GIL VICENTE:
Gil Vicente é indubitavelmente o autor mais importante da primeira metade do século XVI, tanto pelo número
de peças, como pela notória qualidade de algumas, como ainda por nelas refletir o universo mental do homem
português daquele século: a luta entre o bem e o mal, as virtudes medievais, e os vícios modernos do dinheiro,
o casamento por interesse etc... são os principais alvos da sátira de Gil Vicente.
Mais tarde após a morte deste, por volta de 1536 , os seus filhos Luís e Paula Vicente, decidem publicar na
Copilaçam de todalas obras de Gil Vicente as obras de seu pai, respetivamente : «farsas», «autos» ,«obras de
devoção», «tragicomédias».
Em geral, as obras de devoção versam sobre temas religiosos ou litúrgicos; as comédias exploram
personagens ou situações trocistas, cómicas; a tragicomédia uniria o cómico a acontecimentos sociais ou
moralmente nefastos; e ,finalmente, a farsa consistiria em comédias de natureza popular com diálogos rudes,
jocosos ,burlescos, ou, com questões e personagens da época.
Distinção entre auto e farsa, ambas principais escritas de Gil Vicente:
Auto: Designação abrangente de peça teatral em um ato. Em Gil Vicente a designação surge muitas
vezes nas didascálias em sobreposição ou conjugação com termos.
Farsa: Género do teatro medieval europeu, caracterizado pela mecânica do Engano, por uma intriga
curta e concentrada, por um reduzido número de personagens e pela verosimilhança de situações. Em
Gil Vicente adiciona sistematicamente uma composição satírica e moralizante.
A FARSA DE INÊS PEREIRA:
A farsa de Inês Pereira de Gil Vicente, tem como principal objetivo a procura do casamento e homem ideal
para esta. A peça baseia-se no ditado popular:« antes asno que me leve, que cavalo que me derrube», que
vamos perceber o sentido à medida que avançamos na peça.
No primeiro excerto, temos:
Monólogo de Abertura da peça ( situação inicial de Inês; aonde esta se lamenta da situação aonde
está- presa em casa; e como o casamento é uma forma de libertação)
Diálogo entre Inês e mãe ( discussão acerca do mesmo assunto)
No segundo excerto:
Intervenção de Lianor Vaz ( discussão com a mãe de Inês sobre ter sido “atacada” por um clérigo
coisa que a mãe de Inês não acredita) .
Apresentação de Pêro Marques e rejeição deste, por não cumprir as características idealizadas por Inês
sobre o que é um “homem ideal” ( respetivamente , músico, discreto e bem-falante)
Depois destes acontecimentos recorrentes nos excertos 1,2 e 3 , é apresentado a Inês pelos judeus
casamenteiros um novo pretendente, Brás da Mata que aparente ter as características que Inês idealiza.
Contudo ocorre uma grande reviravolta, Inês casa-se com Brás da Mata e este além de ser um marido
agressivo e trocista aprisiona-a em casa , não lhe dando nem a opção de pensar.
Repressão de Inês pelo escudeiro e partida deste para áfrica para “combater na guerra”.
Arrependimento de Inês( monólogo, onde mostra o arrependimento de ter escolhido um marido
discreto).
Morte do Escudeiro ( anúncio por carta, do seu irmão).
Após a partida do escudeiro para África , Inês lamenta e arrepende de se ter casado com um homem discreto.
É aí que o Moço( criado do escudeiro) recebe uma carta para Inês , escrita por seu irmão aonde declara a
morte de Brás da mata, o que é um alívio para Inês e ao mesmo tempo uma tristeza para o Moço uma vez que
o seu amo partiu sem lhe pagar. Também na carta Inês recebe a notícia que o seu marido não morreu a
combater mas sim a fugir de um simples mouro, mostrando a covardia deste.
