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DIREITO
CONSTITUCIONAL
2ª ATUALIZAÇÃO: ESQUEMAS
2. DIREITO À VIDA
2.2.2. Aborto
Recomendamos, pois, que o leitor siga acompanhando as decisões do STF sobre o tema,
em especial a ADPF 442, relatada pela Min. Rosa Weber, que discute a questão relativa à
recepção, pela Constituição Federal de 1988, dos artigos 124 e 126 do Código Penal, que
instituem a criminalização da interrupção voluntária da gravidez.
Nessa ADPF, a Ministra Rosa Weber convocou audiência pública (realizada em 2017),
vez que a questão da interrupção voluntária da gravidez nas 12 primeiras semanas envolve
diferentes valores públicos e direitos fundamentais. A discussão, no entendimento da
Ministra relatora, é um dos temas jurídicos “mais sensíveis e delicados”, pois circunda
razões de ordem ética, moral, religiosa e de saúde pública e a tutela de direitos
fundamentais individuais.
A Procuradoria-Geral da República já se manifestou pela improcedência da arguição,
alegando que os pedidos submetidos à apreciação do STF na arguição exigem o exercício de
funções legislativas que não foram concedidas ao Poder Judiciário:
A Constituição Federal reservou ao Poder Legislativo as capacidades institucionais e a
legitimidade democrática para definir, como se busca nesta ADPF, que a conduta de
interrupção da gravidez nas 12 primeiras semanas de gestação não mereça ser tipificada
como crime, nos termos dos arts. 124 e 126 do Código Penal.
4. DIREITO À IGUALDADE
(...)
Cumpre também apresentar a decisão proferida pelo STF, em março de 2020, na ADI
4868. Nesta ação, a Corte concluiu que era inconstitucional a lei distrital que estabeleceu
que 40% das vagas das universidades e faculdades públicas do Distrito Federal deveriam ser
reservadas para alunos que estudaram em escolas públicas do Distrito Federal. Note,
estimado leitor, que a inconstitucionalidade não deriva, por óbvio, do fato de ter sido
estipulada a cota em favor de alunos de escolas públicas, mas sim em razão de a lei ter
restringindo as vagas para alunos do Distrito Federal, em detrimento dos estudantes de
outros Estados da Federação. Assim, por restringir a política inclusiva somente aos alunos
que estudaram no Distrito Federal, acabou por violar o art. 3º, IV e o art. 19, III, da CF/88,
tendo em vista que promoveu uma inaceitável diferenciação entre brasileiros.
Para finalizarmos o estudo acerca do inciso X do art. 5°, ainda existem dois importantes
tópicos a serem enfrentados. Vejamos:
1. Precedente favorável à caducidade: Habeas corpus. 2. Tráfico de entorpecentes. Condenação. 3. Aumento da pena-base. Não
aplicação da causa de diminuição do § 4º do art. 33, da Lei 11.343/06. 4. Período depurador de 5 anos estabelecido pelo art. 64, I,
do CP. Maus antecedentes não caracterizados. Decorridos mais de 5 anos desde a extinção da pena da condenação anterior (CP,
art. 64, I), não é possível alargar a interpretação de modo a permitir o reconhecimento dos maus antecedentes. Aplicação do
princípio da razoabilidade, proporcionalidade e dignidade da pessoa humana. 5. Direito ao esquecimento. 6. Fixação do regime
prisional inicial fechado com base na vedação da Lei 8.072/90. Inconstitucionalidade. 7. Ordem concedida. (HC 126.315, Rel. Min.
Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 15/09/2015). Mais recentemente: HC 138.802, Rel.: Min. Ricardo Lewandowski,
Segunda Turma, julgado em 25/04/2017.
Precedente contrário à caducidade: Penal. Habeas Corpus substitutivo de revisão criminal. Crime de Furto. Maus antecedentes.
Peculiaridades da causa que autorizam a concessão da ordem de ofício. 1. A Primeira Turma do STF já decidiu que condenações
anteriores, alcançadas pelo decurso do prazo de 5 anos, embora afastem a reincidência, não impedem os maus antecedentes .
Precedente: ARE 925.136-AgR, Rel. Min. Edson Fachin. 2. Situação concreta em que o paciente está condenado a 2 anos, 7 meses
e 15 dias de reclusão, em regime fechado, por furto qualificado de um botijão de gás. Nessas condições, ante o reduzido grau de
reprovabilidade da conduta e atento à tese adotada pelo Plenário, nos HCs 123.734, 123.533 e 123.108, Rel. Min. Luís Roberto
Barroso, a ordem deve ser concedida de ofício para, na linha de precedente recente desta Primeira Turma (HC 137.217), fixar
desde logo o regime aberto. 3. Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para fixar o regime aberto. (HC 144209,
Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão: Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 27/11/2018).
2. “Matéria penal. Fixação da pena-base. Circunstâncias judiciais. Maus antecedentes. Sentença condenatória extinta há mais de cinco
anos. Princípio da presunção de não-culpabilidade. Manifestação pelo reconhecimento do requisito de repercussão geral para
apreciação do recurso extraordinário. Tema 150 – RE 593818 RG, Rel. Min. Roberto Barroso.
discricionariedade do julgador na fase de dosimetria da pena, quando já houve a
condenação. A tese de repercussão geral fixada no julgamento foi a seguinte: "Não se aplica
para o reconhecimento dos maus antecedentes o prazo quinquenal de prescrição da
reincidência, previsto no art. 64, I, do Código Penal3".
Retomando o tema central deste item, é certo que o debate referente ao “Direito ao
esquecimento” tem ganhado destaque, sobretudo em razão dos já citados
pronunciamentos do STJ, mas também da aprovação de um enunciado na VI Jornada de
Direito Civil4, bem como por estar pendente de julgamento no STF a apreciação do RE
1010606 (reconhecida a existência de repercussão geral – Tema 786), em que se discute a
possibilidade de serem relembrados fatos criminosos do passado, já esquecidos pela
sociedade.
Sobre o RE 1010606, em junho de 2017 o STF realizou audiência pública para ouvir o
depoimento de autoridades e expertos sobre (i) a possibilidade de a vítima ou seus
familiares invocarem a aplicação do direito ao esquecimento na esfera civil e (ii) a definição
do conteúdo jurídico desse direito, considerando-se a harmonização dos princípios
constitucionais da liberdade de expressão e do direito à informação com aqueles que
protegem a dignidade da pessoa humana e a inviolabilidade da honra e da intimidade.
Realizada a audiência e colhido novo parecer da PGR, o julgamento deste recurso havia
sido pautado para 30.09.2020, mas, como de costume, foi retirado da agenda do STF sem
qualquer explicação consistente5 e indicação de nova data de julgamento.
O estudo do assunto no direito pátrio, pois, ainda está em evolução; aguardemos os
novos desdobramentos doutrinários e jurisprudenciais.
3
. Código Penal. Art. 64 - Para efeito de reincidência: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) I - não prevalece a condenação
anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a
5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; (Redação
dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).
4. Enunciado 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.
5
. Em verdade, há sempre a apresentação daquela costumeira justificativa, de que os processos julgados antes na mesma sessão não
permitiram que o caso fosse apregoado, em razão da exiguidade de tempo.
STF conclui que direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal 6
Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação
devem ser analisados caso a caso.
11/02/2021 20h03
Por decisão majoritária, nesta quinta-feira (11), o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu
que é incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento que
possibilite impedir, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados
verídicos em meios de comunicação. Segundo a Corte, eventuais excessos ou abusos no
exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, com
base em parâmetros constitucionais e na legislação penal e civil.
O Tribunal, por maioria dos votos, negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE)
1010606, com repercussão geral reconhecida, em que familiares da vítima de um crime de
grande repercussão nos anos 1950 no Rio de Janeiro buscavam reparação pela
reconstituição do caso, em 2004, no programa “Linha Direta”, da TV Globo, sem a sua
autorização. Após quatro sessões de debates, o julgamento foi concluído hoje, com a
apresentação de mais cinco votos (ministra Cármen Lúcia e ministros Ricardo Lewandowski,
Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Luiz Fux).
6
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=460414&ori=1
ou seja, embora não se trate violação da garantia de inviolabilidade das comunicações,
prevista no art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal, houve sim violação dos dados
armazenados no celular de um dos acusados. De fato, deveria a autoridade policial, após
a apreensão do telefone, ter requerido judicialmente a quebra do sigilo dos dados
armazenados, haja vista garantia, igualmente constitucional, à inviolabilidade da
intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, prevista no art. 5º, inciso
X, da Constituição Federal. Assim, a análise dos dados armazenados nas conversas de
Whatsapp, revela manifesta violação da garantia constitucional à intimidade e à vida
privada, razão pela qual se revela imprescindível a autorização judicial devidamente
motivada, o que nem sequer foi requerido. (grifos nossos).
2. O compartilhamento pela UIF e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser
feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação
do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de
eventuais desvios.
4. DIREITO À IGUALDADE
7
. Caro leitor, caso você esteja com dúvidas acerca da possibilidade de uma portaria e uma resolução poderem ser objeto de ADI, cumpre
informá-lo que o Min. relator, Edson Fachin, enfrentou a questão referente ao objeto. Segundo ele: “No que toca ao objeto impugnado,
constato que tanto o art. 64, IV, da Portaria nº 158/2016 do Ministério da Saúde, quanto o art. 25, XXX, “d”, da Resolução da Diretoria
Colegiada RDC nº 34/2014 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), constituem atos normativos federais que se revestem
de conteúdo regulatório dotado de abstração, generalidade e impessoalidade, possuindo alta densidade normativa e não se
caracterizando como simples atos regulamentares. Assim, adequado o instrumento utilizado para a aferição de sua constitucionalidade.”
(grifos nossos).
4.5. Aplicação do princípio da isonomia nos critérios de admissão em concurso público
(...)
É, portanto, constitucionalmente legítima a previsão em edital de requisitos
diferenciados de admissão desde que haja:
(a) previsão legal definindo quais são os critérios;
(b) razoabilidade da previsão, afinal, conforme entendimento da Suprema Corte8, a
distinção só será constitucionalmente legítima quando justificada pela natureza das
atribuições dos cargos a serem preenchidos.
Corroborando este entendimento, manifestou-se o STF nos seguintes termos:
o critério de diferenciação de idade somente é autorizado pela Constituição Federal
quando decorrer da natureza do cargo público a ser ocupado, a teor do art. 39, § 3º, sendo
vedado nos demais casos, em obediência ao princípio da isonomia. A regra geral é o acesso
de todos aos cargos públicos, salvo limitações decorrentes de lei. Essas ressalvas podem
ocorrer, por exemplo, em razão da idade, altura, colação de grau em nível superior ou
tempo de prática profissional. Entretanto, elas só são legítimas se forem fixadas, de forma
razoável, para atender as exigências das funções do cargo a ser preenchido9.
Outra manifestação da Corte sobre o tema que é digna de destaque foi proferida em
dezembro de 2020, na ADI 5329. Na ocasião, foi declarado inconstitucional o requisito
previsto no artigo 52, inciso V, da Lei de Organização Judiciária do Distrito Federal e dos
Territórios (Lei 11.697/2008), que exigia a idade mínima de 25 anos e máxima de 50 para
ingresso na carreira da magistratura do Distrito Federal e dos Territórios. De acordo com os
Ministros, o artigo 93 da Constituição Federal prevê, como requisitos basilares para o
ingresso na carreira inicial da magistratura, a aprovação em concurso público de provas e
títulos, o bacharelado em Direito e o mínimo de três anos de atividade jurídica. Ademais, o
estabelecimento de um limite máximo de idade para investidura em cargo cujas atribuições
são de natureza preponderantemente intelectual contraria o entendimento do STF de que
restrições desse tipo somente se justificam em vista de necessidade relacionada às
atribuições do cargo, como ocorre em carreiras militares ou policiais. Pelas características
próprias da atividade jurisdicional, em que a experiência profissional e o conhecimento
jurídico acumulado qualificam o exercício da função, o atingimento da idade de 50 anos,
por si só, não desabona o candidato (ao contrário, tudo indica que a pessoa estará no gozo
8. Súmula 683, STF: “O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da CF/88, quando
possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”.
9. RE 523.737, Rel. Min. Ellen Gracie.
de sua plena capacidade produtiva).
(...)
(v) Sobre o mesmo assunto, vale destacar a decisão do CNJ (Conselho Nacional de
Justiça) proferida em setembro de 2020, na qual foi firmado que as candidatas ao concurso
para magistratura no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) que estão em estágios avançados
de gravidez podem remarcar a data da prova oral do processo seletivo. Não será permitido,
no entanto, a realização da etapa oral por meio de videoconferência.
10
. Em regra, será o farmacêutico (graduado no curso superior de farmácia), inscrito no Conselho Regional de Farmácia.
Virtual do STF o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 806.339, com repercussão geral
reconhecida. Discutiu-se a exigência de aviso prévio à autoridade competente como
pressuposto para o legítimo exercício da liberdade de reunião, previsto no inciso XVI do
artigo 5º da Constituição Federal. Por apertada maioria (6X5), a Corte concluiu que a
inexistência de notificação não torna a reunião ilegal – nos dizeres de Barroso, que votou
com esta segunda corrente, eventual ausência de prévio aviso para o exercício do direito
de reunião não transforma a manifestação em ato ilícito pois o Poder Público pode
legitimamente impedir o bloqueio integral de via pública para assegurar o direito de
locomoção de todos. Fachin, que em divergência com o relator abriu a corrente vencedora,
propôs a seguinte tese: “A exigência constitucional de aviso prévio relativamente ao direito
de reunião é satisfeita com a veiculação de informação que permita ao poder público zelar
para que seu exercício se dê de forma pacífica ou para que não frustre outra reunião no
mesmo local”.
Até a data de fechamento desta edição (22/12/2020), os votos dos Ministros ainda não
tinham sido disponibilizados, tampouco a decisão havia sido noticiada no Informativo da
Corte (também não havia sido ainda disponibilizada a tese fixada). Aguardemos, pois, tais
publicações acontecerem, para compreendermos com mais exatidão o que foi que restou
decidido pelo STF. Infelizmente, já vislumbramos que o julgamento possa ter deixado de
apreciar aspectos relevantes ao enfrentamento da matéria tematizada no Recurso
Extraordinário.
Em nosso sentir, a Corte deveria ter aproveitado o julgamento deste RE para definir
com alguma precisão o alcance da exigência de “prévio aviso à autoridade competente”.
Pensamos que a expressa exigência constitucional da comunicação prévia deve ser
observada, mas nada há na CF/88 que imponha uma forma específica para que ela se
realize. Logo, tal comunicação pode ser efetivada de múltiplas maneiras, desde que, além
de tempestiva, efetivamente alcance a autoridade competente (ainda que de modo
informal). Ademais, a comunicação deverá conter, no mínimo, as informações úteis sobre
o evento, tais como, o local e horário da reunião, o número aproximado de participantes e
alguma síntese acerca da sua forma de realização (ou seja, se a reunião contará com
palanques ou aparelhos de amplificação sonora etc.). Referidas informações servem, tão
somente, para auxiliar o Poder Público na tomada de providências de cunho organizacional,
de modo a tutelar não só os direitos dos manifestantes, mas também os de terceiros alheios
à manifestação. Em nenhuma circunstância o Poder Público poderá controlar o mérito da
realização da reunião (os motivos ou seu objeto), justamente para não violar a previsão
constitucional do art. 5°, XVI. Enfim, aguardemos a publicação da decisão e da tese que dela
poderá ser extraída.
