índios. Ao tratar dessa matéria, a Quinta Turma do STJ declarou
competente a Justiça do Amazonas, já que se tratava de crime contra a dignidade sexual.
Para os ministros, era um caso de aplicação da Súmula 140. “A exploração sexual de
indígenas não atrai a competência da Justiça Federal, pois não se trata de violação à cultura
dos indígenas, e sim contra a dignidade sexual”, destacou o ministro Moura Ribeiro (o
número deste processo não foi divulgado em razão de segredo judicial).

6.4. Controle judicial da atuação do CNJ


(...)
Nesse sentido, temos o art. 102, I, “r”, da CF/88, determinando que as decisões do CNJ
serão passíveis de revisão pelo STF, já que este é o órgão máximo do Poder Judiciário e
inequivocamente possui superioridade em relação ao CNJ. Sobre o tema, em novembro de
2020, foi fixada pelo STF a seguinte tese:
Nos termos do artigo 102, inciso I, alínea ‘r’, da Constituição Federal, é competência
exclusiva do Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente todas as
decisões do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público
proferidas no exercício de suas competências constitucionais respectivamente previstas
nos artigos 103-B, parágrafo 4º, e 130-A, parágrafo 2º, da Constituição Federal.

Interessante notar que no julgamento que originou esta tese, o Plenário do Supremo
Tribunal Federal, por maioria de votos, mudou seu entendimento e definiu que a
competência para processar e julgar ações ordinárias contra decisões e atos administrativos
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)
proferidas no âmbito de suas atribuições constitucionais é do próprio Supremo. Essa
alteração jurisprudencial ocorreu no julgamento conjunto da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 4412, da Petição (Pet) 4770, e da Reclamação (Rcl) 33459.
Prevaleceu o entendimento de que a missão constitucional dos conselhos, órgãos de
controle do Judiciário e do Ministério Público, ficaria comprometida caso suas decisões, que
têm eficácia nacional, fossem revistas pelos mesmos órgãos que estão sob sua supervisão
e fiscalização. A maioria dos ministros considera que os conselhos constitucionais foram
inseridos na estrutura do Judiciário e do Ministério Público com a competência expressa de
controlar a atuação administrativa, financeira e disciplinar de seus membros, e seria inviável
submeter o controle jurisdicional de suas decisões nesse campo a outro órgão que não o
Supremo.
Assim, para a maioria dos ministros, o novo entendimento dá efetividade às decisões
dos conselhos e preserva a segurança jurídica, pois apenas o órgão máximo do Poder
Judiciário exercerá o controle jurisdicional de suas atribuições finalísticas, ou seja, as
definidas expressamente pela Constituição Federal – eles ressalvaram que as ações contra
atos dos conselhos que não estejam nas previsões constitucionais continuam sob a
jurisdição da Justiça Federal.
Cumpre, ademais, informar que:
(i) Restou superado o entendimento do STF que consolidava uma interpretação
restritiva de suas competências, no sentido de que sua atribuição para julgar ações
que questionam atos do Conselho Nacional de Justiça se limitava às ações
tipicamente constitucionais39: mandados de segurança, mandados de injunção,
habeas corpus e habeas data.
(ii) O Supremo Tribunal Federal segue não tendo competência para processar e
julgar ações decorrentes de decisões negativas do CNJ. Assim, quando o
pronunciamento do CNJ (ou do CNMP, que é órgão similar) representar uma recusa
de intervir em determinado procedimento, ou, então, importar no mero
reconhecimento de sua incompetência, não fará instaurar, para efeito de controle

39. Nesse sentido: STF, AO 1.814-QO/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe de 03/12/2014; AO 1.706-AgR, Rel. Min. Celso
de Mello, Tribunal Pleno, DJe de 18/02/2014; AO 1.692 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJE de 17-6-2015.
jurisdicional, a competência originária do STF. Afinal, como o conteúdo da decisão
do Conselho foi “negativo”, isto é, ele nada decidiu, não há a prática de um ato que
possa ser atacado no STF. Confirmando esse entendimento, confira o trecho abaixo,
extraído de uma notícia publicada (em 15 de dezembro de 2020) no site do STF:
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), julgou incabível um
Mandado de Segurança (MS 37545) ajuizado pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça
Avaliadores do Estado de Minas Gerais (Sindojus) contra decisão do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ), por não ter determinado ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais (TJ-MG) que cumprisse acordo para passar a exigir nível superior para o ingresso
no cargo de oficial de justiça. Segundo o relator, o STF não tem competência para revisar
decisão do CNJ que negou um pedido de providências que visava interferir na esfera de
competência de tribunal.
O ministro entendeu que não há o que julgar, pois o CNJ se negou a interferir na decisão
do TJ-MG de optar somente pela exigência de nível médio para o cargo de oficial de
justiça. Mendes baseou-se nos julgados do STF que entendem que o pronunciamento do
CNJ que consubstancie recusa de intervir em determinado procedimento não faz
instaurar, para efeito de controle jurisdicional, a competência originária da Corte.
Em sua decisão, o ministro Gilmar Mendes destacou que a jurisprudência do STF é clara
no sentido de que a competência do STF para processar e julgar ações contra o CNJ não
o torna instância revisora de todas as decisões proferidas pelo órgão de controle do
Judiciário. O ministro observou que não cabe ao Tribunal julgar mandado de segurança
contra deliberação negativa do CNJ, pois, nessa hipótese, não se pode considerar que
tenha sido praticado um ato qualificável como lesivo ao direito reivindicado pela parte
interessada. (grifos nossos).

 Cap. 16: (“Funções Essenciais à Justiça”):

2. MINISTÉRIO PÚBLICO

2.3. Princípios institucionais


(...)
Em encerramento ao item, vale destacar que os princípios do promotor natural e da
independência funcional foram utilizados pelo Procurador-Geral da República como
fundamentos para a impetração da ADI 5505 contra a previsão da Lei Orgânica do MP/RN
(Lei complementar estadual nº 141/96) que determinou competir exclusivamente ao
Procurador-Geral de Justiça interpor recursos ao STF e STJ. O STF, no entanto, ao julgar essa
ação, em abril de 2020, determinou sua improcedência e concluiu que Lei Orgânica estadual
do Ministério Público pode atribuir privativamente ao Procurador-Geral de Justiça a
competência para interpor recursos dirigidos ao STF e STJ. Não há inconstitucionalidade
formal nessa previsão. Primeiro porque a Lei Federal nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público - LONMP) não pormenoriza a atuação dos Procuradores-Gerais de Justiça
e dos Procuradores de Justiça em sede recursal; tampouco essa lei enuncia de forma
exaustiva o rol de atribuições dos Procuradores-Gerais de Justiça (de modo a ser possível
que as leis orgânicas dos Ministérios Públicos estaduais ampliem validamente tais
atribuições). Ademais, porque não há ofensa aos princípios do promotor natural e da
independência funcional dos membros do Parquet: trata-se de mera divisão de atribuições
dentro do Ministério Público estadual, veiculada por meio de lei, e não se possibilita a
ingerência do PGJ nas atividades dos Procuradores de Justiça, que conservam plena
autonomia no exercício de seus misteres legais.

2.4. Ingresso na carreira


(...)
Em agosto de 2020, na ADI 4219, o STF, por maioria, definiu ser constitucional a
previsão contida na Resolução nº 40/2009, do CNMP, no sentido de que os cursos de pós-
graduação (especialização, mestrado e doutorado) podem ser considerados como tempo
de atividade jurídica para fins de concurso público no âmbito do Ministério Público. Afinal,
se o bacharel em Direito concluir uma especialização, mestrado ou doutorado, ele terá
adquirido um conhecimento que extrapola os limites curriculares da graduação em Direito.
E em sua atividade regulamentadora, o Conselho Nacional do Ministério Público está
autorizado a densificar o comando constitucional de exigência de “atividade jurídica” com
cursos de pós-graduação40.

