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XXII

Entrevista em Palo Alto - II

Numa coisa Meg estava quase certa: Sucre não ficava no fim do mundo, mas talvez
por pouco. O voo de São Paulo parou em Bogotá, seguiu para Cartagena e dali, um carro o
esperava para uma viagem de quase 3 horas até a cidade de Chucre (“la misma estrada
hace 60 años”, disse o motorista), onde se encontrou diretamente com o comitê
organizador, composto por prefeito, locutor e dono da Rádio abre parentes a mesma
pessoa), e uma espécie de líder comunitário de Palo Alto, uma região da cidade onde a
rádio estava instalada. O trio o cumprimentou com largos sorrisos e um espanhol manso. O
escritor praticamente não deu palavra, mas conseguia compreender perfeitamente tudo o
que diziam.

A partir dali, ignoraram qualquer cansaço de viagem do escritor e fizeram um


pequeno “tour” a pé pelos arredores do centro da cidade. O prefeito em especial era
frequentemente cumprimentado. Eventualmente jovens moças e rapazes davam bom dia
para o escritor e lhe pedia autógrafo, perguntando se ele falaria mesmo as 20H. O prefeito
respondia por ele. Era 14H e o escritor estava faminto, cansado e suava muito, o sol a pino,
quando o levaram com orgulho a um restaurante simples, onde se servia a comida típica
dali, a bandeja paisa: ovo frito, arroz, arepas (panquequinhas de farinha de milho) e
patacones (banana-da-terra frita), linguiças diversas, feijão, abacate e torresmo. Ao gosto
do escritor uma delícia, já não comia algo substancial assim há anos - especialmente depois
de Maggie adotar para os dois uma dieta saudável, de nutricionista (“linguiça, torresmo?
nem pensar!”). O dono da rádio arriscou um portuñol. “Vou ser su tradutor hoxe”, disse,
sempre sorrindo. Disputavam ele e o prefeito alguma atenção. O lider comunitário, porém,
nada dizia, apenas com os olhos, que fitavam o escritor como se soubessem mais, e
tivessem a lhe dizer da alma. Era um mistério a ocorrer em meio ao ruído dos outros dois e
de todo o entorno. Até ali, a única palavra que dissera foi: “Gabriel Orozco”, quando apertou
sua mão no cumprimento de apresentação. Era um homem baixo, de um tipo mais para
indígena, especialmente o cabelo muito preto, liso, grosso, cheio e brilhante. Mas as
misturas estavam ali: um nariz alargado e uma cor que beirava ouro. O menor dos traços
era algo de branco, que não era possível perceber. Naquele diz, vestia calça de brim
cinzenta e camisa social cor de carne, com as mangas dobradas a 3/4. Aliás, esse era o
padrão de indumentária masculino dali. Todos em calça jeans ou em brim e camisas sociais
dobradas. Alguns usavam chapeu em mais de uma variação do Panamá - o que entre o trio,
apenas o locutor portava um desses - possivelmente para proteger sua careca lisa e
manchada. Reparar nisto e naquilo atraia tanto o escritor, que por todo o tempo, conseguiu
só pensar no presente. Quando, porém, o prefeito finalmente decretou que Señor
Mascareñas estava cansado e deveria ser levado ao hotel onde descansaria para logo
mais, o escritor sentiu um grande alívio. O quarto do hotel era simples, mas funcional.
Assim que foi deixado ali sozinho, deitou-se na cama para esticar as pernas, e por um breve
minuto repassou o que vivera desde que chegou a Sucre. Em seguida, pegou seu
dispositivo móvel e ligou para Maggie. Uma parte dele sentia saudades, a outra previa uma
recepção ruim. Como a parte pessimista venceu, não tardou a desligar, monossilábico. Foi
para o banho, um bom banho quente, de fato esse do hotel, e em seguida, ainda úmido sob
o roupão, deitou-se e adormeceu, até que o interfone tocasse. Era o locutor:
- Hola Señor Mascareñas, vamos pasar no hotel a las siete y media para irmos a
biblioteca. Están todos muito animados em escuchar-te!

Eram 19H, de modo que foi o tempo de vestir-se.

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