6.3.2. Requisição
A requisição é uma forma de intervenção pública no direito de propriedade em
situações emergenciais, em que há iminente perigo público e a autoridade competente
precisa usar temporariamente uma propriedade (ou um bem ou um serviço) particular (art.
5º, XXV).
Existindo na modalidade civil (art. 5º, XXV, CF/88) e na militar (art. 139, VII, da CF/88),
na requisição não se fala em perda da propriedade (supressão de domínio), mas apenas em
uso do bem pelo Estado visando atender o interesse público.
Trata-se de situação de urgência em que o Poder Público não tem tempo suficiente para
a adoção de providências alternativas que não dependam da interferência nos bens
particulares. O Estado precisa da propriedade privada11, a utiliza (de forma compulsória) e
a devolve ao proprietário logo após a ação. Caso o uso acarrete danos, há de ser fixada uma
indenização. Caso contrário, não tendo ocorrido qualquer avaria ao bem utilizado, a
indenização não se faz necessária. Vê-se, pois, que é em razão da necessária comprovação
de existência de dano, que a indenização será sempre posterior.
(...)
O instituto da requisição administrativa foi bastante debatido no ano de 2020, durante
o combate à pandemia da Covid-19. O STF se pronunciou sobre o tema na ADI 6362 (julgada
em setembro/2020), determinando que os Estados-membros, o Distrito Federal e os
Municípios podem, no exercício de suas competências constitucionais, decretar a
requisição administrativa prevista na Lei nº 13.979/2020 12. Assim, restou firmado pela
nossa Corte Suprema que os gestores locais de saúde (secretarias estaduais e municipais,
por exemplo) façam as requisições de bens e serviços (como a utilização de leitos de UTIs
de hospitais privados, dentre outros recursos) mesmo sem autorização do Ministério da
Saúde. Um dos fundamentos centrais utilizados pelo STF foi o de que constitui competência
11
. Vale frisar que a requisição só atinge bens particulares, não bens de outros entes federados. Partindo dessa premissa, o Min. Celso de
Mello (aposentado em outubro de 2020), em abril de 2020 (durante o combate à pandemia decorrente da Covid-19), determinou que a
União não poderia requisitar respiradores que tinham sido adquiridos pelo governo do Maranhão (Ação Cível Originária - ACO 3385). O
Estado do Maranhão, ao pedir a suspensão da medida que houvera sido determinada pela União, argumentou que a autonomia dos
entes federados impediria que um deles (no caso, a União) assumisse, mediante simples requisição administrativa, o patrimônio, o quadro
de pessoal e os serviços de outro ente público. A única ressalva seria a excepcional circunstância de se tratar de requisição federal de
bens públicos na vigência do estado de defesa (CF, art. 136, § 1º, II) ou do estado de sítio (CF, art. 139, inciso VII). Ademais, por se tratar
de conflito federativo, o STF era a instância adequada para decidir o tema (art. 102, I, ‘f’, CF/88).
12
. Lei federal editada em fevereiro de 2020, estabelecendo medidas para o enfrentamento do coronavírus.
comum da União, Estados, DF e Municípios “cuidar da saúde e assistência pública” (art. 23,
II) – o que significa que a defesa da saúde é atribuição de todas as unidades federadas, que
será efetivada sem que os entes dependam da autorização de outros níveis governamentais
para levá-las a efeito, cumprindo-lhes, tão somente, consultar o interesse público que, por
obrigação constitucional, os entes têm de preservar.
(7) Para finalizarmos, uma última decisão do STF, proferida em dezembro de 2020,
referente às medidas de combate à pandemia da Covid-19. O Plenário da Corte
Suprema decidiu que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam,
compulsoriamente, à vacinação contra a Covid-19, prevista na Lei 13.979/2020. De
acordo com a decisão, o Estado pode impor aos cidadãos que recusem a vacinação
as medidas restritivas previstas em lei (multa, impedimento de frequentar
determinados lugares, fazer matrícula em escola), mas não pode fazer a imunização
à força (em outras palavras: é constitucional a vacinação compulsória, mas a
obrigatoriedade não pressupõe forçar, pois depende do consentimento do
cidadão). Também ficou definido que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
têm autonomia para realizar campanhas locais de vacinação. O entendimento foi
firmado no julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs)
6586 e 6587, que tratam unicamente de vacinação contra a Covid-19, e do Recurso
Extraordinário com Agravo (ARE) 1267879, em que se discute o direito à recusa à
imunização por convicções filosóficas ou religiosas.
A tese de repercussão geral fixada no ARE 1267879 foi a seguinte: “É
constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada
em órgão de vigilância sanitária, tenha sido incluída no plano nacional de
imunizações; ou tenha sua aplicação obrigatória decretada em lei; ou seja objeto
de determinação da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios com
base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à
liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem
9. VEDAÇÃO DO RETROCESSO
Em outubro de 2020, no julgamento da ADI 2096, o STF se valeu do conceito de vedação
ao retrocesso social para declarar a constitucionalidade do art. 7°, inciso XXXIII (com
redação dada pela EC nº 20/1998), que proíbe qualquer tipo de trabalho a menores de 16
anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos. A CNTI (Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Indústria), autora da ação, lembrou na petição inicial que antes da
edição da emenda era vedado qualquer trabalho a menores de 14 anos e alegou que a
proibição instituída pela EC nº 20 violava direitos fundamentais dos adolescentes,
notadamente o direito básico ao trabalho. A entidade buscava, portanto, o retorno à regra
anterior, que permitia que adolescentes com 14 anos já trabalhassem.
O Min. Celso de Mello (aposentado no 2° semestre de 2020), relatou a ação e votou
argumentando que retornar à regra anterior, em que menores de 16 anos poderiam
trabalhar, significaria um retrocesso. Em suas palavras:
O retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira
dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional (como o
direito à saúde), impedindo, em consequência, que os níveis de concretização dessas
prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto na
hipótese – de todo inocorrente na espécie – em que políticas compensatórias venham a
ser implementadas pelas instâncias governamentais. (grifos nossos).
Cap. 7: (“Direito de Nacionalidade”):
(...)
(M.3) Expulsão
(vi) A expulsão não pode ser decretada quando (art. 55, Lei de Migração):
(a) a medida configurar extradição inadmitida pela legislação brasileira;
(b) o expulsando:
(b.1) tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica
ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela;
(b.2) tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil, sem discriminação
alguma, reconhecido judicial ou legalmente;
(b.3) tiver ingressado no Brasil até os 12 (doze) anos de idade, residindo desde
então no País; e
(b.4) for pessoa com mais de 70 (setenta) anos que resida no País há mais de 10
(dez) anos, considerados a gravidade e o fundamento da expulsão.
(vii) Acerca do item (b.1), vale mencionar uma decisão liminar no Habeas Corpus
148.558 concedida pelo Ministro Marco Aurélio em 18.12.2017, na qual ele deferiu liminar
para suspender a expulsão do território nacional do cidadão camaronês Lawrence Ndiefe,
colocado em liberdade após cumprir pena por tráfico de drogas. Ndiefe tem uma filha
brasileira, nascida após a edição da portaria do Ministério da Justiça que determinou sua
expulsão, mas, de acordo com o que observou o relator, a nova Lei de Migração, ao revogar
o Estatuto do Estrangeiro, afastou qualquer condicionante cronológica quanto ao
nascimento de filhos no país, bastando a existência de descendente brasileiro que esteja
sob a guarda ou dependência econômica ou socioafetiva do estrangeiro para impedir a
expulsão. Em outras palavras: a lei anterior previa que não era possível proceder à expulsão
quando o estrangeiro tivesse filho brasileiro que, comprovadamente, estivesse sob sua
guarda e dele dependesse economicamente. Não constituíam, todavia, impedimento à
expulsão a adoção ou o reconhecimento de filho brasileiro supervenientes ao fato que
tivesse motivado o decreto expulsório. Já a nova Lei de Migração, que entrou em vigor no
dia 21 de novembro, simplesmente prevê que a expulsão não ocorrerá, entre outros casos,
“se o estrangeiro tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica
ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela”14.
14
. Em junho de 2020 o STF confirmou essa hipótese, no julgamento do RE 608898/DF, Rel. Min. Marco Aurélio,
(Repercussão Geral – Tema 373; noticiado no Info 983): “O § 1º do art. 75 da Lei nº 6.815/80 não foi
recepcionado pela Constituição Federal de 1988, sendo vedada a expulsão de estrangeiro cujo filho brasileiro
8. PERDA DA NACIONALIDADE
Em 2020 foi a vez de a 2ª Turma do STF confirmar essa possibilidade: por maioria de
votos (em fevereiro de 2020, no MS 36.359), os ministros reafirmaram que o brasileiro nato
perde nossa nacionalidade em razão da aquisição de outra nacionalidade fora das hipóteses
constitucionalmente previstas (no art. 12, § 4°) e, na sequência, pode ser submetido ao
processo extradicional (em setembro de 2020, na Ext. 1630, foi concedida por unanimidade
na 2ª Turma a extradição do empresário Carlos Wanzeler para os EUA).
foi reconhecido ou adotado posteriormente ao fato ensejador do ato expulsório, uma vez comprovado estar
a criança sob a guarda do estrangeiro e deste depender economicamente”.
específico caso. E tal afastamento só foi possível por não ter colocado em risco o princípio
da igualdade, norte central que orienta o pleito eleitoral.
9. PARTIDOS POLÍTICOS
15. Art. 28, parágrafo 12, Lei nº 9.504/1997, inserido pela Lei nº 13.165/2015 (Reforma Eleitoral).
Em conclusão, em março de 2018 (em decisão tomada por maioria), o Plenário do
Supremo Tribunal Federal julgou procedente a ADI 5394 para declarar a invalidade de
trecho da Lei das Eleições (9.504/1997), introduzido pela Minirreforma Eleitoral (Lei
13.165/2015), que permitia “doações ocultas” a candidatos. O colegiado acompanhou o
voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, no sentido da procedência da ADI
(inconstitucionalidade da norma), sob o fundamento de que as doações ocultas retiram a
transparência do processo eleitoral e dificultam o controle de contas pela Justiça Eleitoral.
Foi uma verdadeira virada paradigmática pois, pela primeira vez, a Corte
inequivocamente tratou de estabelecer um prazo para o legislador editar a norma faltante
e impôs uma consequência ao descumprimento deste prazo. Não há dúvidas de que essa
decisão representou um passo adiante na natureza meramente recomendatória que se
tinha no julgamento das ADOs.
Mas o fato é que o prazo determinado pelo STF vencia e a lei não era elaborada.
Mantinha-se, pois, a instabilidade político-jurídica (e o consequente abalo para o pacto
federativo) que o tema suscitava há mais de duas décadas. O STF, tentando compor todos
os interesses, acatava pedidos de prorrogação do prazo, compreendendo que fatos
supervenientes justificariam o abrandamento do termo temporal fixado no julgamento de
mérito em 2016.
Eis que em julho de 2019, finalmente, os Estados e a União decidiram negociar um
inédito acordo em âmbito federativo – homologado pelo STF em maio de 2020 e
encaminhado ao Congresso Nacional para as providências cabíveis. Desse acordo, que
finalizou a complexa discussão político-jurídica, nossa federação saiu fortalecida, já que foi
construído um significativo exemplo de cooperação institucional entre os entes federados.
E foi justamente em maio de 2020, quando o Min. Gilmar apresentou no plenário do
STF o seu voto para que a Corte Suprema homologasse o acordo firmado entre Estados e
União, que foi utilizada a expressão agora em análise. Segundo Gilmar, nesta ADO foi
inaugurado o “pensamento do possível no Federalismo cooperativo”, uma das facetas mais
formidáveis da interpretação constitucional. Em seu voto, o ministro assim se manifestou:
Conclamei que todos os entes federativos, na linha do pensamento do possível,
dissipassem-se de suas certezas absolutas, interesses estratificados e compreendessem
aquela oportunidade sob o olhar do federalismo cooperativo, no afã de diminuir as
tensões/diferenças e aproximar as convergências, chegando a bom termo conciliatório.
(grifos nossos).
Essa teoria do “Pensamento do Possível” tem por principal expoente o jurista alemão
Peter Häberle, um dos mais destacados constitucionalistas contemporâneos e um dos
doutrinadores mais influentes para o Judiciário brasileiro 16. Segundo preceitua o autor, as
Constituições não são “normas fechadas" (um texto acabado ou definitivo), mas sim um
projeto em contínuo desenvolvimento, representativo de conquistas e experiências e
aberto à evolução. Destarte, a interpretação da Constituição não deve ser feita segundo a
lógica do “um ou outro”, mas consoante um pensamento permanentemente aberto a
múltiplas alternativas e possibilidades.
Peter Häberle explica melhor:
O pensamento do possível é o pensamento em alternativas. Deve estar aberto para
terceiras ou quartas possibilidades, assim como para compromissos. Pensamento do
possível é pensamento indagativo (fragendes Denken). Na res publica existe um ethos
jurídico específico do pensamento em alternativa, que contempla a realidade e a
necessidade, sem se deixar dominar por elas. O pensamento do possível ou o
pensamento pluralista de alternativas abre suas perspectivas para “novas” realidades,
para o fato de que a realidade de hoje pode corrigir a de ontem, especialmente a
adaptação às necessidades do tempo de uma visão normativa, sem que se considere o
novo como o melhor.” (Häberle, Peter. Die Verfassung des Pluralismus, Königstein/TS,
1980, p. 3 apud MENDES, Gilmar Ferreira; DO VALE, André Rufino. O pensamento de
Peter Häberle na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Conjur/2009). 17
16
. Para termos uma pequena dimensão da influência que o jurista tem no constitucionalismo pátrio, lembremos que ele é o criador da
figura do “amicus curiae”, que atua no controle concentrado para pluralizar o debate constitucional instaurado nas ações diretas.
17
. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2009-abr-10/pensamento-peter-haberle-jurisprudencia-supremo-tribunal-
federal?pagina=3. Consulta feita em 24 de novembro de 2020.
federativo foram chamados para, numa composição amigável, tentarem solucionar o antigo
e complexo impasse entre as esferas federativas. E para que o consenso fosse alcançado,
os entes foram conclamados a atuar na linha do ‘pensamento do possível’, abandonando
certezas absolutas e interesses estratificados, compreendendo a oportunidade de construir
uma solução sob o olhar do federalismo cooperativo, visando minimizar as
tensões/diferenças e aproximar as convergências.
5.1. Introdução
(...)
Acerca de cada um dos entes apresentaremos, a seguir, alguns breves comentários.
Antes, todavia, vamos comentar um pronunciamento do STF, de setembro de 2020 (na ACO
3427 Ref-MC/BA), que reforça esse ideal de autonomia. Existe em nosso ordenamento um
decreto (Decreto nº 5.289/2004) que determina ser de competência do Ministro da Justiça
determinar a ida da Força Nacional de Segurança Pública para atuar em determinado
Estado-membro ou no Distrito Federal. De acordo com a redação do art. 4º do decreto, a
determinação do emprego da Força Nacional pode ocorrer de duas maneiras: (i) mediante
solicitação expressa do Governador formulada ao Ministro da Justiça; (ii) mediante iniciativa
do próprio Ministro da Justiça, mesmo sem solicitação do Governador. Claro que se a
solicitação de auxílio é realizada pelo próprio Governador, não há qualquer questionamento
referente à autonomia dos entes federados que seja digno de destaque. Agora, por outro
lado, se a determinação de envio da Força Nacional é feita pelo Ministro da Justiça sem que
tenha havido um prévio pedido do Governador, questiona-se: seria essa atuação
constitucionalmente válida? Segundo o STF: “É plausível a alegação de que a norma inscrita
no art. 4º do Decreto 5.289/2004, naquilo em que dispensa a anuência do governador de
estado no emprego da Força Nacional de Segurança Pública, viole o princípio da autonomia
estadual”. Assim decidiu o STF, ao apreciar medida liminar em ação cível originária.
