NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. A metodologia da pesquisa no direito e Jacques
Derrida. In. PAMPLONA FILHO, Rodolfo; CERQUEIRA, Nelson. Metodologia da pesquisa em Direito e a Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2011. Informações dos autores: Pedro Henrique Pedrosa Nogueira é Pós-doutor (UFPE), Doutor (UFBA) e Mestre em Direito (UFAL). Professor associado (graduação e mestrado) de Direito Processual Civil na Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Membro fundador da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo (ANNEP), do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e do Instituto Iberoamericano de Direito Processual. Advogado e consultor jurídico. Breve resumo da obra: O autor do trabalho trata da vida, em breve resumo, e principais conceitos ligados ao filósofo Jacques Derrida, explicando, inclusive, que alguns fatos biográficos na vida do filósofo argelino (principalmente o antissemitismo) influenciaram a sua obra e pensamento. Os principais conceitos filosóficos ligados a tal filósofo, conforme o autor do trabalho, fazem referência à “desconstrução” e assim ao “método da desconstrução”, apresentado pelo autor do trabalho através dos conceitos de “escritura” e “différence”, este último genuinamente um conceito derridiano. Ao final, o autor do trabalho procurou demonstrar a aplicação do “método desconstrutivista” na pesquisa do direito, principalmente com relação ao direito e à justiça, temas abordados pela obra de Jacques Derrida. Para tanto, inicia o autor explicando que a filosofia derridiana é considerada de difícil compreensão, em razão da complexidade dos próprios argumentos e conceitos, uma vez que não se trata de sistema filosófico “acabado”, no sentido de que seus termos não são exatamente sempre definidos univocamente na vasta obra, além de sua escrita difícil, utilizando comumente formulações paradoxais, uso de neologismos e vários jogos de palavras. Com efeito, Jacques Derrida notabilizou-se por criticar certos aspectos da tradição ocidental de pensamento. Entre eles, o autor destaca o conceito de “escritura”, que estava “situada num papel subordinado à fala, que habitualmente era associação à razão e à racionalidade”, logo poderíamos dizer que a “escritura” seria uma expressão racional e mais próxima, por meio de tecnologia auxiliar, da “verdade interior da consciência individual”, porém não essencial a ela. Jacques Derrida, conforme o autor concorda parcialmente com tal conceito, mas o altera, embora considere que a “escritura ocupe um papel central”, em que a fala em si pode ter uma função até desprezível: “o que se denomina o sujeito falante já não é aquele mesmo ou só aquele que fala. Descobre-se numa irredutível secundariedade, origem sempre já furtada a partir de um campo organizado da palavra no qual procura em vão um lugar que sempre falta. Este campo organizado não é apenas o que certas teorias da psique ou do fato linguístico poderiam descrever. É em primeiro lugar – mas sem que isso queira dizer outra coisa – o campo cultural onde devo ir buscar as minhas palavras e a minha sintaxe, campo histórico no qual devo ler ao escrever”. O autor afirma que tal pensamento transforma a filosofia derridiana em pós- estruturalista, pois para Ferdinand Saussure, pai do estruturalismo, a “escritura” funcionaria como “mera representação da fala”, o que é rompido por Jacques Derrida, que não diferencia a fala da “escritura” em termos absolutos, já que em certos aspectos ontológicos ambos se confundem numa unidade funcional e bidirecional recíproca. Em segundo momento, o autor tenta abordar o complexo conceito de “différance”, um importante neologismo (de impossível tradução para a língua portuguesa) criado por Derrida para qualificar e conceituar escritura como diferença e “différance” (algo próximo do adiamento), o que não é explicado suficientemente pelo autor. A linguagem no pensamento derridiano desempenha papel importante, mas se afasta de hermenêuticas baseadas e referenciadas em valores verdade e errado, embora não se considere relativista, porquanto não nega o conceito de verdade (sem o caráter racionalista- cartesiano), mas que se constrói no discurso científico, “trata-se evidentemente de uma objetividade garantida pela discussão, pela comunidade científica, pelos protocolos de interpretação”, conforme Derrida. Isto é, para o filósofo argelino não existe significado que possua valor absoluto e último, logo nega a transcendência para tanto, pois, mantendo a crítica ao pensamento ocidental, afirma que tal deriva do “logocentrismo”, “um sistema de oposições binárias de conceitos, no qual secularmente um dos termos seria valorizado em detrimento de outro”. Para Derrida, “Tudo o que existe é energia em constante movimento, e tudo o que percebemos dessa realidade está submetido ao efeito “différance”. Após, o autor do texto passa a explicar o “método” da desconstrução, o qual, muito ligado aos conceitos derradianos, surgiu inicialmente na crítica literária, como nova forma de interpretação de textos literários. O “método” desconstrutivista subverteu o estruturalismo, pois assume que os significados são estruturas não estáveis, não universais e “a-históricas”, tanto