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Observatório Covid-19

NOTA TÉCNICA 16 de fevereiro de 2022

Volta às aulas sem ida ao posto: 30 dias de


vacinação contra Covid-19 entre crianças no Brasil

O
Brasil iniciou em 15 de janeiro de 2022 a vacinação apontar a grande heterogeneidade no nível subnacional,
infantil contra a Covid-19, após a Anvisa aprovar a indica- reforçando a necessidade de articulação de todas as esferas de
ção de seu uso em crianças de 5 a 11 anos em 16 de gestão para a expansão da cobertura vacinal no país. Utilizamos
dezembro de 2021. Contudo, a difusão de notícias falsas tem aqui os dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde sobre a
provocado resistência das famílias sobre a eficácia e segurança da vacinação1, e a estimativa de projeção populacional do Instituto
imunização para esta faixa etária, mesmo que todas as evidências Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
científicas disponíveis atualmente sejam favoráveis a esta medida. Os primeiros 15 dias de vacinação apresentavam uma velocida-
A consequência deste processo é a lentidão na cobertura vacinal de maior, mas, a partir do dia 29 de janeiro, houve uma retração
de primeira dose das crianças. E o contexto não poderia ser mais deste ritmo, promovendo um crescimento lento desde o início do
preocupante: o retorno das atividades escolares presenciais. mês de fevereiro (Figura 1). Até o dia 14 de fevereiro, o país possuía
Diante disso, consideramos oportuno apresentar um panorama uma cobertura vacinal de primeira dose para a faixa etária entre 5 e
atual da vacinação contra Covid-19 entre as crianças, além de 11 anos de apenas 21%.

FIGURA 1: SÉRIE HISTÓRICA DA PROPORÇÃO DE CRIANÇAS COM PRIMEIRA DOSE


DA VACINA CONTRA COVID-19 ENTRE CRIANÇAS DE 5 A 11 ANOS. BRASIL, 2022

25%
Cobertura Vacinal de Primeira Dose

20%

15%

10%

5%

Fonte: eSUS notifica, 2022


0%
15/01/22
16/01/22
17/01/22
18/01/22
19/01/22
20/01/22
21/01/22
22/01/22
23/01/22
24/01/22
25/01/22
26/01/22
27/01/22
28/01/22
29/01/22
30/01/22
31/01/22
01/02/22
02/02/22
03/02/22
04/02/22
05/02/22
06/02/22
07/02/22
08/02/22
09/02/22
10/02/22
11/02/22
12/02/22
13/02/22
14/02/22

A heterogeneidade entre estados e capitais é notável (Figura 2). norte é igualmente a que possui ampla maioria abaixo do nível do
Entre as Unidades Federativas, apenas 7 possuem cobertura de país. Ainda, convém mencionar que a cobertura de primeira dose
primeira dose maior que a média nacional (21%): Rio Grande do apresentada por Macapá, Recife e Campo Grande é bastante
Norte (32,6%), Sergipe (23,9%), Espírito Santo (21,9%), São Paulo destoante das demais capitais, sugerindo inconsistência dos dados.
(28,1%), Paraná (28,6 %), Rio Grande do Sul (23,2%) e o Distrito Há uma discrepância importante em diversas Unidades da
Federal (34,6%). O pior desempenho está no Amapá, com apenas Federação quando comparado o seu indicador vacinal de primeira
5,3% da população na faixa etária entre 5 e 11 anos vacinada. Entre as dose àquele em suas respectivas capitais (Figura 3). Em sua maioria, a
capitais, em geral, há mais locais com níveis superiores à média cobertura vacinal de primeira dose das capitais é maior que a do
nacional, como era de se esperar. Onze capitais estão abaixo da estado como um todo. As exceções são o Amapá, Acre, Piauí, Ceará,
marca do país: Macapá (1,6%), Boa Vista (20,6%), Rio Branco (6,9%), Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Mato Grosso e Mato
Porto Velho (16%), Teresina (8,4%), João Pessoa (15,8%), Recife (1,9%), Grosso do Sul – estados das regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste.
Belo Horizonte (18,4%), Campo Grande (1,6%) e Cuiabá (15,7%). Consideramos oportuno mencionar que as maiores discrepâncias
Importante destacar que todos os estados da região norte do país estão nos estados do Sul e Sudeste, com destaque para Paraná, Rio
encontram-se abaixo da média nacional. Para as capitais, a região Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro.