(ii) Em agosto de 2020, na ADI 1052, o STF nos lembrou que sendo competência
remanescente dos Estados a prerrogativa de legislar sobre transporte intermunicipal (art.
25, § 1º), a lei estadual que concede dois assentos a policiais militares devidamente
fardados nos transportes coletivos intermunicipais é constitucional e vai ao encontro da
melhoria das condições de segurança pública nesse meio de locomoção, em benefício de
toda a Sociedade. Nessa decisão, o STF ainda afastou qualquer alegação de desrespeito ao
princípio da igualdade, uma vez que o discrímen adotado é legítimo e razoável, pois
destinado àqueles que exercem atividade de polícia ostensiva e visam à preservação da
ordem pública.
18. Nesse sentido decidiu o STF na ADI 845-AP, relatada pelo Min. Eros Grau, noticiada no Informativo 489, STF.
(2) Também no mês de agosto de 2019, o STF declarou (na ADI 5610/BA) a
inconstitucionalidade de uma lei estadual que proibia as empresas concessionárias de
energia elétrica de cobrarem pela religação caso houvesse corte no fornecimento de
energia em razão de atraso no pagamento. Considerou nossa Corte Suprema que referida
lei estadual afrontava a competência privativa da União para legislar sobre energia,
desrespeitando, pois, o art. 22, IV e o art. 21, XII, “b”, ambos da CF/88. Assim, se uma
concessionária suspendeu o fornecimento do serviço de energia elétrica de um consumidor,
em virtude do seu inadimplemento, e, posteriormente, este quita os débitos e regulariza a
situação, pode a concessionária cobrar um valor pelo religamento do serviço, sendo
inconstitucional a lei estadual que proibir tal cobrança.
Obs.: Esse entendimento foi confirmado (por maioria) em setembro de 2020, na ADI 6190.
Segundo o STF, é inconstitucional a lei do Estado de Roraima que proibia as distribuidoras
de energia elétrica de cobrar a taxa de religação de energia depois de o fornecimento ter
sido cortado por atraso no pagamento da fatura. A norma ofendeu a competência
legislativa privativa da União para legislar sobre energia elétrica. O relator da ação, Ministro
Lewandowski, lembrou precedentes do STF em que a Corte declarou a
inconstitucionalidade de leis estaduais que concediam isenção de pagamento de energia
elétrica por trabalhadores desempregados e proibiam o corte de energia por falta de
pagamento sem prévia comunicação ao usuário.
(...)
(7) Em junho de 2020 (ADI 2902), o decidiu que é inconstitucional a lei estadual que, a
pretexto de proteger a saúde da população, disciplina a instalação de antenas transmissoras
de telefonia celular e, por isso, adentra na esfera de competência privativa da União.
– Para entender melhor o caso, bem como aproveitarmos para recordar algumas
expressões muito utilizadas pela doutrina norte-americana sobre o tema ‘repartição de
competências no âmbito do federalismo’, vejamos com mais detalhamento o que se passou
neste caso concreto:
(i) Foi editada uma lei no Estado de SP que tratou da instalação de antenas transmissoras
de telefonia celular no Estado. Em um dos dispositivos, a pretexto de proteger a saúde da
população, a lei determinou o seguinte: “Artigo 3º Toda instalação de antenas
transmissoras deverá ser feita de modo que a densidade de potência total, considerada a
soma da radiação preexistente com a da radiação adicional emitida pela nova antena,
medida por equipamento que faça a integração de todas as frequências na faixa prevista
por esta lei, não ultrapasse 435 uW/cm2 (quatrocentos e trinta e cinco microwatts por
centímetro quadrado), em qualquer local passível de ocupação humana (Organização
Mundial de Saúde)”. Perceba, caro leitor, que a lei está claramente estabelecendo limites
de radiação para a instalação de antenas transmissoras de telefonia celular.
(ii) Essa lei tutela a proteção à saúde (tema de competência legislativa concorrente) ou
invade a competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações? Esse tipo
de dúvida é muito comum quando estamos tratando da divisão de competências entre os
entes federados. E, segundo a doutrina federalista norte-americana, sempre que a dúvida
sobre a competência legislativa recair sobre norma que abranja mais de um tema, deve o
intérprete acolher a interpretação que não tolha a competência que detêm os entes
menores para dispor sobre determinada matéria (presumption against preemption -
presunção a favor da competência dos entes menores da federação). Entretanto, por vezes,
afastaremos essa presunção de que, diante deste cenário de dúvida acerca da competência,
determinado tema deve ser disciplinado pelo ente menor. Quando isso ocorrerá? Quando
a lei do ente maior (federal ou estadual) claramente indicar, de forma necessária, adequada
e razoável, que os efeitos de sua aplicação excluem o poder de complementação que detêm
os entes menores (clear statement rule).
(iii) Em outras palavras: a presunção de que gozam os entes menores para, nos assuntos de
interesse comum e concorrente, legislarem sobre seus respectivos interesses (presumption
against preemption) pode ser nitidamente afastada por expressa determinação do ente
maior (clear statement rule).
(iv) Voltando ao caso julgado pelo STF em junho de 2020, a União, no exercício de suas
competências constitucionais (art. 21, XI e art. 22, IV, da CF/88), editou a Lei nº 9.472/97,
que, de forma nítida, atribui à ANATEL a definição de limites para a tolerância da radiação
emitida por antenas transmissoras. Ademais, a União, por meio da Lei nº 11.934/2009, fixou
limites proporcionalmente adequados à exposição humana a campos elétricos, magnéticos
e eletromagnéticos.
(v) Desta forma, justamente porque a lei federal claramente indicou, de forma adequada,
necessária e razoável, que os efeitos de sua aplicação excluem o poder de complementação
que detêm os entes menores (clear statement rule), o STF afastou a presunção de que o
tema poderia ser também disciplinado pelo ente menor em razão de ele possuir
competência concorrente que tangencia o assunto trabalhado na lei.
(vi) Para finalizar este item, insta alertar ao leitor que essas expressões do direito norte-
americano têm sido sistematicamente utilizadas em pronunciamentos do STF sobre o tema
‘repartição constitucional de competências na federação’. Para ilustrar, veja trecho voto do
Min. Edson Fachin no RE 194.704 (julgado em junho de 2017):
Nos casos em que a dúvida sobre a competência legislativa recai sobre norma que
abrange mais de um tema, deve o intérprete acolher interpretação que não tolha a
competência que detêm os entes menores para dispor sobre determinada matéria
(presumption against preemption). Porque o federalismo é um instrumento de
descentralização política que visa realizar direitos fundamentais, se a lei federal ou
estadual claramente indicar, de forma adequada, necessária e razoável, que os efeitos
de sua aplicação excluem o poder de complementação que detêm os entes menores
(clear statement rule), é possível afastar a presunção de que, no âmbito regional,
determinado tema deve ser disciplinado pelo ente menor. Na ausência de norma federal
que, de forma nítida (clear statement rule), retire a presunção de que gozam os entes
menores para, nos assuntos de interesse comum e concorrente, exercerem plenamente
sua autonomia, detêm Estados e Municípios, nos seus respectivos âmbitos de atuação,
competência normativa. [RE 194.704, rel. p/ o ac. min. Edson Fachin, j. 29-6-2017, P, DJE
de 17-11-2017.]
Inciso XX – Relativamente a este inciso vale destacar que são inconstitucionais as leis
estaduais, distritais que versem sobre sistema de consórcio e sorteios, inclusive bingos e
loterias (tendo o STF editado a súmula vinculante nº 0219 a fim de firmar este
entendimento). Vale informar que, apesar de a SV 02 somente mencionar que os Estados e
o DF não podem tratar do tema, o STF confirmou (em outubro de 2018, na ADPF 337,
noticiada no Informativo 920) que também é inconstitucional lei municipal que cria
concurso de prognósticos de múltiplas chances (loteria) em âmbito local.
(1) Ainda sobre o inciso XX, cumpre relatar a decisão proferida pelo STF em setembro de
2020, no julgamento conjunto das seguintes ações: ADPF 492/RJ, ADPF 493/DF e ADI
4986/MT. Segundo nossa Corte Suprema, a competência da União para legislar
exclusivamente sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive loterias, não obsta a
competência material para a exploração dessas atividades pelos entes estaduais ou
municipais (em outras palavras: a competência legislativa acerca de determinado assunto
não se confunde com a competência material, executiva, de exploração de serviço a ele
correlato). Isso porque a exploração de loterias ostenta natureza jurídica de serviço público
e, quando nossa CF/88 quis atribuir a prestação de determinado serviço público com
exclusividade à União, o constituinte o fez de forma expressa. Como nossa Constituição não
atribui à União a exclusividade sobre o serviço de loterias, tampouco proíbe expressa ou
implicitamente o funcionamento de loterias estaduais, esse cenário atrai a competência
residual dos estados-membros, estabelecida em seu art. 25, § 1º.
Um detalhe adicional importante: como somente a União pode definir modalidades de
19. Súmula vinculante nº 2, STF: “É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de
consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias”.
atividades lotéricas passíveis de exploração, as legislações estaduais instituidoras de
loterias, por meio de lei estadual ou decreto, em seus territórios, devem simplesmente
viabilizar o exercício de sua competência material de instituição do serviço público. Tais
normas estaduais ofenderiam a CF se instituíssem disciplina ou modalidade de loteria não
prevista pelo própria União para si mesma. Nesta hipótese, a legislação local afastar-se-ia
de seu caráter materializador do serviço público de que é titular e seria incompatível com o
art. 22, XX, da CF/1988.
Inciso XXIV – Tendo em conta a competência da União para legislar sobre as diretrizes e
bases da educação nacional, foi considerada inconstitucional a lei estadual do Acre que
tratava da revalidação de títulos obtidos em instituições de ensino superior dos países
membros do MERCOSUL. A lei foi declarada inconstitucional pois obrigava que o Poder
Público estadual aceitasse como válidos os diplomas expedidos por instituições do Mercosul
mesmo sem procedimento de revalidação, contrariando o disposto na Lei Federal nº
9.394/1996 e no Decreto 5.518/2005.
(1) Ainda sobre o inciso XXIV, cumpre comentar a decisão proferida pelo STF em abril de
2020, na ADPF 457, na qual a Corte firmou que, dada a competência privativa da União para
legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, os Municípios não podem editar leis
proibindo a divulgação de material com referência a “ideologia de gênero” nas escolas
municipais. Nessa postura, há inconstitucionalidade formal. Ademais, conforme
comentamos no cap. 5 desta obra (sobre os “Direitos e Garantias Individuais”), há também
inconstitucionalidade material, pois tais normas municipais proibitivas afrontam (i) a
liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (art.
206, II, CF/88); (ii) o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (art. 206, III); (iii) um
dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, que é a promoção do bem
de todos sem preconceitos (art. 3º, IV, CF/88); (iv) o dever estatal de promover políticas de
inclusão e de igualdade, contribuindo para a manutenção da discriminação com base na
orientação sexual e identidade de gênero.
(2) Justamente porque é competência privativa da União legislar sobre as diretrizes e bases
da educação, que não pode o Estado-membro, ao tratar do tema, afrontar o teor da
legislação federal. Assim, tendo por base o inciso XXIV do art. 22, CF/88, o STF declarou (em
março de 2020, na ADI 6073), que é inconstitucional lei estadual que afasta as exigências
estabelecidas na legislação federal (Lei nº 9.394/1996; Lei de Diretrizes e Bases da Educação
– LDB) para que haja a revalidação de diploma obtido em instituições de ensino superior de
outros países. Referida lei invade a competência privativa da União para legislar sobre o
tema, desrespeitando as rigorosas determinações federais (postas no art. 48 da lei) para
que haja o reconhecimento da validade, no Brasil, dos diplomas expedidos por
universidades estrangeiras.
Inciso XXV – Considerando este inciso, o SF decidiu que os Estados-membros não possuem
competência legislativa para determinar a obrigatoriedade da microfilmagem de
documentos arquivados nos cartórios extrajudiciais do Estado. Afinal, este tema envolve
registros públicos e responsabilidade civil dos notários e registros, matéria que é de
competência privativa da União, nos termos do art. 22, XXV, da CF/88 (ADI 3723, Rel. Min.
Gilmar Mendes, julgada em março de 2020).
Inciso IX –
– Em agosto de 2019, na ADI 3874, o STF confirmou a constitucionalidade de lei estadual
que proíbe a cobrança pelos estabelecimentos de ensino sediados no Estado do Rio de
Janeiro, por provas de segunda-chamada, provas finais ou equivalentes, não podendo
os estudantes ser impedidos de fazer provas, testes, exames ou outras formas de
avaliação, por falta de pagamento prévio. Afinal, entendeu nossa Corte Suprema que
ao estabelecer regras protetivas dos estudantes mais amplas do que as federais, quanto
à cobrança por provas de segunda chamada ou finais, o Estado do Rio de Janeiro atuou
dentro da área de sua competência concorrente para legislar sobre direito do
consumidor e educação (art. 24, inciso V e IX).
– Em junho de 2020, o STF decidiu (na ADI 5951) que é constitucional lei estadual que
estabeleça que as instituições de ensino superior privada são obrigadas a devolver o
valor da taxa de matrícula, podendo reter, no máximo, 5% da quantia, caso o aluno,
antes do início das aulas, desista do curso ou solicite transferência. Segundo nossa Corte
Suprema, a lei impugnada trata não só sobre o tema ‘educação’, mas também sobre
proteção ao consumidor, matéria que igualmente é de competência legislativa
concorrente, nos termos dos incisos V e VIII do art. 24 da CF/88.
(A) Composição
Sobre a suplência na Câmara dos Deputados, é importante lembrar que o STF definiu
em 201120 que a vaga aberta por eventual afastamento/renúncia/morte de Deputado
Federal deveria ser preenchida pelo candidato mais votado na lista da coligação21 e não do
partido. Logo, suplente seria o próximo candidato com melhor votação da coligação,
independentemente de pertencer ou não ao partido do Deputado Federal afastado. Afinal,
se o quociente eleitoral para o preenchimento das vagas de Deputado Federal estava sendo
definido em função da coligação, a mesma regra deveria ser seguida para a sucessão dos
suplentes22.
No entanto, caro leitor, entendemos que a edição da EC nº 97/2017 promoveu uma
alteração com relação a este entendimento. Isso porque referida emenda determinou (no
art. 17, § 1°, CF/88) que as coligações não mais serão possíveis nas eleições que utilizam o
sistema proporcional (isto é, nas eleições para os cargos de deputado federal, estadual e
distrital e vereador). Destarte, nos termos propostos pela emenda, desde as eleições de
2020 não mais temos coligações em eleições proporcionais, o que certamente acarreta uma
mudança na regra da suplência dos cargos preenchidos por esse sistema: ao nosso sentir, o
suplente passará a ser o candidato mais bem votado do próprio partido.
