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Os cantos na celebração eucarística

TEXTOS NORMATIVOS DA IGREJA SOBRE O CANTO NA CELEBRAÇÃO


EUCARÍSTICA

INTRODUÇÃO

1.Quem participa (ou busca participar) de celebrações litúrgicas em


paróquias diversas, mesmo de várias dioceses, pode observar como os
cantos, propostos a toda a comunidade, ou executados por um grupo ou
por um solista, muitas vezes não correspondem, em vários pontos, às
exigências da autêntica celebração litúrgica.

2. A conversa com os pastores e com outros ministros, ordenados ou


não, dessas paróquias, permite também perceber que essas pessoas, de
modo geral, nem se dão conta de que, ao invés de proporcionarem, aos
fiéis em geral, celebrações autênticas, formadoras, significativas, e
efetivamente participadas com consciência, vão, pelo contrário,
permitindo que essas celebrações ou degenerem em espetáculos (às
vezes demorados) nos quais a participação da comunidade na verdade

não ocorre, ou descambem para orquestrações do povo em


manifestações nas quais o sentido do sagrado é sepultado por uma
torrente mundana. Como também ocorrem celebrações «secas», em que
o sacerdote celebrante, às vezes auxiliado por algum leitor ou leitora,
ignora a comunidade e o canto.

3. Alguns, entretanto, diante de um comentário a respeito de tal ou qual


ponto da celebração, manifestam sua surpresa ao saberem que foi
contrariado algum dos princípios que a Igreja, pelo conjunto de todos os
seus Bispos no último Concílio Ecumênico, explicitou como fundamentais
da Liturgia, ou que foi contrariada alguma das regras explícitas que, com
sua autoridade de responsável pela Igreja inteira, o Papa, pessoalmente
ou através de um órgão ao qual confiou poder para tanto, editou em
matéria litúrgica. E dentre esses, alguns também perguntam: mas afinal
quais são esses princípios e normas? — ninguém nos ensinou quais são.

4. Outro ponto que às vezes é questionado é a multiplicidade de cantos


que são propostos nos folhetos preparados por editoras ou dioceses
visando à participação do povo; a cada série de folhetos propõem-se
cantos novos: quando esses começam a ser aprendidos já vêm outros. O
canto termina sendo fator de alienação, ao invés de ser fator de
participação. Às vezes o assunto chega a ser comentado na mídia, tanto
na própria da Igreja como na geral. Isso provavelmente não ocorreria se
fossem respeitadas as orientações normativas da Igreja sobre a matéria.

5. A diversidade de modos de celebração, por outro lado, resulta em


perplexidades para não poucos fiéis, que comentam que na paróquia tal
fazem assim, na outra fazem de outro modo, por que não fazem
diferente, etc. Essa perplexidade atinge não raro os componentes de
coros, que reclamam quando o regente do coral não quer que os
cantores cantem sozinhos, ou então o bispo ou presbítero que presidirá à
celebração veda a execução de certos cantos ou o canto em certos
momentos.

6. Ocorreu-me, assim — com o objetivo precisamente de esclarecer e


orientar aqueles que na verdade, com o espírito de obediência cristã que
caracteriza o fiel comprometido, desejam dar a sua contribuição a uma
Liturgia viva, consciente, autêntica, edificante, exemplar — preparar um
EXTRATO DE DOCUMENTOS NORMATIVOS DA IGREJA SOBRE O
CANTO NA MISSA.

7. Os documentos de que foram extraídos os textos normativos são


basicamente dois: a Constituição do II Concílio Ecumênico do Vaticano
sobre a Liturgia, que em latim começa com as palavras Sacrosanctum
Concilium, e que é indicada abreviadamente por SC, e a Instrução Geral
do Missal Romano, cujo texto integral constitui as páginas iniciais do
Missal, indicada abreviadamente por IGMR. Relativamente a alguns
aspectos da Liturgia da Palavra, são apresentados também alguns textos
da Introdução ao Elenco das Leituras da Missa, indicado abreviadamente
por ELM. Os textos dos documentos encontram-se transcritos ou
traduzidos em parágrafos reentrantes, e em itálico. Os textos normativos
da Instrução Geral do Missal Romano são os da 3ª edição típica,
aprovada por João Paulo II a 11 de janeiro de 2000 e editada a 20 de
abril de 2000. Essa data é a da publicação da Instrução Geral, impressa
inicialmente em separado do Missal, «para que o [seu] texto revisto, que
faz parte do mesmo Missal, seja conhecido mais amplamente...» A
edição completa do Missal só se deu em 2002, e vários números da
Introdução (ou Instrução – em latim Institutio) Geral sofreram alterações
entre a primeira publicação (separata, em 2000) e a edição completa
(2002).
8. Relativamente a alguns desses textos escrevi também um pequeno
comentário ou alguma indicação ou remissão, que seguem o texto
normativo, destacado.