Quando recebeu a noticia Lianor Vaz vem com nova proposta para Inês, novamente de Pêro Marques. Depois
da lição que aprendeu no seu antigo relacionamento, Inês aceita e casa-se com Pêro Marques. Com a ampla
liberdade que o marido lhe dava, Inês parecia levar a vida que sempre desejou. Um dia, chega na sua casa um
Ermitão a pedir esmola e Inês atende-o. O Ermitão mostra-se desgostoso por amor, venerando o seu Deus o
Cupido, revela a Inês que foi esta a verdadeira razão do seu desgosto amoroso e também porque este se tornou
religioso. Isto aconteceu quando Inês ainda era uma criança, e este lhe levava presentes e era caidinho por ela.
Finalmente Inês reconhece-o e sugere um novo encontro com ele na Ermida com segundas
intenções( adultério).
Inês então diz a Pêro que quer ir à Ermida, como este se mostra submisso a ela, não lhe questiona a razão e
leva-a. No caminho, Inês diz a Pêro que a leve Inês às cavalitas para passar o rio (pois havia um mito que o
frio tornava as mulheres inférteis), e além de levar a Inês , Pêro leva também duas lousas (pedras) que lhe
agradaram. Aí Inês canta uma canção ilusiva à infidelidade e Pêro Marques de tão tonto que é , canta com ela.
E assim termina a peça.
ANÁLISE:
AS PERSONAGENS: caracterização e relação entre elas
Cómico de situação: Resulta do próprio enredo, das situações( e da forma como nelas agem os
personagens) e a sua interpretação.
Cómico de carácter: Decorre do temperamento de uma personagem e da sua incapacidade de
integração na sociedade ou no meio que se encontra.
Cómico de linguagem: Nasce da desadequação da linguagem de uma personagem ao contexto em
que se encontra. Pode se concretizar através : da ironia ( muito presente na peça); do sarcasmo, de
apartes e comentários, de repetições, de trocadilhos, de gírias, do calão, de frases e expressões
populares etc...
A sátira vicentina centra-se na mudança rápida e geral dos costumes e dos valores, estando sobretudo em
causa a miragem da ascensão social e económica e a resistência a empreender face ao desmoronamento dos
valores que caracterizam Portugal economicamente agrário e mentalmente cruzadístico de Quinhentos. É este
o quadro verosímil em que se movem os protagonistas vicentinos, é ainda também o conflito de valores
retratado num conjunto numeroso de diálogos entre velhos e novos: é a mãe de Inês Pereira que tenta refrear-
lhe a precipitação do casamento social.
Gil Vicente foi um lúcido observador do seu tempo e disso dá nos notícia, recorrendo à veia satírica, nos seus
textos. Neles são fustigados os vícios dos seus contemporâneos, numa crítica à sociedade parasitária, de gente
que desprezava o trabalho para viver de expedientes fáceis, ludibriando os outros e usando muitas vezes da
tirania e da corrupção.
O desenrolar do enredo parece fundamentar a ideia de que mais do que uma crítica localizada a Inês, o autor
pressupõe uma sátira a um determinado tipo de atitude psicossocial caracterizada pelo abandono do trabalho
contra o qual a moça se insurge desde a primeira cena e a que nunca se reconverte. O alvo da sátira é porém
mais diversificado:
Para além de Inês e da margem de representatividade psicológico-social que lhe é inerente,
pode ainda pensar-se que são abrangidas as figuras do escudeiro( considerando na sua
tradicional disjunção o ser e o parecer) e o moço Fernando( criado do escudeiro) que
abandonou o campo para servir um «tavanês» , na mira de uma promoção que afinal não se
verificou.
REPRESENTAÇÃO DO QUOTIDIANO:
Podemos dizer que a farsa que estamos a analisar traz até aos nosso dias aspetos do quotidiano em que se
mostram maneiras de viver próprias da vida social na primeira metade do século XVI.
Hoje podemos achar que os comportamentos que lemos na farsa são estranhos, mas na época era mais ou
menos assim que as coisas se passavam: o casamento era muitas vezes imposto ou negociado; a jovem que
casava mal conhecia o futuro marido e normalmente tinha que levar um dote, ou seja, bens ou dinheiro
entregues ao homem.
Na farsa de Inês Pereira a atenção dada à vida quotidiana é reforçada pela presença de diversos tipos. Assim:
Alcoviteira, ou seja, Lianor Vaz. A alcoviteira combinava casamentos, num tempo em que o namoro
praticamente não existia. Do mesmo modo, ela intermediava aquelas relações amorosas( por exemplo
com clérigos) que precisavam de um agente hábil, discreto e diligente.