2.9. Conselho Nacional do Ministério Público


(...)
Acerca da atribuição que o CNMP possui para expedir atos regulamentares, no âmbito
de sua competência, vale comentar a decisão proferida pelo STF em abril de 2020, na ADI
5454. Naquela ocasião, nossa Corte Suprema reforçou que o CNMP possui capacidade para
a expedição de atos normativos autônomos (art. 130-A, § 2º, I, CF/88), desde que o
conteúdo disciplinado pela norma se insira no âmbito de suas atribuições constitucionais.
Exatamente por isso, o STF considerou que a Resolução nº 27/2008 do CNMP, que proibiu

40
. Vale destacar que essa autorização que considera como tempo de atividade jurídica para fins de concurso público os cursos de pós-
graduação (especialização, mestrado e doutorado) não vale para os concursos da Magistratura (só para o MP). Isso porque a
Resolução nº 75/2009-CNJ não prevê essa possibilidade.
aos servidores do Ministério Público o exercício da advocacia, é constitucional. Afinal, a
resolução teve por finalidade assegurar a observância dos princípios constitucionais da
isonomia, da moralidade e da eficiência no Ministério Público, estando, pois, abrangida pelo
escopo de atuação do CNMP (art. 130-A, § 2º, II). Ademais, considerou o Supremo que a
vedação do exercício da advocacia para determinadas categorias funcionais apresenta-se
em conformidade com a Constituição Federal, devendo-se proceder a um juízo de
ponderação entre os valores constitucionais eventualmente conflitantes – no caso, o direito
dos administrados de ter uma Administração Pública proba e eficiente se destaca e
sobressai diante do direito individual de alguns servidores de exercer a advocacia privada
de modo simultâneo ao exercício do cargo público (afinal, absolutamente nada impede que
o servidor se desligue do Ministério Público e ingresse no exercício da advocacia, não
havendo nenhuma violação ao direito do servidor público ao livre exercício de atividade
profissional, já que ele pode escolher livremente qual caminho seguir).

3.4. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal


Por último, vale citar duas importantes decisões proferidas pelo STF (ADI 5029, julgada
em abril de 2020 e ADI 1246, julgada em abril de 2019), nas quais a Corte avaliou
importantes aspectos acerca das procuradorias estaduais. Vejamos:
(i) Não pode a norma estadual conferir autonomia para a PGE:
- “As Procuradorias de Estado, por integrarem os respectivos Poderes Executivos, não
gozam de autonomia funcional, administrativa ou financeira, uma vez que a administração
direta é una e não comporta a criação de distinções entre órgãos em hipóteses não
contempladas explícita ou implicitamente pela Constituição Federal”.
(ii) Não pode a norma estadual conferir independência funcional aos Procuradores do
Estado:
- “A Procuradoria-Geral do Estado é o órgão constitucional e permanente ao qual se
confiou o exercício da advocacia (representação judicial e consultoria jurídica) do Estado-
membro (art. 132 da CF/88). A parcialidade é inerente às suas funções, sendo, por isso,
inadequado cogitar-se independência funcional, nos moldes da Magistratura, do Ministério
Público ou da Defensoria Pública (art. 95, II; art. 128, § 5º, I, b; e art. 134, § 1º, da CF/88).
(iii) Não pode a norma estadual conferir a garantia da inamovibilidade aos Procuradores
do Estado:
- “A garantia da inamovibilidade conferida pela Constituição Federal aos magistrados,
aos membros do Ministério Público e aos membros da Defensoria Pública (arts. 93, VIII; 95,
II; 128, § 5º, b; e 134, parágrafo único) não pode ser estendida aos procuradores de estado”;
- “A garantia da inamovibilidade é instrumental à independência funcional, sendo, dessa
forma, insuscetível de extensão a uma carreira cujas funções podem envolver relativa
parcialidade e afinidade de ideias, dentro da instituição e em relação à Chefia do Poder
Executivo, sem prejuízo da invalidação de atos de remoção arbitrários ou caprichosos”.
(iv) Impossibilidade de extensão às PGEs dos princípios e garantias funcionais do Ministério
Público e da Defensoria:
- “Os princípios institucionais e as prerrogativas funcionais do Ministério Público e da
Defensoria Pública não podem ser estendidos às Procuradorias de Estado, porquanto as
atribuições dos procuradores de estado – sujeitos que estão à hierarquia administrativa –
não guardam pertinência com as funções conferidas aos membros daquelas outras
instituições”.

3.5. Pagamento de honorários de sucumbência aos advogados públicos


Combinando os artigos 39, § 4º e o 135 da CF/88, nota-se que os advogados públicos
são remunerados por subsídio e, segundo o STF, “o artigo 39, § 4º, da Constituição Federal,
não constitui vedação absoluta de pagamento de outras verbas além do subsídio” 41. Por
essa razão, em junho de 202042, nossa Corte Suprema declarou que a percepção de
honorários de sucumbência pelos advogados públicos não representa ofensa à
determinação constitucional de remuneração exclusiva mediante subsídio.
Os advogados públicos podem, pois, receber honorários sucumbenciais, mas, como eles
recebem os valores em função do exercício do cargo, esse recebimento precisa se sujeitar
ao regime jurídico de direito público. Destarte, mesmo sendo compatível com o regime de
subsídio, sobretudo quando estruturado como um modelo de remuneração por
performance, com vistas à eficiência do serviço público, a possibilidade de advogados
públicos perceberem verbas honorários sucumbenciais não afasta a incidência do teto
remuneratório estabelecido pelo art. 37, XI, da Constituição Federal.
Vale frisar que este entendimento não se aplica somente aos advogados públicos
federais, mas, também, aos Procuradores do Estado, do DF e do Município 43.

41
. ADI 4.941, Rel. Min. Teori Zavascki, Relator p/ acórdão, Min. Luiz Fux, DJe de 7/2/2020.

42
. ADI 6053, Rel. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão: Alexandre de Moraes. Julgada em 22/06/2020 e noticiada no Info 985, STF.

43
. ADI 6159 e ADI 6162, Rel. Min. Roberto Barroso, julgadas em 25/08/2020.
5. DEFENSORIA PÚBLICA

5.3. Arquitetura e organização da Defensoria Pública


Vale, ainda, acompanhar o julgamento no STF do RE 1.240.999, no qual a Corte avalia
se os defensores públicos devem estar inscritos nos quadros da OAB para exercerem suas
atividades. Quando o Min. Dias Toffoli pediu vista do processo (em 13.10.2020) já havia se
formado uma maioria de 9 ministros que entendem ser inconstitucional a exigência de
inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para defensores públicos.
Para a maioria dos ministros, o defensor público submete-se, única e exclusivamente, ao
Estatuto da Defensoria Pública, e não à OAB (e sua capacidade postulatória de defensor
decorre da administração pública, não havendo necessidade de inscrição na Ordem).
Aguardemos a decisão definitiva da Corte (que, pensamos, seguirá a linha argumentativa
apresentada pela maioria já formada).

5. DEFENSORIA PÚBLICA

5.3. Arquitetura e organização da Defensoria Pública


(...)
Ainda sobre a autonomia financeira da Defensoria, lembremos da decisão proferida
pelo STF, em agosto de 2020 (ADPF 384), na qual a Corte confirmou que o Governador do
Estado (em cumprimento ao disposto no art. 168, CF/88) é obrigado a efetuar o repasse,
sob a forma de duodécimos e até o dia 20 de cada mês, da integralidade dos recursos
orçamentários destinados à Defensoria Pública estadual pela Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) para o exercício financeiro, inclusive quanto às parcelas já vencidas,
assim também em relação a eventuais créditos adicionais destinados à instituição.