9. Parece imprescindível, porém, para que se possa bem entender e pôr


em prática as regras vigentes a respeito do canto, ter uma perspectiva
sobre a mudança radical que o II Concílio Ecumênico do Vaticano
introduziu na Sagrada Liturgia, correspondendo e em alguns pontos até
superando o que, a partir do início do século XX, era preconizado pelo
chamado «Movimento Litúrgico».

10. Com efeito, o Concílio de Trento (1545-1563), reagindo contra a


posição então pregada pelo Movimento da Reforma e contrariando a
prática constante das Igrejas Orientais, cristalizou na Liturgia ocidental a
língua latina (salvo a grega no Kyrie, eleison), proibindo o uso da língua
do povo. Proibiu-se, ademais, que, paralelamente aos textos proferidos
pelo sacerdote ou por outro ministro em latim, se recitasse em voz alta
(ou cantasse) a respectiva tradução, permitindo-se na língua do povo
apenas a recitação ou o canto de uma paráfrase daquele texto, ou sejam
uma imitação, um texto parecido, que lembrasse o que era dito em latim.
O motivo de tal regra foi este: Se fosse proferida a tradução, haveria o
risco de, com o tempo,

passar-se a dizer somente a tradução, e cairia o latim, que devia ser


mantido a qualquer custo. Parece que a autoridade da época esqueceu
que o latim fora introduzido, a seu tempo, em substituição ao grego,
quando o povo não mais compreendia a língua grega, só a latina, que
era então a língua do povo.

11. Foi assim que surgiram, em certa época, muitos cantos que
parafraseavam o que seria a tradução do texto latino oficial: só era
permitido cantar, paralelamente aos textos oficiais proferidos em latim,
esses cantos do tipo paráfrase, jamais as traduções dos textos oficiais.

12. O II Concílio do Vaticano (complementado por docu-mentos


legislativos que a ele se seguiram) acabou com isso: foi gradativa-mente
autorizado o uso da língua do povo em todos os textos oficiais que
deviam ser proferidos em voz alta, e a participação ativa (e consciente)
dos fiéis se faria (além de mediante atitudes, gestos e outros meios)
proferindo, ou cantando, exatamente esses textos oficiais. Desapareceu,
pois, a razão para paráfrases ou outros textos meramente evocativos
daqueles que deviam ser pronunciados ou pelos ministros ou por todos.
13. Os textos a serem cantados ou proferidos são aqueles homologados
pela autoridade central da Igreja Latina, inclusive quanto às traduções
para a língua do povo, a serem preparadas e previamente aprovadas
pela respectiva Conferência de Bispos.

14. Ora, a regulamentação da Sagrada Liturgia é da competência


exclusiva da autoridade da Igreja. Essa autoridade cabe à Santa Sé
Apostólica e, segundo as normas do Direito, ao Bispo.

Por poder concedido pelo Direito, dispor sobre assuntos de Liturgia,


dentro dos limites estabelecidos, cabe também às competentes
conferências territoriais de Bispos, de vários tipos, legitimamente
constituídas.

Portanto, jamais alguém outro, ainda que sacerdote, acrescente, tire ou


mude por própria conta qualquer coisa à Liturgia. (SC, 22)

A competência do próprio Bispo (diocesano), portanto, é limitada pelas


normas do direito universal. Os demais sacerdotes ou outros ministros
somente podem introduzir variantes nos textos estabelecidos quando
norma específica explícita, indicada no rito, assim o previr.