Por fim, vale destacar a atribuição que a Constituição Federal confere à Câmara dos
Deputados e ao Senado Federal para a convocação de algumas autoridades para prestarem
informações sobre assuntos previamente determinados:
Art. 50. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal, ou qualquer de suas Comissões,
poderão convocar Ministro de Estado ou quaisquer titulares de órgãos diretamente
subordinados à Presidência da República para prestarem, pessoalmente, informações
sobre assunto previamente determinado, importando crime de responsabilidade a
ausência sem justificação adequada. (Redação dada pela Emenda Constitucional de
Revisão nº 2, de 1994)
Como o STF entende que o art. 50, caput e § 2º, da Constituição Federal representa
norma de observância obrigatória, os Estados-membros, por imposição do princípio da
simetria (art. 25, CF), não podem ampliar o rol de autoridades sujeitas à fiscalização direta
pelo Poder Legislativo e à sanção por crime de responsabilidade (ADI 5.300, Rel. Min.
Alexandre de Moraes, DJe 28/6/2018).
Corroborando este entendimento, em abril de 2020 (na ADI 5416 - Rel. Gilmar Mendes,
noticiada no Info 977), o STF declarou inconstitucional norma da Constituição Estadual que
estabeleceu a possibilidade de a Assembleia Legislativa convocar o Presidente do Tribunal
de Justiça ou o Procurador-Geral de Justiça para prestar informações na Casa, afirmando
que a sua ausência configura crime de responsabilidade. Uma vez que o art. 50 da CF/88
(norma de reprodução obrigatória) apenas autoriza que o Poder Legislativo convoque
autoridades do Poder Executivo (e não do Poder Judiciário ou do Ministério Público), não
podem os Estados-membros ampliar o rol de autoridades sujeitas à convocação pelo Poder
Legislativo e à sanção por crime de responsabilidade, por violação ao princípio da simetria
e à competência privativa da União para legislar sobre o tema (súmula vinculante 46, STF 23).
CÂMARA DOS
SENADO FEDERAL
DEPUTADOS
NÚMERO DE 81 Senadores
513 Deputados
PARLAMENTARE (cada Estado e o Distrito
(mínimo 8, máximo 70)
S Federal: 3)
Representantes dos
COMPOSIÇÃO Representantes do povo
Estados e do Distrito
23
. Súmula Vinculante 46: “A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e
julgamento são de competência legislativa privativa da União”.
CÂMARA DOS
SENADO FEDERAL
DEPUTADOS
Federal (bicameralismo
federativo)
DURAÇÃO
1 legislatura (4 anos) 2 legislaturas (8 anos)
DO MANDATO
RENOVAÇÃO
Total Parcial (ora 1/3, ora 2/3)
DA CASA
SISTEMA
Proporcional Majoritário simples
ELEITORAL
24. Vale recordar que as coligações nas eleições proporcionais acabaram: foram válidas nas eleições de 2018, todavia, estão vedadas
desde as eleições de 2020, por força da EC nº 97 de outubro de 2017 (que modificou o art. 17, § 1º, CF/88).
A Mesa do Congresso Nacional é presidida pelo Presidente do Senado Federal e os
demais cargos são exercícios, alternadamente, pelos membros da Câmara dos Deputados e
do Senado Federal (art. 57, CF/88). Conforme Regimento Interno do Congresso Nacional,
da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a composição da Mesa do Congresso
Nacional se estrutura da seguinte maneira:
(1) Presidente do Senado;
(2) 1º Vice-Presidente da Câmara;
(3) 2º Vice-Presidente do Senado;
(4) 1º secretário da Câmara;
(5) 2º secretário do Senado;
(6) 3º secretário da Câmara;
(7) 4º secretário do Senado.
No que tange as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, estas são
eleitas, nesta ordem, pelos Deputados e Senadores, havendo uma representação
proporcional dos partidos políticos ou dos blocos parlamentares que participam da
respectiva Casa (respeito ao colorido partidário da Casa – art. 58, § 1º, CF/88). A Mesa da
Câmara é composta por sete membros: um Presidente, dois Vice-Presidentes e quatro
secretários25; o mesmo se passa com a Mesa do Senado Federal26.
A eleição das Mesas é regulada pelo art. 57, § 4º, CF/88. Segundo este dispositivo, as
Casas do Congresso Nacional reunir-se-ão em sessões preparatórias, a partir de 1º de
fevereiro, no primeiro ano da legislatura27, para a posse de seus membros e eleição das
respectivas Mesas, para mandato de dois anos, sendo vedada a recondução para o mesmo
cargo na eleição imediatamente subsequente (art. 57, § 4º, CF/88 – “Cada uma das Casas
reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da
25. Conforme dispõe o art. 14, § 1º do Regimento interno da Câmara dos Deputados: “A Mesa compõe-se de Presidência e de
Secretaria, constituindo-se, a primeira, do Presidente e de dois Vice-Presidentes e, a segunda, de quatro Secretários”.
26. Nos termos do art. 46 do Regimento Interno do Senado Federal: “A Mesa se compõe de Presidente, dois Vice-Presidentes e quatro
Secretários”.
27. Apesar de o texto constitucional, no art. 57, § 4º, mencionar que teremos sessão preparatória somente no 1º ano da legislatura, é
certo que ela também existirá no 3º ano da legislatura (afinal, cada Mesa Diretora é eleita para dois anos, razão pela qual temos
eleições no 1º e no 3º ano da legislatura). O art. 3º do RISF corrobora nosso entendimento, quando determina que: “A primeira e
a terceira sessões legislativas ordinárias de cada legislatura serão precedidas de reuniões preparatórias, que obedecerão às
seguintes normas: (...) IV – a primeira reunião preparatória realizar-se-á: a) no início de legislatura, a partir do dia 1º de fevereiro;
b) na terceira sessão legislativa ordinária, no dia 1º de fevereiro; V – no início de legislatura, os Senadores eleitos prestarão o
compromisso regimental na primeira reunião preparatória; em reunião seguinte, será realizada a eleição do Presidente e, na
terceira, a dos demais membros da Mesa; VI – na terceira sessão legislativa ordinária, far-se-á a eleição do Presidente da Mesa na
primeira reunião preparatória e a dos demais membros, na reunião seguinte.
legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato
de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente
subsequente”).
Apesar de o parágrafo 4° do art. 57 conter uma norma que não constitui preceito
constitucional estruturante (vale dizer: não trata de um assunto materialmente
constitucional, o que significa que essa previsão sequer precisava estar em nossa
Constituição, pois poderia ter sido regulada em legislação infraconstitucional – não o foi em
razão da nossa conhecida propensão à prolixidade), o tema tem sido objeto de calorosos
debates. Abaixo, apresentaremos toda a sucessão de discussões e disputas (políticas e
jurídicas) que já circundaram esse dispositivo constitucional.
(i) O art. 57, § 4° prevê de forma categórica uma vedação a uma conduta objetivamente
definida – reeleição para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente. Destarte,
aquele que presidiu, por exemplo, a Mesa diretora da Câmara dos Deputados em um
mandato de 2 anos, não poderia pleitear, na próxima eleição (na imediatamente
subsequente) sua reeleição para o mesmo cargo.
Apesar da clareza do preceito constitucional, a expressão “imediatamente
subsequente” (constante do § 4º do art. 57, CF/88) tem sido interpretada de modo a
somente abarcar a eleição imediatamente subsequente que ocorra na mesma legislatura
(da primeira Mesa para a formação da segunda Mesa, ambas as Mesas da mesma
legislatura). Em havendo alternância da legislatura (da segunda Mesa de uma legislatura
para a primeira Mesa da legislatura subsequente) a eleição para o mesmo cargo é
considerada possível. O Regimento Interno da Câmara dos Deputados reforça essa
interpretação, em seu art. 5º, § 1º, ao estabelecer que: “Não se considera recondução a
eleição para o mesmo cargo em legislaturas diferentes, ainda que sucessivas”.
Essa interpretação que tem sido adotada para o parágrafo 4° fere, ao nosso sentir, a
própria literalidade do dispositivo, que foi enfático ao proibir a reeleição para o mesmo
cargo na eleição imediatamente subsequente. Note, caro leitor, que a Constituição não
limita a vedação à eleição que ocorra da Mesa 1 de uma legislatura para a Mesa 2 daquela
mesma legislatura; da mesma forma, não há nenhum indicativo em nossa Constituição de
que não estaria abarcada pela vedação a eleição que ocorra da Mesa 2 de uma legislatura
para a Mesa 1 de uma legislatura subsequente.
(ii) Vale frisar que justamente por não ostentar o caráter de princípio estruturante da
Constituição Federal, essa vedação para a recondução ao mesmo cargo na eleição
imediatamente subsequente contida no art. 57, § 4° não é considerada norma de repetição
obrigatória, isto é, não precisa ser obedecida em âmbito estadual (conforme decidiu o STF
nas ADIs 792-RJ, STF, Rel. Min. Moreira Alves e 793-RO, Rel. Min. Carlos Velloso). Veja, por
exemplo, como o tema está regulamentado na Constituição do Estado de Minas Gerais:
Art. 53, § 3º – No início de cada legislatura, haverá reuniões preparatórias, entre os dias
primeiro e quinze de fevereiro, com a finalidade de:
(...)
II – eleger a Mesa da Assembleia para mandato de dois anos, permitida uma única
recondução para o mesmo cargo na eleição subsequente, na mesma legislatura ou na
seguinte. (Inciso com redação dada pelo art. 1º da Emenda à Constituição nº 64, de
10/11/2004.) (grifo nosso)
(iii) Ainda sobre o tema, informamos ao leitor que tramita no STF a ADI 5632. Nesta ação,
está em discussão a possibilidade de o Presidente da Casa Legislativa, eleito em mandato-
tampão, poder se reeleger dentro de uma mesma legislatura. Na petição inicial da ação, o
autor (o partido Solidariedade) pede que o STF dê interpretação conforme ao Regimento
Interno da Câmara dos Deputados (artigos 8º, parágrafo 2º, e 5º, parágrafo 1º) “com vistas
a fixar o entendimento de que a proibição prevista para a recondução do presidente da
Câmara dos Deputados na mesma legislatura também se aplica ao deputado que tenha sido
eleito para completar o mandato de presidente em razão de vacância definitiva”. A
Procuradoria-Geral da República já se manifestou (em agosto de 2018) pela improcedência
do pedido, considerando que não se aplica a quem exerça mandato residual (mandato-
tampão) no primeiro biênio da legislatura a vedação de recondução/reeleição inscrita no
art. 57-§4º da CR:
É dizer, na hipótese de alteração da composição da Mesa por vacância, aquele que
assumir a vaga não está sujeito aos impedimentos do art. 57, §4º da Constituição. O
“mandato-tampão” não equivale ao mandato principal, porquanto exercido em caráter
suplementar e por força de normas regimentais de feição estritamente interna.
Essa ADI, ainda pendente de análise pelo STF28, ganhou realce em fevereiro de 2017
(dois meses depois de ter sido ajuizada). Entenda o porquê: em julho de 2016, após a
renúncia do então Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, Rodrigo Maia se
elegeu Presidente da Casa para finalizar o mandato do seu antecessor. No final de
janeiro/2017, com o término do seu mandato-tampão à frente da Câmara na Mesa 1 da
legislatura, passou-se a discutir se seria possível que ele se elegesse Presidente da Casa para
a Mesa 2 da legislatura em curso ou se isso afrontava a regra do art. 57, § 4º, CF/88. Como
a ADI 5632 não tinha sido movimentada desde então, parlamentares contrários a
possibilidade dessa candidatura foram ao STF por meio de mandados de segurança (34602;
28
. A última movimentação, de novembro de 2020, foi a redistribuição da ação para o novo relator (Min. Nunes Marques, tendo em vista
a aposentadoria do Min. Celso de Mello).
34574, 34603, 34599): as liminares que tentavam barrar a reeleição de Maia não foram
concedidas, Maia foi candidato, venceu e, portanto, foi o Presidente da Câmara dos
Deputados em duas Mesas subsequentes dentro da mesma legislatura: na 1ª cumpriu
mandato-tampão, na 2ª foi reeleito.
Parece-nos que essa ocorrência fática envolvendo a candidatura de Rodrigo Maia criou
um precedente:
– É possível que o Presidente da Casa Legislativa que tenha sido eleito para completar
o mandato anterior já iniciado por seu sucessor (“mandato-tampão”), candidate-se a um
mandato autônomo dentro da mesma legislatura (recondução da M1 para a M2 dentro da
mesma legislatura, desde que a M1 tenha sido mandato-tampão).
Aguardemos o pronunciamento do STF na ADI 563229. Entretanto, não custa já
partilhar com o estimado leitor como pensamos que a Corte decidirá a questão: ao nosso
sentir, se e quando o STF julgar essa ação direta, provavelmente ratificará aquilo que os
congressistas já firmaram como possível. Valerá, pois, o entendimento de que o “mandato-
tampão” não equivale ao mandato principal, e aquele que cumpri-lo poderá se reeleger
para o mesmo cargo na Mesa seguinte dentro da mesma legislatura.
(iv) No mês de dezembro de 2020 o art. 57, § 4°, CF/88 foi novamente objeto de intensos
debates e muita polêmica. Desta vez em razão de o STF ter julgado, no plenário virtual, a
ADI 6524. Nesta ocasião, por apertada maioria (6X5 — a maior cisão possível em plenário!),
a Corte confirmou que a Constituição não permite a reeleição da presidência — e dos
demais membros da Mesa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal— em uma
mesma legislatura.
A corrente que ficou vencida defendia que o dispositivo em análise (art. 57, § 4°) não é
norma materialmente constitucional (não é princípio estruturante da Constituição Federal),
razão pela qual configuraria assunto interno do Congresso Nacional. Ademais, não sendo a
vedação da reeleição na Mesa Diretora uma cláusula pétrea, sua permissão traria mais
coerência à relação entre Legislativo e Executivo — sobretudo diante da emenda
constitucional (EC nº 16/1997) que instituiu a possibilidade de reeleição para a Presidência
da República. Note, caro leitor, que a argumentação seria impecável, salvo por um único e
singelo motivo: o texto da Constituição veda de forma expressa e inequívoca essa
possibilidade de reeleição.
Por seu turno, os ministros vencedores, em que pese entenderem como compreensível
o sentimento de que exista uma assimetria no sistema constitucional dos Poderes (ao
29. Até o fechamento desta edição, os autos estavam conclusos para o relator, desde 01.08.2018. Aguardemos.
permitir a reeleição do Presidente da República e não se permitir a recondução dos
presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados), se valeram de um argumento
incontornável: o texto da Constituição, que veda a recondução.
Veja bem, caro leitor: não há nenhum obstáculo para que o Congresso Nacional,
seguindo o procedimento do art. 60, CF/88 altere formalmente o § 4° do art. 57 e passe a
permitir a recondução dos presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. O
que não é aceitável é tolerarmos que o STF realize tal mudança, por via interpretativa. Como
bem sabemos, a mutação constitucional é cabível desde que a ‘nova leitura’ do dispositivo
se enquadre nas possibilidades semânticas do texto. Diante de uma vedação expressa,
como é a que temos no caso em discussão, o reconhecimento de mutação constitucional se
inviabiliza, pois não podemos ler “é possível a recondução” onde a Constituição expressa e
cristalinamente diz “é vedada a recondução”. Qualquer entendimento que desconsidere
isso não é interpretação ou argumento, mas sim fraude ou trapaça.
(v) Para encerrar a apresentação dos nossos comentários sobre o malfadado § 4° do art. 57,
insta informar que ainda há um tópico nebuloso nessa matéria. No item anterior, vimos que
o STF decidiu (por 6X5), em dezembro de 2020, que é inconstitucional a reeleição de
presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados. Mas entre os 6 votos vencedores
subsistiu uma divergência: três ministros votaram para vedar a recondução ao cargo
somente durante a mesma legislatura; outros três proibiram a reeleição também em
legislaturas diferentes, quando consecutivas.
