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e orientação ética.
Colaboradores:
Thaís Spínola Afonseca – Lic. em Artes Plásticas – Bolsista PIBC CNPq/UFRJ
Flavia Hargreaves - Egressa – Licenciada em Artes Plásticas
Mariana Cunha Nobre - Lic. em Artes Plásticas
Isabelle Ribeiro Coutinho - Lic. em Artes Plásticas
Isis de Souza Rodrigues- Lic. em Artes Plásticas
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 03
2. SOBRE A TEORIA QUE ALIMENTOU NOSSA CURIOSIDADE ........................... 06
3. DA CURIOSIDADE INTELECTUAL À INTERLOCUÇÃO COM O CAMPO E
OUTROS AUTORES: JUSTIFICATIVAS PARA ALGUNS PRESSUPOSTOS .......... 12
4. A CURIOSIDADE EM AÇÃO: A PESQUISA GERA MÉTODO E
CONHECIMENTO ............................................................................................................... 18
5. PRIMEIRAS IMPRESSÕES: GRUPO FOCAL E AJUSTE DE PESQUISA ............ 28
6. O CURRÍCULO DE ARTES VISUAIS DO COLÉGIO DE APLICAÇÃO DA UFRJ:
SEUS DISCURSOS, VALORES E ORIENTAÇÃO ÉTICA: ANÁLISE DE DADOS .. 36
6.1 Dados numéricos gerados na pesquisa e premissas gerais ........................................... 36
6.1.1 Segundo ano do ensino fundamental ........................................................................... 37
6.1.2 Segundo ano do ensino medio ....................................................................................... 41
6.1.3 Professores A e B ........................................................................................................... 44
7. O CURRÍCULO DE ARTES VISUAIS DO COLÉGIO DE APLICAÇÃO DA UFRJ:
SEUS DISCURSOS, VALORES E ORIENTAÇÃO ÉTICA: ANÁLISE DE
ARGUMENTOS ..................................................................................................................... 47
7.1 Muro de Berlim................................................................................................................. 47
7.2 Sagrada Família, de Michelângelo .................................................................................. 55
7.3 Doze Meses, de Cadu ........................................................................................................ 61
7.4 Imagem da Festa Junina em uma Escola ....................................................................... 68
7.5 A Fonte, de Marcel Duchamp .......................................................................................... 75
7.6 Imagem de Desenho Infantil ............................................................................................ 81
7.7 Imagem de Tatuagem ....................................................................................................... 87
7.8 Imagem da Natureza ........................................................................................................ 92
7.9 Imagem de intervenção com pichação, de Augustaitz................................................... 96
7.10 Imagem Grupo de Maracatu, de Sueli do Caruaru .................................................. 105
8. CONCLUSÃO: NOVOS ACORDOS PROVISÓRIOS PARA A DISCUSSÃO DO
CURRÍCULO ESCOLAR ................................................................................................... 113
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 120
ANEXO I – Instrumento de pesquisa utilizado em 2005-2009 ......................................... 122
ANEXO II – Instrumento de coleta de dados da atual pesquisa (imagens utilizadas)... 124
ANEXO III – Relatório de produtividade .......................................................................... 136
3
1. INTRODUÇÃO
Essa pesquisa deu continuidade à tese de doutoramento intitulada "O Argumento do
Auditório: o que dizem os alunos sobre o ensino de arte em suas escolas?" (PENTEADO,
2009) e teve como objetivo analisar e compreender discursos de alunos de ensino básico a
respeito do objeto de estudos das artes visuais, analisando seus juízos de valor sobre esse
campo das artes. Observamos também as aproximações e distanciamentos de suas teses em
relação aos discursos de seus professores com vistas a pensar a possibilidade de incorporar ao
currículo da escola as contribuições trazidas pelos estudantes. Além disto, buscamos
investigar estratégias metodológicas de aproximação com os discursos de alunos com idades
menores e/ou mesmo não dominantes da lectoescritura.
Na tese de doutoramento foi possível avaliar que os alunos trazem contribuições de
conteúdos a serem inseridos nos currículos que, em muitos casos, partem do precedente; ou
seja, de experiências que já tiverem no próprio ambiente escolar. Observamos, por exemplo,
que ao serem indagados sobre quais conteúdos gostariam estudar em artes e o porquê da
sugestão, parte das respostas significativas remetiam a experiências escolares realizadas, tais
como na resposta de um aluno de sexto ano de uma escola Municipal do Rio de Janeiro: "eu
sugeriria que tivesse aulas de pintura e queria que tivesse os ângulos, porque uma das escolas
que eu estudava (sic), falava muito sobre ângulos (sic)" (PENTEADO, 2009, pg 199). Em um
primeiro momento isso nos chamou a atenção em direção às formulações de Bourdieu (In
NOGUEIRA & CATÂNI, org., 2004) quando defende o ensino integral pelo viés da
possibilidade de submersão dos alunos de classes sociais desfavorecidas em uma ambiência
cultural característica das classes dominantes, sugerindo que a escola seria a instituição
privilegiada para esse processo de aculturamento. Entretanto, deparamos com um movimento
oposto (e paradoxal, se admitíssemos sem maior problematização a premissa bourdieuana)
que foi encontrar, justamente nas respostas dos alunos mais velhos, de oitavo ano, que estão
inseridos há mais tempo no ambiente escolar, sugestões que se distanciavam dos conteúdos
que vinham sendo aplicados em suas escolas, como podemos observar nas seguintes falas
(PENTEADO, 2009, pg 210 et seq.): "(sugiro) todos os que eu citei, e se houvesse condições
financeiras, cinema e fotografia também seria (sic) legal", que parte de um aluno que estudava
em uma escola que não inseria cinema nos conteúdos de arte. E: "eu já sugeri muitas vezes,
mas acho que não irá acontecer, pois tem grandes chances de resultar em problemas. Algo
ligado a grafitti, ou um (sic) aula sobre photoshop", que nos aponta o distanciamento entre os
conhecimentos do aluno e a pauta de estudos presente na escola.
4
para o fato da criança estar inserida em uma sociedade antes mesmo de encontrar-se, mais ou
menos, inserida na escola. Portanto, ao ser perpassada por sua cultura particular, ela já forma
uma bagagem e não nos interessa, aqui, julgar tal conhecimento a partir do binômio
igualdade/diferença e, muito menos, em termos de evolução, como desenvolveremos adiante;
mas, sim, como possibilidade de intercâmbio entre diferentes perspectivas que possam vir a
constituir a amalgama a partir da qual novos conhecimentos surgem nas relações escolares.
Notoriamente, fica-nos impossível problematizar as possibilidades de diálogo e debate
com os alunos a partir da visão evolutiva proposta por Perelman ao reduzir a questão ao
reconhecimento do momento no qual "a relação de autoridade deve ser progressivamente
substituída por uma relação de colaboração crítica".
Em segundo, os resultados da investigação nos apontaram as restrições da ferramenta
de questionário, mesmo quando aplicado aos alunos mais velhos, que, embora comportassem
solicitações do tipo "explique", "dê exemplos", etc, condenaram muitas das respostas a textos
descritivos e não argumentativos.
Em terceiro, no geral, a amplitude e variedade das respostas apontavam mais para um
"sem número" de categorias de possibilidades relativas a conteúdos específicos das artes
visuais, a serem catalogadas, do que a uma problematização entorno da questão da arte e à
possibilidade de pensarmos a disciplina a partir de uma fundamentação significante, senão
que como uma prática de fazeres para a qual não estava colocada uma justificativa.
Claramente, compreendemos isto como decorrente do tipo de questão que levantávamos, que
remetia às práticas artísticas realizadas por esses alunos no ambiente escolar1.
Deste modo, na atual pesquisa, que contou com apoio FAPERJ INST e bolsa PIBIC
CNPq-UFRJ, buscamos aprofundar essas questões, dando continuidade ao problema central
de nossos estudos nos últimos anos que visa pensar as relações de poder entre os sujeitos
escolares e, mais especificamente, as possibilidades de empoderamento dos alunos através de
sua participação nas propostas norteadoras dos currículos das disciplinas.
No texto que segue retomaremos brevemente alguns princípios filosóficos e formais
da teoria da Nova Retórica que tem nos despertado questões no campo da educação. A seguir
apresentaremos, mais detalhadamente, alguns pressupostos que orientam nosso olhar e nossas
análises e que, entendemos, nos ajudam a justificar o empreendimento desta investigação.
Depois apresentaremos a delimitação deste estudo, bem como as questões metodológicas
1O questionário utilizado na pesquisa "O Argumento do Auditório: o que dizem os alunos sobre o ensino de arte
em suas escolas?" encontra-se no Anexo I deste relatório.
6
enfrentadas e a forma como foram encaminhadas. Por fim, apresentamos as teses dos alunos e
professores pesquisados e nossas conclusões até o presente.
2Estudo das técnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se lhes
apresentam para o assentimento. (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 2002, p. 4)
7
longo prazos (PERELMAN, 1999, p. 39). Embora sob um primeiro olhar possa
parecer que eles entendam o discurso educativo como discurso puramente oratório e
estilístico, além de apenas expositivo, por resgatar sua ligação com o gênero
epidíctico, é importante lembrar que compreender este gênero como mais ligado à
literatura do que à argumentação, desagregando-o da filosofia, resulta de sua
comparação à sofística e aos discursos educativos de Górgias, historicamente
criticados em nossa cultura (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 2002, p. 53-
57) e que destoam da interpretação de nossos autores.
Considero uma importante contribuição pensar o discurso educativo com uma
finalidade não imediata, mas cujo objetivo seja o de desenvolver predisposições para
uma ação almejada que vise à construção do bem comum. Porém, é inevitável
considerar que o gênero epidíctico pressupõe primeiramente que o orador já saiba de
antemão quais valores, noções e teses merecerão adesão; em segundo que se discurse
de modo expositivo sobre o assunto, presumindo que já há um acordo entre orador e
auditório. Embora Perelman coloque que a finalidade do discurso não deva ser a
exaltação do próprio orador, é possível imaginar, na prática das salas de aula, o
distanciamento deste professor em relação a seus alunos, visto que os temas estão
decididos e a apresentação destes centra-se no docente. Porém, por mais discursivo
que seja, o gênero epidíctico não deveria necessariamente desdenhar as opiniões
vindas do auditório, mas sim buscar acordos, ainda que seu exercício não pressuponha
a interlocução com o outro, pois é razoável antever situações em que venha a se tornar
um discurso para ninguém.
O objetivo da educação ao invés de ser o de inculcar valores e normas nos
espíritos dos alunos, poderia ser o de debater, dialogar, deliberar, enfrentar e construir
esses valores. Sugiro, portanto, que a educação contemporânea utilize os três gêneros
argumentativos em diferentes situações. Se é possível imaginar que o professor
prepare um tema de seu interesse e o exponha aos alunos, no desejo de reforçar sua
adesão prévia (gênero epidíctico), é possível igualmente antever situações em que os
alunos se manifestem abertamente quanto às noções e valores colocados, julgando-os
apropriados ou inapropriados (gênero judiciário) e também que deliberem sobre esses
valores e normatizações, propondo, muitas vezes, outros encaminhamentos para o
tema ou mesmo para um curso inteiro (gênero deliberativo)" (PENTEADO, 2009, p
72-74) .
Deste modo, o acordo, mais do que simples ponto de partida para um debate, é o
dispositivo em si que assegura a necessidade de interlocução com o auditório desde escolha
inicial dos dados que compõem as premissas e que são, então, comungados.
Essa escolha dos dados que servirão à argumentação é fruto de uma seleção que o
orador realiza em um universo de possibilidades que envolve, além dos próprios dados, o uso
de noções e conceitos que também respondem a seus interesses. É necessário que essa escolha
e que a interpretação dada às noções e conceitos fiquem claros para o auditório para que o
orador não arrisque defender uma tese sem, nem mesmo, ser compreendido em suas
argumentações. Também caberá ao orador organizar o tempo utilizado no uso de seus
argumentos para que tenha atenção do auditório, apresentar e reforçar a presença das
premissas e as noções utilizadas, demonstrar sua intenção argumentativa pela eleição das
formas verbais e do modo pelo qual fará a exposição de seu pensamento.