 Cap. 17: (“Controle de Constitucionalidade”):


6.3.6. Amicus curiae
O amicus curiae44 – em tradução literal, a expressão latina45 é compreendida como
“amigo da corte” – desempenha papel de acentuada relevância nas discussões
concernentes ao controle concentrado e difuso de constitucionalidade, visto que solicita
seu ingresso para fornecer ao juiz ou Tribunal (órgão julgador) elementos que melhor
fundamentem sua decisão.
Segundo o STF46, sua intervenção, para legitimar-se, deve se apoiar em razões que
tornem desejável e útil a sua atuação processual na causa, em ordem a proporcionar meios
que permitam uma adequada resolução do litígio constitucional. Destarte, necessário que
demonstre conhecimento inconteste, experiência e autoridade inequívocas na matéria tida
como relevante, uma vez que sua entrada visa à ampliação do debate das questões
constitucionais e, consequentemente, o alcance de uma maior legitimidade das decisões
prolatadas pelo Poder Judiciário.
Como já disse o STF47,
A regra inscrita no art. 7º, § 2º da Lei nº 9.868/1999 – que contém a base normativa
legitimadora da intervenção processual do “amicus curiae” – tem por objetivo essencial
pluralizar o debate constitucional, permitindo que o Supremo Tribunal Federal venha a
dispor de todos os elementos informativos possíveis e necessários à resolução da
controvérsia, visando-se, ainda, com tal abertura procedimental, superar a grave questão
pertinente à legitimidade democrática das decisões emanadas desta Corte. (Grifo nosso).

Deste modo, admitir a participação do “amicus curiae” faz com que o processo adquira
“um colorido diferenciado, emprestando-lhe caráter pluralista e aberto, fundamental para
o reconhecimento de direitos e a realização de garantias constitucionais em um Estado
Democrático de Direito” (manifestação monocrática do Min. Gilmar Mendes na ADI 3494).
Vejamos agora, alguns detalhes sobre a participação do amicus:
(1) Requisitos
De acordo com o § 2º do art. 7º da Lei nº 9.868/1999, o relator, considerando a
relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá admitir a
manifestação de outros órgãos ou entidades em sede de ADI (independentemente de
autorização ou concordância das partes). Referida atuação dar-se-á por meio da
participação de entidades ou órgãos cuja cooperação possa contribuir com a

44
. No plural: “amici curiae”.

45
. Apesar de ter um nome latino, a figura do “amicus curiae” é de origem norte-americana.

46. ADI 2.130-MC/SC, Relatada pelo Min. Celso de Mello.


47. RE 597.165/DF, relatada pelo Min. Celso de Mello.
qualidade/legitimidade da decisão do STF sobre determinado assunto, notadamente
quando a questão discutida se referir a tema específico/técnico, complexo ou bastante
controvertido.
Note, caro leitor, que são dois (e cumulativos) os requisitos legais para a admissão do
amicus: (i) a relevância da matéria e (ii) a representatividade dos postulantes. A
jurisprudência do STF vem, no entanto, firmando a necessidade do preenchimento de um
terceiro requisito, qual seja, a pertinência temática48. Este traduz-se na relação de
congruência que deve existir entre os objetivos da entidade que pleiteia seu ingresso no
feito na qualidade de amicus curiae e o conteúdo da norma objeto da impugnação.
Ainda sobre os requisitos, cumpre destacar três coisas:
(i) Não há direito subjetivo para nenhum interessado a participar como “amicus curiae” de
um processo. A decisão de ingresso (segundo a lei, um “despacho irrecorrível”) compete ao
relator do processo, que levará em conta a representatividade do postulante, a relevância
da matéria e, por fim, a pertinência temática.
(ii) O CPC de 2015 autoriza, no art. 138, que pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade
especializada, atue na condição de “amicus curiae”. No entanto, como o art. 7º, § 2º, Lei nº
9.868/1999 fala somente em “órgãos ou entidades”, o STF teve que se posicionar sobre o
tema. Teria o CPC renovado a leitura do art. 7º da Lei nº 9.868/1999? Conforme foi noticiado
no Info 985, no trecho referente à ADI 3396, a resposta é negativa. Veja o que disse a Corte:
“No mérito, o Plenário se reportou à jurisprudência do STF no sentido de que a pessoa física
não tem representatividade adequada para intervir na qualidade de amigo da Corte em
ação direta.” (grifo nosso).
(iii) Conforme decidiu o STF na ADPF 180/SP, o pedido de admissão feito pelo amicus deve
ser subscrito por advogado regularmente constituído; do contrário, o pedido será
indeferido em virtude da ausência de capacidade postulatória.
(2) Natureza Jurídica
Quanto à natureza jurídica da participação do “amicus”, ressalte-se que o tema sempre
foi alvo de intenso debate doutrinário. Este Manual entendia em edições pretéritas que, a
rigor, a participação do amicus não poderia ser considerada propriamente uma modalidade
de intervenção de terceiros. Isso porque o próprio artigo acima referenciado (art. 7º, caput,
Lei nº 9.868/1999) não admite referida interferência no processo de ação direta de
inconstitucionalidade – a intervenção de terceiros seria uma figura mais apropriada aos
processos subjetivos, nos quais há a defesa de interesses particulares, e por meio do

48. “A pertinência temática também é requisito para a admissão de amicus curiae”, ADI 3.943-DF, relatada pela Min. Cármen Lúcia.
instituto da intervenção se procura assegurar o direito de terceiros interessados na causa
ingressarem na lide. Encampávamos o antigo entendimento de Fredie Didier Júnior, no
sentido de que a função do “amicus” é a de “auxiliar do juízo”49.
Todavia, duas ponderações devem ser feitas: (i) alguns Ministros do STF sempre
reconheceram na participação dos “amicus curiae”, mesmo antes do novo CPC, uma
intervenção de terceiros “sui generis”50 (terceiro interveniente atípico); (ii) o CPC de 2015
tomou partido na discussão doutrinária e passou a considerar o “amicus” como terceiro
interveniente típico. A localização topográfica não deixa margem à dúvida: o “amicus
curiae” está inserido no CAPÍTULO V, do TÍTULO III, intitulado “DA INTERVENÇÃO DE
TERCEIROS”.
Por isso, não se pode mais desconsiderar que estamos diante de uma mudança
paradigmática, na qual parece ter prevalecido o reconhecimento de que a participação do
“amicus” é modalidade de intervenção típica de terceiros.
(3) Possibilidade recursal
Segundo a mais atual jurisprudência do Supremo Tribunal, de outubro de 2018, no
Recurso Extraordinário 602.584, o despacho denegatório de entrada do “amicus” no feito
não mais se sujeita ao recurso (agravo) tendente a obter do Pleno a reconsideração da
decisão. De se notar que essa decisão do STF promove uma virada paradigmática no
entendimento até então consolidado da Corte: antes, parecia firmada a possibilidade de o
“amicus” questionar perante o Pleno a decisão do relator que denegava seu ingresso – veja
um trecho do Informativo 827, STF (maio de 2016): “Ademais, isso não significa alterar o
entendimento segundo o qual órgãos e entidades podem recorrer ao Tribunal mediante
agravo, para ter a sua representatividade aferida”.
Todavia, a tese agora prevalente é a de que não cabe a interposição de agravo
regimental para reverter decisão de relator que tenha inadmitido no processo o ingresso
de determinada pessoa ou entidade como amicus curiae. Portanto, se antes somente a
decisão que admitia o amicus era irrecorrível, agora a decisão do relator que admite ou
inadmite o ingresso do amicus no feito passa ser considerada irrecorrível.
Ainda sobre este tema, uma advertência: no mês de agosto de 2020, no julgamento da
ADI 3396 (AgR/DF), o STF, por apertada maioria (de 5 X 4), proferiu uma decisão na qual,
curiosamente, admitiu recurso interposto contra decisão que denegou o ingresso do
“amicus curiae” no feito. Teria o STF, nessa ocasião, novamente alterado seu entendimento,

49. DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual. 7ª ed. Salvador: Juspodivm, 2007, vol. 1. apud NOVELINO, Marcelo. Direito
Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Método, 2012, p. 295.
50. É a opinião dos Ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello.
apenas 2 anos depois da mudança engendrada em outubro de 2018? Pensamos que não.
Lendo o que foi noticiado no Informativo 985, notamos que o Min. Relator, Celso de Mello
(hoje já aposentado), deixa claro que somente conheceu o recurso em razão de ele ter sido
interposto numa época (2011) na qual vigorava o entendimento de que era cabível recurso
para impugnar decisão que denegava o ingresso do amicus no feito. Ao mesmo tempo, o
Ministro reconheceu que, nos dias de hoje, o Plenário da Corte entende ser irrecorrível a
decisão do relator que admite ou não a entrada do “amicus” no feito. Veja o que diz o
Informativo: “
O ministro Celso de Mello (relator) esclareceu ter se posicionado pelo conhecimento do
recurso, pois, na época, havia precedentes que assim orientavam. Alertou que,
atualmente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) tem compreendido ser
irrecorrível a decisão do relator que admite, ou não, o ingresso de amicus curiae em
processos de controle concentrado (ADI 5.774 ED, ADI 5.591 ED-AgR, ADI 3.460 ED).

Por todo o exposto, entendemos que o STF não alterou seu entendimento de que a
decisão do relator que admite ou inadmite o ingresso do “amicus curiae” no feito é
irrecorrível. A manifestação de agosto de 2020, em nossa percepção, foi singular e só
excepcionou a regra assentada em razão de o recurso ter sido apresentado em 2011, anos
antes de a Corte mudar seu entendimento e passar a compreender que a decisão
denegatória também não poderia ser objeto de recurso.
Em finalização ao item, é igualmente importante observarmos que a admissão do
amicus curiae no processo não lhe assegura o direito de interpor recursos da decisão. É
pacífica a jurisprudência do STF nesse sentido: “Esta Corte pacificou sua jurisprudência no
sentido de que não há legitimidade recursal das entidades que participam dos processos do
controle abstrato de constitucionalidade na condição de amicus curiae, “ainda que aportem
aos autos informações relevantes ou dados técnicos” (ADI 2.591-ED/DF, Rel. Min. Eros
Grau).
(4) Prazo para ingresso
Quanto ao prazo para seu ingresso, em razão do veto presidencial oposto ao § 1º, do
art. 7º da lei, a previsão legal deixou de existir, criando uma lacuna normativa a ser
integrada pelo STF, competindo a este Tribunal a fixação de um momento limite. A Corte,
em votação vencida por apertada maioria (6 X 5)51, determinou que o prazo limite é a data
da remessa dos autos pelo relator para o julgamento, momento em que o relator já terá
firmado seu entendimento e suas convicções sobre o tema, não havendo, na percepção da
maioria que se sagrou vencedora, justificativa para o amicus ainda ser admitido.

51. ADI 4071, Rel. Min. Menezes Direito.


Esse entendimento, de que o amicus curiae não pode intervir se o processo já foi
liberado pelo Ministro relator para que seja incluído na pauta de julgamento, foi confirmado
pelo plenário do STF em julgamento no ano de 2014 (ADI 510452).
(5) Apresentação de memoriais e sustentação oral
O STF abandonou o entendimento inicial de que a participação do amicus deveria se
efetivar somente por escrito e passou a reconhecer a possibilidade de ele se manifestar em
sustentação oral53 – conforme dispõe o art. 131, § 3º, do Regimento Interno da Corte
Suprema54.
(6) Participação do amicus nas demais ações do controle concentrado
No que diz respeito à participação do amicus curiae em ADC e ADPF, como não há
autorização legislativa expressa, pode-se dizer que a admissão ficou firmada pelo STF em
construção jurisprudencial. No caso da ADC55, por analogia ao § 2º do art. 7º da Lei nº
9.868/1999, que trata da participação do amicus em ADI. Isso porque as ações em muito se
aproximam – após a reforma do Judiciário (EC nº 45/2004) as diferenças se reduziram
sobremaneira. Segundo a Corte
(...) os legitimados para as ações e os efeitos da decisão passaram a ser os mesmos. A única
diferença ainda existente está no objeto da ADC (ação declaratória de
constitucionalidade), que continua sendo exclusivamente a lei federal, diferentemente da
ADI (ação direta de inconstitucionalidade), que tem por objeto tanto lei federal como lei
estadual e a distrital de natureza estadual.56

No que tange a ADPF, a participação do amicus também tem sido admitida57,


igualmente por analogia ao disposto no art. 7º, § 2º, Lei nº 9.868/1999.
Ademais, hoje se admite a participação de amicus curiae no exame da repercussão
geral, no âmbito do recurso extraordinário, conforme previsão expressa do artigo 1035, §
4º do CPC, bem como no procedimento de aprovação de súmula vinculante pelo Supremo
Tribunal Federal por expressa disposição legal constante do art. 3º, § 2º da Lei nº
11.417/2006.
(7) Distinções na atuação do “amicus curiae” no controle concentrado em abstrato e no

52. Relatada pelo Min. Roberto Barroso e noticiada no Informativo 747, STF.
53. Vide ADI (QO) 2.777-SP, relatada pelo Min. Cezar Peluso.
54. Com a redação dada pela Emenda Regimental nº 15, de 30 de março de 2004, o dispositivo possui o seguinte teor: Art. 131, RISTF,
§ 3º: “Admitida a intervenção de terceiros no processo de controle concentrado de constitucionalidade, fica-lhes facultado produzir
sustentação oral, aplicando-se, quando for o caso, a regra do § 2º do art. 132 deste Regimento”.
55. Vide ADC 14-DF e ADC 24-DF.
56. Rcl (AgR-QO) 1.880-SP, relatada pelo Min. Maurício Corrêa, noticiada no Informativo 289, STF.
57. Vide ADPF 46-DF e ADPF 73-DF.
Novo CPC
Penso que seja do interesse do leitor que façamos essa análise comparativa, pontuando
as duas diferenças que se sobressaem:
(i) Note, de início, que o CPC permite a participação de pessoas naturais na condição de
“amicus” (art. 138), o que é vedado no controle concentrado em abstrato (o art. 7°, § 2° da
Lei nº 9.868/1999 somente admite ‘órgãos ou entidades’).
(ii) Ademais, o CPC admite a oposição de embargos de declaração e de recurso para
impugnar a decisão prolatada em sede de julgamento de incidente de resolução de
demandas repetitivas (art. 138, §§ 1° e 3°), ao passo que no controle concentrado o “amicus
curiae” não pode interpor recursos.
Em conclusão, conforme foi noticiado no Informativo 985, de agosto de 2020, “o
colegiado tem considerado inaplicável o art. 138 do Código de Processo Civil de 2015
(CPC/2015) (1) aos processos do controle concentrado de constitucionalidade (ADI 4.389
ED-AgR, ADI 3.931 ED).”

