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Medievalia, 53:1, abr-sept, año 2021: 191-219

DOI: https://doi.org/10.19130/medievalia.2021.53.1.25628

Uma teoria digital do feudalismo: dinastia,


poder, vassalagem e Estado no game
Crusader Kings (2012-2020)

A Digital Theory of Feudalism: Dynasty,


Power, Vassalage and State in the Game
Crusader Kings (2012-2020)

Felipe Augusto Ribeiro


Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
felipe.far@ufpe.br

Resumo

Este texto trata da representação de elementos considerados “medievais” no mundo dos video-
games. Abordando a série Crusader Kings, ele investiga como os desenvolvedores do jogo opera-
ram alguns conceitos caros à História Medieval, como dinastia (ou família), vassalagem e Esta-
do, a fim de propor desafios capazes de entreter os jogadores. A problematização lançada sobre a
obra passa por algumas perguntas: como o game retrata a dinastia ou a família medieval? Como
ele compreende a vassalagem? Que conceitos tem de poder, feudalismo e Estado? Em vista
delas, o trabalho objetiva fazer uma análise introdutória ao título, mediante o emprego de um
método descritivo que observa, parte a parte, os elementos centrais do jogo. Partindo da premis-
sa de que os videogames, enquanto obras da cultura neomedievalista, assumem e reconstroem
visões particulares da História, a reflexão esboça uma hipótese: a de que, para dar significado aos
desafios que deseja propor aos jogadores, o game veicularia uma verdadeira teoria digital do que
teria sido a Idade Média, com o seu feudalismo supostamente intrínseco.

Palavras-chave: game, feudalismo, vassalagem, Estado, neomedievalismo

Abstract
This paper deals with the representation of elements considered “medieval” in the world of
videogames. Approaching the Crusader Kings series, it investigates how the game’s developers
operated some important concepts in Medieval History, such as dynasty (or family), vassala-
ge and State. The problematization involves some questions: how does the game portray a dy-
nasty or a medieval family? How does it understand vassalage? What concepts it has of power,
feudalism and State? With such questions, the work aims to make an introductory analysis to
the game, using a descriptive method that observe, part by part, its basic elements. Based on

191
Uma teoria digital do feudalismo

the premise that videogames, as works of neo-medievalist culture, assume and reconstruct
visions of History, the paper outlines a hypothesis: in order to give meaning to the challenges
that it poses to players, the game would convey a true “digital theory” of what the Middle Ages
would have been, with its supposedly intrinsic feudalism.

Keywords: game, feudalism, vassality, State, neomedievalism

Fecha de recepción: 12/12/2020


Fecha de aceptación: 12/03/2021

192 R ecentemente, no dia 1º de setembro de 2020, o estúdio sueco Para-


dox1 lançou a nova versão da sua mais popular série de jogos eletrôni-
cos: Crusader Kings III. O game, feito para plataformas de computa-
dor, foi muito aguardado pelos fãs da franquia, reputada como o melhor título
do subgênero grand strategy, pertencente ao gênero dos jogos de estratégia.2
Até aqui, transcorridos alguns dias desde o lançamento, o jogo tem recebido
boas avaliações e sido aclamado pelos fãs e pela crítica especializada.3
Uma das principais características de Crusader Kings é o seu enredo
historicizado. Em uma escolha inusual dentro do seu ramo, o game coloca o
jogador no comando de uma dinastia, que ele deve fazer sobreviver durante