que na Europa foi considerado “uma resposta ao estruturalismo”. A desconstrução não é exatamente um método, mas uma atividade, já que o próprio Derrida assim nunca a considerou e sequer estabeleceu princípios e critérios metodológicos. Trata- se, assim, de atividade não exatamente direcionada a derruir sistemas filosóficos oponentes, na medida em que resultou dos próprios conceitos e técnicas argumentativas do filósofo argelino que, “desvela os reflexos conceituais e argumentativos, as sequências e associações de ideias que precedem e condicionem o pensamento”, constatava certas contradições e incoerências, em postura de “diálogo crítico”. O exemplo da aguçada crítica derridiana à divisão dicotômica de Lévi-Straus entre natureza e cultura, pertencente àquela “tudo o que é universal e espontâneo, não dependendo de nenhuma cultura particular nem de nenhuma norma determinada, e a esta, “o que depende de um sistema de normas regulando a sociedade e podendo portanto variar uma estrutura social para outra” traduz a desconstrução. Jacques Derrida argumentou o incesto como um escândalo “proibido universalmente” que desafia “sistema de normas e de interditos”, logo elemento natural e cultural simultâneo e contraditório, não mutuamente excludente, como pretendia Lévi- Strauss. A desconstrução traz “a despeito da aparente contradição, a construção de algo”, inclusive, em nível infinito; o resultado da desconstrução também pode ser desconstruído, motivo pelo qual argumenta não se estabelecer identidade entre “desconstrução” e destruição, pois constrói aporias e novas respostas, as quais nunca serão “definitivas, totalizantes e universais” em perspectiva criada também pela própria “différance”. O “direito é essencialmente desconstrutível” para Jacques Derrida, ao admitir que, “É aliás normal, previsível, desejável que pesquisas de estilo desconstrutivo desemboquem numa problemática do direito, da lei e da justiça. Seria mesmo o seu lugar próprio, se algo como tal existisse”, sendo possível assim tal estratégia interpretativa ser aplicada em textos jurídicos em geral. O paradoxo derridiano que enxerga justamente na estrutura do direito ou da justiça algo desconstrutível que garante a possibilidade da desconstrução “não é um infelicidade”, garante Derrida, pelo contrário, instrumentaliza a mutabilidade necessária em progresso histórico do direito, cuja autoridade se fundamenta no “apelo à crença” de forma que o “fundamento místico da autoridade” possibilita (“figura como uma porta aberta”) a desconstrução. Portanto, para o autor do trabalho, o “método” desconstrutivista pode ser aplicado na ciência do direito, chegando a cogitar no antigo porém sempre atual debate hermenêutico, como a polêmica entre os objetivistas (mens legis) e subjetivistas (mens legislatoris), na polissemia das normas (cláusulas gerais, conceitos jurídicos indeterminados) e nos próprios termos (signos linguísticos), que propiciam ambiente propício a partir da “virada linguistica” para a atividade judicial encarada como criativa e produtora do direito, cuja interpretação seria assim uma atividade desconstrutiva por meio da “différance”. Por fim, o autor do trabalho concluiu afirmando que o método “desconstrutivista” na pesquisa jurídica tem aplicação hermenêutica justamente na postura de negar pretensão determinante de alcançar a verdade em razão da própria “différance”, que traz a desconstrução como identificação do próprio objeto, isto é, o fenômeno da justiça nunca como expressão unívoca de respostas em termos ontológicos. Citações literais do texto: Páginas Cópia literal do texto: Palavras-chave p. 329 O logocentrismo metafísico, segundo Derrida, basear- logocentrismo se-ia em um sistema de oposições binárias de conceitos, no qual secularmente um dos termos seria valorizado em detrimento de outro (v.g., causa-efeito, presença- -ausência, centro-periferia, positivo- negativo, essência-aparência, natureza- -cultura, fala- escrita etc.). p.330 O desconstrutivismo tornou-se associado a outras tendências, como a “teoria da resposta do leitor”, que acredita que o significado de um texto é produzido através do processo do leitor de enfrentá-lo. Na Estruturalismo e Europa, foi entendido como uma resposta ao desconstrutuvismo estruturalismo. O estruturalismo preconiza que o como resposta ao pensamento individual é formado pelas estruturas estruturalismo linguísticas, negando a relativa autonomia dos assuntos na determinação de significados culturais. De fato, o assunto é dissolvido em largas forças de cultura. O desconstrutivismo ataca a assunção de que essas estruturas sejam estáveis, universais ou a-históricas p.330 A desconstrução parece aproximar-se muito mais de uma atividade do que de um autêntico “método”, com Atividade regras preestabelecidas para sua aplicação. O próprio desconstrutivista Derrida, em sua obra, não buscou apresentar ou sistematizar princípios da desconstrução, o que parece revelar a impossibilidade de se tratá-la metodicamente. p.331 A desconstrução traz consigo, a despeito da aparente contradição, a construção de algo, daí não se poder Paradoxo do método estabelecer qualquer assimilação, no pensamento descontrutivista derridiano, entre a atividade de desconstruir e a