Quanto ao logos, parte mais extensa da teoria perelmaniana, representa o uso
específico das técnicas argumentativas. Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2002),
podem-se identificar, quanto à forma, alguns tipos distintos de argumentos que delineiam uma
ampla possibilidade argumentativa: a) os argumentos quase-lógicos que, embora não
apresentem uma estrutura lógico-formal, têm como força persuasiva a aproximação ora com o
raciocínio formal (relações entre conceitos de contradição/incompatibilidade,
identidade/definição, analiticidade, análise e tautologia) ora com as relações matemáticas
(argumentação em prol da reciprocidade, da transitividade, das relações parte/todo, da
comparação, das probabilidades, etc); b) os argumentos baseados na estrutura do real que
utilizam o real como modelo para garantir sua força persuasiva, seja por ligações de sucessão
que dão justificativa à argumentação (vínculos de causalidade, meio/fim, fato/consequência,
direção, etc), seja por ligações de coexistência (relações entre pessoa/ato, ruptura de
coexistências aceitas, relações entre grupo/membros, etc); c) os argumentos que promovem
ligações que fundam a estrutura do real, ao utilizarem o caso particular, a analogia e figuras
como a metáfora como fundamentação para o real; d) a dissociação de noções para
estabelecer novos modelos possíveis para o assunto em debate e e) os argumentos que têm
como recurso a própria interação dos argumentos, organizando-os por convergência,
estabelecendo ordenação que lhes garanta força, amplificando-os, etc.
Os estudos sobre as técnicas utilizadas na argumentação mostram que essas técnicas
argumentativas podem ser agrupadas em dois blocos: 1) argumentos de ligação que se
baseiam em processos que aproximam (ligam) elementos distintos para permitir que eles
sejam valorizados positiva ou negativamente uns em relação aos outros, de acordo com seu
10
máxima de tua vontade possa valer-te sempre como princípio de uma legislação universal".
Kant compreende, portanto, um princípio formal que seria capaz de regular toda a ação ética,
servindo-lhe, simultaneamente, de norma prescritiva. O estabelecimento de tais formas de
agir, resultantes da coincidência da vontade com o que estabelece a razão prática, configuraria
as regras éticas e morais válidas para todos os homens em todos os tempos e espaços.
Perelman vai se contrapor ao imperativo kantiano uma vez que compreende que toda a razão é
por si mesma permeada de valores sociais e históricos que orientam as teses defendidas. A
coerência interna que um sistema filosófico racional encerra não garante a universalização dos
valores oriundos de tal sistema, ainda que lhes confira legitimação, já que tais valores só
seriam válidos admitindo-se, incondicionalmente, suas premissas. Desse modo, ao pensarmos
um sistema racional como um sistema dialético, cuja validade depende da coerência interna
de seus termos, admitir a universalidade de tal sistema é incidir em uma petição de princípio3.
Portanto, se fosse possível estipular qual a vontade que pode ser universalizada pela razão,
teríamos de concordar que as normatizações sociais deveriam ser imutáveis. Uma vez que a
experiência da humanidade nos aponta para as diferenças dos códigos éticos/morais entre as
diversas sociedades, em seus diferentes tempos, só nos resta pensá-los como fruto de
processos argumentativos e retóricos:
Uma razão prática, que não se pretende apodíctica, mas simplesmente razoável, deve,
para não parecer despótica, abrir-se à discussão e ao diálogo. Assim como o regime
monárquico convém melhor para realizar as concepções de uma razão segura de suas
evidências, desprezando as opiniões daqueles que não se beneficiam dessas intuições
privilegiadas, o regime democrático da livre expressão de opiniões, da discussão de
todas as teses confrontadas, é o concomitante indispensável do uso da razão prática
simplesmente razoável (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 2002, p. 350).
3A petição de princípio ocorre quando uma tese que se pretende provar é tomada como princípio que a legitima.
No caso da ética kantiana tomam-se as próprias regras de conduta moral, fruto de uma elaboração racional, como
princípios que justificam a universalidade de tais regras.
12
formulações?) ou autoritários (alguns grupos determinam as normas para outros grupos, ainda
que tais normas se pretendam universais?).
É deste modo, propondo estabelecer a argumentação como processo de construção das
verdades provisórias que regulam as normas de convívio social, que nesse estudo particular,
referindo-nos às normas que estabelecem o currículo da escola, em qualquer âmbito e/ou
dimensão, o currículo torna-se uma maneira legítima de um ser democrático, e não de apenas
de um falar em democracia, desde que haja a garantia de acesso ao debate por todos os
envolvidos.
4 Perelman e Olbrechts-Tyteca compreendem como auditório o conjunto de pessoas ao qual se apresenta uma
tese para assentimento. Por sua vez, a tese é a proposição de uma verdade, ou solução, possível e provisória, que
envolve um conjunto de argumentos para resolver um conhecimento que não é demonstrativo, mas dialético,
distinguindo-se da concepção acadêmica de tese em stricto sensu.
13
justificam teses sobre a elaboração de currículos para o ensino das artes visuais dentro de uma
discussão que buscou investigar a cultura de poderes e de sujeitos de poder que legitimam tais
currículos, a partir da Teoria da Argumentação de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2002).
Ao observar o estudo do currículo no campo de estudos da retórica e da ética - aqui
definidos, partindo de uma acepção aristotélica-, a atitude ética será compreendida como
conjunto de regras sócio-históricas que cada sociedade discute e admite provisoriamente para
sua regulação, promovendo a adesão de todos os envolvidos, sem o que teríamos a imposição
de alguns sobre o silêncio de outros.
Ao propormos essa análise à luz do campo teórico da retórica e da argumentação
dialética de Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, em especial no Tratado da
Argumentação (2002), entendemos que dialética não é um princípio organizador de
macroestruturas que compreende o diálogo como uma ação apaziguadora e remissiva dos
sujeitos a verdades verdadeiras e metafísicas, como, por exemplo, aconteceria em uma
perspectiva platônica. O conceito de dialética do qual nos apropriamos admite o discurso
como prática criadora de significados que podem legitimar-se como reguladores sociais.
Refere-se aos processos de construção de conhecimentos que não são pautados em raciocínios
demonstrativos, nem no apoio a princípios primeiros e/ou naturais, e que, por isso, se formam
através da argumentação debatedora entre diferentes teses, o que é definido por Aristóteles
como raciocínio retórico.
Adotando o modelo do embate jurídico, nossos autores investigam modos pelos quais
os debates não se condenem a um continuum de opiniões justapostas, sobre as quais não é
possível deliberar. Neste sentido, dado o próprio modelo do qual partem, não apenas visam
uma interpretação significativa dos discursos, mas a compreensão das próprias possibilidades,
mais ou menos eficientes, de que a prática discursiva, uma vez em confronto, avance em suas
formulações. Na Teoria da Argumentação os autores defenderão que o debate, a partir de uma
filosofia prática, visa à adesão dos espíritos a uma tese consensual que contemple e busque
soluções provisórias – nunca serão absolutas, por seu caráter discursivo, mas se estabelecerão
pela necessidade de encaminhamento prático social, gerando instantaneamente novos debates
– para as questões que se apresentam na contemporaneidade.
No âmbito das práticas escolares, tal proposição nos impeliu a investigar
possibilidades concretas de inserir os discursos e interesses dos estudantes na construção das
normas escolares como condição essencial à democratização, bem como exercício legítimo de
cidadania que ultrapassa as fronteiras do ensinar eticamente, tocando as formas de ser ético.
15
5 O conceito de persuasão para Perelman é mais amplo que o conceito de convencimento. Para o autor, o
convencimento é possível em uma dimensão lógica racional, de modo que o convencido pode render-se á lógica
do discurso, mas isso não implica, necessariamente, a predisposição de seu espírito à adesão da tese de modo a
16
apenas defender sua verdade verdadeira sobre um conhecimento? Assim, reconhecer que o
objetivo da argumentação se renda à necessidade de aproximação com o auditório através da
apropriação de seus acordos, nos alerta para a necessidade da busca de um equilíbrio na
hierarquização gerada pelo binômio objeto do conhecimento/sujeito cognoscente, na qual,
normalmente, o sujeito tem menos valor do que o objeto de conhecimento. Além disto, ao
considerar que na contemporaneidade cada vez mais averiguamos que os objetos de
conhecimento, com exceção àqueles relativos aos conhecimentos formais e demonstrativos,
são construções discursivas e, assim, relativas, temos de convir que o próprio objeto de
conhecimento já é um acordo estabelecido a partir de uma verdade provisória, não fazendo
sentido defendê-lo como tese absoluta, sobretudo se sua defesa sobrepujar os questionamentos
sobre seu status e, consequentemente, o reconhecimento do acordo comum que deve envolver
todos aqueles que investigam o saber.
Defender a tese sobre um objeto de conhecimento como se ela (a tese) ou ele (o
objeto) representassem uma verdade verdadeira, não só seria uma tautologia, como poderia
gerar a falta de significado que tantos alunos do ensino básico reconhecem nas disciplinas que
estudam. Afinal, a resposta tautológica – "isto é importante porque isto é importante" – é um
argumento desprovido de significado razoável, pois se funda em uma premissa primeira (é
porque é) e não na busca do significado que se constrói nos usos do cotidiano. Equivale em
nossa área a dizer que é importante estudar a teoria das cores porque temos de conhecê-la,
ou, o que vemos mais amiúde, porque no futuro precisaremos saber isso. Na verdade, a
defesa tautológica, nesses casos pode estar camuflando a perda de significado de determinado
referente para o próprio professor, o que ocorre quando um acordo se mantém na sociedade
por força da inércia que se pauta no antecedente: sempre foi assim, então é assim. Neste caso,
o estudo da teoria das cores se justifica porque, simplesmente, ele faz parte de um corpo
teórico de saberes relacionado às disciplinas visuais que se mantém por anos como necessário
às artes e foi estudado pelo professor, constituindo-se em um discurso acadêmico
independentemente de estar, ou não, alijado de uma prática imediata cotidiana. A perda do
contato com a origem da formação de seu significado – que com certeza foi construído em
usos necessários a artistas – leva ao esvaziamento do significante e gera um signo (as cores)
cujo significado é desafetado6 e nos aparece como arbitrário. A remitificação do significado,
nos parece, dependeria de que mergulhássemos, novamente, nos seus usos significativos
modificar sua prática. Já a persuasão, mesmo que não promova uma modificação prática imediata, é uma
aderência do espírito à nova tese e predispõe o sujeito a uma nova prática.
6 Desprovido da possibilidade de evocar nossa afetividade, ou seja, uma experiência estética.
17
(DURAND, 1988. pgs 12 e 94). Como professores essa constituição de significados novos
deveria privilegiar uma experiência compartilhada com nossos alunos uma vez que a arte e a
experiência estética, mais do que serem um retrato visível dos valores de uma sociedade,
materializam e constituem as formas de viver, configurando-se em um modelo específico de
ser e pensar o mundo dos objetos (GEERTZ, 1997, pg 150). Pensamos que tal semiótica
compartilhada poderia beneficiar-se de conhecermos e compartilharmos os acordos de nossos
alunos a respeito das artes visuais.
De outra monta, não é possível saber quais valores e significados (acordos) o outro
tece sobre um objeto qualquer, a não ser que escutemos e reconheçamos o acordo de aonde
ele parte. Estabelecer acordos que envolvam os alunos expressa o compromisso de ouvir suas
premissas significativamente e admitir que elas apresentam um significado, sem que isso
exclua as premissas trazidas por nós professores que compomos o debate, possibilitando a
formulação de novos acordos que sejam significativos para todos. O objetivo do currículo
passa a ser o de debater, dialogar, deliberar, enfrentar e construir novos acordos sobre os
saberes e valores. Neste aspecto, Lopes e Macedo (2001) já nos indicam um caminho possível
ao proporem o currículo como uma cultura que tem suas especificidades. Adiantamo-nos aqui
a pensar também o currículo como formalização discursiva "autoral" criada pelo coletivo do
professor com seus alunos, o que nos obriga a uma oposição em relação a qualquer tipo de
currículo que exclua os membros que estão na sala de aula de sua confecção. Ao admitirmos o
currículo como cultura, somos impelidos a admitir o currículo como currículo autoral
coletivo e cuja autoria, por ser coletiva, remete à necessidade do estabelecimento de acordos
entre seus autores.
A segunda observação que temos enfrentado retoma as críticas ao psicologismo
escolar excessivo de meados do século XX, que denunciava o esvaziamento da razão
pedagógica da escola e o risco do ambiente escolar ser subjugado a uma espécie de tirania
infantojuvenil. Ora, quando propomos pensar, como categoria docente, a possibilidade de
construirmos, diretamente com nossos alunos, os currículos escolares, intencionamos o debate
que busca acordos para grupos (a turma e o professor) que norteiem um trabalho de equipe.
Gostaríamos, a título pensarmos a partir de uma imagem, de resgatar o termo regência para
lembrar que, não apenas o professor é parte da equipe, como é seu regente de modo que seu
lugar de autoridade não seja abalado pela abertura à argumentação. Se esta se propõe ao
debate e à deliberação, "é indispensável confiar a uma pessoa ou a um corpo constituído o
poder de tomar uma decisão reconhecida" (Perelman, 2005, p 335). Tenho argumentado a
favor da autoridade docente lembrando que essa se constitui de uma autoridade cujo modelo
18
pode ser o jurídico, ou seja, aquele no qual há um sujeito que organiza o debate e, a partir das
teses colocadas, julga e delibera para que o trabalho tenha continuidade; assim, "o aluno, por
sua vez, é sujeito concreto, que é no presente, imbuído das capacidades racionais comuns aos
homens de razão e valorizadas nos processos democráticos, e, portanto, pode participar dos
debates que confrontam as diferentes ideologias a fim de autorizar as autoridades docentes"
(PENTEADO, 2011, pg 121) sem configurar para essas uma ameaça. A continuidade que
pode ser garantida através dos processos jurídicos será, justamente, o estabelecimento dos
acordos que passam a vigorar depois de ouvidas todas as partes interessadas em determinada
questão.
porque identificamos uma tese que permeia o campo educacional que sustenta que os colégios
de aplicação configuram-se como "ilhas de excelência" no cenário da educação básica
brasileira e não seriam, portanto, espaços adequados à formação inicial dos professores, pois
os lançaria em um "modelo" que não corresponde à realidade brasileira.
Opomos-nos a essa perspectiva na medida em que nos opomos à concepção mesma de
que a aprendizagem se beneficie do "modelo" como forma sobressaída de construção de
conhecimentos. Ainda que reconheçamos que o uso do modelo por parte daqueles que
formam seus conhecimentos seja uma das metodologias possíveis para a formação de
referências, destacamos os riscos desse método, uma vez que o modelo ao fundar-se se
reconhece a si próprio como legítimo e desejável. Um modelo é um absoluto perfeito que
pretende perpetuar-se, ou não haveria sentido em colocar-se como modelo. Em termos
metodológicos, por melhor que seja a reapropriação e/ou resignificação do modelo por parte
do sujeito cognoscente, é uma aprendizagem que se baseia no princípio da imitação, não da
construção autoral e crítica. Efetivamente, a educação pelo modelo não se adequa aos
pressupostos da educação que vimos defendendo. Ao elegermos o Colégio de Aplicação da
UFRJ, tanto para formação de nossos futuros professores, quanto para nosso campo de
pesquisa, intencionamos privilegiar o debate e a hibridização de conhecimentos diversos
como base desta formação inicial; não apenas no que confere valor à própria qualidade do
conhecimento construído, como no que valoriza o debate como forma. E neste sentido, o
simples reconhecimento da parceria interinstitucional que se dá entre a Faculdade de
Educação e o Colégio – que envolve interlocuções entre professores dos dois institutos, entre
pesquisas, extensão, e outras práticas formativas - já possibilita um debate formativo que nos
parece mais enriquecedor do que o que atingiríamos se nossos licenciados estivessem em
simples exercícios docentes em instituições outras (municipais ou estaduais) que depois
seriam relatados em momentos furtivos de supervisão e julgados sob nossa égide acadêmica e
universitária. Com isso não queremos colocar que nossos alunos não estagiem nas escolas
regulares de estado e município. Consideramos que a riqueza do estágio esteja na inserção do
estagiário nessas diversas culturalidades, mas cremos que as formas de construção de
conhecimentos sejam distintas nas diferentes realidades. Ademais, não podemos deixar de
apontar o risco, não necessário, mas possível, de que julguemos as escolas que são externas à
Universidade a partir do valor do nosso próprio modelo acadêmico, o que equivaleria dizer, a
partir de uma crítica discursiva colonizadora. Como colocam Perelman e Olbrechts-Tyteca
(2002, pg 415), se, por um lado "o modelo indica a conduta a seguir" e, por outro, "deve
vigiar sua conduta, pois o menor dos deslizes justificará milhares de outros"; quando uma tese
20
discussões do grupo focal "um senso coletivo é estabelecido, os significados são negociados,
e as identidades elaboradas pelos processos de interação social entre as pessoas", o que nos
remeteu ao conceito por nós buscado de acordo, a partir da suposição de negociações
possíveis.
Além disto, como as turmas do CAp-UFRJ são reduzidas, com no máximo 15 alunos,
durante as aulas de artes visuais, não necessitaríamos eleger um grupo de alunos
exclusivamente para participar dos grupos e sua aplicação poderia ser realizada em horário
normal de aulas.
O segundo desafio configurou-se em torno dos conceitos, temas ou palavras geradoras
a serem propostos para debate, já que esse se daria em torno do currículo da disciplina de
artes visuais, e a linguagem oral nos parecia restritiva em relação às estimulações possíveis
que poderíamos provocar, recorrendo à linguagem visual. Acolhemos, então, a sugestão de
Gaskell (In BAUER & GASKELL, 2008, pg 64-89) e optamos por utilizar imagens
previamente pesquisadas e debatidas pelo grupo de pesquisa como elemento desencadeador
dos debates.
Configurou-se, então, para a equipe, a mais importante questão metodológica que
enfrentamos: a definição das imagens a serem usadas. Uma vez que defendemos que o objeto
de conhecimento não é uma verdade a priori, mas uma construção sócio-histórica, foi
necessário definirmos, conceitualmente, aquilo que nosso grupo considerava arte e justificar
nossa definição. É interessante salientar que o acordo a respeito da experiência estética
artística não foi facilmente construído, mesmo no grupo de pesquisadores com objetivos e
algumas premissas comuns. Após um debate extenso que ocupou alguns encontros,
formulamos a seguinte definição provisória que buscou contemplar as diferenças entre os
envolvidos: É arte aquilo que é construção humana cuja principal função é de caráter
subjetivo e simbólico e cuja aproximação se dá privilegiando a percepção e experiência
estética (PEREIRA, 2010), ainda que tais construções possam ter uma função
objetiva/pragmática. Além disso, não é arte tudo que advém do mundo natural.
Essa definição partiu de categorias com discussões bem distintas entre si que nos
foram necessárias para que elegêssemos critérios que norteassem a seleção das imagens a
serem utilizadas. Em alguns momentos essas categorias refletiam nossos próprios valores ao
tentarmos definir um contorno para as artes visuais; em outros, foram reflexos de nosso
contato com o ambiente escolar e evocavam tensões que pareciam marcar os ambientes de
sala de aula e que gostaríamos de confirmar. Foram eleitas as seguintes categorias: 1) a arte
22
7 Como professores oriundos do ensino básico e em interlocução contínua com a escola, em função de
trabalharmos, na Universidade, com a formação de professores; investimos na hipótese informal, fundada em
nossa com-vivência escolar, de que essas manifestações artísticas são controversas nesses espaços e optamos por
investigar a confirmação, ou não, de nossas intuições.
8 As imagens são apresentadas com suas fontes no Anexo II.
23
documental e não imagético- (figura 37) e capa do Compacto Vinil, Coletânea Preferência
Nacional, da década de 1970, acervo de imagens de um dos pesquisadores, que retrata uma
baiana preparando acarajés (figura 38), com o que chamávamos a atenção para as expressões
de consenso "a arte de...", no caso: a arte do futebol; a arte da culinária, etc.
Deste modo, foram escolhidas as 38 primeiras imagens a serem submetidas a um
grupo focal piloto que foi composto por doze crianças de terceiro ano do ensino fundamental.
Após a aplicação piloto, constatamos o empecilho prático que as 38 pranchas nos
apresentaram: imagens em demasia para serem discutidas nos 60 minutos máximos propostos
para o debate, forçando um aligeiramento das discussões e provocando um prolongamento da
atividade que culminou em distração e cansaço progressivos por parte do grupo, após
quarenta minutos. Entretanto, a iniciativa de trabalhar com o grupo focal e com o uso de
imagens mostrou-se acertada. A filmagem da sessão registra o envolvimento das crianças e o
detalhamento de seus olhares, bem como o esforço em chegarem até o final da análise de
todas elas.
Diante disso, o grupo ponderou a redução das imagens para um máximo de dez, uma
vez que consideramos que a qualidade do debate, inclusive por conta da teoria com a qual
trabalhamos, era mais importante para nosso estudo do que a quantidade de debates propostos.
Quanto a essa questão, consideramos que os debates que não fossem contemplados em função
da diminuição das imagens poderiam ser retomados em pesquisas posteriores. Resgatamos as
categorias iniciais para rediscutir seus objetos e fenômenos sensíveis, buscando aqueles cujo
pertencimento à arte fomentaria maiores polêmicas e argumentações, ao mesmo tempo em
que selecionamos as imagens que pareceram produzir maiores debates e envolvimento dos
pesquisados durante o piloto.
Nessa redução necessária, descartamos rapidamente as mais ambíguas em relação ao
objeto fotografado e à fotografia como linguagem artístico-visual, já que queríamos ater-nos
ao conteúdo e à referência dos objetos que, por razão logística, só poderíamos trazer para
discussão a partir de seus registros fotográficos, nos distanciando do possível debate da
própria fotografia como uma arte, o que colocaria em cheque todas as imagens e fugiria aos
nossos objetivos. Nessa discussão percebemos que uma limitação da metodologia escolhida
seria, justamente, não podermos trazer a própria fotografia como campo de arte a ser
investigado com os alunos e decidimos que na aplicação da pesquisa, entre as orientações
iniciais junto ao grupo focal, os pesquisados deveriam ser informados que, ao responderem à
questão de pesquisa, deveriam desconsiderar a fotografia e remeterem-se ao conteúdo da
imagem.
27
Após tal ressalva, eliminamos duas categorias que não pareceram criar grandes
comoções e cujo acordo tendia à unanimidade, não suscitando polêmica que nos levasse a
privilegiá-las. Foram as categorias do cinema e aquela referente à noção de techné.
Em seguida, considerando a repetição de obras dentro de uma mesma categoria que,
apesar de distintas entre si, investigavam as mesmas proposições, retiramos as imagens que
provocaram menor debate entre os pesquisados e decidimos que só poderíamos ter uma
imagem para cada categoria. Esses cortes foram sucessivos e necessitaram mais de um
encontro do grupo de pesquisa para chegarmos a um consenso. Decidimos por isolar da
pesquisa, também, nossas referências sobre moda, design e arquitetura, já que nos
mantínhamos seguros da necessidade de trabalharmos com o máximo de dez imagens e
observávamos que necessitaríamos reconfigurar os motes de debate para restringirmo-nos a
essa quantidade. Enfim, debruçamo-nos sobre o total de dez pranchas.