6.3.4. Procedimento
(...)
Segundo o STF, o aditamento da petição inicial da ADI para que sejam incluídos novos
dispositivos legais é possível, mas nas hipóteses em que a ampliação do objeto de
impugnação: (i) dispense a requisição de novas informações e manifestações; e (ii) não
prejudique o cerne da ação. Desta forma, se o legitimado ativo, depois que o processo já
está em curso, resolve pedir a ampliação do objeto da ADI com a inclusão de novos
dispositivos legais que extrapolam a finalidade originário daquela ação, esse aditamento
será indeferido pelo STF, afinal, tal ampliação do objeto exigiria que fossem feitos novos
pedidos de informações à Assembleia Legislativa ou ao Congresso Nacional, bem como
novas manifestações da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República –
o que decerto violaria os princípios da economia e da celeridade processuais (ADI 1926, Rel.
Roberto Barroso, julgada em abril de 2020 e noticiada no Informativo 980, STF).
Antes de encerrarmos este item, algumas últimas informações merecem ser
apresentadas:
(...)
(vii) Também em razão de o processo de fiscalização abstrata possuir índole objetiva,
os institutos do impedimento e da suspeição não se aplicam – por estarem restritos aos
processos subjetivos (nos quais situações individuais e interesses concretos são postos em
discussão58). É importante frisar, todavia, que o próprio Ministro pode alegar razões de foro
íntimo para não integrar o julgamento de determinada causa.
Segundo confirmou o STF em setembro de 2020 (QO-ADI 6263):
ADI 6362/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski: Não há impedimento, nem suspeição de
ministro, nos julgamentos de ações de controle concentrado, exceto se o próprio
ministro firmar, por razões de foro íntimo, a sua não participação. Essa foi a orientação
fixada pela maioria do Plenário, ao resolver questão de ordem suscitada pelo presidente,
em ação direta de inconstitucionalidade, acerca da não aplicabilidade da regra, após o
ministro Marco Aurélio arguir a impossibilidade de sua participação no julgamento,
considerado o Código de Processo Civil (CPC) [art. 144, III, VIII e § 3º]. (grifos nossos).

Por fim, vale informar que existem várias decisões anteriores do STF indicando que o
Ministro que tenha oficiado nos autos do processo da ADI como Procurador-Geral da
República ou como Advogado-Geral da União estaria impedido de participar, como
membro da Corte, do julgamento final da ação5960. Pensamos que, atualmente, como a
decisão do STF foi categórica ao dizer que “Não há impedimento, nem suspeição de
ministro, nos julgamentos de ações de controle concentrado”, o Ministro que tenha
oficiado nos autos na condição de PGR e AGU já não possa ser considerado
automaticamente impedido de participar do julgamento – mas possa, por razões de foro
íntimo, firmar sua não participação.

5.4. Efeitos da decisão

5.4.2. Efeitos quanto ao aspecto temporal

(...)
Ademais, cumpre noticiar que o STF tem entendimento no sentido de que o quórum de

58
. Em regra, as hipóteses de impedimento e suspeição (descritas nos artigos 144 e 145 do CPC) são aplicáveis aos Ministros do STF (em
processos subjetivos, não nas ações do controle concentrado abstrato, como vimos no corpo do texto). No entanto, é bom frisar
que nos últimos 30 anos o STF arquivou nada menos do que todos os pedidos de impedimento ou suspeição feitos e já analisados
contra seus ministros. Os dados estão em um estudo produzido no projeto “Supremo em Pauta”, da FGV, intitulado: “Fora dos
Holofotes: estudo empírico sobre o controle da imparcialidade dos ministros do STF". Detalhe importante para as provas: os
Ministros do STF não ficam impedidos pelo fato de terem atuado no TSE. Conforme o art. 119, CF/88 informa, o TSE é composto
por 7 membros e 3 são Ministros do STF. Suponha que o TSE tenha proferido um acórdão e a parte, inconformada, resolva interpor
um recurso extraordinário no STF. Os Ministros do STF que participaram do julgamento no TSE não estarão impedidos de julgar o
recurso extraordinário. Trata-se de uma exceção à regra prevista no inciso II do art. 144 do CPC: “Art. 144, CPC: Há impedimento
do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo: II - de que conheceu em outro grau de jurisdição, tendo proferido
decisão”. Ademais, é tema já sumulado pelo próprio STF: “súmula nº 72, STF: No julgamento de questão constitucional, vinculada
a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, não estão impedidos os ministros do Supremo Tribunal Federal que ali tenham funcionado
no mesmo processo, ou no processo originário”.

59. ADI 4, relatada pelo Min. Sydney Sanches.


60. ADI 2.321, relatada pelo Min. Celso de Mello.
2/3 (previsto no art. 27 da Lei nº 9.868/1999) deve ser obedecido somente nos casos em
que a Corte houver declarado inconstitucional a lei ou ato normativo. Se o STF, em um
recurso extraordinário repetitivo, declarar que determinada lei ou ato normativo é
constitucional61, será possível modular os efeitos dessa decisão, mas, neste caso, o quórum
será o de maioria absoluta e não de 2/3 (STF. Plenário. RE 638115 ED-ED/CE, Rel. Min.
Gilmar Mendes, julgado em 18/12/2019 - Info 964).

6.5. Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão

6.5.6. Efeitos da decisão definitiva


Essa leitura dos efeitos da ADO sofreu um significativo abalo em novembro de 2016
quando a Corte, no julgamento da ADO 25, por maioria julgou procedente a ação para
declarar a mora do Congresso Nacional quanto à edição da Lei Complementar prevista no
art. 91 do ADCT, fixando (inicialmente) o prazo de 12 meses para que fosse sanada a
omissão, e determinando que, na hipótese de transcorrer in albis o mencionado prazo,
caberia ao Tribunal de Contas da União regulamentar o dispositivo constitucional.
Veja a ementa da decisão:
Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. 2. Federalismo fiscal e partilha de
recursos. 3. Desoneração das exportações e a Emenda Constitucional 42/2003. Medidas
compensatórias. 4. Omissão inconstitucional. Violação do art. 91 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT). Edição de lei complementar. 5. Ação julgada
procedente para declarar a mora do Congresso Nacional quanto à edição da Lei
Complementar prevista no art. 91 do ADCT, fixando o prazo de 12 meses para que seja
sanada a omissão. Após esse prazo, caberá ao Tribunal de Contas da União, enquanto
não for editada a lei complementar: a) fixar o valor do montante total a ser transferido
anualmente aos Estados-membros e ao Distrito Federal, considerando os critérios
dispostos no art. 91 do ADCT; b) calcular o valor das quotas a que cada um deles fará jus,
considerando os entendimentos entre os Estados-membros e o Distrito Federal
realizados no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ. STF.
Plenário. ADO 25/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 30/11/2016 (Info 849).

Foi uma verdadeira virada paradigmática pois, pela primeira vez, a Corte
inequivocamente tratou de estabelecer um prazo para o legislador editar a norma faltante
e impôs uma consequência ao descumprimento deste prazo. Foi uma verdadeira virada
paradigmática pois, pela primeira vez, a Corte inequivocamente tratou de estabelecer um