simples “destruição” p.332 Note-se que na técnica de leitura desconstrutiva não se perquire um sentido “implícito” no texto como se ele Significantes da (texto) estivesse passível de ser objetivamente escritura controlado. Até mesmo a “intenção do autor” fica sempre dissolvida no jogo da “différance” dos significantes da escritura. Daí por que, conforme observado por Johnson29, existe uma tendência de descontextualizar a desconstrução, apresentando-a como um modelo de análise crítica, separado da teoria derridiana da “escritura”. No entanto, o “desconstruir”, em Derrida, não pode ser segregado da noção de “différance”. p.332 A desconstrução, enquanto estratégia interpretativa, pode ser utilizada na análise de textos jurídico- Estratégia positivos, textos doutrinários, que funcionam como interpretativa metalinguagem do discurso oficial (jurídico-positivo) e de textos jurisprudenciais. p.333 O surgimento do direito, no momento último de sua instituição, implica uma força performativa e um apelo à crença. Isso seria o fundamento místico da Fundamento místico autoridade32, que acaba por figurar como uma porta da autoridade aberta à desconstrução, especialmente no que diz respeito à justiça do direito (ao caráter justo das leis impostas pela autoridade). p.333 É factível o transporte dessas noções para o manejo da interpretação do direito em seus diferentes níveis de linguagem-objeto (o direito positivo) e de metalinguagem metalinguagem (outra camada de linguagem que fala sobre a linguagem- -objeto). p.335 O direito, na visão de Derrida, apesar da ambiguidade do termo, pode ser diferenciado da justiça. O direito, nessa visão, é tomando no sentido de regra, elemento Justiça e direito de cálculo, como força autorizada; já a justiça significa o incalculável. p.336 A “desconstrução” no direito se converte na possibilidade de realização da justiça (entendida como Justiça e aporia). A justiça, por isso, nessa perspectiva, termina desconstrução por se confundir com a própria desconstrução. Comentários pessoais: Jacques Derrida, ao que parece, adota o conceito de inconstância e eterno movimento de Heráclito (pré-socrático) para fundamentar a base de seus conceitos, principalmente quando afirma “Tudo o que existe é energia em constante movimento, e tudo o que percebemos dessa realidade está submetido ao efeito “différance”. Esse parece ser o princípio de seu pensamento, pelo menos nesta obra analisada pelo autor. Assim, a “différance” de Derrida, por exemplo, pode ser considerada como derivada desse conceito de movimento de Heráclito? Ou poderia ser algo mais próximo do devir? O próprio autor do texto explica o conceito de “différance” de forma aparentemente insuficiente... A movimentação de natureza funcional e de mútua influência entre “escritura” e fala como expressão da verdade individual de Derridá pode impossibilitar a aplicação da atividade desconstrutivista como método hermenêutico, já que identifica significante (letras, símbolos) e significado (ideias representadas na mente) em termos poucos exatos, ao contrariar o próprio estruturalismo de Saussure. Ao que parece Derrida nega o modelo gnosiológico sujeito-objeto empirista/positivista, proposto ou adotado pelo estruturalismo de Saussure, pois identifica “escritura” (algo como significante) e fala (algo como significado) quase como uma unidade de efeitos recíprocos, em sua gênese, mas não nos seus rastros, logo se desidentificam em determinado momento e tal pode fazer perder sempre a sua originalidade frente à fala do indivíduo, já que este também está sempre em constante mudança também. O logocentrismo de Derrida trata-se de conceito atualizadíssimo para a crítica do pensamento positivista e cartesiano atualmente, ao que parece. “Meta desconstrutivismo?”: a própria funcionalidade de desconstrução de Derrida pode ser utilizada “contra” a sua obra, já que também incorre em contradições, conforme o autor, o que pode resultar em lógica circular e inválida, resistindo na parte em que resulta em nova construção (“meta paradoxo da construção?”). A desconstrução, mesmo que assim não fosse, é uma atividade que resulta ou se origina de uma movimentação de significados (ideias representadas na mente) e verdades, logo tal inconstância não permitiria a construção de um método (o que é desconstrução sempre vai mudar), mas talvez a construção de uma postura frente a estruturas de signos ou significantes (letras, símbolos), na busca de um valor moral a ser atingido: a verdade, mesmo que mutável (portanto, a “desconstrução” trata-se de conceito ético/moral em concepção utilitarista). Tal concepção utilitarista da desconstrução como método hermenêutico amolda-se ao pensamento de Boaventura de Souza Santos, que refere “A epistemologia é uma falsidade, mas que é verdadeira em sua falsidade”, disse o autor. Em outras palavras, a epistemologia é uma “utopia” necessária na ciência, a epistemologia mira um ideal impossível de ser alcançado, em razão de sua limitações, mas funciona como direcionamento e orientação ao raciocínio científico em busca da legitimidade da verdade científica. A epistemologia mantém consciência de suas limitações dos meios e da sua “ilimitação” de objetivos. Nome do aluno: Francisco Saldanha Lauenstein