1
A Paradox é tanto a desenvolvedora do game, por meio da Paradox Development, quan-
to a sua distribuidora, por meio da Paradox Interactive. Para o lançamento, ela montou um
hotsite exclusivo que concentra todas as informações sobre o título, inclusive seu trailer (dis-
ponível em: https://www.crusaderkings.com/en. Acesso em: 29 set 2020).
2
As classificações dos games são bastante fluidas: não há, para eles, um catálogo universal
e definitivo. A tipificação depende da perspectiva de cada analista. Aqui, optei por aceitar a
classificação feita pela própria produtora —aceita também por alguns críticos— e anunciada
em seu site (Paradox, Crusader Kings III), mas outros rótulos podem ser encontrados pela in-
ternet, como o de dynasty simulator (Wikipedia, Crusader Kings II) e mesmo o de role-playing
game (Hall, Crusader Kings 3 is one; Borsili, “Crusader Kings III Review”). Uma definição sobre
os grand strategy games pode ser encontrada na própria Wikipedia (Grand Strategy Wargame).
3
Crusader Kings II já gozava de ótima reputação entre os gamers, mas tem havido consenso
em concluir que ele tinha alguns defeitos de jogabilidade, os quais a terceira versão da série co-
rrige. A recepção do lançamento no exterior pode ser vista em sites como o Metacritic (Crusader
Kings III) e o NME (Oloman, Crusader Kings 3 Review). Em seu preview para o portal IGN, Ha-
fer (Crusader Kings 3 Review) saudou a chegada do título de modo entusiástico: “vida longa ao
novo rei da estratégia histórica”. No PC Gamer, Fraser Brown (Crusader Kings 3 Review) acolheu-o
do mesmo modo, afirmando que havia chegado um “novo Rei Cruzado ao trono”. Outros adje-
tivos usados pelos críticos foram “majestoso”, “soberbo” e “épico”. No Brasil a recepção tem sido
similar (Moura, “Análise”; Murilo, “Análise”; Seixas, “Crítica”); no portal Gamerview, Stábile
(“Crusader Kings III”) chegou a afirmar que o jogo já “mora sozinho em um Olimpo só seu”.

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toda a “Idade Média”: ele pode começar o jogo em diversos momentos do


medievo, mas em todos os casos o jogo dura, no máximo, até 1453, ano da
“Queda de Constantinopla”.4 Ao longo desse tempo, o jogador é colocado
diante de vários desafios, que, grosso modo, giram em torno de uma missão
primordial: enquanto líder familiar, ele deve governar o próprio Estado (que
pode ser um condado, ducado, reino ou império),5 composto por dois eixos,
os vassalos e o território. Tendo em vista essas três funções —dinastia ou fa-
mília, vassalagem e território— ele deve realizar uma série de tarefas: legislar,
presidir o conselho administrativo do Estado, cobrar impostos, fazer guerras,
promover o desenvolvimento cultural e tecnológico de sua sociedade, entre
outros. Todavia, ele deve conduzi-las não em prol de um bem comum ou de
qualquer interesse coletivo, popular, nacional; ele deve governar pensando
única e exclusivamente na sobrevivência de sua linhagem, pois o jogo acaba 193
e ele perde caso o seu personagem morra (assassinado, adoecido, em batalha
ou mesmo de velhice) sem deixar herdeiros.
Desse modo, o game sintetiza e reproduz uma perspectiva peculiar so-
bre questões bastante caras à História Medieval. Tal operação não é acidental:
os executivos da Paradox anunciam ao seu público que a série é produzida
com a maior fidelidade histórica possível, alcançada por meio de consultorias
junto a medievalistas,6 ainda que ele mescle história e ficção, na medida em

4
Embora Moura (“Análise”) tenha cogitado: “ninguém de fato termina uma partida de
um jogo da Paradox”, dada a sua tradição de produzir games complicados e longos (consagra-
da no próprio nome da empresa). Como o título da série denuncia, ela tem um forte cunho
“cruzadista”, que foi reforçado na expansão “Deus vult”, lançada em 2007 para a primeira ver-
são do jogo, que data de 2004. Por privilegiar contextos de conquista, a ambientação padrão
de Crusader Kings começa em 1066, ano da Batalha de Hastings. Na segunda edição, data-
da de 2012, o ponto de início do jogo foi diversificado por meio do lançamento de diversos
downloadable contents (DLCs) que permitem ao jogador começar a sua saga no período ca-
rolíngio ou na “era viking”, por exemplo. Já na terceira edição uma parte desse conteúdo foi
incorporada ao jogo-base, que dá ao jogador duas opções de início: 867 ou 1066. O percurso
de modificações da série está sumarizado nos verbetes da Wikipedia (Crusader Kings III; Cru-
sader Kings II; Crusader Kings).
5
Há, ainda, os baronatos, as menores unidades sociopolíticas do jogo sejam, porém não é
possível jogar como um barão.
6
Um dos consultores da Paradox é Robert Houghton (“It’s What you do with it Thats
Counts”), que descreveu como se procedia à consultoria: “esse grupo [os beta-testers do pro-
duto] compreende acadêmicos interessados [em games], historiadores amadores, estudantes
e jogadores que apoiam a pesquisa por trás do jogo. A sua base de dados é compilada a partir
de notas de aula e pesquisa, consulta a livros e sites e, ocasionalmente, pesquisas originais em
fontes históricas”. A função da consultoria é, basicamente, colaborar para a precisão das repre-
sentações genealógicas, feudovassálicas e territoriais. O autor frisou: “mas este é um jogo, não

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que as ações do jogador, por serem relativamente livres e imprevistas, podem


envolver personagens fictícios e engendrar acontecimentos fora da história.
O apelo histórico da série é tamanho que os fãs o consideram o título mais
detalhista e verossímil do mercado —e isso é, para eles, o seu maior trunfo, o
seu grande diferencial—.
Neste trabalho, meu objetivo é investigar como esse jogo representa e
opera os elementos supramencionados, como ele retrata a dinastia ou a famí-
lia medieval, como compreende a vassalagem e que conceito tem de feuda-
lismo e de Estado. Para responder a essas perguntas, farei, à guisa de método,
uma descrição crítica do game, observando tais aspectos passo-a-passo, sem a
pretensão de esgotá-lo. Partindo da premissa de que os videogames, enquan-
to obras da cultura neomedievalista, assumem e reconstroem visões particu-
194 lares da História, tentarei concluir o texto com uma hipótese, a de que, para
dar significado aos desafios que deseja propor aos jogadores, CK veicularia
uma verdadeira teoria digital do que teria sido a Idade Média, com o seu feu-
dalismo supostamente intrínseco.
Para este estudo, adquiri cópias licenciadas do jogo, por meio da plata-
forma Steam, da empresa Valve.7 Ele não possui tradução para o português,
portanto, as traduções de textos do jogo que ocorrem aqui são de minha au-
toria. O game traz o modo de jogo multiplayer, porém não irei abordá-lo, pois
ele carece de outros métodos e técnicas de aproximação; ater-me-ei aos modos
históricos de jogo, isto é, às campanhas. Exceto quando indiquei o contrário, as
imagens do jogo foram capturas de tela (prints) feitas por mim, com a licença
mencionada. Visto que não tive acesso ao primeiro título da série, abordarei
somente Crusader Kings II e Crusader Kings III (doravante, CK 2 e 3).

Descrição: aspectos gerais

Desde as suas imagens publicitárias e trailers promocionais, CK anuncia


uma Idade Média caracterizada por duas facetas: de um lado, uma época

um projeto de pesquisa acadêmica”, por isso a acurácia da mecânica que se deseja implantar
é mais importante do que a precisão histórica; esta reforça aquela, e não o contrário. O limite
da acurácia é a jogabilidade.
7
STEAM. Crusader Kings III. Bellevue (Washington): Valve, 2020. Disponível em: https:
//store.steampowered.com/agecheck/app/1158310/. Acesso em: 30 set 2020. CK2 está,
atualmente, disponível de forma gratuita na plataforma, mas os seus inúmeros DLCs ainda são
pagos: STEAM. Crusader Kings II. Bellevue (Washington): Valve, 2020. Disponível em: https:
//store.steampowered.com/app/203770/Crusader_Kings_II/. Acesso em: 30 set 2020.

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extremamente belicosa, na qual funções “tangenciais” de governo, como a


tributação, destina-se, sobretudo, ao recrutamento e à manutenção de sol-
dados cujo emprego é, sobretudo, fazer guerra —especialmente as “Guerras
Santas”, isto é, as Cruzadas contra os muçulmanos, travadas majoritariamente
na Península Ibérica e no Oriente Médio—. De outro, ele enfatiza aspectos
mais “microscópicos” da política medieval: a conspiração, o matrimônio, a
vida religiosa e o relacionamento com os nobres que compõem a sua corte
e com líderes estrangeiros, como os papas (Paradox, Crusader Kings II).8 As
ameaças internas e externas ao Estado constituem, em resumo, os dois gran-
des desafios vendidos como atrativos para que os consumidores se interes-
sem pelo produto.
A mudança temática entre as duas imagens abaixo reflete uma alteração
no próprio escopo do jogo, que, de uma versão à outra, simplificou a reali- 195
zação de guerras enquanto complexificou a diplomacia e as relações inter-
pessoais entre o personagem do jogador e os inumeráveis personagens do
computador.
Ao iniciar o game, enquanto o computador o carrega, o software ofe-
rece dicas de jogo,9 com enunciados curtos escritos sobre imagens, como as

8
O trailer de CK3 anuncia-o como o mais novo herdeiro da série —vide o lema da pro-
paganda do produto: “an heir is born!”— ao mesmo em que convoca o jogador, representado
por um bebê recém-nascido, a assumir o lugar do irmão, assassinado pela conspiração de seus
inimigos. Assim, ele se apresenta como uma estória de vingança familiar, em que os perigos e a
violência medieval forjam um homem forte, resistente e corajoso. O vídeo também apresenta
cenas de combate, casamento e administração, e arremata o seu texto, declamado por um na-
rrador, com um aforisma: “o primeiro passo para evitar uma armadilha é saber que ela existe”.
A frase enfatiza o aspecto que a nova versão da série optou por privilegiar: a construção da rede
de informações que embasa a tessitura de intrigas e do conhecimento que sustenta a estratégia.
9
Uma das dicas de CK2 é: “todos os seus filhos reclamarão os seus títulos”, que serve
para alertar o jogador sobre a importância de gerir cautelosamente as sucessões dinásticas.
Outra dica instrui o jogador sobre quais recursos ele deve dispender para agradar nobres e
clérigos: prestígio e piedade, respectivamente (acrescentando que só existe um recurso capaz
de satisfazer, igualmente, a todos: o dinheiro). Esta tip é interessante porque diferencia os
vassalos por classes, definindo-os por meio de categorias distintas de interesses, o simbólico e
o religioso —poderíamos, aqui, pensar tais recursos com o conceito de capital segundo Pierre
Bourdieu, que formulou diferentes formas para ele (para tanto, ver as discussões feitas no
glossário organizado por Catani et al. (Vocabulário Bourdieu)— mas termina sacramentando
a visão tradicional de que o recurso supremo, que se impõe a todos os outros na definição
dos interesses dos indivíduos, é o material. Nessa perspectiva, as classes medievais seriam, a
princípio, em uma camada superficial, definidas pelo seu interesse em acumular modalidades
diferentes de capital, mas todas se submeteriam, no final das contas, ao interesse pela acumu-
lação da forma “primordial” do capital: a material.

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Figura 1. Imagens publicitárias de CK2 e CK3, respectivamente10

citadas abaixo, que continuam desenvolvendo a temática da série: casamen-


tos, o nascimento de herdeiros, a vida régia nos palácios e a guerra. A sucessão
de ilustrações é acompanhada por uma trilha sonora que alterna entre o canto
gregoriano, solene, e músicas modernas, que conferem a ele, mesmo durante
o jogo, climas épicos —acionados durante os combates— e ares mais ame-
nos, ativados pelo programa durante as cenas domésticas. O aspecto sonoro
dos games é, porém, demasiado complexo e eu não o explorarei aqui.

10
Fonte: BRITGAMER. Crusader Kings II / Crusader Kings III. Disponível em: https: //
www.britgamer.co.uk/game/6908/crusader-kings-ii e https://www.britgamer.co.uk/game/
6931/crusader-kings-iii. Acesso em: 30 set 2020. Na primeira figura, um cavaleiro e seu cas-
telo; na segunda, um rei com a sua esposa e conselheira (segurando um livro, símbolo do
conhe­cimento), à esquerda, e seu espião, à direita (segurando uma serpente, símbolo da insídia).
A mudança na imagem publicitária prenuncia uma mudança na ênfase do jogo: da guerra
(mais presente em CK2, porém simplificada em CK3) para a estratégia. Como se pode ver
na primeira capa, CK tem classificações etárias que proíbem a venda do jogo a crianças, pois
retrata violência, nudez e atos sexuais.

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Figura 2. Telas de loading de CK2 e CK3, respectivamente,


com as dicas na base da imagem

Os games de estratégia se subdividem entre aqueles que são jogados em


tempo real (real-time strategy, ou RTS) e os que são jogados em turnos, inter-
calados por pausas (turn-based strategy, ou TBS). CK mistura os dois estilos:
nele, as pausas são uma opção, não uma mecânica obrigatória.11 Quando não
está em pausa, o tempo de jogo passa dia a dia (sempre no calendário julia-
no).12 Conforme o tempo corre os personagens envelhecem e os aconteci-
mentos se desenrolam, segundo a interação entre o jogador e o programa.

11
Neste quesito o game se assemelha à série Total war: medieval (do estúdio Creative Assem-
bly, 2002, com reedição em 2006) e se diferencia de Civilizations (do MicroProse, com várias
edições desde 1991), seus congêneres, aos quais é frequentemente comparado; neste as pausas
são obrigatórias, não há como desfazer o sistema de turnos, enquanto naquele elas são opcionais.
12
Em ambas as versões, o jogador pode controlar o ritmo do jogo, alterando a sua velo-
cidade. CK3 trouxe, ainda, uma dimensão de avanço tecnológico que depende da evolução
histórica: algumas “invenções” —armas de cerco aceleram assédios— só ficam disponíveis
com o passar do tempo, ao passo que na segunda versão todo o desenvolvimento depende das
pesquisas que o jogador manda seus conselheiros fazerem. Em ambos os casos, contudo, as
“descobertas” dependem da área do conhecimento na qual o jogador escolhe investir: costu-
mes, armas, entre outras.

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Em CK2 não há níveis padronizados de dificuldade que o jogador possa


escolher; a cada dinastia, com as suas particulares condições de jogo (atributos
dos personagens, tamanho e riqueza do Estado, quantidade de recursos e vas-
salos disponíveis e até o contexto político, mais ou menos restritivo e perigo-
so), é atribuída uma dificuldade, que ele deve levar em conta ao optar pelo per-
sonagem com o qual começará a sua campanha.13 Em CK3 essa dinâmica foi
retirada e, à exceção da campanha do “Petty King Murchad”, da Irlanda (cuja
campanha começa em 1066), que serve de tutorial (e, por isso, tem menor
grau de desafio) para os gamers iniciantes, todas as demais dinastias parecem
ser jogáveis com o mesmo nível de dificuldade. Essa opção dos desenvolvedo-
res traduz uma ideia bastante peculiar: a de que a trajetória histórica de certas
famílias ilustres, de certas unidades políticas, foi mais fácil do que outras, em
198 função de variáveis psicológicas e sociais: a personalidade e os talentos ou de-
feitos individuais, a posição na hierarquia aristocrática, a posse de algum cargo
administrativo e a quantidade de tesouro disponível.

Figura 3. Tela inicial de CK3. A família representada muda para retratar


as mudanças dos personagens: envelhecimento, adoecimento, morte
(os próprios membros são trocados) etc.14

13
O governante cuja situação inicial é considerada a de menor dificuldade é Afonso VI de
Leão (que inicia sua jornada em 1066), que integra o tutorial de CK2.
14
Entre CK2 e CK3, a aproximação com a série televisiva Game of Thrones (HBO, 2011-
2019) é notável, desde a estética dos personagens (roupas, adornos, trejeitos) até o drama
(Borsili, “Crusader Kings III Review”; Brown, Crusader Kings 3 Review).

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CK não tem, necessariamente, objetivos ou metas a alcançar: é um jogo


de sobrevivência familiar. É certo que, durante a vida de sua linhagem, o game
quantifica a performance do jogador, atribuindo pontos a seus feitos e con-
quistas; todavia, tais pontos não têm caráter competitivo e servem apenas
para mensurar o desempenho do jogador.