1. https://opendatasus.saude.gov.br/dataset/covid-19-vacinacao

PORTAL.FIOCRUZ.BR/OBSERVATORIO-COVID-19 AÇÃO
INFORMAÇÃO PARA AÇÃO
Observatório Covid-19 NOTA TÉCNICA 16 de fevereiro de 2022 P.2

FIGURA 2: COBERTURA VACINAL DE PRIMEIRA DOSE CONTRA COVID-19 NO GRUPO DE 5 A 11 ANOS SEGUNDO UF E CAPITAIS. BRASIL, 2022

40%
Cobertura Vacinal de primeira dose

30%

34.63%
32.60%

28.57%
28.10%
20%

23.92%

23.25%
22.26%

21.94%

21.00%
20.30%

20.30%

20.25%
19.69%

19.56%

18.78%
15.28%

13.07%
14.82%

15.81%

11.69%

13.25%

14.64%

12.54%

12.92%

15.68%
5.35%

10% 8.27%

0%
AP RR AM PA AC RO TO MA PI CE RN PB PE AL SE BA MG ES RJ SP PR SC RS MS MT GO DF
UF

Brasil

50%
Cobertura Vacinal de primeira dose

51.92%
40%

40.59%

39.30%
38.64%

38.13%
30%

36.46%

34.63%
34.33%
33.87%

29.53%
29.17%
26.33%

24.84%
20.62%

16.06%

21.28%

15.88%

28.76%

18.40%

29.00%

27.31%

15.73%
20%
1.62%

6.94%

8.44%

1.94%

1.58%
10%
0%

Fonte: eSUS notifica, 2022


Rio Branco
Macapa

Salvador

Porto Alegre

Brasilia
Cuiaba
Manaus

Belem

Palmas

Teresina

Fortaleza

Joao Pessoa

Belo Horizonte
Recife

Rio De Janeiro

Florianopolis
Boa Vista

Aracaju

Campo Grande
Porto Velho

Sao Luis

Goiania
Natal

Maceio

Vitoria

Curi�ba
Sao Paulo
Capital
Brasil

Nota: colunas em vermelho representam valores abaixo da média nacional, e colunas azuis representam valores acima da média nacional.

A observação da relação entre a cobertura vacinal de primeira também maiores. Ao contrário disso, a cobertura vacinal de primeira
dose do grupo de 5 a 11 anos e indicadores sociodemográficos dose é menor onde há maior desigualdade de renda2, pobreza3 e
(Figura 4) ratifica a grande heterogeneidade regional brasileira, e é internações por condições sensíveis à atenção primária4. Além disso,
forte indício de que a vulnerabilidade social determina a aplicação curiosamente, a cobertura vacinal de primeira dose possui relação
das doses em crianças. A inspeção visual desta relação mostra que a inversa com a proporção de crianças na faixa etária elegível. Nos locais
cobertura vacinal de primeira dose é diretamente proporcional e em que a proporção de crianças de 5 a 11 anos é maior, há menor
maior nos estados onde a expectativa de vida ao nascer e o IDH são cobertura vacinal de primeira dose contra a Covid-19 para este grupo.

2. Razão entre a renda dos 10% mais ricos e a dos 40% mais pobres
3. Proporção de vulneráveis à pobreza é dada pelo número de indivíduos com renda domiciliar per capita igual ou inferior a ½ salário mínimo mensal.
4. As internações por condições sensíveis à atenção primária (ICSAP) são internações por doenças passíveis de controle e redução por meio da atenção básica
acessível e efetiva, envolvendo prevenção e continuidade do cuidado.

FIGURA 3: DIFERENÇAS DE COBERTURAS VACINAIS DE PRIMEIRA DOSE


CONTRA COVID-19 NAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO E SUAS RESPECTIVAS CAPITAIS. BRASIL, 2022

60%

Curi�ba

50%

Aracaju
Belem Sao Paulo Florianopolis Brasilia
40% Porto Alegre
Fortaleza Salvador DF
RN
Vitoria Goiania
Maceio
30% Rio De Janeiro
Manaus
Palmas Natal
MG SP PR
Boa Vista Sao Luis
PI PB
SE
20% RS
Porto Velho ES
AL MT GO
BA Belo HorizonteRJ SC
CE PE MS
PA Joao Pessoa
AM MA
RR TO Cuiaba
10% AC RO
Fonte: eSUS notifica, 2022

AP
Teresina
Rio Branco

0% Macapa Recife Campo Grande


Observatório Covid-19 NOTA TÉCNICA 16 de fevereiro de 2022 P.3

Para medir a força desta relação utilizamos um coeficiente de pobreza (-0,54) e internações por condição sensível à atenção
correlação. Os valores deste coeficiente variam entre -1 e +1. primária (-0,53). Da mesma forma, são semelhantes para os indica-
Quanto mais próximo de zero, mais fraca é a correlação; quanto dores diretamente proporcionais à expectativa de vida ao nascer
mais próximo dos valores extremos (-1 ou +1), mais forte ela é. Os (+0,5) e ao IDH (+0,52). Finalmente, a cobertura vacinal de primeira
valores negativos se referem às correlações inversas e os valores dose possui forte correlação inversa com a proporção de crianças
positivos às correlações diretas. O que pudemos observar é que a elegíveis (-0,73). Este parece ser um efeito relacionado ao ritmo de
correlação mais fraca é aquela com o indicador de desigualdade de expansão da vacinação, já que nos estados com maior número de
renda (-0,17). Ela possui força moderada para a vulnerabilidade à crianças elegíveis avançou-se menos.