Escudeiro: corresponde a uma figura sem destaque social mas com aspiração a promoção.
Anunciando qualidades que são desmentidas pela realidade , o escudeiro é alguém de facto pobre,
mas ambicioso, num tempo em que a ostentação social e o culto das aparências eram frequentes.
Vilão, sob o nome Pêro Marques, Inês reconhece-o com o tipo “Viste o parvo vilão?”. Corresponde
ao camponês rude e simples, desconhecedor dos hábitos da vida urbana e vivendo o trabalho rural
duro e sem distinção social.
Judeus: o par Latão e Vidal que apoia o escudeiro cumpre um papel semelhante ao da alcoviteira. O
tipo judeu associa-se sobretudo ao negócio e às diligências para obter lucro.
Ermitão: O ermitão dedicava-se à oração e à pertinência , vivendo em pobreza longe dos homens, no
ermitério, situado num lugar inóspito ou mesmo num deserto.
GRAMÁTICA:
ORAÇÕES SUBORDINADAS:
Dentro das orações subordinadas temos 3 tipos:
I) Subordinada adverbial: desempenha a função sintática de modificador, contribuindo com informação
complementar sobre o conteúdo da oração subordinante. Esta subdivide-se em:
Causal: Exprime um motivo/causa
Comparativa: Contém um segundo elemento de uma comparação que se estabelece em relação a uma
situação apresentada na subordinante.
Concessiva: Sugere um potencial impedimento à concretização da situação apresentada na oração
subordinante, mas que , ainda assim, não a impede. Ou seja sugere a ideia de oposição.
Condicional: Exprime a condição de que depende do facto expresso na subordinante.
Consecutiva: Exprime a consequência de um facto apresentado na subordinante.
Final: Exprime a intenção/finalidade da realização da situação descrita na subordinante.
Temporal: Estabelece a referência temporal em relação à qual a subordinante é interpretada.
I) Subordinada adjetiva: Desempenha a função sintática de modificador do nome, sendo introduzida por
uma palavra relativa( pronome, advérbio, quantificador ou determinante.
Relativa restritiva: Restringe a informação dada sobre o antecedente e desempenha a função sintática
de modificador restritivo do nome.
Ex. Os alunos que estão atentos nas aulas obtêm bons resultados.- Está a restringir o nome alunos, ou seja
não se está a referir a todos os alunos, apenas àqueles que estão atentos nas aulas.
Relativa explicativa: Contribui com informação adicional sobre o antecedente e desempenha a função
sintática de modificador apositivo do nome.
Ex. Os alunos, que estão atentos nas aulas, obtêm bons resultados- Aparece entre vírgulas.
ATOS DE FALA:
Ao produzir um enunciado , num contexto comunicativo específico, um falante concretiza, implícita ou
explicitamente, determinadas ações, que ultrapassam a mera enunciação. Essas ações são atos de fala, que, de
acordo com a sua intenção comunicativa, podem ser:
Assertivo: Relaciona o interlocutor com a veracidade do enunciado que produz. Exemplos: asserção,
afirmação/negação , constatação, descrição etc.
Diretivo: O locutor procura levar o ouvinte a realizar uma ação , verbal ou não verbal, relacionada
com a compreensão do enunciado proferido. Exemplos: ordem, requerimento, pedido, súplica,
exigência etc.
Compromissivo: O locutor compromete-se com a realização futura de uma ação, implicada na
enunciado. Exemplos: promessa, juramento, compromisso, pacto etc.
Expressivo: O locutor expressa o seu estado de espírito face ao conteúdo do seu enunciado.
Exemplos: agradecimento, felicitação, lamento, pedido de desculpas etc.
Declarativo: O locutor, com um estatuto que lhe confere poder, provoca a verdade do que enuncia,
alterando e recriando a realidade. Exemplos: declaração, nomeação, demissão, condenação etc.
COMPOSIÇÃO:
APRECIAÇÃO CRÍTICA: