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Módulo: AVALIAÇÃO
Prof. Francisco Rogerio de Oliveira Bonatto
Por muito tempo foi prática comum entre professores acrescentar à correção dos
erros dos alunos alguns castigos físicos (reguadas, o uso da palmatória) ou morais (colocar
o aluno em pé, diante de toda a classe ou portando um chapéu com orelhas de burro, etc.).
Qualquer erro era tido como falta inadmissível e por isso a ele se seguia
inevitavelmente o castigo. Luckesi (1998) afirma que a razão do castigo está na concepção
de que as condutas dos alunos que não correspondem ao padrão preestabelecido devem ser
castigadas por indicarem a ausência de conformação do indivíduo às normas, ao
conhecimento e aos valores estabelecidos. Enfim, o erro no contexto escolar é
compreendido de maneira similar à do pecado, na visão cristã. Por isso deve ser expiado. À
falta corresponde uma pena que deve ser paga em benefício da justiça retributiva.
Assim, para o aluno, o erro ou o perigo de errar era sempre acompanhado pelo medo
e, principalmente, se cometia erro, este era acompanhado pela culpa. Hoje não se concebe
nem se admite o tratamento do erro por meio de castigos tanto físicos como morais. Porém,
parece que permanece enraizada na nossa cultura escolar uma concepção de erro como
falta, como algo que não deveria ter ocorrido, algo inadmissível no percurso do aluno.
Repercussões dessa concepção e erro como falta são vislumbrados na prática de
muitos professores que, na correção das provas, por exemplo, prestam atenção e valorizam
tão somente os acertos dos alunos, não procurando indagar em que erraram e por que
erraram na resposta a algumas questões. Essa concepção de erro, entretanto, também se
reflete na prática dos próprios alunos, inclusive dos que chegam ao ensino superior. Com
freqüência, encontramos alunos que, ao receberem provas e trabalhos corrigidos, se não
alcançaram a pontuação necessária, vêm discutir notas e não os critérios de correção ou o
motivo do erro assinalado. Para muitos os erros não são importantes. E mesmo os que
atingiram pontuação suficiente; parecem que respiram aliviados por terem conseguido
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Curso de Extensão de Capacitação didática para professores do Campus Poços de Caldas
Módulo: AVALIAÇÃO
Texto: Aprendizagem, erro e avaliação
passar (têm o número de acertos suficientes) e, portanto, as respostas erradas não merecem
consideração; devem ser esquecidas, são falhas, quedas, geram culpa; então, vamos
remover ou reprimir esta culpa deixando esses erros de lado.
Os estudos de Jean Piaget sobre o desenvolvimento da inteligência
redimensionaram a questão do erro no contexto do processo de construção do
conhecimento. Entretanto, muitas leituras pedagógicas da teoria piagetiana acabaram por
sobrevalorizar o erro a ponto de, até mesmo, condenar qualquer ação do professor no
sentido de corrigi-lo em respeito ao aluno. A partir da reflexão de De la Taille (1997),
vamos procurar analisar a questão do erro no contexto da aprendizagem e as possíveis
intervenções que devem ser empreendidas pelos educadores no sentido de ajudar os alunos
a se apropriarem do conhecimento.
2 ASSIMILAÇÃO E INTERPRETAÇÃO
3 ERRO E APRENDIZAGEM
E, em nota, continua:
O mesmo exemplo pode ser dado com adultos: a maioria deles, se escolarizados,
entende o conceito de raiz quadrada, mas desconhece como extraí-la (a não ser com
uma máquina de calcular); a dificuldade em extrair uma raiz quadrada é bem
diferente daquela de entender do que se trata, de ter o conceito de raiz quadrada.
la Taille, cita o próprio Piaget∗ para apresentar a definição de acomodação: “todo esquema
de assimilação é obrigado a se acomodar aos elementos que ele assimila, isto é, de
modificar-se em função de suas particularidades, mas sem perder sua continuidade nem
seus poderes superiores de assimilação”.
Um exemplo de acomodação seria o de um aluno que estuda alavancas, em física.
Aprende que quanto maior o braço da força potente, menor é o esforço exercido para mover
determinada força resistente. Tempos depois, encontra-se na ocasião de ter que trocar o
pneu furado de um carro. Tenta, com a chave, afrouxar os parafusos que prendem a roda.
Como estão muito apertados, não o consegue. Olha, então para o lado e vê um pedaço de
cano de metal. Então, encaixa-o na chave e consegue afrouxar os parafusos porque
multiplicou a força exercida sobre a barra da chave.
∗
PIAGET, Jean. L’équilibration des structures cognitives: problème central du développement. Paris:
PUF, 1975, p. 13.
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Módulo: AVALIAÇÃO
Texto: Aprendizagem, erro e avaliação
Podemos dizer, então, que o erro só terá valor do ponto de vista pedagógico quando
for percebido pelo aluno seu componente perturbador.
Portanto, além da atividade de ensinar, de propor informações novas e explicá-las, o
professor, como elemento da realidade do aluno, tem como função importante a de colocar
em conflito o nível de compreensão a que chegou o aluno. Isto para ajudá-lo a observar a
qualidade do seu erro, perceber em que, por que errou e ser estimulado a regular sua
aprendizagem buscando a ação correta para superá-lo. O aluno não precisa saber somente
que errou, mas deve ter elementos para avaliar a qualidade do seu erro.
É preciso não esquecer também que a questão da aprendizagem não está relacionada
somente aos aspectos racionais. Quando aprendemos, assim como quando ensinamos,
empenhamos todas as dimensões de nossa personalidade. Assim, a atividade de aprender
envolve igualmente os aspectos emocionais. A estes estão ligados os interesses em
aprender, em superar os erros, em ampliar o processo de organização do conhecimento num
determinado sentido.
De la Taille destaca quatro situações de aprendizagem que revelam a influência do
componente emocional no processo de aprender:
Situação 3: o sujeito começa a perceber erros que comete, mas, de pronto, os nega,
isto é, convence-se de que não existem ou são desprezíveis. Houve um
desequilíbrio momentâneo, mas rapidamente “esquecido”... Vê-se que, aqui, o erro
(ou a lacuna) deixa de ser uma perturbação (e, portanto, deixa de ser desencadeador
de regulação) porque o sujeito – que, por algum motivo afetivo, não suporta a idéia
de que está errando – permanece pensando que está acertando... Um belo exemplo
é o do preconceito...
Situação 4: o sujeito nem começa a perceber o erro, de tão convicto que está do
valor de suas idéias. Trata-se do que Freud chamava de ilusão: uma idéia que
deriva dos desejos do sujeito*. Nesse caso, também não há desequilíbrio e,
portanto, não há a necessidade para o sujeito de uma readaptação.
* Freud acrescentava que uma ilusão pode até ser correta (não ser um erro): mas,
mesmo assim, deriva não de uma demonstração racional, mas sim de uma
afirmação motivada pelos desejos...
4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LUCKESI, Cipriano C. Prática escolar: do erro como fonte de castigo ao erro como fonte
de virtude. In: LUCKESI, Cipriano C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e
proposições. 8. ed. São Paulo: Cortez, 1998. cap. 3, p. 48-59.