Mantivemos a imagem da A Fonte, de Marcel Duchamp (figura 6), que agregava tanto
a discussão sobre a arte conceitual quanto a que remetia à legitimação da arte através de um
discurso construído historicamente. Pelo mesmo caminho conceitual e acrescentando a
questão da contemporaneidade, cuja legitimação histórica ainda não se configurou, elegemos
o trabalho de Cadu, Doze Meses (figura 8), obra que brinca sutilmente com um objeto de
nosso cotidiano, legitimada pelo circuito artístico atual, mas ainda desconhecida do grande
público e modelo, dentre todas as outras obras contemporâneas que trazíamos, mais polêmico
talvez pela quase imperceptível intervenção do artista.
Para destacar a questão das artes não consagradas, escolhemos o Grupo de Maracatu,
de Suely, de Caruaru (figura 23) porque sua imagem suscitou nos alunos da aplicação piloto
uma aproximação maior com a discussão da produção seriada popular, já que a cerâmica
marajoara e as cestarias, expostas no CCBB, foram aceitas por alguns pesquisados como
legítimas obras de "arte dos índios", demonstrando que já incorporam uma legitimação
histórica. Outro binômio que nos foi impossível ignorar, dadas as discussões acaloradas, foi
aquele evocado pelo debate entre pichação e grafitti. Como modelo de pichação, mantivemos
a obra de Augustaitz (figura 13) que, apesar de possuir um contexto autorizado, sancionado
pela instituição em que a ação se deu, insinua um ambiente descrito popularmente como
depredado ou “vandalizado”. Na opção do grafitti, elegemos a imagem do Muro de Berlim
(figura 12), pois a imagem do pequeno prédio berlinense não tinha boa definição e grafittis e
pichações estavam presentes.
Para estimular o debate sobre a arte escolar e as artes populares, na forma do folclore,
retemos o registro fotográfico do desenho infantil (figura 26) e da Festa Junina escolar (figura
28
25). Representando outra esfera chancelada pela história da arte, a arte clássica com seus
cânones, elegemos a imagem da A Sagrada Família, de Michelangelo (figura 2).
Em resgate a embates do próprio meio artístico, mantivemos a questão da body art, do
corpo como suporte ou própria obra de arte, através da imagem da tatuagem contemporânea,
do acervo do grupo de pesquisa (figura 17). Para coroar a natureza como objeto de debate,
porque aparentemente seria o mais imparcial, uma vez que não evocava a empatia que
observamos no grupo focal, pelo reino animal, escolhemos a foto aleatória de plantas da
Floresta da Tijuca (figura 35).
nos a uma interpretação mais aprofundada. No caso de nossa equipe tivemos como critérios
para seleção dos trechos analisados em primeiro, a maior incidência de classe argumentativa
apresentada pelos grupos para cada imagem discutida; em segundo, os debates que foram
mais calorosos entre os pesquisados; em terceiro, aqueles em que o acordo foi mais
dificilmente conquistado, ou não chegou a sê-lo; por último aqueles que, mesmo não sendo os
mais polêmicos entre os pesquisados, eram polêmicos para o grupo de pesquisadores, de
modo que sentíamos necessidade de analisá-los mais profundamente.
No grupo focal, notou-se que, de modo geral, as discussões apresentaram debates
acerca de temas considerados clássicos no campo, tais como, a natureza da criação, da ação
do homem, dos materiais, etc; entretanto, dentre as diversas questões trazidas daremos ênfase,
neste relatório, a um debate que nos chamou a atenção pelo aspecto ético e judicativo que
envolve e que está afinado com uma das questões contemporâneas empreendidas no campo: o
debate sobre a criminalidade ou não do ato artístico, a partir da prática da pichação.
Foram apresentadas as duas imagens referentes à pichação escolhidas na primeira fase
de seleção de imagens: uma do trabalho do pichador Cripta Djan, apresentado em Paris, em
2009, a convite da Fundação Cartier e outra, do trabalho de conclusão de curso em Artes
Visuais de Rafael Augustaitiz, que coordenou a invasão e intervenção da Faculdade de Belas
Artes de São Paulo por um grupo de 50 pichadores.
Inicialmente, ao apresentarmos a imagem de Cripta Djan, não houve acordo a respeito
de se seria arte, ou não, dividindo a turma. Ao mediarmos a conversa, apresentou-se o
seguinte debate.
G: Não é arte porque é pichação e pichação não é legal a menos que você peça
pro9 dono do muro.
L: Aí não é pichação.
J: Não, aí é grafitti.
D: É arte porque eles inventaram isso.
C: De qualquer jeito é uma arte, só que é fora da lei...
L: Não existe uma arte fora da lei.
Pelo fato de não chegarem a um acordo, a turma decidiu abrir uma terceira categoria
para as imagens sobre as quais não havia chegaram à unanimidade. Quanto à argumentação,
observamos que G inicia o debate afirmando que o trabalho de Cripta não é arte porque
pichação não é legal (no sentido jurídico). Ele usa uma argumentação ad rem ao desqualificar
o objeto. Para isso apoia-se em um acordo pertencente ao preferível10 já que sua justificativa
baseia-se em um julgamento de valor (a recriminação da ilegalidade) apoiado em um lugar
comum, e não em fatos, dando-nos indícios de que os valores comuns formados em seu
contexto social contribuem para a formulação de sua tese. A criminalização da pichação não é
resultante de um fato inconteste, mas de uma negociação construída socialmente e que não se
apresenta encerrada. Em face disto, defender, sem justificativa, a criminalidade da pichação
seria uma tautologia, além termos de considerar a relativização do argumento, pelo próprio
orador, ao considerar a exceção de criminalização do ato de pichar já estabelecida socialmente
através da concessão do ato, desde que autorizado. G representa o lugar de aonde discursa, ao
relativizar sua fala inicial, considerando que o trabalho de Cripta pode vir a ser arte, desde que
tenha sido autorizado pelo proprietário do espaço físico.
Entretanto, os colegas L e J para garantir o status de ilegalidade à pichação recorrem à
dissociação de noções11, ponderando que, se fosse autorizado, já não seria pichação, mas
grafitti. Poderíamos refutar esse argumento destacando a necessidade de nova definição para
ambas as noções, já que podem não ser, necessariamente, contraditórias ou antagônicas. L
encerra a questão, colocando de modo axiomático que "não existe uma arte fora da lei". Sua
colocação aparenta autoritarismo, já que os axiomas não são verdades necessárias e absolutas,
porém sua colocação não é contestada pelos colegas. Observamos que os alunos, durante essa
discussão, não adentram o debate sobre o objeto artístico em si, ou seja, sobre as qualidades
da imagem e seus significados simbólicos e/ou estéticos inerentes, mas julgam o objeto em
função de sua relação com a sociedade e de suas consequências.
De modo amplo, as argumentações sugerem acordos pertencentes ao preferível, e, no
caso, a favor de um valor abstrato (a Justiça). Em função de sua generalidade, tais valores
tendem a ser universalmente aceitos e, portanto, apresentam-se como não controversos. Para
contrargumentá-los seria necessário especificá-los em suas particularidades, denunciar as
incompatibilidades que geram ao serem discutidos no caso particular. Como esse julgamento
funda-se na construção de um par filosófico que contrapõe e hierarquiza o termo arte a partir
de uma presunção de legalidade, poderíamos contestá-lo ao admitir que a existência de uma
arte ilegal exigiria a definição de um termo absoluto: a arte legal balizadora da ilegalidade,
bem como a definição da noção de legalidade. Desmembrar o par e seus termos nos permitiria
discutir a função da arte em relação com a sociedade, pensando se ela é ou não do domínio
10 Acordo que justifica escolhas que não se pretendem universais, mas que se apoiam em valores, hierarquias ou
lugares comuns.
11 Nos processos de dissociação, dissociam-se elementos de um todo, permitindo reconceituá-los e
jurídico, quando e por que; investigando outras possíveis ligações que não a criminal. Se
introduzíssemos no debate as discussões que os auditórios especializados em arte têm
realizado (artistas, colecionadores, marchands, etc), observaríamos que vem se estabelecendo
um acordo de que a pichação é arte e tem-se defendido sua descriminalização, argumentando-
se com base na noção de estética e de significação estética e não a partir de uma noção
jurídica. Além disso, pode-se constatar, utilizando a noção de indústria cultural, a absorção e
disciplinarização da pichação pelo mercado capitalista.
Algumas imagens adiante, apresentamos o trabalho de Rafael Augustaitiz que
promoveu o seguinte debate:
L: Eu acho que é e não é, porque assim como a primeira, é feita com tinta e
coisa e tal, sprays, né? Mas não é, já vou avisando, eu não sei diferenciar entre o
grafitti e a pichação, mas é mais ou menos porque é uma arte feita fora da lei,
porque eu acho que isso é pichação.
A: Eu acho que é arte. Porque por exemplo, a pessoa inventou, ela desenhou,
tudo que está ali, ela desenhou, ela pintou. Por exemplo, a cadeira, a cadeira é
tipo como se fosse uma escultura, é a casa..., a gente senta, feito de plástico e
dos outros materiais (refere-se às cadeiras que aparecem no ambiente).
K: Eu acho mais ou menos porque é uma arte, mas é uma arte fora da lei. É arte
mais ou menos, mas esta arte só não é fora da lei quando pede permissão pros
donos do muro, é lógico.
L: Aí não é mais pichação, quantas vezes a gente deve dizer isso?
A: Eu já falei, mas eu quero falar outra coisa, depois que eu percebi. Isso aqui
está dentro de uma sala. Não quer dizer que tá fora da lei, porque tá dentro de
uma sala. Se for a sala da pessoa não tá fora da lei, tá dentro da casa da pessoa
se a pessoa gostar ela pode desenhar. É arte...
J: Eu acho que é arte. Porque é um desenho, foi criado então tem que ser arte,
entendeu?
B: Eu acho que tem que ir pro bolo do mais ou menos porque para mim eu acho
que isso é uma arte.
I: Para mim, é a mesma coisa que para A, é dentro de uma sala, só se fosse fora,
aí já era proibido, aí teria que pedir a permissão, mas já que é dentro da sua
casa, não precisa a permissão, eu acho que é arte.
C: Em primeiro lugar, eu não achei que era arte porque tá pichado, pichado não
é uma arte, pichar é uma coisa terrível porque é contra a lei, pichar parede –
você pode pintar – Isso é pintar, arte. Só que pichar é horrível e não é arte
G: Isto é ato contralei. Está escrito algo assim "abras os olhos e ver... inventável
marca na história. Lol". Isso está escrito assim. Uma coisa, eu não sou cego e eu
sei ver! (em tom de recriminação ao texto que sugere "abrir os olhos para ver").
H: Eu tô no mais ou menos... Não. É arte. Sabe por que é arte? Primeiro, dá pra
perceber que é dentro de uma sala de aula, ou essa sala de aula é abandonada e
ela não vai ser fora da lei, porque o cara pode ter comprado, pode ter arranjado
essa sala abandonada ou uma pessoa deixou ele fazer isso e o que está escrito
aqui, "abras os olhos e ver... inventável marca na história. Lol" e..., e..., pelo que
eu consigo ver, tem um buraco aqui. Isso só pode ser abandonado.
32
Conforme o grupo focal evolui, notamos que os alunos ficam mais à vontade e menos
econômicos para argumentar. L, que inicialmente havia sido axiomático, assume uma figura
de linguagem, lítotes, que exprime uma falsa modéstia – "já vou avisando, eu não sei
diferenciar entre o grafitti e a pichação, mas..." -, recurso normalmente utilizado pelo orador
quando necessita fazer-se simpático para sua plateia, angariando adesão prévia e deste modo,
relativiza seu ethos12 inicial. Modifica sua primeira argumentação na qual a pichação não é
arte, já que defendera que "não existe uma arte fora da lei", para a posição de "é e não é".
Inaugura uma nova proposição que inclui em sua justificativa elementos relativos à
manufatura do objeto – "porque assim como a primeira, é feita com tinta e coisa e tal, sprays,
né?"-, modificando a direção da discussão anterior que limitou as justificativas à relação
jurídica do objeto com o entorno social. Aqui, ele usa um argumento de ligação que funda a
estrutura do real13, tendo por base o recurso ao modelo e antimodelo. Ao retomar a discussão
anterior, funda o modelo do que pode ser arte – o uso de materiais específicos para a
manufatura de criação da obra estabelece uma ligação entre o objeto e sua essência - e
reafirma o antimodelo: pichação não é arte. Na continuidade dessa discussão e utilizando o
mesmo recurso de aproveitar o modelo dado no real para fundar uma regra, A reforça a
adesão à proposta de que arte é algo ligado ao uso dos materiais e acrescenta a característica
do ato criador ao objeto artístico: "porque, por exemplo, a pessoa inventou, ela desenhou, tudo
que está ali, ela desenhou, ela pintou", também na busca de um argumento que estabeleça uma
ligação de coexistência entre o objeto e as características que, supostamente, estabelecem sua
essência.
A proposta de que a pichação, embora executada ao exemplo de outras produções que
são consideradas arte, não o é, em função de sua ilegalidade, é contrargumentada por K. A
aluna reutiliza a técnica de ruptura, dissociando a noção de arte em arte legal/arte ilegal.
Novamente, L contrargumenta, reafirmando que não há categoria arte ilegal, portanto
pichação não é arte. Em função disto A retoma a palavra e recorre a uma técnica de
refreamento: dada a inviabilidade de saber, a partir da imagem, se houve, ou não, apropriação
indevida de espaço privado, lança a hipótese de que não houve ilegalidade e evoca nova
discussão comum às artes: a defesa, através de um argumento de ligação de coexistência 14, de
uma suposta relação entre o gosto, tomado como essência, e a arte, tida como manifestação
geral, uma essência a suas manifestações” (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 2002, p. 299).
33
15 Ressaltamos que Perelman, pela própria natureza de seu campo de atuação, que era o campo jurídico, estudou
a língua natural.
34
prévio que norteia e deflagra valores envolvidos nas escolhas docentes durante a ação escolar,
ajudando-nos a compreender a prática cotidiana (que une teoria e ação) nas escolas.
Deste modo, chegamos às premissas a partir das quais ensaiamos as primeiras
conclusões desta pesquisa e que foram norteadoras de sua aplicação no ano de 2012. De modo
algum, pretendemos fundar regras, mas, como é dos princípios de um debate que se pretende
ético, é necessário que nosso interlocutores conheçam o acordo de onde partimos para pensar
o aproveitamento do debate das crianças na constituição do currículo. Tomaremos, por ponto
de partida, para esboçarmos primeiras conclusões relativas à aplicação piloto, um
arrazoamento trazido por Victório Filho (2008, s/n de pg) acerca da prática do ensino de arte
nas escolas periferizadas do Rio de Janeiro:
A partir desta reflexão pensaremos que o currículo, mesmo o prescrito, poderia ter
como proposta a discussão dos conteúdos a serem ensinados, dos valores vinculados aos
saberes ensinados, da desconstrução dos sistemas de verdade estratificados. Ou seja, o
currículo se configuraria pela busca da construção de um acordo entre os sujeitos docentes e
aprendizes em torno do objeto de conhecimento.
Ora, no caso de nossa pesquisa, que foca o ensino das artes visuais, retomamos o
questionamento, já apresentado, que nos tem sido feito e que vimos estudando: o problema da
diferença hierárquica entre os saberes docente e discente como impeditivo para o
compartilhamento da elaboração do currículo. O que pudemos observar já no grupo focal é
que o saber da arte – e, imaginamos, os demais saberes especializados – não é privilégio do
ambiente escolar. Notoriamente, ele perpassa a sociedade em diversas dimensões, aplicações,
entendimentos, e chega aos alunos. Desse modo, todos traziam uma concepção sobre esse
objeto e a partir de seus valores argumentaram em prol de sua definição. Ao mesmo tempo, os
debates empreendidos corroboraram a premissa de que o conhecimento não é estanque e não
apresenta uma significação unívoca. Tal discussão não é distante das discussões que se têm
empreendido no campo da arte extramuros escolares: há alguma essência que garanta à coisa
o estatuto de arte? Pichação é arte? Arte pode ser um ato criminoso? O ato artístico está na
35
que dispõe o orador, nos quais pode apoiar-se para argumentar, constituem um dado" de modo
que "o fato de selecionar certos elementos e apresentá-los ao auditório já implica a
importância e a pertinência deles no debate" (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 2002,
pg 131-132); ou seja, a ter para si mesmo um acordo mais esclarecido sobre o tema em debate
e sobre sua importância, o orador experiente escolhe os lugares mais importantes que irá
defender.
Acreditamos, como desenvolveremos a seguir, que ambas as situações apresentaram-
se na pesquisa: de um lado, alunos menores demonstraram recursos mais frágeis no sentido de
que, para algumas das imagens vistas, parecia que se indagavam pela primeira vez em relação
a elas e, de outro lado, em oposição a essa percepção, notava-se que os professores antes de
responder reservavam-se alguns minutos para refletir sobre as imagens e escolher suas
argumentações. Essa atitude de reflexão que antecedia o debate também foi notada no grupo
de ensino médio, entretanto, seus acordos pareceram mais flexíveis e passíveis de
revisibilidade quando contrapostos aos de seus colegas, o que os levava a reformularem suas
teses iniciais.
20%
15,53%
15%
10,68% 10,68%
10%
5%
1,94% 1,94% 1,94%
0,97% 0,97% 0,97% 0,97%
0%
Pares Filosóficos
Comparação
Atitude Prática
Tautologia
Definição Descritiva
Uso de Ironia
Desqualificação Ad Rem
Ruptura de Ligação
Ligação à Essência
A Pessoa e seus Atos
16 Ligações de coexistência são aquelas “que unem uma pessoa a seus atos, um grupo aos indivíduos que dele
fazem parte e, em geral, uma essência a suas manifestações” (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 2002, p.
299).
17 Aquela realizada pelo homem e cuja construção de significados se dá a partir de uma percepção que privilegia
os meios sensitivos.
18 Aquele argumento que busca determinar uma causa que explique um acontecimento dado. No caso os alunos
justificavam que a imagem seria ou não arte desde que se conhecesse a intenção do artista
19 Têm aparência demonstrativa, porém realizam operações de redução que permitem inserir dados e valores nos
DEFINIÇÕES
XIV. Entre as figuras trilateras o triangulo equilatero é o que tem os tres lados eguaes
(Fig. 7).
Fig. 7
20%
15%
10%
5%
0%
Argumento de Autoridade
Atitude Lógica
Analogia
Vínculo Causal
Pares Filosóficos
Argumento de Superação
Dissociação de Noções
Argumento de Sacrifício
Uso de Ironia
Definição Normativa
O fato e as consequências
Tautologia
Divisão das Partes no Todo
Ligação à Essência
Exemplo
O Grupo e seus Membros
Ruptura de Ligação
Definição Descritiva
Petição de Princípio
A Pessoa e seus Atos
Os Fins e os meios
Denúncia de Contradição
Oposição à Interação da Pessoa e seus Atos
Desqualificação Ad Rem
O argumento mais utilizado pelos alunos de ensino médio foi o argumento de ligação
de sucessão apoiado no vínculo causal. Este tipo de argumentação baseia-se em estruturas que
são percebidas na realidade21, estabelecendo uma solidariedade entre juízos admitidos e
aqueles que se procura promover. Tal solidariedade pode acontecer através de ligações de
coexistência – como no tipo de argumentação utilizada pelos alunos do ensino fundamental,
que vincula a existência de uma essência a um objeto, em relação de simultaneidade-; ou de
ligações de sucessão - “que unem um fenômeno a suas consequências ou às suas causas"
(PRERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA, 2002, p. 298), como é o caso com os alunos de
ensino medio ao defenderem para maioria das imagens apresentadas que a afirmação de se
eram, ou não, do campo da arte, dependia de que soubessem a causa que levou à sua
realização, ou seja, a intenção do artista. Deste modo, o posicionamento desses alunos é
menos dogmático e absoluto do que o encontrado nas argumentações vindas dos alunos
menores.
Além de ser a argumentação mais utilizada, o recurso ao vínculo causal sobressai-se,
pois atinge 22% das respostas dadas, seguido do argumento, também de ligação, que se apoia
na coexistência entre uma pessoa e seus atos em 12% das respostas. No caso, esse argumento
também aparece colocando uma condição para a assunção da imagem apresentada à categoria
de arte: será arte se aquele que realizou a obra for uma artista.
Em seguida teremos 8% de argumentações de ligação de sucessão entre os fins e os
meios e 8% de ligações de coexistência entre o grupo e seus membros. No primeiro caso, sob
um viés expressionista, observa-se a valorização do status de arte às produções que servem de
meios para a finalidade da expressão humana; ou seja, o objeto é considerado arte, pois serviu
para que alguém se expressasse. Perelman e Olbrechts-Tyteca salientam o fundo essencialista
deste tipo de argumentação já que o fim é admitido como tal. Embora essa argumentação seja
muito próxima àquela utilizada pelo argumento de vínculo causal, nosso grupo distinguiu
duas estratégias de justificação diferentes entre os alunos: na primeira, de vínculo causal, o
artista tem uma intenção e é essa intenção (a causa) que legitima o objeto como arte; na
segunda, que recorre à justificativa dos meios em função do fim, não há, necessariamente,
uma intenção prévia do artista, mas suas emoções acabam por ser expressas através da
produção da obra, de modo que esta é meio (veículo) das emoções, a presença de tais
emoções seria, então, um elemento essencial à definição de arte.
A argumentação a favor do grupo e seus membros apoiou-se na justificativa, também
condicionadora, de que a imagem seria representante da arte se se considerasse o contexto
social (o grupo) em que o artista (membro) produziu aquilo e se o grupo identificou, em seu
contexto de origem, a obra como obra de arte e o membro como artista.
Em linhas gerais, numa primeira leitura observa-se que não apenas os alunos mais
velhos recorrem a uma maior gama de possibilidades argumentativas, mas ocupam também
um posicionamento menos rígido que aquele utilizado pelas crianças na definição descritiva
da arte e na fixação de sua essência.
O resultado da classificação das imagens quanto a serem ou não representantes da arte
para esse grupo apresentou as seguintes respostas:
43
6.1.3 Professores A e B
16%
14% 13,21%
12% 11,32%
10% 9,43%
8% 7,55% 7,55%
0%
Argumento de Autoridade
Definição Descritiva
Tautologia
Vínculo Causal
Exemplo
Divisão das Partes no Todo
Atitude Lógica
Ligação à Essência
Os Fins e os meios
Uso de Ironia
Dissociação de Noções
Ruptura de Ligação
Técnica de Ruptura e Refreamento
45
26,00%
25%
20%
16,00%
15%
12,00%
10,00%
10%
6,00% 6,00%
5% 4,00%
2,00% 2,00% 2,00% 2,00% 2,00% 2,00% 2,00% 2,00% 2,00% 2,00%
0%
Argumento Pragmático
Definição Normativa
Argumento de Autoridade
Vínculo Causal
Analogia
Definição Descritiva
Desqualificação Ad Persona
Argumento de Direção
Ligação à Essência
Dissociação de Noções
A Pessoa e seus Atos
Desqualificação Ad Rem
Ruptura de Ligação
Inclusão da Parte no Todo
Os Fins e os meios
22 Auditório abstrato que é construção do orador ao pressupor a totalidade dos sujeitos com os quais argumenta.
46
normal que ele considere todos os argumentos suscetíveis de reforçá-la. Essas novas
convicções podem intensificar a convicção, protegê-la contra certos ataques nos quais
não se pensara desde o início, precisar-lhe o alcance.
Além disto, não podemos deixar de considerar a própria presença dos pesquisadores,
em silêncio, como encarnação materializada, representativa e visual do auditório universal
que leva com que o discurso destes professores se caracterize como argumentativo.
Os distanciamentos e aproximações entre as classes de argumentos utilizadas por
ambos os professores ao serem pesquisados, nos aponta para a riqueza e pluralidade de
discursos que são tecidos dentro de um mesmo universo escolar e nos ajuda a descaracterizar
o objeto de conhecimento como objeto de contornos fixados, mas observando-o como
constituído pelos discursos que se tecem sobre tal.
Ao mesmo tempo, como já colocamos, o uso restrito, em certa medida, a alguns tipos
de argumentos, nos aponta, neste caso, à capacidade de escolha das noções e fundamentos que
serão utilizados por esses oradores. Está claro que a escolha nos dá a ver os valores e lugares
políticos que esses sujeitos ocupam e, na medida, em que representam para nós um auditório
particular de "especialistas em ensino das artes visuais", interessa-nos, também, essa
observação.
PA distribui os tipos de argumentos escolhidos de forma equitativa (17% de
argumentação fundada em dissociação de noções; 13% de utilização do argumento de
autoridade; 11,5% de recurso às técnicas de refreamento e ruptura e 9,5% de uso de
argumentos de ligação de sucessão de vínculo causal, seguidos de outros argumentos menos
representativos quanto à presentificação, mas também equitativamente distribuídos) e nos dá
indícios de que suas primeiras teses sobre a constituição do que é, ou não, arte, gozam de uma
gama de princípios mais ou menos diversificados. Já PB, assim como no caso dos alunos de
ensino medio, apresenta uma forte predileção pelo argumento de ruptura de ligação (26%),
concorrendo apenas com o recurso à dissociação de noções (16%), mas que pode ser
considerada portadora de uma fundamentação muito próxima à ruptura, com atenuantes.
No caso da análise das respostas destes professores, não consideramos apresentar
dados relativos às categorias: sim, é arte; não, não é arte e não sei; posto que, possivelmente
pela própria característica da deliberação de foro íntimo, suas argumentações foram mais
circulares, gerando muitos momentos de revisibilidade de suas teses iniciais, de modo que a
própria classificação dura tornou-se irrelevante frente à qualidade dos discursos apresentados.
47
Tendo, pois, colocado essa abertura inicial e genérica, apresentamos agora a análise
dos argumentos que defenderam ou se opuseram à categorização de cada imagem apresentada
como arte ou não arte.
No total do universo investigado, a imagem que retrata uma parte do Muro de Berlim
foi considerada como forma de arte por 93% dos investigados, contra 7% que não a
consideraram. Entretanto as argumentações que defenderam essa classificação foram distintas
nos diferentes grupos (para cada uma das turmas de alunos e para cada professor) o que nos
demonstrou que a aparente notoriedade, ou o aparente acordo, sobre a condição de arte do
grafitti, ao ser aprofundado no debate, constata um conflito de teses que merece ser
observado.
Conforme apresentamos nos gráficos abaixo, um total de onze classes de argumentos
foram utilizadas na elaboração de justificativas para defender, ou não, o grafitti como
expressão artística. Destas, a definição descritiva é majoritária, principalmente por sua
utilização pelos alunos de 2º ano do ensino fundamental, seguida do uso do argumento de
ligação pelo vínculo causal fortemente empregado pelos alunos de ensino médio. Já os
professores, argumentaram em defesa do grafitti como arte, a partir de diferentes
argumentações. PA apoia-se basicamente na dissociação de noções e PB no argumento de
autoridade.
0%
5%
20%
40%
10%
15%
25%
30%
35%
45%
50%
15%
10%
20%
25%
30%
0%
5%
Definição Descritiva
24,00%
Definição Descritiva
45%
Inclusão da Parte no Todo
12,00%
O Grupo e seus Membros
4,00%
Argumento de Autoridade
4,00%
27%
Ligação à Essência
12,00%
Vínculo Causal
20,00%
investigado
Argumento de Direção
4,00%
Ligação à Essência
18%
Argumento de Sacrifício
4,00%
Dissociação de Noções
4,00%
9%
4,00%
Tautologia
8,00%
48
49
Vínculo Causal
Argumento de
Tautologia
Desqualificação Ad
Ligação à Essência
O Grupo e seus
Sacrifício
Membros
Rem
Destacaremos aqui, alguns argumentos mais bem elaborados e demonstrativos dos
debates a título de podermos examinar mais profundamente os valores e significados neles
expressos.
Uma primeira questão que se apresenta e faz-se notar ao longo da apresentação das
dez imagens selecionadas é o movimento de contaminação que a apresentação dos
argumentos iniciais, na turma de 2º ano do ensino fundamental, gera entre os alunos da turma.
Notamos como, ao considerar que suas proposições a respeito do tema e das imagens
apresentadas não são fortemente fundamentadas, algumas lideranças se destacam e, ao
apresentarem suas teses, influenciam as falas dos demais. Isso é bastante notório na imagem
relativa ao Muro de Berlim, visto que Af ao iniciar o debate e apresentar sua justificativa à
imagem: "deixa eu ver... Eu acho que isso é arte porque está cheio de desenhos", é
imediatamente seguido, em coro, pelos demais alunos. Gf acrescenta à descrição inicial um
julgamento quanto à qualidade naturalista da imagem retratada no muro: "eu acho que isso é
uma arte. Parece que é 3D23, é uma arte porque o carro parece 3D".
A característica de observar a imagem a partir da descrição das formas representadas é
imperativa na turma, ainda que apresente nuances como na própria fala de Af que, ao dizer
que a imagem é arte porque tem desenhos, não só a descreve, como estabelece uma norma:
quando há desenhos há arte, apontando não apenas para a descrição, mas, especificamente,
para uma descrição normativa. Isso difere, por exemplo, da fala de Gf que descreve a
23 Refere-se ao domínio do artista em relação à perspectiva cônica que produz um efeito de representação
naturalista na imagem.
50
é sobre algo;
é sobre a atitude do artista em relação a esse algo;
dirige-se a um leitor.
Por isso, embora muitas vezes os discursos sustentados pelos alunos de menor
escolaridade possa nos parecer insignificante, na medida em que apresentam lugares comuns
relativos a um discurso mais amplo que circula no senso comum social de suas convivências,
parecem-nos imprescindíveis no re-conhecimento de suas teses de partida (as únicas que nos
valem problematizar) e nos ajudam a escapar da presunção de conhecimento de nosso
auditório.
Como não poderia deixar de ser, presumir que já saibamos os acordos de partida de
nossos alunos, julgá-los não necessários, inadequados, substituíveis seria o mesmo que julgar
a favor de uma certa inadequação de nossa localidade cultural inteira, desqualificando-a a
priori. Em termos da ideologia que a presunção implica Perelman e Olbrechts-Tyteca
observam que ela “é admitida enquanto e na medida em que não tivermos motivos para
desconfiar” (2002, p 79). Assim, se não pudermos argumentar, dando claras demonstrações de
que o lugar comum designado nos acordos dos quais partem nossos alunos deveriam ser
substituídos, ou que não são representativos de importância, corremos o risco de cometer uma
petição de princípio, ou seja, impor, ao outro, uma premissa como se fosse verdadeira.
Em nossa análise, propomos que o ponto de partida estabelecido pelo recurso à
definição descritiva que estabelece que é arte toda a imagem criada por um ser humano, tem
lugar garantido em nossa tradição cultural e merece ser reconhecido como verdadeiro e é
passível de ser problematizado criticamente, gerando possibilidades curriculares.
Já os alunos do 2º ano do ensino médio recorrem prioritariamente ao argumento de
ligação de sucessão de vínculo causal. Como dissemos inicialmente, os argumentos de ligação
baseiam-se na estrutura do real (o dado) e buscam estabelecer uma ligação que justifique a
coisa dada sobre a qual se argumenta. No caso, em muitas das imagens apresentadas, não
apenas em relação ao Muro de Berlim, usaram a ligação entre causa e consequência no
sentido de colocar que se a imagem representava algo que foi intencionalmente pensado ou
proposto por alguém (causa), seria, sim, arte (consequência). Em outras palavras a regra re-
conhecida no dado é: é arte a produção humana que é resultante de uma intencionalidade de
alguém (o artista) de expressar algo. Deste modo corroboram, novamente, o que foi
apresentado por Rossi: "aparece, na visão dos adolescentes, a concepção que valoriza o papel
do ‘artista’ na definição da qualidade da obra" (Cf., pg 49).
Vejamos alguns dos argumentos utilizados:
Cm: Eu acho que ele quis causar um impacto em quem estava assistindo e tal e por
isso e eu acho que é arte.
52
Bm: Eu também acho que arte. Ele tinha uma ideia, ele até escreveu umas coisas um
texto. Eu acho que, assim como a pichação, ele também teve essa ideia de mostrar
alguma coisa.
Am: Até mesmo, assim, a coisa do carro entrando na parede, pode até ter acontecido
de um carro ter batido e ter causado o acidente nesse muro, é como se fosse um grafitti
que uma bola tivesse entrado na parede. Você vê, na quadra: sempre que as pessoas
chutam a bola com muita força na parede fica a marca, e aí ele representa isso: a bola
com a marca na parede, a força que alguém botou nessa bola, então, eu acho que é arte
porque tem, talvez, uma grande significação para ele pessoalmente...
As falas dos alunos nos mostram com transparência que consideram o objeto da arte
como indissolúvel de sua relação com o sujeito que produziu a obra, o artista. O aluno Am
nos auxilia a perceber o quanto essa premissa é fundada nas relações culturais já dadas na
sociedade em que está inserido, na medida em que exemplifica os argumentos anteriores
através de sua própria experiência no colégio. Ao colocar que "eu acho que é arte porque tem,
talvez, uma grande significação para ele pessoalmente...", insinua também que essa
qualificação nem mesmo passa, necessariamente, pelo pela identificação do espectador com a
intencionalidade significante do artista, basta reconhecer que, para esse artista, a significação
esteve previamente presente à execução da obra, justificando fazê-la.
Entretanto, apesar da supremacia do argumento de vínculo causal na argumentação em
relação ao Muro de Berlim, Cm aponta que a imagem também pode ser entendida como arte a
partir de seus elementos visuais que atuam como representantes daquilo que é essencial ao
reconhecimento do objeto de arte. Assim, referindo-se à terceira imagem pintada no Muro (à
direita, na imagem global) como imagem "abstrata", salienta o uso da cor e, em seguida, a
representação coerente da forma, apontando que não haveria sentido inerente naquela
imagem, se fosse, por exemplo, executada em uma mesa, já que a própria representação do
muro se partindo (imagem do carro) recorria à pintura de formas inerentes ao muro, ou seja,
as pedras voando:
Cm: Não, mas eu acho que tem fatores, fatores, do tipo, cor... Ele quis retratar... Nesse
caso, ele foi abstrato, mas tem a questão do muro como arte, também, né? Como se o
cara tivesse entrado no muro, se ele tivesse feito isso numa mesa, não faria sentido, ele
até pintou pedra, né?
Deste modo Cm, com o uso de um argumento de ligação do objeto a sua essência, traz
ao cenário de debate uma concepção menos sígnica e discursiva da compreensão da arte,
reportando-se a uma abordagem formalista que preconiza a boa utilização dos elementos
visuais como essencial daquilo que a qualifica.
O professor PA analisa essa imagem na seguinte fala:
53
PA: Bom, grafitti, não é uma arte culta, é uma arte de rua, eu considero como arte,
sim, principalmente na comunidade, né? É uma arte de rua, inserida nesse espaço
público, levando um pouco para... Saindo da galeria. Eu considero como arte.
24 Observe-se que, aqui, o termo "comunidades" é utilizado como sinônimo para "favelas". Esse processo de
eufemização das condições de desigualdade social deflagradas nos bairros da cidade do Rio de Janeiro vem se
configurando, paulatinamente, desde a década de 1990. Não nos cabe, neste texto, esse debate e, embora não
recorramos usualmente ao termo "comunidade" como substituto de "favela", aqui respeitaremos os significados e
usos dados pelos pesquisados.
25 O pesquisador que aplicou a coleta para esse professor é natural de São Paulo.
26 EBA: Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
54
Ao ser indagado sobre o que significava dizer: "o capitalismo se apropria de tudo, né?
Não tem jeito..."; respondeu:
PB: Isso, para mim, não é bom, isso é um pouco desumano, né? As formas como essas
relações acontecem, de apropriação, né? Porque na verdade, quando o capitalismo se
apropria de um trabalho, desse artista, ele não está se apropriando do artista, ele está se
apropriando do trabalho e esse dinheiro ele vai para o mercado. Eu acho que o
problema é que quando o capitalismo... Dessas apropriações... São as relações
desiguais que acontecem entre quem explora e quem é explorado. Porque se a relação
é igual, então vamos lá, né? Você vende por dezessete, eu ganho tanto... Mas, não,
essas relações são desiguais, então, eu acho que, nesse aspecto... Quando faz circular é
interessante, mas, nesse aspecto da exploração, da apropriação, eu acho que não é
legal.
tom de fatalidade em relação ao poder que o circuito comercial pode exercer sobre outros
valores.
Embora, longe de uma ingenuidade que pretenda atribuir superpoderes ao indivíduo
frente sua simbiose social, admitindo o poder ideológico das relações de mercado em um
sistema político-econômico como o capitalismo, não podemos deixar de contestar que o
embate ideológico se processa, entre outros territórios, também em seu próprio terreno: o da
ideologia. Assim, chamou-nos a atenção que, apesar de tecer críticas às relações de poder
instituídas socialmente no julgamento das obras de arte na contemporaneidade, PB tenha
recorrido aos mesmos juízos de valor ao tecer sua justificativa e não tenha buscado outras
possibilidades argumentativas.
É interessante observar que, em relação a essa imagem não há pontos de convergência
entre as teses defendidas por alunos e professores, o que consideramos um bom indício que
teríamos aí um campo para debates e constituições de saberes novos, a partir da confrontação
entre essas diferentes teses. É perceptível o caráter discursivo e, portanto cultural, do
estabelecimento daquilo que se pode, ou não, considerar arte, inclusive para fins de
organização dos conteúdos curriculares da escola. Começou a delinear-se para nós que a
própria discussão sobre a legitimação de um algo que possa vir a ser considerado arte já
configuraria um interessante conteúdo a ser trabalhado no currículo escolar.
como pelo mercado comercial e museológico; não apontou para uma maior homogeneidade
de argumentação.
Os alunos do segundo ano fundamental mais uma vez recorreram prioritariamente à
definição descritiva para referirem-se à pintura, mas agregaram também, de modo
significativo, argumentos de ligação pela essência em seus discursos. Para nossa surpresa,
pois imaginávamos que haveria unanimidade frente uma imagem tradicional, um dos alunos
de ensino fundamental, pautado em um argumento de ruptura de ligação pelo qual se pode
estabelecer que a fixação de cada objeto em seu campo próprio não é intermutável, não
considerou a obra como sendo uma manifestação de arte. Assim, coloca Df: "isso não é uma
arte. Eu considero mais uma decoração da igreja e não é uma arte".
Os alunos do ensino médio, por sua vez, não utilizaram de modo tão presente a
argumentação pelo vínculo causal, mas destacou-se o argumento de ligação entre o grupo e
seus membros. Já os professores recorreram igualmente ao argumento de autoridade.
Apesar de, no geral, os debates apresentarem recurso a quinze classes de argumentos,
notadamente a incidência da definição descritiva, da ligação entre grupo e membros e da
autoridade é sobrepujante.
Argumento de Autoridade
Ligação à Essência
Definição Descritiva
Vínculo Causal
Pares Filosóficos
Petição de Princípio
Argumento de Sacrifício
Oposição à Interação da Pessoa e seus Atos
Uso de Ironia
O Grupo e seus Membros
Ruptura de Ligação
Dissociação de Noções
57
Ligação à Essência
Pares Filosóficos
A Pessoa e seus Atos
Ruptura de Ligação
e seus Atos
30%
25%
20%
10%
7% 7% 7%
5%
0%
Argumento de Sacrifício
Definição Normativa
Argumento de Autoridade
Ligação à Essência
O Grupo e seus Membros
Vínculo Causal
Deste modo, ao mesmo tempo em que insinua dizer que não consideraria a pintura
como arte ao dar de ombros fisicamente, afirma que é arte, pois está em um contexto em que
"todo mundo considera (arte)" tal objeto.
Por fim, Cm coroa a tese de que a definição sobre a arte é dependente da análise do
contexto sociocultural no qual a definimos, apresentando um argumento que funda a estrutura
do real por analogia de oposição: "eu acho que, se um indígena observasse aquilo, poderia não
considerar arte...". Essa classe de argumentos procura “a partir do caso particular, a lei ou
estrutura que este revela” (PERELMAN, 1999, p. 119), deste modo, para conferir uma
justificativa válida à tese de que a arte só pode ser definida em relação ao seu contexto,
compara por analogia de oposição o binômio ser/não-ser inferindo que aquilo que é arte em
nossa sociedade pode ser não-arte em outras.
Apesar de usarem alguns tipos variados de argumentação que examinaremos a seguir,
os professores pesquisados deram ênfase ao argumento de autoridade. Como a entrevista com
esses participantes era individual e não havia o debate, apenas a colocação por cada um de sua
própria tese e justificativa para tal, as respostas foram rápidas e afirmativas, pois o recurso à
autoridade não requer provas uma vez que esta já está constituída pela autoridade invocada. O
modo de sustentar um debate frente a esse recurso seria o questionamento sobre o valor da
autoridade o que não poderia ocorrer no cenário de nossa investigação.
PA colocou que:
PA: Não reconheço o artista... Não tem nenhuma identificação, mas é uma arte
clássica, feita nos padrões clássicos renascentistas ou barrocos. Tem essa moldura, faz
parte? É que eu pensei que poderia ser uma aplicação... Essa aqui, inclusive, é
considerada como arte (faz sinal de "aspas" com os dedos) dentro dos padrões
acadêmicos.
Inicia, então, sua fala dissociando a noção de arte entre "arte clássica" e outras
deduzíveis que não são definidas verbalmente e afirma que essas artes clássicas são artes, por
assim dizer, no termo da palavra, ao utilizar o sinal de "aspas" com as mãos, ao legitimar a
obra. Reforça também a ideia de que a pintura é arte quando elege a palavra "inclusive" para
60
evocar a autoridade – os cânones acadêmicos – que lhe confere esse status. No caso, o recurso
à autoridade, assim como ocorreu no uso da essência pelos alunos do ensino fundamental,
remete a um ideário universalizante a respeito da arte, um certo a priori que é atemporal e não
espacial, que faz com que o status de arte do objeto não possa ser relativizado nem
compreendido em uma dimensão mais notoriamente sócio-política, como preferiram os alunos
do ensino médio.
PB afirma seguramente a qualidade de arte à pintura e não vê a necessidade de
justificar sua colocação o que nos permite inferir que questionar tal estatuto está fora de caso,
ou seja, a pintura torna-se inerentemente arte: "sim, é arte. É uma louça? Ou é parte de uma
igreja? Não..., não faria diferença. Nesse contexto aqui, não, não faria. Ainda que fosse uma
coisa atual, não é? Uma cerâmica atual... Esse desenho é arte".
De modo geral, em relação a essa imagem, confirmou-se nossa premissa de que ela
geraria uma quase unanimidade quanto a seu estatuto de arte. Ao elegermos Michelângelo
pretendíamos justamente averiguar, entre outras questões que se apresentassem, o poder de
impacto da autoridade acadêmica – discursos de críticos e de pesquisadores do campo das
artes visuais, e teorias já legitimadas sobre o objeto de estudo da arte -, que críamos funda
uma tradição quase universalista que se perpetua por inércia e por precedente, dificilmente
contestável.
O resultado nos leva a observar que a rendição ao tipo de autoridade que supúnhamos
norteadora dos juízos de valor sobre a pintura de Michelângelo se aplicou apenas aos
professores o que nos leva a observar que tal autoridade - da crítica, acadêmica ou literária –
não se perpetua por tradição inerte, mas sim pela apropriação formal de tais conhecimentos o
que se dará, provavelmente, através dos estudos especializados. Esse juízo de valor, portanto,
será característico de um auditório de especialistas e parece não atingir auditórios mais
universais, nem mesmo dentro de um ambiente de estudos como é a escola. O que pareceu
imperar como justificativa que se forma na tradição das culturas para o reconhecimento desta
pintura a partir de parâmetros mais ou menos universais e rígidos foi o reconhecimento de
elementos essenciais e formais que seriam inerentes às artes visuais.
Uma questão pertinente à essência é que admiti-la implica na aceitação das estruturas e
normas que a definem, assim o pensamento que se pauta no lugar da essência tende a ser
normativo. Seria possível imaginar, que esses alunos, ou parte deles, só viessem a aceitar que
uma aula trata de arte se utilizar os recursos materiais que eles definem como inerentes à arte.
Pareceu-nos sugestivo que justamente os alunos de ensino medio tenham sido o grupo
que mais relativizou o status da pintura de Michelângelo. Poderíamos supor que dada sua
61
De modo geral, nossa premissa confirmada, de que a maioria dos pesquisados aceitaria
unanimemente tal imagem como arte, não invalida o debate e a questão polêmica de se buscar
uma definição para a arte nas culturas, vista a pluralidade de lugares e justificativas utilizadas
nas argumentações.
15%
25%
30%
0%
5%
10%
20%
30%
40%
50%
0%
Definição Descritiva
11,90%
Comparação
2,38% 2,38%
Definição
45%
Descritiva Divisão das Partes no Todo
4,76%
A Pessoa e seus Atos
16,67%
Comparação
9%
Vínculo Causal
Argumento de Superação
fundamental
2,38% 2,38% 2,38%
Os Fins e os meios
9,52%
Analogia
2,38%
Ruptura de Ligação
Ruptura de
45%
Ligação Pares Filosóficos
4,76%
Doze Meses - Classes de Argumentos no universo investigado
Desqualificação Ad Persona
Uso de Ironia
2,38% 2,38%
63
64
Pares Filosóficos
Ligação à Essência
Ruptura de Ligação
A Pessoa e seus Atos
Os Fins e os meios
e seus Atos
Entretanto cabe salientar, também, que, no caso destes alunos, a ruptura não anuncia
uma hierarquização entre os diferentes como comumente pode ocorrer. Ao contrário, na fala
de um dos alunos que identifica a conta com o trabalho de seu pai, nada na ruptura a
desqualifica, apenas diferencia:
Gf: Isso completamente não é uma arte porque isso é uma conta de trabalho que é
igual a do meu pai, que ele ganha muita grana com isso.
A ligação de uma definição à sua essência tem sido um recurso comumente pensado
no estudo da arte. Geertz ressalta em seus estudos esse formalismo estético estabelecido por
tradição nas sociedades, em especial nas ocidentais, que se apoia sobremaneira nas qualidades
artesanais das linguagens artísticas:
Em quase todo o mundo, fala-se da arte em termos que poderíamos chamar de
artesanais – progressões de tonalidades, relações entre cores, ou formas prosódicas.
66
Esta tradição é ainda mais comum no Ocidente, onde temas como harmonia ou
composição pictórica desenvolveram-se de tal forma que passaram a ser considerados
como ciências menores e onde o movimento moderno, orientado para um formalismo
estético cujo melhor representante no momento seria o estruturalismo, ou para os
vários tipos de semiótica que buscam seguir-lhe os passos, não são senão uma
tentativa de generalizar esta maneira de ver a arte, tornando-a mais abrangente, e
elaborando uma linguagem técnica capaz de expressar relações internas entre mitos,
poemas, danças ou melodias em termos abstratos e permutáveis (GEERTZ, 1997, pg
144).
A maioria dos alunos de ensino medio vai ao encontro das concepções do antropólogo.
Entretanto, encontramos no grupo, ainda que em minoria, alunos que pensam a arte a partir de
seu formalismo concreto e do ideário de um pensamento que parte do par filosófico que a
entende como relação entre forma/conteúdo. Observamos o seguinte pesquisado que ao
primeiro contato com a imagem coloca que:
Am: Ah, sei lá, eu acho que pode ser considerada arte porque o formato, assim, como
foi elaborado, talvez... Mas, tipo, por outra parte, acho que a informação que tem na
imagem, não seja tanto da arte. Eu penso mais assim...
PA: Um boleto! De luz...? Isso, para mim, é triste, no final do mês... Olha, se a gente
pensar... Deixa eu pensar no boleto da luz... Nas possibilidades... O boleto em si? Ou a
utilização do boleto? É isso aqui que você está me mostrando (gesticula com a mão ao
redor da imagem indicando que se refere à imagem inteira). É, se você pensar que teve
um pensamento, um pensamento de um designer, se houve, de fato, né? Porque não é
muito agradável para mim essa seleção de cores, mas, se houve o pensamento de um
designer aqui por trás da... (a cena afirmativamente com a cabeça), dentro dessa gama
de produção, do pensamento da arte... Mas não o boleto em si: e eu não consideraria
arte. Mas o trabalho de alguém que pensou na estrutura de como apresentar isso daqui.
Agora, se o boleto for utilizado em outra proposta... Fazer uma a... Uma escultura de
boleto de...
Na continuidade de sua fala, recorre ao argumento que relaciona a pessoa e seus atos,
pois evoca a profissão do artista, na tentativa de definir esse sujeito, o que garantiria estatuto
de arte ao objeto. Na sequência, utiliza um lugar da qualidade ao defender que a produção do
único conotaria um status de arte ao objeto diferenciado do sentido de artístico conferido à
produção em escala industrial (no caso, gráfica) e rompe novamente a ligação entre artístico e
arte ao propor que o "estudante de design" pensa que será artista e não o será:
68
PB: Está trabalhando com gráfico, com imagens, com essa noção de projeto, de
construir, né? Por que o estudante de designer ele fica com essa ideia de que ele vai
entrar ali e que vai ser artista. Muitos ficam com essa ideia porque, ao mesmo tempo
em que tem os irmãos Campana que assinam uma peça quando o trabalho deveria ser
um trabalho único; tem o programador visual da light. O que difere ele (diagramador
da Light) dos Campana é a legitimação dentro desse campo porque é claro que esse
aqui está trabalhando em uma esfera menos autoral, digamos assim, é a questão da
assinatura... E, provavelmente, o profissional que fez isso ele foi para o campo da
comunicação visual. Agora, o Campana, por exemplo, ele vai trabalhar com essa coisa
de autor.
15%
11,11%
10%
7,41%
0%
Divisão das Partes no Todo
Ruptura de Ligação
Atitude Prática
Definição Normativa
Tautologia
Uso de Ironia
Definição Descritiva
Os Fins e os meios
Dissociação de Noções
O fato e as consequências
Desqualificação Ad Rem
10%
15%
20%
25%
30%
35%
0%
5%
0%
5%
30%
10%
15%
20%
25%
35%
40%
45%
8%
Definição Normativa
Atitude Prática
8%
Definição Descritiva
15%
Definição Descritiva
25%
38%
8%
O fato e as consequências
Ruptura de Ligação
33%
8%
Os Fins e os meios
fundamental
8%
Ruptura de Ligação Tautologia
8%
Festa Junina - 2º ano do ensino
8%
Dissociação de Noções
Festa Junina - 2º ano do ensino medio
Uso de Ironia
25%
8%
Desqualificação Ad Rem
70
71
Vários colegas posicionam-se do mesmo modo. Notamos que a ruptura teve como
base uma compreensão formalista do que esses alunos entendem por arte, bem como a
circunscrição da arte ao campo das manifestações visuais. Deste modo, ao não identificarem
na imagem um desenho ou uma pintura, não relacionaram aquele acontecimento a um
acontecimento artístico, como observamos em algumas das falas:
Bf: Isso não é uma arte, uma obra de artes porque... Um... É... Tem coisa colorida, mas
não tem nada a haver com a arte.
Af: Não é arte. (E pouco tempo depois, continua, descrevendo a cena) Aqui está cheio
de cabaninhas e também tem algumas coisas que são difíceis de desenhar, tipo as
árvores um pouquinho abertas e também aquele monte de buraquinhos.
Im utiliza o lugar da qualidade para considerar que a festa não é uma forma de arte, já
que, ao repetir-se anualmente, não agrega a qualidade de originalidade reclamada às
manifestações artísticas. Podemos considerar que esse juízo também tem sua base em certo
formalismo canônico cuja tradição remonta ao renascimento:
Im: Eu pensei isso: se uma festa é arte e eu não sei... Senão arte seria uma coisa
repetitiva, como a festa junina, todo ano tem. Então, é a mesma arte todo ano.
No bojo da discussão que se deu entre os alunos que avaliavam em que medida
"tradição", "folclore" e "arte" são, ou não, intercambiáveis, Em apresenta um argumento ad
rem, ao utilizar o advérbio "só", que notoriamente desqualifica as manifestações estéticas que
se impõem por tradição de determinada cultura:
73
Em: Não. Ah, porque é só uma festa junina, é uma tradição, mas, se for olhar os
componentes nela, talvez seja...
que "são manifestações artísticas mais populares" remete-nos à questão de classe, como se o
universo no qual habitam os artistas não fosse o universo do povo aonde habitam e como se o
próprio artista não fosse parte do povo, parte do "popular".
A esse respeito nos interessa trazer algumas contribuições que nos auxiliem a pensar
historicamente a profissionalização do artista a partir do modernismo à contemporaneidade,
de modo a elaborar criticamente a dissociação entre o artista "do povo" e o "Artista",
enquanto tal.
Em "Arte para quê?: a preocupação social na arte brasileira, 1930-1970" Aracy
Amaral (1984, pg 04) coloca que
Antes da separação artista-artífice, aquele que se iniciava como aprendiz numa
corporação de ofício visava à sua profissionalização para um fim definido: ser pintor
real, retratista da burguesia, ourives, escultor de peças comemorativas de
personalidades ou eventos, produtor de vitrais, de mobiliário, encarnador de imagens,
tapeceiro para ambientes luxuosos, ilustrador de livros, decorador, etc. A partir do
século XIX (...) observamos uma alteração da função social da arte e vemos artistas
(...) que, embora objetivando a venda de sua produção para sua sobrevivência, pintam
em pura especulação. (...) O mercado, o reconhecimento por outros fora de seu círculo
imediato, é fenômeno posterior a seu trabalho, e independente dele. E esse
desligamento grave do artista da sociedade dentro da qual vive não deixou de ser uma
ruptura, consequência da postura romântica.
criadora, é fator que até hoje acarreta bastante confusão. (...) A arte do povo era, então,
contraposta a outras espécies de arte como fenômeno "natural", em oposição aos
fenômenos "manufaturados", sua "anonimidade" era considerada prova de ter sido
espontaneamente criada por uma misteriosa comunidade não-individualizada e sem
consciência. (...) Sem dúvida, a arte do povo expressa algo que é comum a muitos e
reflete, assim, as ideias da comunidade; porém isso é verdadeiro não só para a arte do
povo como para toda arte.
maioria dos pesquisados conheceria a obra, por sua ampla divulgação. Deste modo,
imaginamos que seria um bom referencial para que os pesquisados pudessem debater
justamente a intencionalidade no processo criativo, que nos parece um debate presente na
escola. Para nossa surpresa, apenas 50% dos pesquisados admitiu a obra como sendo
representação de arte (que nos pareceu um índice baixo), contra 28,5% de pesquisados que
disseram que não era arte (entre estes, efetivamente, 100% dos alunos do ensino fundamental)
e outros 21,5% que responderam talvez, alegando que reconheciam o objeto como arte, tento
em consideração a autoridade do saber instituído, mas que, se supusessem ignorar o contexto
da obra, não a considerariam arte.
Em um universo de dez classes de argumentos utilizados para o debate desta obra,
quatro se apresentaram com igual reincidência: o argumento de autoridade, a ligação à
essência, o vínculo causal e a ruptura de ligação, fosse em sua defesa como arte, ou como
não-arte.
4%
2%
0%
Argumento de Autoridade
Vínculo Causal
Exemplo
Atitude Lógica
Ligação à Essência
Uso de Ironia
A Pessoa e seus Atos
Os Fins e os meios
Ruptura de Ligação
Dissociação de Noções
77
Uso de Ironia
Ruptura de Ligação
15%
9% 9% 9% 9%
10%
5%
0%
Argumento de Autoridade
Vínculo Causal
Ligação à Essência
Ruptura de Ligação
Exemplo
A Pessoa e seus Atos
Os Fins e os meios
interrompiam ao falar. Gf inaugurou o debate e, após fazer sua argumentação, foi imitado
pelos demais;
Gf: Isso não parece um penico por que... E também não é uma obra de arte porque é
um penico que não tem... Não tem... Não tem... Descarga, (ajudado pelos amigos)
conforto para sentar e isso não é uma obra de arte por causa que ninguém desenhou
isso daqui. Parece que compraram, é, compraram em 1917, por causa que estava
escrito aqui e também estava escrito a rua, mas eu não vou dizer porque eu não quero.
É interessante notar que ele observou a assinatura "R. Mutt 1917", mas possivelmente
a letra "r" levou-o a significar aquela interferência como um endereço de loja e não como uma
assinatura. Deste modo, usou um argumento de ruptura de ligação apoiado, como ocorreu em
imagens anteriores, em uma análise que buscava elementos formais das artes plásticas (um
desenho, uma pintura, o traço, etc) e ao não encontrá-los rompeu com qualquer possibilidade
de ligação daquele objeto ao universo da arte.
As demais crianças também foram categóricas no uso do argumento de ruptura com a
mesma base e não houve debate acerca da imagem.
Já para os alunos de ensino medio a imagem revelou-se mais polêmica. A maioria
reconheceu o objeto como objeto de arte e em suas justificativas apoiaram-se no argumento
de vínculo causal, alegando que a qualificação da obra estava diretamente relacionada a uma
intenção que estava na causa de sua execução pelo artista.
Foi uma surpresa interessante saber, logo na fala do primeiro aluno que se manifestou
sobre a imagem, que alguns já tinham informação sobre a obra e que essa foi trazida pelo
professor da escola. Isso corroborou nossa hipótese para a escolha, de que haveria chance dos
pesquisados já terem tido contato com A Fonte. Entretanto, embora tenha assimilado o
conceito, ao final de sua fala Bm, referindo-se à imagem à sua frente, afirma que ali talvez
não seja o mesmo caso trazido pelo professor:
Bm: Tipo, eu não sei se é esse o caso, mas a professora já falou de um cara que pegou
um penico e botou no meio de uma exposição (risos da turma que corrigiu a palavra
"penico", substituindo-a por "mictório"). Sei lá, mictório, não sei. Eu não sei
exatamente o que ele botou, ele botou no meio de uma exposição para fazer uma
crítica, nesse ato, sim, eu acho que pode ser considerado arte, mas nesse caso eu não
sei...