É certo que esta divergência precisará ser solucionada pelo STF, que terá que definir
qual é o alcance da regra constitucional que veda a reeleição nas Casas Legislativas (se o
dispositivo só vale para eleições dentro da mesma legislatura ou se alcança qualquer eleição
imediatamente subsequente, na mesma legislatura ou em legislaturas distintas). Com votos
com conclusões diferentes dentro da corrente vencedora, é possível que essa discussão seja
levada novamente ao plenário. E, neste caso, mesmo os 5 Ministros que se posicionaram a
favor da reeleição e ficaram vencidos, poderão votar – e provavelmente devem se alinhar
à corrente que admite a reeleição em legislaturas diferentes.
Na tentativa de ofertar ao leitor alguma conclusão acerca do que está decidido (e o que
pode vir a ser alterado), apresentamos a seguinte estruturação:
A- Não é possível a recondução dos presidentes das Casas Legislativas para o mesmo
cargo na eleição imediatamente subsequente, dentro da mesma legislatura. O art. 57, § 4°,
CF/88 veda expressamente tal prática – na ADI 6524, julgada em dezembro de 2020, dos 11
Ministros da Corte, 6 votaram nesse sentido.
B- Tem-se entendido que não viola a Constituição a interpretação que vem sendo dada pelo
Congresso Nacional de admitir a recondução (b.i) em caso de prévio exercício de mandato-
tampão ou (b.ii) de eleição ocorrida em nova legislatura – na ADI 6524, julgada em
dezembro de 2020, o item b.1 não foi apreciado e o item b.2 gerou divergência: dos 6
Ministros da Corte que formaram a corrente vencedora, 3 ministros votaram para vedar a
recondução ao cargo somente durante a mesma legislatura; outros 3 proibiram a reeleição
também em legislaturas diferentes, quando consecutivas.
30. Vale destacar que este julgamento deve demorar alguns anos para acontecer. Isso porque, em fevereiro de 2019, em
razão da imunidade penal temporária atribuída ao Presidente da República prevista no artigo 86, parágrafo 4º, CF/88
(ele não responde a fatos de natureza criminal anteriores ao mandato), o Ministro Luiz Fux determinou a suspensão
do trâmite das Ações Penais (APs) 1007 e 1008. Em sua decisão, o Ministro Fux observou que Bolsonaro tomou posse
em 1º de janeiro de 2019 na Presidência da República e, em razão do fato, “aplicam-se as normas da Constituição
Federal relativas à imunidade formal temporária do chefe de Estado e de Governo, a impedir, no curso do mandato, o
processamento dos feitos de natureza criminal contra ele instaurados por fatos anteriores à assunção ao cargo”.
mercado de ofensas. A liberdade de expressão política dos parlamentares, ainda que
vigorosa, deve se manter nos limites da civilidade. Ninguém pode se escudar na
inviolabilidade parlamentar para, sem vinculação com a função, agredir a dignidade
alheia ou difundir discursos de ódio, violência e discriminação.
31
. É certo que o art. 31, § 4º, da CF veda que os municípios criem seus próprios tribunais, conselhos ou órgãos de contas. Isso,
entretanto, não implicou a extinção do TCM-SP e do TCM-RJ, criados sob a égide de regime constitucional anterior.
32
. Noticiadas no Informativo 980.
33. BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Sinopses para Concursos: v. 17 – Direito Constitucional – Tomo
II. 1ª ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 378.
No entanto, até fevereiro de 2020, não tínhamos um prazo limite estabelecido para que
as Cortes de Contas exercessem a competência de controle prevista nesse dispositivo. Por
óbvio, a inexistência de um lapso temporal preciso no qual a Corte de Contas deveria se
pronunciar ocasionava um grave e custoso problema: os processos de registro se
prolongavam no tempo, às vezes por décadas, gerando uma inaceitável insegurança jurídica
para o aposentado (ou seus herdeiros).
E foi justamente em homenagem ao ideal de segurança jurídica e da proteção da
confiança nas relações constituídas de boa-fé entre o Estado e os indivíduos que a
jurisprudência do STF evoluiu significativamente nos últimos anos, alterando, em sucessivas
oportunidades, seu entendimento sobre o tema. Acompanhe nos itens postos abaixo, caro
leitor, as diferentes concepções que já foram adotadas pela nossa Corte Suprema:
(i) De início, tivemos a edição (na Sessão Plenária de 30/5/2007) da Súmula Vinculante nº
3, asseverando que: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o
contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de
ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do
ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.”
Nota-se que, em um primeiro momento, o STF entendeu que nos casos de concessão
de aposentadoria, reforma e pensão, a eventual negativa do TCU em registrar
definitivamente o ato podia ser efetivada sem que se tivesse dado, ao eventual prejudicado,
o direito de defesa.
(ii) No entanto, no mesmo ano de 2007 (no julgamento do MS 25.116/DF ) o STF iniciou um
processo de ponderação na aplicação do enunciado da súmula vinculante 3. No caso em
discussão, a Corte de Contas negara registro a ato de aposentadoria especial de professor
por considerar indevido o cômputo de serviço prestado sem contrato formal e sem o
recolhimento das contribuições previdenciárias. Considerando, todavia, o extenso lapso
temporal entre o início da percepção da aposentadoria por determinação da Administração
até a negativa do registro pelo TCU (cinco anos e oito meses), entendeu-se haver direito
líquido e certo para o impetrante em exercitar as garantias do contraditório e da ampla
defesa. Invocou o STF os princípios da segurança jurídica e da lealdade para justificar a
mitigação ao enunciado da súmula vinculante. Destarte, nossa Corte Suprema firmou o
entendimento de que seria necessário cientificar o interessado para assegurar o
contraditório e ampla defesa nos casos de controle externo de legalidade pelo TCU, quando
ultrapassado sem decisão o prazo de cinco anos contado da chegada a esse órgão do
processo administrativo de concessão de aposentadoria ou pensão.
Nas palavras da Corte
A recente jurisprudência consolidada do STF passou a se manifestar no sentido de exigir
que o TCU assegure a ampla defesa e o contraditório nos casos em que o controle externo
de legalidade exercido pela Corte de Contas, para registro de aposentadorias e pensões,
ultrapassar o prazo de cinco anos, sob pena de ofensa ao princípio da confiança – face
subjetiva do princípio da segurança jurídica. (…) Nesses casos, conforme o entendimento
fixado no presente julgado, o prazo de 5 (cinco) anos deve ser contado a partir da data de
chegada ao TCU do processo administrativo de aposentadoria ou pensão encaminhado
pelo órgão de origem para julgamento da legalidade do ato concessivo de aposentadoria
ou pensão e posterior registro pela Corte de Contas. (MS 24.781/DF, Rel. Min. Ellen Gracie,
Rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 02/03/2011).
34
. Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda
Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual
se originarem.
(c) Antes da decisão proferida pelo STF em fevereiro de 2020 (no RE 636.553), nos casos em
que transcorresse o prazo de cinco anos (contados do ingresso do processo administrativo
perante o TCU) sem que tivesse havido a apreciação da legalidade do ato de concessão
inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a Corte de Contas continuava a poder
examinar o ato, mas deveria resguardar o direito de defesa (contraditório e ampla defesa)
ao interessado.
(d) Após a decisão proferida pelo STF em fevereiro de 2020, caso o Tribunal de Contas
demore mais de 5 anos para realizar sua atividade de controle (isto é, para apreciar a
legalidade do ato de “concessão inicial” da aposentadoria, reforma ou pensão), ele não mais
poderá rever tal ato. Assim, esgotado o prazo de 5 anos, considera-se que a aposentadoria,
reforma ou pensão está definitivamente registrada, ainda que tenha havido nenhuma
análise por parte do Tribunal de Contas.
(e) Por fim, pensamos que não mais faça sentido qualificarmos o ato concessório como “ato
complexo” – aquele que só se aperfeiçoa por intermédio da manifestação de vontade de
dois ou mais órgãos diversos. Afinal, se antes o ato concessório só se tornava definitivo
depois da aprovação do Tribunal de Contas (vale dizer: só se tornaria perfeito e acabado
após exame e registro pela Corte de Contas), desde fevereiro de 2020 o ato concessório
produz efeitos a partir da sua edição e tais efeitos podem tornar-se definitivos, em âmbito
administrativo, com o simples transcorrer do tempo. Em outras palavras: o ato de registro
pode não acontecer, em virtude da inércia do órgão de controle, que deixa esgotar o lapso
temporal hábil para o exercício dessa sua competência. Por isso, parece-nos que
tecnicamente é mais apropriado considerarmos o ato concessório inicial como sendo um
ato administrativo simples, que está, todavia, sujeito à condição resolutiva de negativa do
registro. Essa é também a opinião do Min. Edson Fachin, conforme noticiado no Informativo
967: “O ministro Edson Fachin acompanhou o relator quanto à parte dispositiva. Enfatizou,
porém, que o ato de concessão de aposentadoria é um ato simples e não complexo”. A
maioria dos Ministros, todavia, não se ateve a esse ponto, e seguiu considerando o ato
como complexo. Deste modo, o Informativo 967 registrou a corrente vencedora da seguinte
forma: “O Tribunal, seguindo sua jurisprudência dominante, considerou que a concessão de
aposentadoria ou pensão constitui ato administrativo complexo, que somente se
aperfeiçoa após o julgamento de sua legalidade pela Corte de Contas”.
A proposta foi feita por Luiz Fux (na condição de presidente da Corte), que observou
uma queda vertiginosa na quantidade de ações penais e inquéritos tramitando no Tribunal:
em razão da nova regra referente à prerrogativa de foro, em 05/10/2020 o STF tinha 166
35. Lembremos sempre que desde maio de 2018, em razão do julgamento da AP (QO) 937, o STF só é o foro dos parlamentares nos
casos em que o crime é praticado durante o mandato e em razão dele.
inquéritos e 29 ações penais (para efeitos de comparação, em 2018 eram 500 inquéritos e
89 ações).
36
. Vale destacar que antes da edição da Lei nº 13.488/2017, o art. 109, § 2° do Código Eleitoral estabelecia que somente podiam
concorrer à distribuição dos lugares os partidos ou as coligações que tivessem obtido o quociente eleitoral. A regra foi alterada
justamente para valorizar a participação das minorias. O STF, em março de 2020, na ADI 5947, confirmou a constitucionalidade
13. RESPONSABILIDADE DOS GOVERNADORES E DOS PREFEITOS
(ii) Prefeitos
(...)
Vale destacar que em setembro de 2019, no RE 976566, o STF decidiu que o julgamento
de prefeito municipal por crime de responsabilidade não impede sua responsabilização civil
pelos mesmos atos de improbidade administrativa. Por unanimidade, os ministros
entenderam que, como as instâncias penal e civil são autônomas, a responsabilização nas
duas esferas não representa duplicidade punitiva imprópria.
Em seu voto, o relator do RE, Ministro Alexandre de Moraes, destacou que,
independentemente de a conduta dos prefeitos e vereadores serem tipificadas como
infração penal ou infração político-administrativa (artigos 1º e 4º do Decreto-Lei 201/1967),
a responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa é autônoma e deve ser
apurada em instância diversa da penal. Para o Ministro, o combate à corrupção, à
ilegalidade e à imoralidade no Poder Público deve ser prioridade absoluta no âmbito de
todos os órgãos constitucionalmente institucionalizados. Vejamos um trecho da sua
manifestação:
A corrupção é a negativa do Estado Constitucional, que tem por missão a manutenção
da retidão e da honestidade na conduta dos negócios públicos, pois não só desvia os
recursos necessários para a efetiva e eficiente prestação dos serviços públicos, mas
também corrói os pilares do Estado de Direito e contamina a necessária legitimidade dos
detentores de cargos públicos, vital para a preservação da Democracia representativa.
dessa alteração. De acordo com o relator da ação direta, Ministro Marco Aurélio, a modificação permite que partidos menores,
geralmente vinculados à defesa de demandas de grupos socialmente minoritários, tenham representação parlamentar. Segundo
ele, há casos em que candidatos dessas siglas foram bem votados, mas, pelas regras anteriores, não poderiam assumir o mandato,
pois a sigla não havia alcançado o quociente eleitoral.
3. PRINCÍPIOS DE OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA NO ESTATUTO DA MAGISTRATURA
(...)
(a) Inciso I: Ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de Juiz substituto, mediante
concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados
do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três
anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de
classificação.
- Lembre-se que, conforme preceitua o art. 59, da Resolução nº 75/2009, do
Conselho Nacional de Justiça, considera-se atividade jurídica aquela exercida com
exclusividade por bacharel em direito: o efetivo exercício de advocacia, inclusive
voluntária, mediante a participação anual mínima em cinco atos privativos de
advogado em causas ou questões distintas; o exercício de cargos, empregos ou
funções, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de
conhecimento jurídico, independentemente de serem privativos de bacharel em
direito; o exercício da função de conciliador junto a tribunais judiciais, juizados
especiais, varas especiais etc., no mínimo dezesseis horas mensais e durante um
ano; e o exercício da atividade de mediação ou de arbitragem na composição dos
litígios. Os três anos serão aferidos quando da inscrição definitiva no concurso.
Ademais, tal Resolução prevê cinco etapas para integrar a magistratura: uma prova
objetiva (eliminatória e classificatória); duas provas escritas (eliminatórias e
classificatórias); uma terceira etapa de análise de vida pregressa, investigação
social, sanidade física e mental e exame psicotécnico; uma prova oral, que constitui
a quarta etapa (caráter eliminatório e classificatório); e uma quinta e última etapa
de avaliação de títulos, de caráter meramente classificatório.
- Ainda sobre o tema, vale destacar a decisão proferida pelo STF em dezembro de
2020, na ADI 5329, na qual foi declarado inconstitucional o requisito previsto no
artigo 52, inciso V, da Lei de Organização Judiciária do Distrito Federal e dos
Territórios (Lei 11.697/2008), que exigia a idade mínima de 25 anos e máxima de
50 para ingresso na carreira da magistratura do Distrito Federal e dos Territórios.
De acordo com os Ministros, o artigo 93 da Constituição Federal prevê, como
requisitos basilares para o ingresso na carreira inicial da magistratura, a aprovação
em concurso público de provas e títulos, o bacharelado em Direito e o mínimo de
três anos de atividade jurídica. Ademais, o estabelecimento de um limite máximo
de idade para investidura em cargo cujas atribuições são de natureza
preponderantemente intelectual contraria o entendimento do STF de que
restrições desse tipo somente se justificam em vista de necessidade relacionada às
atribuições do cargo, como ocorre em carreiras militares ou policiais. Pelas
características próprias da atividade jurisdicional, em que a experiência profissional
e o conhecimento jurídico acumulado qualificam o exercício da função, o
atingimento da idade de 50 anos, por si só, não desabona o candidato (ao contrário,
tudo indica que a pessoa estará no gozo de sua plena capacidade produtiva).
Alínea (f) Processar e julgar, originariamente, os litígios federativos, isto é, as causas e os
conflitos entre certos entes federados (União, Estados-membros e Distrito Federal),
inclusive as respectivas entidades da administração indireta.
(...)
- Para exemplificar situação na qual há conflito federativo que culmine no
reconhecimento da competência da Corte, lembremos que em março de 2019, na
Rcl 4.210/SP, o STF confirmou que configura tal conflito a ação na qual a União e o
Estado-membro, em polos antagônicos, discutem se determinado projeto se
enquadra como atividade de transporte de gás canalizado (art. 177, IV, da CF/88)
ou fornecimento de gás canalizado (art. 25, § 2º).
- Outro exemplo pode ser extraído da decisão proferida pelo Min. Celso de Mello
(aposentado em outubro de 2020) na Ação Cível originária (ACO) 3385. Em abril de
2020 (durante o combate à pandemia decorrente da Covid-19), o Min. confirmou
que a União não poderia requisitar respiradores que tinham sido adquiridos pelo
governo do Maranhão. Referido Estado-membro, ao pedir a suspensão da medida
que houvera sido determinada pela União, argumentou que a autonomia dos entes
federados impediria que um deles (no caso, a União) assumisse, mediante simples
requisição administrativa, o patrimônio, o quadro de pessoal e os serviços de outro
ente público37. Ademais, por se tratar de conflito federativo, o STF era a instância
adequada para decidir o tema (art. 102, I, ‘f’, CF/88). Sobre o tema, vale a pena
lermos um trecho do voto do Ministro, bastante esclarecedor quanto ao ponto
definidor da competência do STF:
O Supremo Tribunal Federal, em sua condição de Tribunal da Federação, deve atuar nas
causas em que se busque resguardar o equilíbrio do sistema federativo (RTJ 81/330-
331), velando pela intangibilidade dos valores que informam o princípio fundamental
que rege, em nosso ordenamento positivo, o pacto da Federação (RTJ 95/485 – RTJ
132/120, v.g.). Em consequência, não é qualquer causa que legitima a invocação da
cláusula fundada no art. 102, I, “f”, da Constituição, mas, exclusivamente, aquelas
37
. Vale frisar que a requisição (art. 5°, inciso XXV, CF/88) só atinge bens particulares, não bens de outros entes federados. A única ressalva
seria a excepcional circunstância de se tratar de requisição federal de bens públicos na vigência do estado de defesa (CF, art. 136, § 1º,
II) ou do estado de sítio (CF, art. 139, inciso VII).
controvérsias das quais possam derivar situações configuradoras de vulneração, atual ou
potencial, à intangibilidade do vínculo federativo, ao equilíbrio e/ou ao convívio
harmonioso entre as pessoas estatais que integram o Estado Federal brasileiro (AC 2.156-
REF-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Ou, em outras palavras, não se instaura a
competência originária do Supremo Tribunal Federal, que é sempre excepcional (ACO
359/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ACO 2.430-AgR/DF, Rel. Min. LUIZ FUX, v.g.), pelo
fato da mera existência de “conflito entre entes federativos”, cuja situação de
litigiosidade, por si só, não se qualifica, para efeito de incidência da regra
consubstanciada na Constituição da República (art. 102, I, “f”), como “conflito
federativo” (ACO 2.101-AgR/SC, Rel. Min. DIAS TOFFOLI).
(1) Obs.: Sobre o art. 109, XI, vale recordar alguns pontos importantes acerca da
competência para processar e julgar processos que envolvam este assunto:
(a) Segundo dados extraídos do site do STJ38, o Brasil tem aproximadamente 800 mil índios,
divididos em mais de 200 povos que falam cerca de 300 idiomas e dialetos diferentes e
estão espalhados por todas as unidades da federação. A intervenção do ordenamento
jurídico nacional no cotidiano dessa população é sempre tema de controvérsias, tendo em
vista a divisão de competências para cada caso.
(b) Nossa Constituição, em seu artigo 231, determina que cabe à União zelar pela proteção
das terras e dos direitos dos índios no Brasil. Apesar desse dispositivo constitucional, nem
todos os processos que envolvem índios serão processados e julgados pela Justiça Federal.
(c) A competência dos juízes federais está descrita no artigo 109, inciso XI, da CF/88, para
os casos em que houver disputa sobre direitos indígenas, o que não se configura
necessariamente sempre que um índio for parte em algum processo.
(d) A Justiça Federal só será competente quando o processo envolver a efetiva disputa de
interesses indígenas. Na hipótese de um crime em que o indígena for autor ou vítima, o
caso deverá ser julgado pela Justiça estadual, conforme definiu o Superior Tribunal de
Justiça (STJ) ao editar a Súmula 140 (“Compete à justiça comum e radial processar e julgar
crime em que o indígena figure como autor ou vítima”). Como você pode imaginar,
estimado leitor, a distinção entre uma situação e outra é objeto de frequentes
controvérsias.
(e) Estaremos diante de uma disputa sobre direitos indígenas (que será de competência da
Justiça Federal) quando a causa envolver a organização social dos índios, seus costumes,
línguas, crenças e tradições, bem como os direitos sobre as terras que tradicionalmente
ocupam. Para ilustrar, um processo sobre calúnia e difamação entre índios foi reconhecido
38
. http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2017/2017-09-24_08-
00_Conflitos-de-competencia-e-outras-questoes-indigenas-na-pauta-do-STJ.aspx. Acesso em 04.10.2020.
como de competência da Justiça Federal, pois se concluiu que o caso ocorreu no âmbito de
uma disputa entre caciques por terras e pelo domínio da aldeia, em conflito relacionado à
liderança que envolvia o interesse de toda a comunidade.
(f) Por outro lado, em um caso em que um índio foi acusado de homicídio, foi aplicada a
Súmula 140 do STJ, por entender-se que a situação não envolvia lesão a direitos indígenas
coletivamente considerados. De acordo com o processo, o autor intelectual da morte do
chefe da tribo teria agido por vingança, por ter sido expulso da comunidade em razão da
suspeita de seu envolvimento em furtos.
(g) Em outro caso analisado pela Terceira Seção do STJ, em 2017, os ministros entenderam
que o homicídio cometido sob a alegação de estar o autor dominado por feitiço não era
elemento suficiente para atrair a competência da Justiça Federal. O relator do caso, ministro
Felix Fischer, afirmou que o feitiço não pode ser vinculado à cultura indígena para deslocar
o caso para o âmbito federal. Nas palavras do relator: “O suposto homicídio praticado por
índio contra outro não teve conotação de disputa de seus direitos indígenas, não sendo
relevante, para fins de competência, a crença pessoal do autor que alega ter praticado o
crime em virtude de feitiço, porquanto tal fato não atinge direitos coletivos, ou seja, o crime
não foi praticado para atingir a cultura indígena” (CC 149.964).
(h) Ademais, também temos pronunciamento do STJ no sentido de que a extensão do que
se considera violação de direitos coletivos indígenas não abarca, por exemplo, crimes de
exploração sexual de índios. Ao tratar dessa matéria, a Quinta Turma do STJ declarou
competente a Justiça do Amazonas, já que se tratava de crime contra a dignidade sexual.
Para os ministros, era um caso de aplicação da Súmula 140. “A exploração sexual de
indígenas não atrai a competência da Justiça Federal, pois não se trata de violação à cultura
dos indígenas, e sim contra a dignidade sexual”, destacou o ministro Moura Ribeiro (o
número deste processo não foi divulgado em razão de segredo judicial).
Interessante notar que no julgamento que originou esta tese, o Plenário do Supremo
Tribunal Federal, por maioria de votos, mudou seu entendimento e definiu que a
competência para processar e julgar ações ordinárias contra decisões e atos administrativos
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)
proferidas no âmbito de suas atribuições constitucionais é do próprio Supremo. Essa
alteração jurisprudencial ocorreu no julgamento conjunto da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 4412, da Petição (Pet) 4770, e da Reclamação (Rcl) 33459.
Prevaleceu o entendimento de que a missão constitucional dos conselhos, órgãos de
controle do Judiciário e do Ministério Público, ficaria comprometida caso suas decisões, que
têm eficácia nacional, fossem revistas pelos mesmos órgãos que estão sob sua supervisão
e fiscalização. A maioria dos ministros considera que os conselhos constitucionais foram
inseridos na estrutura do Judiciário e do Ministério Público com a competência expressa de
controlar a atuação administrativa, financeira e disciplinar de seus membros, e seria inviável
submeter o controle jurisdicional de suas decisões nesse campo a outro órgão que não o
Supremo.
Assim, para a maioria dos ministros, o novo entendimento dá efetividade às decisões
dos conselhos e preserva a segurança jurídica, pois apenas o órgão máximo do Poder
Judiciário exercerá o controle jurisdicional de suas atribuições finalísticas, ou seja, as
definidas expressamente pela Constituição Federal – eles ressalvaram que as ações contra
atos dos conselhos que não estejam nas previsões constitucionais continuam sob a
jurisdição da Justiça Federal.
Cumpre, ademais, informar que:
(i) Restou superado o entendimento do STF que consolidava uma interpretação
restritiva de suas competências, no sentido de que sua atribuição para julgar ações
que questionam atos do Conselho Nacional de Justiça se limitava às ações
tipicamente constitucionais39: mandados de segurança, mandados de injunção,
habeas corpus e habeas data.
(ii) O Supremo Tribunal Federal segue não tendo competência para processar e
julgar ações decorrentes de decisões negativas do CNJ. Assim, quando o
pronunciamento do CNJ (ou do CNMP, que é órgão similar) representar uma recusa
de intervir em determinado procedimento, ou, então, importar no mero
reconhecimento de sua incompetência, não fará instaurar, para efeito de controle
39. Nesse sentido: STF, AO 1.814-QO/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe de 03/12/2014; AO 1.706-AgR, Rel. Min. Celso
de Mello, Tribunal Pleno, DJe de 18/02/2014; AO 1.692 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJE de 17-6-2015.
jurisdicional, a competência originária do STF. Afinal, como o conteúdo da decisão
do Conselho foi “negativo”, isto é, ele nada decidiu, não há a prática de um ato que
possa ser atacado no STF. Confirmando esse entendimento, confira o trecho abaixo,
extraído de uma notícia publicada (em 15 de dezembro de 2020) no site do STF:
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), julgou incabível um
Mandado de Segurança (MS 37545) ajuizado pelo Sindicato dos Oficiais de Justiça
Avaliadores do Estado de Minas Gerais (Sindojus) contra decisão do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ), por não ter determinado ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais (TJ-MG) que cumprisse acordo para passar a exigir nível superior para o ingresso
no cargo de oficial de justiça. Segundo o relator, o STF não tem competência para revisar
decisão do CNJ que negou um pedido de providências que visava interferir na esfera de
competência de tribunal.
O ministro entendeu que não há o que julgar, pois o CNJ se negou a interferir na decisão
do TJ-MG de optar somente pela exigência de nível médio para o cargo de oficial de
justiça. Mendes baseou-se nos julgados do STF que entendem que o pronunciamento do
CNJ que consubstancie recusa de intervir em determinado procedimento não faz
instaurar, para efeito de controle jurisdicional, a competência originária da Corte.
Em sua decisão, o ministro Gilmar Mendes destacou que a jurisprudência do STF é clara
no sentido de que a competência do STF para processar e julgar ações contra o CNJ não
o torna instância revisora de todas as decisões proferidas pelo órgão de controle do
Judiciário. O ministro observou que não cabe ao Tribunal julgar mandado de segurança
contra deliberação negativa do CNJ, pois, nessa hipótese, não se pode considerar que
tenha sido praticado um ato qualificável como lesivo ao direito reivindicado pela parte
interessada. (grifos nossos).
2. MINISTÉRIO PÚBLICO
40
. Vale destacar que essa autorização que considera como tempo de atividade jurídica para fins de concurso público os cursos de pós-
graduação (especialização, mestrado e doutorado) não vale para os concursos da Magistratura (só para o MP). Isso porque a
Resolução nº 75/2009-CNJ não prevê essa possibilidade.
aos servidores do Ministério Público o exercício da advocacia, é constitucional. Afinal, a
resolução teve por finalidade assegurar a observância dos princípios constitucionais da
isonomia, da moralidade e da eficiência no Ministério Público, estando, pois, abrangida pelo
escopo de atuação do CNMP (art. 130-A, § 2º, II). Ademais, considerou o Supremo que a
vedação do exercício da advocacia para determinadas categorias funcionais apresenta-se
em conformidade com a Constituição Federal, devendo-se proceder a um juízo de
ponderação entre os valores constitucionais eventualmente conflitantes – no caso, o direito
dos administrados de ter uma Administração Pública proba e eficiente se destaca e
sobressai diante do direito individual de alguns servidores de exercer a advocacia privada
de modo simultâneo ao exercício do cargo público (afinal, absolutamente nada impede que
o servidor se desligue do Ministério Público e ingresse no exercício da advocacia, não
havendo nenhuma violação ao direito do servidor público ao livre exercício de atividade
profissional, já que ele pode escolher livremente qual caminho seguir).
41
. ADI 4.941, Rel. Min. Teori Zavascki, Relator p/ acórdão, Min. Luiz Fux, DJe de 7/2/2020.
42
. ADI 6053, Rel. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão: Alexandre de Moraes. Julgada em 22/06/2020 e noticiada no Info 985, STF.
43
. ADI 6159 e ADI 6162, Rel. Min. Roberto Barroso, julgadas em 25/08/2020.
5. DEFENSORIA PÚBLICA
5. DEFENSORIA PÚBLICA
Deste modo, admitir a participação do “amicus curiae” faz com que o processo adquira
“um colorido diferenciado, emprestando-lhe caráter pluralista e aberto, fundamental para
o reconhecimento de direitos e a realização de garantias constitucionais em um Estado
Democrático de Direito” (manifestação monocrática do Min. Gilmar Mendes na ADI 3494).
Vejamos agora, alguns detalhes sobre a participação do amicus:
(1) Requisitos
De acordo com o § 2º do art. 7º da Lei nº 9.868/1999, o relator, considerando a
relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá admitir a
manifestação de outros órgãos ou entidades em sede de ADI (independentemente de
autorização ou concordância das partes). Referida atuação dar-se-á por meio da
participação de entidades ou órgãos cuja cooperação possa contribuir com a
44
. No plural: “amici curiae”.
45
. Apesar de ter um nome latino, a figura do “amicus curiae” é de origem norte-americana.
48. “A pertinência temática também é requisito para a admissão de amicus curiae”, ADI 3.943-DF, relatada pela Min. Cármen Lúcia.
instituto da intervenção se procura assegurar o direito de terceiros interessados na causa
ingressarem na lide. Encampávamos o antigo entendimento de Fredie Didier Júnior, no
sentido de que a função do “amicus” é a de “auxiliar do juízo”49.
Todavia, duas ponderações devem ser feitas: (i) alguns Ministros do STF sempre
reconheceram na participação dos “amicus curiae”, mesmo antes do novo CPC, uma
intervenção de terceiros “sui generis”50 (terceiro interveniente atípico); (ii) o CPC de 2015
tomou partido na discussão doutrinária e passou a considerar o “amicus” como terceiro
interveniente típico. A localização topográfica não deixa margem à dúvida: o “amicus
curiae” está inserido no CAPÍTULO V, do TÍTULO III, intitulado “DA INTERVENÇÃO DE
TERCEIROS”.
Por isso, não se pode mais desconsiderar que estamos diante de uma mudança
paradigmática, na qual parece ter prevalecido o reconhecimento de que a participação do
“amicus” é modalidade de intervenção típica de terceiros.
(3) Possibilidade recursal
Segundo a mais atual jurisprudência do Supremo Tribunal, de outubro de 2018, no
Recurso Extraordinário 602.584, o despacho denegatório de entrada do “amicus” no feito
não mais se sujeita ao recurso (agravo) tendente a obter do Pleno a reconsideração da
decisão. De se notar que essa decisão do STF promove uma virada paradigmática no
entendimento até então consolidado da Corte: antes, parecia firmada a possibilidade de o
“amicus” questionar perante o Pleno a decisão do relator que denegava seu ingresso – veja
um trecho do Informativo 827, STF (maio de 2016): “Ademais, isso não significa alterar o
entendimento segundo o qual órgãos e entidades podem recorrer ao Tribunal mediante
agravo, para ter a sua representatividade aferida”.