15. A presença, nas celebrações litúrgicas de nosso tempo, de cantos ou


outros textos que não os oficiais, portanto, somente pode ocorrer
naquelas partes em que especificamente se permite «outro canto
adequado», como por exemplo no Canto de Entrada e no Canto de
Comunhão da Missa, ou para acompanhar certos ritos que também
podem ocorrer dentro da Missa (entrega das vestes nas ordenações,
procissão do Ssmo. na quinta-feira santa, etc.). Mesmo esses cantos,
porém, devem ter prévia aprovação expressa da Conferência de Bispos.
Fora dessas hipóteses de permissão expressa, o uso dos velhos cantos
de paráfrase, ou, o que é pior, a composição de novos cantos sem
observância do texto oficial, original ou traduzido, constitui um arcaísmo,
um retorno ao passado já superado pela Igreja, motivado talvez por falta
de conhecimento de tratar-se de fase já ultrapassada, ou talvez (o que
seria muito mais grave), por rebeldia contra a autoridade constituída na
Igreja. Se a essa conclusão já se podia com tranqüilidade chegar
anteriormente, a nova IGMR agora é explícita em proscrever tais
práticas.

16. A Liturgia é pastoral por vocação, não pode jamais perder o sentido
pastoral. A reforma litúrgica determinada pelo II Concílio Ecumênico do
Vaticano teve precisamente esse perspectiva, como se pode ver do nº 43
da Sacrosanctum Concilium. Como a celebração da Eucaristia, como de
resto toda a Liturgia, faz-se mediante sinais sensíveis, através dos quais
a fé é alimentada, fortalecida e expressa, deve cuidar-se ao máximo em
escolher aquelas formas e aqueles elementos propostos pela Igreja que,
tendo-se em conta as circunstâncias pessoais e locais, estimulem mais
intensamente uma participação ativa e plena, e mais adequadamente
respondam à utilidade espiritual dos fiéis. Por isso é preciso que os
pastores responsáveis pelas celebrações tenham suficiente formação e
sejam dotados de aprimorada sensibilidade para escolher, dentre as
propostas pela Igreja, as alternativas mais frutíferas, ouvindo os fiéis a
seu cargo e ajustando seus próprios gostos àquilo que seja o melhor
para aquela determinada assembléia. As ovelhas conhecem a voz do
pastor, sim, mas precisam também de momentos de silêncio e de
contemplação. Elas principalmente esperam, do pastor, que ele lhes dê
tranqüilidade, paz e segurança, e isso exige, por parte do pastor, respeito
aos padrões de comportamento. A paz que todos buscamos é a
tranqüilidade na ordem, segundo clássica definição de Sto. Tomás de
Aquino. É o respeito à ordem que traz a tranqüilidade, a segurança. Na
Igreja, e especialmente na Liturgia, fonte e cume da vida da Igreja, não
pode ser diferente: para que a Liturgia terrena seja a prefiguração da
Liturgia celestial (como nos propõem tantos textos da própria Liturgia),
ela não pode ser nervosa nem inesperada nem improvisada.

Mas a Liturgia não pode ser morta, precisa ser vívida, e para tanto
precisa ser vivida pelos que nela atuam, precisa ser espontânea. Não se
pode, de modo algum, ser um «rubricista»: é preciso insuflar na regra o
espírito, é preciso dar vida (e não pode ser uma vida artificial) à regra.
Como escreveu um mestre da vivência litúrgica: A verdadeira
espontaneidade, a verdadeira criatividade consistem em preparar-se bem
para fazer viver um texto, dando espírito à letra da liturgia.

Os ministros ordenados e os ministros leigos da Liturgia devem ser o que


a palavra «ministro» exprime: servidores, dispensadores dos mistérios de
Deus, administradores de algo que não é seu, que foi confiado à Igreja.
Ora, o que dos administradores se exige é que sejam fiéis. Até para
poderem, no último dia, ir ao encontro do Senhor e dele ouvir estas
palavras: Servo bom e fiel, entra na alegria do teu Senhor.

17. Espero, ao preparar este trabalho, estar fazendo bom uso de graça
que me foi conferida (cf. Mateus, 25, 14 e ss.), ao manifestar a fiéis em
geral, e eventualmente a pastores e outros ministros, um parecer sobre
matéria que pertence ao bem da Igreja, sempre em vista da utilidade
comum.
prof. Alexandre H. Gruszynski
 

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