61
. Atenção, estimado leitor! Em que pese a decisão que declara a constitucionalidade de lei ou ato normativo não estar contida na
redação do art. 27 da Lei nº 9.868/99, há casos nos quais a modulação de efeitos diante do reconhecimento de que a norma é
constitucional é a única maneira de se garantir a segurança jurídica dos jurisdicionados. Nestas hipóteses, a modulação de efeitos diante
da declaração de constitucionalidade decorre diretamente de princípio constitucional, não existindo uma regulamentação própria, como
nas hipóteses de declaração de inconstitucionalidade de ato normativo, que possuem no art. 27 um procedimento específico.
prazo para o legislador editar a norma faltante e impôs uma consequência ao
descumprimento deste prazo. Não há dúvidas de que essa decisão representou um passo
adiante na natureza meramente recomendatória que se tinha no julgamento das ADOs.
De se destacar que, em fevereiro de 2019, o Ministro Gilmar Mendes acolheu
parcialmente o pedido da União para prorrogar por 12 meses o prazo para que o Congresso
Nacional editasse a lei complementar (regulamentando os repasses de recursos da União
para os Estados e o Distrito Federal em decorrência da desoneração das exportações do
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços ICMS – entendeu-se que fatos
supervenientes justificariam o abrandamento do termo temporal fixado no julgamento de
mérito em 2016).
Em julho de 2019, todavia, os Estados e a União decidiram negociar um inédito acordo
em âmbito federativo – homologado pelo STF em maio de 2020 e encaminhado ao
Congresso Nacional para as providências cabíveis. Desse acordo, que finalizou a complexa
discussão político-jurídica, nossa federação saiu fortalecida, já que foi construído um
significativo exemplo de cooperação institucional entre os entes federados. Se quiser saber
mais sobre o assunto, estimado leitor, visite o capítulo 10 dessa obra, que trata da
“Organização do Estado”, no item intitulado “O pensamento do possível no federalismo
cooperativo”.
Por fim, vale citar a decisão proferida pelo STF em agosto de 2020, na ADO 30, na qual
a Corte reconheceu a omissão inconstitucional, em relação aos deficientes auditivos, da Lei
8.989/1995 (que trata da isenção do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) a pessoas
com deficiência) e estabeleceu o prazo de 18 meses, a contar da data da publicação do
acórdão, para que o Congresso Nacional adote as medidas necessárias a suprir a omissão
legislativa. Enquanto perdurar a omissão, o STF definiu que deve ser aplicado às pessoas
com deficiência auditiva o artigo 1º, inciso IV, da lei, que beneficia com a isenção do tributo
pessoas com deficiência física, visual e mental e com transtornos do espectro autista. A
decisão foi tomada por maioria (10 X 1). O Min. Marco Aurélio, vencido, argumentou o
seguinte:
Ausente regulamentação quanto a deficiente auditivo, constitui passo demasiado largo
fixar prazo, ao legislador, visando a adoção de providências. Mantenho-me fiel ao que
venho sustentando, em se tratando de mora de outro Poder. Não cabe ao Supremo, sob
pena de desgaste maior, determinar prazo voltado á atuação do Legislativo. É perigoso,
em termos de legitimidade institucional, uma vez que, não legislando o Congresso
Nacional, a decisão torna-se inócua.
6.6.5. Espécies de ADPF
(...)
(v) na ADPF 80-DF62, a Corte havia definido a impraticabilidade da utilização da arguição
para questionar enunciado de súmula, haja vista estas não constituírem ato do Poder
Público.
Este entendimento, todavia, parece ter sido superado em setembro de 2020. Por
maioria (6 X 4), o plenário do STF decidiu que é possível o ajuizamento de arguição de
descumprimento de preceito fundamental (ADPF) contra súmula de jurisprudência. O
relator, ministro Alexandre de Moraes, havia extinto, sem resolução do mérito, a ação,
ajuizada pelo governador de Santa Catarina contra a Súmula 450 do Tribunal Superior do
Trabalho (TST). Para o relator, é incabível o emprego de ADPF contra enunciado de súmula
de jurisprudência. O governador interpôs agravo regimental contra a decisão. No
julgamento do agravo, o relator reafirmou seu voto e ressaltou que o pedido não especifica
ato do Poder Público com conteúdo que evidencie efetiva lesão a preceito fundamental.
Segundo o ministro Alexandre de Moraes, o entendimento do Supremo é de que
enunciados de súmula nada mais são que expressões sintetizadas de entendimentos
consolidados no âmbito de um tribunal. Ele foi acompanhado por outros três ministros.
Prevaleceu, no entanto, o voto divergente do ministro Ricardo Lewandowski pelo
provimento do recurso para permitir o prosseguimento da ação. Segundo ele, há
precedentes em que o Supremo entende ser cabível a ADPF contra súmulas quando essas
anunciam preceitos gerais e abstratos. A seu ver, também estava atendido, no caso, o
princípio da subsidiariedade, que exige o esgotamento de todas as vias possíveis para sanar
a lesão ou a ameaça de lesão a preceitos fundamentais ou a verificação da inutilidade de
outros meios para a preservação do preceito. “Não há instrumento processual capaz de
impugnar ações e recursos que serão obstados com base em preceito impositivo no âmbito
da Justiça Trabalhista”, assinalou. “Desse modo, entendo viável o uso da ADPF como meio
idôneo para, em controle concentrado de constitucionalidade, atacar ato do Poder Público
que tem gerado controvérsia judicial relevante”. Ele foi acompanhado por outros 5
ministros e, com isso, formou a corrente vencedora.
 Cap. 18: (“Controle Concentrado de Constitucionalidade nos Estados”):

7. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO NO STF EM FACE DAS DECISÕES


PROLATADAS PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(...)

62. Relator Min. Eros Grau.


Encerro este item apresentando uma importante decisão do STF, proferida em junho
de 2020 (no RE 1.068.600 AgR-ED-EDv/RN, Rel. Min. Alexandre de Moraes): segundo a
Corte, os procuradores públicos têm capacidade postulatória para interpor recursos
extraordinários contra acórdãos proferidos em sede de ação de controle concentrado de
constitucionalidade, nas hipóteses em que o legitimado para a causa outorgue poderes aos
subscritores das peças recursais.
No caso analisado pelo STF, embora a petição de recurso extraordinário não tenha sido
subscrita pelo prefeito municipal, mas somente por dois procuradores (sendo um deles o
chefe da procuradoria do município) havia, nos autos, documento com manifestação
inequívoca do chefe do Poder Executivo, conferindo poderes específicos aos procuradores
para instaurar o processo de controle normativo abstrato de constitucionalidade, bem
como para recorrer das decisões proferidas nos autos.
A decisão, todavia, não foi unânime. Os Ministros Edson Fachin, Luiz Fux e Celso de
Mello ficaram vencidos, pois argumentaram que tanto para a propositura de ação quanto
para a interposição de recursos, é necessária a presença da assinatura do legitimado para a
causa.

 Cap. 19: (“Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”):

5.1. Introdução
Preceitua a Constituição da República (art. 142) que as Forças Armadas, conjunto de
instituições militares constituído pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são
instituições nacionais, permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na
disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República63. Desde a Constituição
imperial de 1824 às Forças Armadas tem sido destinado tratamento constitucional,
justificado pela nobreza de suas tarefas, relacionadas à defesa da Pátria, à garantia dos
Poderes constitucionais e da lei e da ordem.

5.2. Missões constitucionais das Forças Armadas


Conforme indicado pelo artigo 142, CF/88, são as seguintes as funções das Forças
Armadas:
(A) a defesa da Pátria;

63. Art. 84, XIII, CF/88: “Compete privativamente ao Presidente da República: exercer o comando supremo das Forças Armadas,
nomear os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos
que lhes são privativos”.
(B) a garantia dos poderes constitucionais e,
(C) por iniciativa de qualquer dos três poderes, a garantia da Lei e da Ordem.
Falaremos, a seguir, de cada uma delas64.
(A) Forças Armadas e a defesa da pátria (artigos 1º, I, e 4º, CF/88)
Essa missão institucional das Forças Armadas corresponde, essencialmente, à defesa
da República Federativa do Brasil contra ameaças externas. Representa, pois, a tarefa de
preservar a soberania nacional, em especial diante de ameaças estrangeiras contra o nosso
país, o nosso povo, nossa integridade territorial e instituições.
Vale destacar que essa atribuição constitucional não se restringe à uma atuação diante
da decretação de um dos “estados de legalidade extraordinária” (intervenção federal e
estados de defesa e de sítio – artigos 34, 136 e 137 da CF/88). O artigo 34, II, da Constituição,
ao enunciar o papel de repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em
outra, está, tão somente, exemplificando uma das formas de atuação das Forças Armadas.
Assim, restringir o alcance da expressão “defesa da Pátria” apenas às três hipóteses de
atuação excepcional (de decretação de intervenção, de estado de defesa e de estado de
sítio) esvazia a previsão constitucional do artigo 142 e diminui a eficácia dos dispositivos
constitucionais referentes à nossa atuação internacional. A defesa da Pátria de que trata o
artigo 142 abrange, portanto, uma multiplicidade de possibilidades de atuação prévia das
Forças Armadas para a proteção das faixas de fronteiras, dos espaços aéreos e marítimos,
inclusive em períodos de paz – para ilustrar, pensemos nas missões de controle do fluxo
migratório na fronteira do Brasil com a Venezuela.
(B) Forças Armadas e a garantia dos poderes constitucionais (artigos 2º; 60, §4º, III; 85; e
102, todos da CF/88)
A segunda missão constitucional que o art. 142 enuncia para as Forças Armadas refere-
se à garantia dos poderes constitucionais. De início, é muito importante destacar que essa
expressão “garantia dos poderes constitucionais” não permite qualquer interpretação que
aceite o emprego das Forças Armadas para a defesa de um Poder contra o outro. Nosso
desenho constitucional prevê (art. 2º, c/c art. 60, § 4º, III) que a independência e a harmonia
entre os poderes serão preservadas pelos mecanismos pacíficos e institucionais de freios e
contrapesos (de controle recíproco) criados pela própria Constituição. Assim, quando o art.
142 estabelece uma atuação do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para promover a
“garantia dos poderes constitucionais”, está se referindo à proteção de todos os três

64
. O texto desde item é inspirado no voto do Min. Luiz Fux, de junho de 2020, na medida cautelar na Ação Direta de
Inconstitucionalidade 6.457-DF.
Poderes contra quaisquer ameaças que são alheias e externas a essa tripartição. As Forças
Armadas atuarão, pois, na “defesa das instituições democráticas” contra eventuais ameaças
de golpe, rebelião armada ou outros movimentos desse tipo.
Nota-se, portanto, que nada em nossa Constituição de 1988 concede às Forças
Armadas uma função assemelhada a de um “Poder Moderador”, responsável pela defesa
de um poder sobre os demais. O único documento constitucional pátrio que adotou a
quadripartição dos poderes, com a presença de um poder moderador, foi a Constituição
Imperial outorgada em 1824. Na estruturação daquele documento constitucional imperial,
esse quarto Poder colocava-se em posição privilegiada em relação aos demais, e a eles não
estava submetido. Porém, nenhuma outra Constituição brasileira instituiu o Poder
Moderador.
Mas afinal, por que é tão relevante frisar que a função das Forças Armadas de promover
a “garantia dos poderes constitucionais” não significa efetuar a defesa de um Poder contra
o outro? Por que nos parece tão importante destacar que nossa atual Constituição não
concedeu às Forças Armadas a função de Poder Moderador?
Tudo isso deve ser feito para aniquilar de vez a fantasiosa interpretação que se
fortaleceu nos últimos anos no sentido de que a Constituição de 1988 permitiria uma
“Intervenção militar constitucional”, fundada no art. 142, CF/88.
Para início de conversa, caro leitor, perceba que a expressão “Intervenção militar
constitucional” é uma contradição em si: se houver intervenção desse tipo, teremos um
golpe, pois nossa Constituição não a prevê e não a permite. Até porque, constituições não
trazem em seus textos as chamadas “cláusulas de suicídio”, isto é, disposições autorizativas
da sua própria derrocada, afastamento ou superação.
Então, como foi que surgiu essa interpretação de que nossa Constituição autorizaria
uma “Intervenção militar constitucional”? Ao que tudo indica, desde o ano de 2011 ela
começou a ser gestada. Naquele ano, uma manifestação do prof. Ives Gandra da Silva
Martins (em artigo publicado na Revista Brasileira de Direito Constitucional), defendia ser
plausível e aceitável que o Poder Legislativo – tendo por base sua competência descrita no
inciso XI do art. 49 da CF65 – determinasse a suspensão da decisão do STF que autorizou a
antecipação terapêutica do parto do feto anencéfalo (Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental – ADPF nº 54/DF). Segundo dizia o autor, se o Legislativo não
determinasse tal sustação, ou se a determinasse mas o STF não acatasse tal a anulação “(...)

65
. Art. 49, XI: “É da competência exclusiva do Congresso Nacional: XI - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da
atribuição normativa dos outros Poderes”.
caberia até mesmo a intervenção das Forças Armadas para restabelecer a lei e a ordem
turbadas pela quebra de harmonia entre os poderes da República, obrigando o Supremo
Tribunal Federal a cumprir a Constituição”.
E diante de algumas outras manifestações da nossa Corte Suprema que podem ser
consideradas polêmicas (pois tratam de temas que ensejam desacordos morais – tais como
a ADPF nº 132/DF, na qual a Corte reconheceu as uniões estáveis homoafetivas), o prof.
Ives novamente defendeu a leitura de que o artigo 142 da Constituição autorizaria a
convocação das Forças Armadas para solucionar disputas pontuais entre os Poderes da
República, exercendo uma intervenção moderadora diante de, por exemplo, uma suposta
invasão do STF na competência normativa do Poder Legislativo.
No entanto, é importante reconhecermos que entregar essa tarefa às Forças Armadas
viola a cláusula pétrea da separação de poderes, pois desvirtua todo o nosso sistema
constitucional. Assim, se o artigo 102 da CF/88 atribuiu ao STF o papel precípuo de guardião
da Constituição, cabe-lhe, como órgão máximo do Poder Judiciário, interpretar as normas
constitucionais em caráter final e vinculante para os demais Poderes. Caso o Poder
Legislativo discorde, ele tem o poder de superar as decisões proferidas pelo Supremo, por
meio da edição de emendas constitucionais (desde que, por óbvio, não contrarie as
cláusulas pétreas inscritas no art. 60, § 4°, CF/88). Não seria nem minimamente razoável,
portanto, entregarmos a tarefa de resolver conflitos interpretativos sobre normas da
Constituição às Forças Armadas. Como ressaltou o Ministro Gilmar Mendes, “é uma
interpretação irresponsável aquela que atribui às Forças Armadas o papel de interpretar a
Constituição”.
Outro detalhe digno de destaque: os defensores do papel de poder moderador para as
Forças Armadas parecem pressupor uma neutralidade e um distanciamento dos três
poderes que as Forças Armadas não possuem! Afinal, o Presidente da República, conforme
preveem os artigos 142 e 84, XIII, CF/88, é o seu "comandante supremo”. Assim, se
aceitássemos que as Forças Armadas são o "poder moderador" no conflito entre os
poderes, estaríamos considerando que o Poder Executivo está acima dos demais, sendo,
portanto, um superpoder. E essa conclusão não tem respaldo em nenhuma norma
constitucional.
Em finalização ao tópico, é anticonstitucional a interpretação do art. 142, CF/8 que
concede às Forças Armadas – e indiretamente ao Presidente da República, que é a sua
autoridade suprema – o poder de descumprir ou aprovar/confirmar determinada decisão
judicial, uma vez que reflete uma interpretação violadora de todos os princípios
constitucionais que estruturam nossa ordem democrática.
(C) Forças Armadas e a garantia da lei e da ordem (artigos 1º, caput; 2º; 5º, XLIV; 60, §4º,
III)
A terceira missão das Forças Armadas é a de estar à disposição dos Poderes constituídos
para, quando convocada, agir em defesa da lei e da ordem – afinal, o artigo 142 prevê
expressamente a possibilidade de mobilização das Forças Armadas para, por iniciativa de
qualquer dos três Poderes, atuar na “garantia da lei e da ordem”, permitindo que possam
ser usadas também na segurança pública.
Vale destacar que é atribuição do Presidente da República permitir o emprego das
Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por
quaisquer dos outros poderes constitucionais – por intermédio dos Presidentes do STF, do
Senado Federal ou da Câmara dos Deputados –, sendo este, todavia, uma competência que
nunca poderá ser exercida contra os próprios Poderes ou contra as instituições em si. Tais
medidas de garantia da lei e da ordem apenas se tornam possíveis no contexto de
enfrentamento a situações concretas de grave violação à segurança pública, por prazo
limitado. Ademais, é uma atuação que apenas pode se dar de modo subsidiário, quando já
houve o esgotamento dos mecanismos ordinários e preferenciais de preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por meio da atuação permanente
e primária das instituições que integram os órgãos de segurança pública (descritos no artigo
144, CF/88).
Para exemplificarmos a atuação das Forças Armadas em missões de altíssima relevância
para o interesse nacional, relembre alguns dos seguintes decretos presidenciais que se
fundamentam diretamente no artigo 15 da Lei Complementar 97/1999 (que dispõe sobre
as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas) e nos
artigos 84 e 142 da Constituição Federal:
(i) Decreto de 8 de agosto de 2016, que ampliou e sistematizou as determinações
presidenciais de emprego das Forças Armadas para Garantia da Lei e da Ordem nos Jogos
Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016;
(ii) Decreto de 15 de agosto de 2016, que prorrogou o emprego das Forças Armadas para
Garantia da Lei e da Ordem na área metropolitana do Município de Natal, Estado do Rio
Grande do Norte;
(iii) Decreto de 22 de agosto de 2016, que autorizou o emprego das Forças Armadas para a
garantia da ordem pública durante a votação e a apuração das eleições de 2016;
(iv) Decreto de 24 de agosto de 2016, que, alterando o Decreto de 8 de agosto de 2016,
também se referiu ao emprego das Forças Armadas para Garantia da Lei e da Ordem nos
Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016;
(v) Decreto de 31 de agosto de 2016, que autorizou o emprego das Forças Armadas para a
Garantia da Lei e da Ordem no revezamento da Tocha Paraolímpica dos Jogos Rio 2016;
(vi) Decreto nº 8.928, de 9 de dezembro de 2016, que autorizou o emprego das Forças
Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem na Região Metropolitana do Município de
Recife, Estado de Pernambuco;
(vii) Decreto de 17 de janeiro de 2017, que autorizou o emprego das Forças Armadas para
a Garantia da Lei e da Ordem no sistema penitenciário brasileiro;
(viii) Decreto de 19 de janeiro de 2017, que autorizou o emprego das Forças Armadas para
a Garantia da Lei e da Ordem na Região Metropolitana do Município de Natal, Estado do
Rio Grande do Norte; 22 Supremo Tribunal Federal;
(ix) Decreto de 30 de janeiro de 2017, que, alterando o Decreto de 19 de janeiro de 2017,
autorizou a prorrogação do emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem
na Região Metropolitana do Município de Natal, Estado do Rio Grande do Norte;
(x) Decreto de 6 de fevereiro de 2017, que autorizou o emprego das Forças Armadas para a
Garantia da Lei e da Ordem no Estado do Espírito Santo;
(xi) Decreto de 13 de fevereiro de 2017, que autorizou o emprego das Forças Armadas para
a Garantia da Lei e da Ordem na Região Metropolitana do Rio de Janeiro;
(xii) Decretos de 16 e 22 de fevereiro de 2017, que, alterando o Decreto de 6 de fevereiro
de 2017, também autorizaram o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da
Ordem no Estado do Espírito Santo;
(xiii) Decreto de 24 de julho de 2017, que autorizou o emprego das Forças Armadas para a
garantia da votação e da apuração das eleições suplementares no Estado do Amazonas;
(xiv) Decreto de 29 de dezembro de 2017, que autorizou o emprego das Forças Armadas
para a Garantia da Lei e da Ordem na Região Metropolitana do Município de Natal e no
Município de Mossoró, Estado do Rio Grande do Norte;
(xv) Decreto de 6 de maio de 2020, que autorizou o emprego das Forças Armadas na
Garantia da Lei e da Ordem e em ações subsidiárias na faixa de fronteira, nas terras
indígenas, nas unidades federais de conservação ambiental e em outras áreas federais nos
Estados da Amazônia Legal.
6. SEGURANÇA PÚBLICA
(...)
Para encerrarmos este tópico, vejamos a decisão proferida pelo STF, em abril de 2020,
na ADI 3996, pois ela resume muitas das conclusões até aqui alcançadas. Na ocasião, o STF
foi acionado para avaliar leis editada pelo Distrito Federal que, em resumo, estabeleciam:
(i) que o cargo de Agente de Trânsito seria atividade de segurança pública, para todos os
efeitos; (ii) que os agentes e inspetores de trânsito do Departamento de Trânsito do Distrito
Federal estariam isentos da obrigação de obter autorização para o porte de armas de fogo
de uso permitido; (iii) que deveria constar no curso de formação profissional dos agentes
de trânsito, dentre outras matérias, as referentes à armamento e tiro. Claro que o STF
declarou todas as leis inconstitucionais. Para começar, como sabemos que o rol do art. 144
da CF/88 é taxativo e de observância obrigatória pelo legislador infraconstitucional, os
Estados-membros e o DF não poderão atribuir o exercício de atividades de segurança
pública a órgãos diversos daqueles que já estão enunciados em nossa Constituição Federal.
Desta forma, quando a lei distrital previu que os agentes de trânsito exerceriam atividades
de segurança pública, criou uma norma com indiscutível vício de inconstitucionalidade
material, pois violadora do rol taxativo do art. 144 da CF/88. Além disso, nossa Constituição
atribuiu à União (art. 21, VI) a competência para autorizar e fiscalizar a produção e o
comércio de material bélico, o que alcança a disciplina do porte de armas de fogo; conferiu
também à União (no art. 22, I) a competência privativa para legislar sobre Direito Penal, de
modo que somente lei federal pode estabelecer as hipóteses em que o porte de arma de
fogo não constitui ilícito penal. Destarte, é igualmente inconstitucional a lei distrital que
dispõe sobre porte de arma de fogo, criando hipóteses não previstas na legislação federal
de regência.

 Cap. 21: (“Ordem Social”):


Outra importante manifestação da nossa Corte Suprema em defesa à saúde foi
prolatada em maio de 2016, quando o Plenário do STF, deferiu, por maioria de votos,
medida liminar na ADI 5501, suspendendo a eficácia da Lei 13.269/2016 e, por
consequência, desobrigando o Estado de fornecer, para pacientes diagnosticados com
neoplasia maligna, a fosfoetanolamina sintética – medicamento experimental conhecido
como “pílula do câncer”. Em outubro de 2020, por maioria, o Plenário do STF confirmou a
medida liminar e declarou a inconstitucionalidade da lei.
Segundo entendeu o Tribunal Supremo, a lei, ao autorizar o uso da substância por
pacientes diagnosticados com neoplasia maligna, ofendeu: (i) o princípio da separação de
Poderes – já que não cabe ao Congresso Nacional viabilizar, por ato abstrato e genérico, a
distribuição de qualquer medicamento, uma vez que a Anvisa, uma autarquia técnica
vinculada ao Ministério da Saúde, foi criada justamente com o dever de autorizar e
controlar a distribuição de substâncias químicas segundo protocolos cientificamente
validados); e (ii) o direito à saúde – vez que diante da ausência de testes da substância em
seres humanos e o desconhecimento acerca da eficácia do medicamento e dos efeitos
colaterais, sua liberação é incompatível com direitos constitucionais fundamentais como o
direito à saúde (artigos 6º e 196), o direito à vida (artigo 5º, caput), e o princípio da
dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III).
Argumentou nossa Corte, ainda, que a lei impugnada foi casuística ao dispensar o
registro do medicamento como requisito para sua comercialização (pois o registro é
condição para o monitoramento da segurança, eficácia e qualidade terapêutica do produto;
sem ele, há uma presunção de que o produto é inadequado à saúde humana), esvaziando,
por via transversa, o conteúdo do direito fundamental à saúde.

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