Todavia, a tese agora prevalente é a de que não cabe a interposição de agravo
regimental para reverter decisão de relator que tenha inadmitido no processo o ingresso
de determinada pessoa ou entidade como amicus curiae. Portanto, se antes somente a
decisão que admitia o amicus era irrecorrível, agora a decisão do relator que admite ou
inadmite o ingresso do amicus no feito passa ser considerada irrecorrível.
Ainda sobre este tema, uma advertência: no mês de agosto de 2020, no julgamento da
ADI 3396 (AgR/DF), o STF, por apertada maioria (de 5 X 4), proferiu uma decisão na qual,
curiosamente, admitiu recurso interposto contra decisão que denegou o ingresso do
“amicus curiae” no feito. Teria o STF, nessa ocasião, novamente alterado seu entendimento,
49. DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual. 7ª ed. Salvador: Juspodivm, 2007, vol. 1. apud NOVELINO, Marcelo. Direito
Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Método, 2012, p. 295.
50. É a opinião dos Ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello.
apenas 2 anos depois da mudança engendrada em outubro de 2018? Pensamos que não.
Lendo o que foi noticiado no Informativo 985, notamos que o Min. Relator, Celso de Mello
(hoje já aposentado), deixa claro que somente conheceu o recurso em razão de ele ter sido
interposto numa época (2011) na qual vigorava o entendimento de que era cabível recurso
para impugnar decisão que denegava o ingresso do amicus no feito. Ao mesmo tempo, o
Ministro reconheceu que, nos dias de hoje, o Plenário da Corte entende ser irrecorrível a
decisão do relator que admite ou não a entrada do “amicus” no feito. Veja o que diz o
Informativo: “
O ministro Celso de Mello (relator) esclareceu ter se posicionado pelo conhecimento do
recurso, pois, na época, havia precedentes que assim orientavam. Alertou que,
atualmente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) tem compreendido ser
irrecorrível a decisão do relator que admite, ou não, o ingresso de amicus curiae em
processos de controle concentrado (ADI 5.774 ED, ADI 5.591 ED-AgR, ADI 3.460 ED).
Por todo o exposto, entendemos que o STF não alterou seu entendimento de que a
decisão do relator que admite ou inadmite o ingresso do “amicus curiae” no feito é
irrecorrível. A manifestação de agosto de 2020, em nossa percepção, foi singular e só
excepcionou a regra assentada em razão de o recurso ter sido apresentado em 2011, anos
antes de a Corte mudar seu entendimento e passar a compreender que a decisão
denegatória também não poderia ser objeto de recurso.
Em finalização ao item, é igualmente importante observarmos que a admissão do
amicus curiae no processo não lhe assegura o direito de interpor recursos da decisão. É
pacífica a jurisprudência do STF nesse sentido: “Esta Corte pacificou sua jurisprudência no
sentido de que não há legitimidade recursal das entidades que participam dos processos do
controle abstrato de constitucionalidade na condição de amicus curiae, “ainda que aportem
aos autos informações relevantes ou dados técnicos” (ADI 2.591-ED/DF, Rel. Min. Eros
Grau).
(4) Prazo para ingresso
Quanto ao prazo para seu ingresso, em razão do veto presidencial oposto ao § 1º, do
art. 7º da lei, a previsão legal deixou de existir, criando uma lacuna normativa a ser
integrada pelo STF, competindo a este Tribunal a fixação de um momento limite. A Corte,
em votação vencida por apertada maioria (6 X 5)51, determinou que o prazo limite é a data
da remessa dos autos pelo relator para o julgamento, momento em que o relator já terá
firmado seu entendimento e suas convicções sobre o tema, não havendo, na percepção da
maioria que se sagrou vencedora, justificativa para o amicus ainda ser admitido.
52. Relatada pelo Min. Roberto Barroso e noticiada no Informativo 747, STF.
53. Vide ADI (QO) 2.777-SP, relatada pelo Min. Cezar Peluso.
54. Com a redação dada pela Emenda Regimental nº 15, de 30 de março de 2004, o dispositivo possui o seguinte teor: Art. 131, RISTF,
§ 3º: “Admitida a intervenção de terceiros no processo de controle concentrado de constitucionalidade, fica-lhes facultado produzir
sustentação oral, aplicando-se, quando for o caso, a regra do § 2º do art. 132 deste Regimento”.
55. Vide ADC 14-DF e ADC 24-DF.
56. Rcl (AgR-QO) 1.880-SP, relatada pelo Min. Maurício Corrêa, noticiada no Informativo 289, STF.
57. Vide ADPF 46-DF e ADPF 73-DF.
Novo CPC
Penso que seja do interesse do leitor que façamos essa análise comparativa, pontuando
as duas diferenças que se sobressaem:
(i) Note, de início, que o CPC permite a participação de pessoas naturais na condição de
“amicus” (art. 138), o que é vedado no controle concentrado em abstrato (o art. 7°, § 2° da
Lei nº 9.868/1999 somente admite ‘órgãos ou entidades’).
(ii) Ademais, o CPC admite a oposição de embargos de declaração e de recurso para
impugnar a decisão prolatada em sede de julgamento de incidente de resolução de
demandas repetitivas (art. 138, §§ 1° e 3°), ao passo que no controle concentrado o “amicus
curiae” não pode interpor recursos.
Em conclusão, conforme foi noticiado no Informativo 985, de agosto de 2020, “o
colegiado tem considerado inaplicável o art. 138 do Código de Processo Civil de 2015
(CPC/2015) (1) aos processos do controle concentrado de constitucionalidade (ADI 4.389
ED-AgR, ADI 3.931 ED).”
6.3.4. Procedimento
(...)
Segundo o STF, o aditamento da petição inicial da ADI para que sejam incluídos novos
dispositivos legais é possível, mas nas hipóteses em que a ampliação do objeto de
impugnação: (i) dispense a requisição de novas informações e manifestações; e (ii) não
prejudique o cerne da ação. Desta forma, se o legitimado ativo, depois que o processo já
está em curso, resolve pedir a ampliação do objeto da ADI com a inclusão de novos
dispositivos legais que extrapolam a finalidade originário daquela ação, esse aditamento
será indeferido pelo STF, afinal, tal ampliação do objeto exigiria que fossem feitos novos
pedidos de informações à Assembleia Legislativa ou ao Congresso Nacional, bem como
novas manifestações da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República –
o que decerto violaria os princípios da economia e da celeridade processuais (ADI 1926, Rel.
Roberto Barroso, julgada em abril de 2020 e noticiada no Informativo 980, STF).
Antes de encerrarmos este item, algumas últimas informações merecem ser
apresentadas:
(...)
(vii) Também em razão de o processo de fiscalização abstrata possuir índole objetiva,
os institutos do impedimento e da suspeição não se aplicam – por estarem restritos aos
processos subjetivos (nos quais situações individuais e interesses concretos são postos em
discussão58). É importante frisar, todavia, que o próprio Ministro pode alegar razões de foro
íntimo para não integrar o julgamento de determinada causa.
Segundo confirmou o STF em setembro de 2020 (QO-ADI 6263):
ADI 6362/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski: Não há impedimento, nem suspeição de
ministro, nos julgamentos de ações de controle concentrado, exceto se o próprio
ministro firmar, por razões de foro íntimo, a sua não participação. Essa foi a orientação
fixada pela maioria do Plenário, ao resolver questão de ordem suscitada pelo presidente,
em ação direta de inconstitucionalidade, acerca da não aplicabilidade da regra, após o
ministro Marco Aurélio arguir a impossibilidade de sua participação no julgamento,
considerado o Código de Processo Civil (CPC) [art. 144, III, VIII e § 3º]. (grifos nossos).
Por fim, vale informar que existem várias decisões anteriores do STF indicando que o
Ministro que tenha oficiado nos autos do processo da ADI como Procurador-Geral da
República ou como Advogado-Geral da União estaria impedido de participar, como
membro da Corte, do julgamento final da ação5960. Pensamos que, atualmente, como a
decisão do STF foi categórica ao dizer que “Não há impedimento, nem suspeição de
ministro, nos julgamentos de ações de controle concentrado”, o Ministro que tenha
oficiado nos autos na condição de PGR e AGU já não possa ser considerado
automaticamente impedido de participar do julgamento – mas possa, por razões de foro
íntimo, firmar sua não participação.
(...)
Ademais, cumpre noticiar que o STF tem entendimento no sentido de que o quórum de
58
. Em regra, as hipóteses de impedimento e suspeição (descritas nos artigos 144 e 145 do CPC) são aplicáveis aos Ministros do STF (em
processos subjetivos, não nas ações do controle concentrado abstrato, como vimos no corpo do texto). No entanto, é bom frisar
que nos últimos 30 anos o STF arquivou nada menos do que todos os pedidos de impedimento ou suspeição feitos e já analisados
contra seus ministros. Os dados estão em um estudo produzido no projeto “Supremo em Pauta”, da FGV, intitulado: “Fora dos
Holofotes: estudo empírico sobre o controle da imparcialidade dos ministros do STF". Detalhe importante para as provas: os
Ministros do STF não ficam impedidos pelo fato de terem atuado no TSE. Conforme o art. 119, CF/88 informa, o TSE é composto
por 7 membros e 3 são Ministros do STF. Suponha que o TSE tenha proferido um acórdão e a parte, inconformada, resolva interpor
um recurso extraordinário no STF. Os Ministros do STF que participaram do julgamento no TSE não estarão impedidos de julgar o
recurso extraordinário. Trata-se de uma exceção à regra prevista no inciso II do art. 144 do CPC: “Art. 144, CPC: Há impedimento
do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo: II - de que conheceu em outro grau de jurisdição, tendo proferido
decisão”. Ademais, é tema já sumulado pelo próprio STF: “súmula nº 72, STF: No julgamento de questão constitucional, vinculada
a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, não estão impedidos os ministros do Supremo Tribunal Federal que ali tenham funcionado
no mesmo processo, ou no processo originário”.
Foi uma verdadeira virada paradigmática pois, pela primeira vez, a Corte
inequivocamente tratou de estabelecer um prazo para o legislador editar a norma faltante
e impôs uma consequência ao descumprimento deste prazo. Foi uma verdadeira virada
paradigmática pois, pela primeira vez, a Corte inequivocamente tratou de estabelecer um
61
. Atenção, estimado leitor! Em que pese a decisão que declara a constitucionalidade de lei ou ato normativo não estar contida na
redação do art. 27 da Lei nº 9.868/99, há casos nos quais a modulação de efeitos diante do reconhecimento de que a norma é
constitucional é a única maneira de se garantir a segurança jurídica dos jurisdicionados. Nestas hipóteses, a modulação de efeitos diante
da declaração de constitucionalidade decorre diretamente de princípio constitucional, não existindo uma regulamentação própria, como
nas hipóteses de declaração de inconstitucionalidade de ato normativo, que possuem no art. 27 um procedimento específico.
prazo para o legislador editar a norma faltante e impôs uma consequência ao
descumprimento deste prazo. Não há dúvidas de que essa decisão representou um passo
adiante na natureza meramente recomendatória que se tinha no julgamento das ADOs.
De se destacar que, em fevereiro de 2019, o Ministro Gilmar Mendes acolheu
parcialmente o pedido da União para prorrogar por 12 meses o prazo para que o Congresso
Nacional editasse a lei complementar (regulamentando os repasses de recursos da União
para os Estados e o Distrito Federal em decorrência da desoneração das exportações do
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços ICMS – entendeu-se que fatos
supervenientes justificariam o abrandamento do termo temporal fixado no julgamento de
mérito em 2016).
Em julho de 2019, todavia, os Estados e a União decidiram negociar um inédito acordo
em âmbito federativo – homologado pelo STF em maio de 2020 e encaminhado ao
Congresso Nacional para as providências cabíveis. Desse acordo, que finalizou a complexa
discussão político-jurídica, nossa federação saiu fortalecida, já que foi construído um
significativo exemplo de cooperação institucional entre os entes federados. Se quiser saber
mais sobre o assunto, estimado leitor, visite o capítulo 10 dessa obra, que trata da
“Organização do Estado”, no item intitulado “O pensamento do possível no federalismo
cooperativo”.
Por fim, vale citar a decisão proferida pelo STF em agosto de 2020, na ADO 30, na qual
a Corte reconheceu a omissão inconstitucional, em relação aos deficientes auditivos, da Lei
8.989/1995 (que trata da isenção do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) a pessoas
com deficiência) e estabeleceu o prazo de 18 meses, a contar da data da publicação do
acórdão, para que o Congresso Nacional adote as medidas necessárias a suprir a omissão
legislativa. Enquanto perdurar a omissão, o STF definiu que deve ser aplicado às pessoas
com deficiência auditiva o artigo 1º, inciso IV, da lei, que beneficia com a isenção do tributo
pessoas com deficiência física, visual e mental e com transtornos do espectro autista. A
decisão foi tomada por maioria (10 X 1). O Min. Marco Aurélio, vencido, argumentou o
seguinte:
Ausente regulamentação quanto a deficiente auditivo, constitui passo demasiado largo
fixar prazo, ao legislador, visando a adoção de providências. Mantenho-me fiel ao que
venho sustentando, em se tratando de mora de outro Poder. Não cabe ao Supremo, sob
pena de desgaste maior, determinar prazo voltado á atuação do Legislativo. É perigoso,
em termos de legitimidade institucional, uma vez que, não legislando o Congresso
Nacional, a decisão torna-se inócua.
6.6.5. Espécies de ADPF
(...)
(v) na ADPF 80-DF62, a Corte havia definido a impraticabilidade da utilização da arguição
para questionar enunciado de súmula, haja vista estas não constituírem ato do Poder
Público.
Este entendimento, todavia, parece ter sido superado em setembro de 2020. Por
maioria (6 X 4), o plenário do STF decidiu que é possível o ajuizamento de arguição de
descumprimento de preceito fundamental (ADPF) contra súmula de jurisprudência. O
relator, ministro Alexandre de Moraes, havia extinto, sem resolução do mérito, a ação,
ajuizada pelo governador de Santa Catarina contra a Súmula 450 do Tribunal Superior do
Trabalho (TST). Para o relator, é incabível o emprego de ADPF contra enunciado de súmula
de jurisprudência. O governador interpôs agravo regimental contra a decisão. No
julgamento do agravo, o relator reafirmou seu voto e ressaltou que o pedido não especifica
ato do Poder Público com conteúdo que evidencie efetiva lesão a preceito fundamental.
Segundo o ministro Alexandre de Moraes, o entendimento do Supremo é de que
enunciados de súmula nada mais são que expressões sintetizadas de entendimentos
consolidados no âmbito de um tribunal. Ele foi acompanhado por outros três ministros.
Prevaleceu, no entanto, o voto divergente do ministro Ricardo Lewandowski pelo
provimento do recurso para permitir o prosseguimento da ação. Segundo ele, há
precedentes em que o Supremo entende ser cabível a ADPF contra súmulas quando essas
anunciam preceitos gerais e abstratos. A seu ver, também estava atendido, no caso, o
princípio da subsidiariedade, que exige o esgotamento de todas as vias possíveis para sanar
a lesão ou a ameaça de lesão a preceitos fundamentais ou a verificação da inutilidade de
outros meios para a preservação do preceito. “Não há instrumento processual capaz de
impugnar ações e recursos que serão obstados com base em preceito impositivo no âmbito
da Justiça Trabalhista”, assinalou. “Desse modo, entendo viável o uso da ADPF como meio
idôneo para, em controle concentrado de constitucionalidade, atacar ato do Poder Público
que tem gerado controvérsia judicial relevante”. Ele foi acompanhado por outros 5
ministros e, com isso, formou a corrente vencedora.