FIGURA 4: CORRELAÇÃO LINEAR ENTRE A COBERTURA VACINAL DE PRIMEIRA DOSE


CONTRA COVID-19 DOS ESTADOS E INDICADORES SOCIODEMOGRÁFICOS. BRASIL, 2022

14 0.9 79
13 78

Expecta�va de Vida ao Nascer


0.85
77
% população 5-11 anos

12
0.8 76
11
75
IDH

10 0.75
74
9
0.7 73
8 72
0.65
7 71
6 0.6 70
0.0% 0.5% 1.0% 1.5% 0.0% 0.5% 1.0% 1.5% 0.0% 0.5% 1.0% 1.5%
Velocidade de Expansão Velocidade de Expansão Velocidade de Expansão

25 60 35
23
50
21 30
% vulneráveis à pobreza

19
40
Razão 10/40

17 % ICSAP 25
15 30
13 20
11 20

Fonte: eSUS notifica, 2022


9 15
10
7
5 0 10
0.0% 0.5% 1.0% 1.5% 0.0% 0.5% 1.0% 1.5% 0.0% 0.5% 1.0% 1.5%
Velocidade de Expansão Velocidade de Expansão Velocidade de Expansão

A repercussão associada a este fenômeno é simples: quando devem ser apoiados e incentivados a levar seus filhos para serem
crianças não são vacinadas, cria-se um grupo suscetível a contrair a imunizados.
Covid-19. Num cenário em que apenas este grupo não está imuniza- É importante saber também que o apagão de dados, ocorrido
do, ele se torna particularmente vulnerável à infecção e à dissemina- entre dezembro de 2021 e janeiro de 2022, possivelmente, ainda traz
ção do vírus, inclusive entre outros grupos etários. Os dados de repercussão. Há relatos frequentes de municípios que referem
internação mostram que o número de crianças hospitalizadas dificuldade em inserir os dados, e optam por fazer a notificação e o
aumentou, não apenas em números absolutos, mas notadamente monitoramento apenas dentro de suas rotinas de vigilância, causan-
em comparação às demais faixas etárias5. do discrepâncias entre os dados oficiais do Ministério da Saúde e os
Um aspecto a ser levado em conta é que o Programa Nacional das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.
de Imunizações, via de regra, tem grande credibilidade junto à Além do benefício individual, ressaltamos que, quanto mais
população. Isto é evidente quando observamos, por exemplo, a crianças vacinadas, maior será a proteção da população como um
cobertura vacinal dos imunizantes aplicados no primeiro ano de todo. É importante destacar que a volta às aulas é necessária, mas
vida. Ao considerar esta perspectiva, enfatizamos que o crescente com a devida proteção às crianças. Somente assim haverá um
movimento antivacina, assim nomeado no Brasil, possui contorno cenário positivo para iniciar um novo ano letivo, em que todos
diferente daquele observado em outros países. Trata-se aqui de um estejam protegidos, inclusive a população adulta, que volta a
receio seletivo para a vacina contra a Covid-19. Mais do que nunca, trabalhar de forma mais intensa para atender a esta demanda
cabe o devido esclarecimento à sociedade civil, com linguagem presencial, em serviços como o comércio e o transporte público.
simples e acessível sobre a importância, efetividade e segurança Curiosamente, é crescente o número de relatos sobre o desejo das
das vacinas, envolvendo a responsabilidade de todos os níveis de próprias crianças em tomar a vacina6. A urgência, nesse momento, é
gestão da saúde no país (federal, estadual e municipal). Agências por acelerar a distribuição de vacinas para todas as Unidades da
de saúde de vários países continuam afirmando que as vacinas são Federação e o fortalecimento de uma rede colaborativa que faça os
seguras e que o número de eventos relatados é pequeno frente aos esclarecimentos necessários junto à população, diante do vácuo
milhões de doses que já foram aplicadas nessa faixa etária. Desse criado pela ausência de campanhas que assegurem às famílias os
modo, os benefícios ultrapassam os riscos e os pais e responsáveis benefícios individuais e coletivos da vacina para as crianças.

5. https://portal.fiocruz.br/documento/boletim-covid-balanco-de-2-anos-da-pandemia
6. https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2022/01/criancas-relatam-alegria-em-tomar-vacina-contra-covid-para-rever-amigos.shtml

EXPEDIENTE | Boletim Observatório Covid-19 é uma publicação do Observatório Covid-19 /Fiocruz


Presidente: Nísia Trindade Lima • Assessoria de Relações Institucionais: Valcler Rangel Fernandes • Observatório Covid-19: Carlos Machado de Freitas, Christovam
Barcellos, Daniel Antunes Maciel Villela, Gustavo Corrêa Matta, Lenice Costa Reis, Margareth Crisóstomo Portela, Diego Ricardo Xavier, Raphael Guimarães, Raphael
de Freitas Saldanha, Isadora Vida Mefano • Coordenação de Comunicação Social - Coordenação: Elisa Andries • Edição: Camile Duque Estrada • Revisão: Gustavo
Mendelsohn de Carvalho • Edição de Arte: Guto Mesquita • Projeto gráfico: Airton Santos

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