Cap. 18: (“Controle Concentrado de Constitucionalidade nos Estados”):
5.1. Introdução
Preceitua a Constituição da República (art. 142) que as Forças Armadas, conjunto de
instituições militares constituído pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são
instituições nacionais, permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na
disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República63. Desde a Constituição
imperial de 1824 às Forças Armadas tem sido destinado tratamento constitucional,
justificado pela nobreza de suas tarefas, relacionadas à defesa da Pátria, à garantia dos
Poderes constitucionais e da lei e da ordem.
63. Art. 84, XIII, CF/88: “Compete privativamente ao Presidente da República: exercer o comando supremo das Forças Armadas,
nomear os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos
que lhes são privativos”.
(B) a garantia dos poderes constitucionais e,
(C) por iniciativa de qualquer dos três poderes, a garantia da Lei e da Ordem.
Falaremos, a seguir, de cada uma delas64.
(A) Forças Armadas e a defesa da pátria (artigos 1º, I, e 4º, CF/88)
Essa missão institucional das Forças Armadas corresponde, essencialmente, à defesa
da República Federativa do Brasil contra ameaças externas. Representa, pois, a tarefa de
preservar a soberania nacional, em especial diante de ameaças estrangeiras contra o nosso
país, o nosso povo, nossa integridade territorial e instituições.
Vale destacar que essa atribuição constitucional não se restringe à uma atuação diante
da decretação de um dos “estados de legalidade extraordinária” (intervenção federal e
estados de defesa e de sítio – artigos 34, 136 e 137 da CF/88). O artigo 34, II, da Constituição,
ao enunciar o papel de repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em
outra, está, tão somente, exemplificando uma das formas de atuação das Forças Armadas.
Assim, restringir o alcance da expressão “defesa da Pátria” apenas às três hipóteses de
atuação excepcional (de decretação de intervenção, de estado de defesa e de estado de
sítio) esvazia a previsão constitucional do artigo 142 e diminui a eficácia dos dispositivos
constitucionais referentes à nossa atuação internacional. A defesa da Pátria de que trata o
artigo 142 abrange, portanto, uma multiplicidade de possibilidades de atuação prévia das
Forças Armadas para a proteção das faixas de fronteiras, dos espaços aéreos e marítimos,
inclusive em períodos de paz – para ilustrar, pensemos nas missões de controle do fluxo
migratório na fronteira do Brasil com a Venezuela.
(B) Forças Armadas e a garantia dos poderes constitucionais (artigos 2º; 60, §4º, III; 85; e
102, todos da CF/88)
A segunda missão constitucional que o art. 142 enuncia para as Forças Armadas refere-
se à garantia dos poderes constitucionais. De início, é muito importante destacar que essa
expressão “garantia dos poderes constitucionais” não permite qualquer interpretação que
aceite o emprego das Forças Armadas para a defesa de um Poder contra o outro. Nosso
desenho constitucional prevê (art. 2º, c/c art. 60, § 4º, III) que a independência e a harmonia
entre os poderes serão preservadas pelos mecanismos pacíficos e institucionais de freios e
contrapesos (de controle recíproco) criados pela própria Constituição. Assim, quando o art.
142 estabelece uma atuação do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para promover a
“garantia dos poderes constitucionais”, está se referindo à proteção de todos os três
64
. O texto desde item é inspirado no voto do Min. Luiz Fux, de junho de 2020, na medida cautelar na Ação Direta de
Inconstitucionalidade 6.457-DF.
Poderes contra quaisquer ameaças que são alheias e externas a essa tripartição. As Forças
Armadas atuarão, pois, na “defesa das instituições democráticas” contra eventuais ameaças
de golpe, rebelião armada ou outros movimentos desse tipo.
Nota-se, portanto, que nada em nossa Constituição de 1988 concede às Forças
Armadas uma função assemelhada a de um “Poder Moderador”, responsável pela defesa
de um poder sobre os demais. O único documento constitucional pátrio que adotou a
quadripartição dos poderes, com a presença de um poder moderador, foi a Constituição
Imperial outorgada em 1824. Na estruturação daquele documento constitucional imperial,
esse quarto Poder colocava-se em posição privilegiada em relação aos demais, e a eles não
estava submetido. Porém, nenhuma outra Constituição brasileira instituiu o Poder
Moderador.
Mas afinal, por que é tão relevante frisar que a função das Forças Armadas de promover
a “garantia dos poderes constitucionais” não significa efetuar a defesa de um Poder contra
o outro? Por que nos parece tão importante destacar que nossa atual Constituição não
concedeu às Forças Armadas a função de Poder Moderador?
Tudo isso deve ser feito para aniquilar de vez a fantasiosa interpretação que se
fortaleceu nos últimos anos no sentido de que a Constituição de 1988 permitiria uma
“Intervenção militar constitucional”, fundada no art. 142, CF/88.
Para início de conversa, caro leitor, perceba que a expressão “Intervenção militar
constitucional” é uma contradição em si: se houver intervenção desse tipo, teremos um
golpe, pois nossa Constituição não a prevê e não a permite. Até porque, constituições não
trazem em seus textos as chamadas “cláusulas de suicídio”, isto é, disposições autorizativas
da sua própria derrocada, afastamento ou superação.
Então, como foi que surgiu essa interpretação de que nossa Constituição autorizaria
uma “Intervenção militar constitucional”? Ao que tudo indica, desde o ano de 2011 ela
começou a ser gestada. Naquele ano, uma manifestação do prof. Ives Gandra da Silva
Martins (em artigo publicado na Revista Brasileira de Direito Constitucional), defendia ser
plausível e aceitável que o Poder Legislativo – tendo por base sua competência descrita no
inciso XI do art. 49 da CF65 – determinasse a suspensão da decisão do STF que autorizou a
antecipação terapêutica do parto do feto anencéfalo (Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental – ADPF nº 54/DF). Segundo dizia o autor, se o Legislativo não
determinasse tal sustação, ou se a determinasse mas o STF não acatasse tal a anulação “(...)
65
. Art. 49, XI: “É da competência exclusiva do Congresso Nacional: XI - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da
atribuição normativa dos outros Poderes”.
caberia até mesmo a intervenção das Forças Armadas para restabelecer a lei e a ordem
turbadas pela quebra de harmonia entre os poderes da República, obrigando o Supremo
Tribunal Federal a cumprir a Constituição”.
E diante de algumas outras manifestações da nossa Corte Suprema que podem ser
consideradas polêmicas (pois tratam de temas que ensejam desacordos morais – tais como
a ADPF nº 132/DF, na qual a Corte reconheceu as uniões estáveis homoafetivas), o prof.
Ives novamente defendeu a leitura de que o artigo 142 da Constituição autorizaria a
convocação das Forças Armadas para solucionar disputas pontuais entre os Poderes da
República, exercendo uma intervenção moderadora diante de, por exemplo, uma suposta
invasão do STF na competência normativa do Poder Legislativo.
No entanto, é importante reconhecermos que entregar essa tarefa às Forças Armadas
viola a cláusula pétrea da separação de poderes, pois desvirtua todo o nosso sistema
constitucional. Assim, se o artigo 102 da CF/88 atribuiu ao STF o papel precípuo de guardião
da Constituição, cabe-lhe, como órgão máximo do Poder Judiciário, interpretar as normas
constitucionais em caráter final e vinculante para os demais Poderes. Caso o Poder
Legislativo discorde, ele tem o poder de superar as decisões proferidas pelo Supremo, por
meio da edição de emendas constitucionais (desde que, por óbvio, não contrarie as
cláusulas pétreas inscritas no art. 60, § 4°, CF/88). Não seria nem minimamente razoável,
portanto, entregarmos a tarefa de resolver conflitos interpretativos sobre normas da
Constituição às Forças Armadas. Como ressaltou o Ministro Gilmar Mendes, “é uma
interpretação irresponsável aquela que atribui às Forças Armadas o papel de interpretar a
Constituição”.
Outro detalhe digno de destaque: os defensores do papel de poder moderador para as
Forças Armadas parecem pressupor uma neutralidade e um distanciamento dos três
poderes que as Forças Armadas não possuem! Afinal, o Presidente da República, conforme
preveem os artigos 142 e 84, XIII, CF/88, é o seu "comandante supremo”. Assim, se
aceitássemos que as Forças Armadas são o "poder moderador" no conflito entre os
poderes, estaríamos considerando que o Poder Executivo está acima dos demais, sendo,
portanto, um superpoder. E essa conclusão não tem respaldo em nenhuma norma
constitucional.
Em finalização ao tópico, é anticonstitucional a interpretação do art. 142, CF/8 que
concede às Forças Armadas – e indiretamente ao Presidente da República, que é a sua
autoridade suprema – o poder de descumprir ou aprovar/confirmar determinada decisão
judicial, uma vez que reflete uma interpretação violadora de todos os princípios
constitucionais que estruturam nossa ordem democrática.
(C) Forças Armadas e a garantia da lei e da ordem (artigos 1º, caput; 2º; 5º, XLIV; 60, §4º,
III)
A terceira missão das Forças Armadas é a de estar à disposição dos Poderes constituídos
para, quando convocada, agir em defesa da lei e da ordem – afinal, o artigo 142 prevê
expressamente a possibilidade de mobilização das Forças Armadas para, por iniciativa de
qualquer dos três Poderes, atuar na “garantia da lei e da ordem”, permitindo que possam
ser usadas também na segurança pública.
Vale destacar que é atribuição do Presidente da República permitir o emprego das
Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por
quaisquer dos outros poderes constitucionais – por intermédio dos Presidentes do STF, do
Senado Federal ou da Câmara dos Deputados –, sendo este, todavia, uma competência que
nunca poderá ser exercida contra os próprios Poderes ou contra as instituições em si. Tais
medidas de garantia da lei e da ordem apenas se tornam possíveis no contexto de
enfrentamento a situações concretas de grave violação à segurança pública, por prazo
limitado. Ademais, é uma atuação que apenas pode se dar de modo subsidiário, quando já
houve o esgotamento dos mecanismos ordinários e preferenciais de preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por meio da atuação permanente
e primária das instituições que integram os órgãos de segurança pública (descritos no artigo
144, CF/88).
Para exemplificarmos a atuação das Forças Armadas em missões de altíssima relevância
para o interesse nacional, relembre alguns dos seguintes decretos presidenciais que se
fundamentam diretamente no artigo 15 da Lei Complementar 97/1999 (que dispõe sobre
as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas) e nos
artigos 84 e 142 da Constituição Federal:
(i) Decreto de 8 de agosto de 2016, que ampliou e sistematizou as determinações
presidenciais de emprego das Forças Armadas para Garantia da Lei e da Ordem nos Jogos
Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016;
(ii) Decreto de 15 de agosto de 2016, que prorrogou o emprego das Forças Armadas para
Garantia da Lei e da Ordem na área metropolitana do Município de Natal, Estado do Rio
Grande do Norte;
(iii) Decreto de 22 de agosto de 2016, que autorizou o emprego das Forças Armadas para a
garantia da ordem pública durante a votação e a apuração das eleições de 2016;
(iv) Decreto de 24 de agosto de 2016, que, alterando o Decreto de 8 de agosto de 2016,
também se referiu ao emprego das Forças Armadas para Garantia da Lei e da Ordem nos
Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016;
(v) Decreto de 31 de agosto de 2016, que autorizou o emprego das Forças Armadas para a
Garantia da Lei e da Ordem no revezamento da Tocha Paraolímpica dos Jogos Rio 2016;
(vi) Decreto nº 8.928, de 9 de dezembro de 2016, que autorizou o emprego das Forças
Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem na Região Metropolitana do Município de
Recife, Estado de Pernambuco;
(vii) Decreto de 17 de janeiro de 2017, que autorizou o emprego das Forças Armadas para
a Garantia da Lei e da Ordem no sistema penitenciário brasileiro;
(viii) Decreto de 19 de janeiro de 2017, que autorizou o emprego das Forças Armadas para
a Garantia da Lei e da Ordem na Região Metropolitana do Município de Natal, Estado do
Rio Grande do Norte; 22 Supremo Tribunal Federal;
(ix) Decreto de 30 de janeiro de 2017, que, alterando o Decreto de 19 de janeiro de 2017,
autorizou a prorrogação do emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem
na Região Metropolitana do Município de Natal, Estado do Rio Grande do Norte;
(x) Decreto de 6 de fevereiro de 2017, que autorizou o emprego das Forças Armadas para a
Garantia da Lei e da Ordem no Estado do Espírito Santo;
(xi) Decreto de 13 de fevereiro de 2017, que autorizou o emprego das Forças Armadas para
a Garantia da Lei e da Ordem na Região Metropolitana do Rio de Janeiro;
(xii) Decretos de 16 e 22 de fevereiro de 2017, que, alterando o Decreto de 6 de fevereiro
de 2017, também autorizaram o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da
Ordem no Estado do Espírito Santo;
(xiii) Decreto de 24 de julho de 2017, que autorizou o emprego das Forças Armadas para a
garantia da votação e da apuração das eleições suplementares no Estado do Amazonas;
(xiv) Decreto de 29 de dezembro de 2017, que autorizou o emprego das Forças Armadas
para a Garantia da Lei e da Ordem na Região Metropolitana do Município de Natal e no
Município de Mossoró, Estado do Rio Grande do Norte;
(xv) Decreto de 6 de maio de 2020, que autorizou o emprego das Forças Armadas na
Garantia da Lei e da Ordem e em ações subsidiárias na faixa de fronteira, nas terras
indígenas, nas unidades federais de conservação ambiental e em outras áreas federais nos
Estados da Amazônia Legal.
6. SEGURANÇA PÚBLICA
(...)
Para encerrarmos este tópico, vejamos a decisão proferida pelo STF, em abril de 2020,
na ADI 3996, pois ela resume muitas das conclusões até aqui alcançadas. Na ocasião, o STF
foi acionado para avaliar leis editada pelo Distrito Federal que, em resumo, estabeleciam:
(i) que o cargo de Agente de Trânsito seria atividade de segurança pública, para todos os
efeitos; (ii) que os agentes e inspetores de trânsito do Departamento de Trânsito do Distrito
Federal estariam isentos da obrigação de obter autorização para o porte de armas de fogo
de uso permitido; (iii) que deveria constar no curso de formação profissional dos agentes
de trânsito, dentre outras matérias, as referentes à armamento e tiro. Claro que o STF
declarou todas as leis inconstitucionais. Para começar, como sabemos que o rol do art. 144
da CF/88 é taxativo e de observância obrigatória pelo legislador infraconstitucional, os
Estados-membros e o DF não poderão atribuir o exercício de atividades de segurança
pública a órgãos diversos daqueles que já estão enunciados em nossa Constituição Federal.
Desta forma, quando a lei distrital previu que os agentes de trânsito exerceriam atividades
de segurança pública, criou uma norma com indiscutível vício de inconstitucionalidade
material, pois violadora do rol taxativo do art. 144 da CF/88. Além disso, nossa Constituição
atribuiu à União (art. 21, VI) a competência para autorizar e fiscalizar a produção e o
comércio de material bélico, o que alcança a disciplina do porte de armas de fogo; conferiu
também à União (no art. 22, I) a competência privativa para legislar sobre Direito Penal, de
modo que somente lei federal pode estabelecer as hipóteses em que o porte de arma de
fogo não constitui ilícito penal. Destarte, é igualmente inconstitucional a lei distrital que
dispõe sobre porte de arma de fogo, criando hipóteses não previstas na legislação federal
de regência.