Tema e sistema
Com o foco na dinastia, o papel da linhagem, da ancestralidade, da árvore genea-
lógica, da heráldica e da hierarquia nobiliárquica e militar, em CK, é premente. O
game, nas duas versões aqui tratadas, é pródigo em representá-las (imagem abaixo).
Além delas, cada personagem conta com um elenco enorme de outros laços so-
ciais: além de seus familiares (consanguíneos ou adotivos, em diversos graus: 199
avôs, tios, primos, irmãos, filhos etc. Há, pois, uma dimensão de família amplia-
da, artificial, que se une à natural de modo bastante orgânico, ainda que adoções e
a ilegitimidade de filhos bastardos possam, eventualmente, gerar conflitos), cada
personagem se relaciona com a sua corte, seus vassalos —diretos e indiretos—
seu clero, aliados, inimigos, embaixadores e vários outros tipos de personagens.15

Figura 4. Telas de personagem de CK2 e CK3, respectivamente16

15
Para uma análise de como a família medieval excedia, em muito, o parentesco “natural”
—carnal, sanguíneo ou genético— e abarcava relações de fidelidade, compromisso e trabalho,
além de laços espirituais (firmados no batismo e na ordenação eclesial, por exemplo), ver Bovo
(“Os caminhos da sociabilidade feudal”).
16
Em CK2 essas telas possuem um botão (no alto, ao lado do nome da Duquesa Matilde da
Toscana) que direciona o jogador para verbetes da Wikipedia em língua inglesa, mostrando a

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Dentro da imensa rede de laços sociais que o jogo constrói, a vida subje-
tiva dos personagens também é decisiva. Cada um deles é descrito mediante
uma série de atributos e qualidades nominais que mediam a sua relação com
o mundo. Visto que se trata de um programa computacional, que funciona
através de cálculos matemáticos e de probabilidades, toda característica é, de
algum modo, quantitativa ou qualitativamente, mensurada e transformada
em estatística: os atributos são medidos de 0 a 100 e, além deles, a cada per-
sonagem são atribuídos vários “traços” (traits), como “guloso” e “diligente”;
tais rótulos modificam contingencialmente os atributos do personagem ao
lhe impor vantagens ou penalidades no relacionamento com os outros e na
execução de tarefas. Outros fatores também influenciam os atributos do per-
sonagem, como a sua herança genética (ele herda qualidades e defeitos dos
200 ancestrais), a educação que ele recebe enquanto infante, sua religião e sua
saúde, que pode ser afetada por ferimentos durante as batalhas, por doenças e
pela idade.17 Essa conjunção de fatores transforma tanto os personagens que
os seus portraits mudam ao longo do jogo: eles vestem e desvestem armadu-
ras quando vão à guerra —ou trajes religiosos, quando consagram suas vidas
(no caso de freiras e monges) ou são eleitos a sés (no caso de bispos)— em-
punham signos do poder (coroas, cetros etc.) de acordo com as posições que
ocupam e ficam obesos, doentes e grisalhos.18

preocupação dos desenvolvedores em amparar historicamente o seu produto, permitindo, inclusive,


que o jogador checasse as fontes utilizadas. CK3, contudo, aboliu tais botões, substituindo-os por
uma encyclopedia própria, interna ao software, que, porém, não remete a textos biográficos, mas a
cada um dos conceitos que rege o sistema de jogo (como celibato, sequestro e absolutismo). Embo-
ra tenha abdicado de explicitar, para o jogador, seu referencial biográfico, em prol do investimento
numa explicação pormenorizada dos conceitos de jogo (demanda que era feita pelos consumidores
desde CK2), a novidade não deixa de ser uma ferramenta “historiográfica” embutida no game, pois
os conceitos da encyclopedia indicam como os produtores veem e consideram ter operado vários
conceitos da história medieval. Por fim, note-se que a transposição dos gráficos 2D de CK2 para a
tecnologia 3D permitiu que os portraits fossem mais detalhados e animados.
17
Os atributos são diplomacy, martial, stewardship, intrigue e learning, cada um deles vincu-
lado a uma função de governo, para a qual o atributo é a estatística que determina o sucesso
ou fracasso da tarefa executada. O número de traits é maior; no caso de CK2, a lista deles, bem
como dos fatores que os condicionam, pode ser consultada na Wiki que os fãs criaram para a
série: WIKI. Traits. [S. l.: s. n.], 2020. Disponível em: https://ck2.paradoxwikis.com/Traits.
Acesso em: 30 set 2020.
18
Em CK3 a conjunção entre o indivíduo e a dinastia é ainda maior, pois, se ele for o
patriarca da família, pode deixar legados para os seus herdeiros. Tais legados são regulados
por um novo recurso, o renome, cujos pontos o jogador usa para comprar os legados, caracte-
rísticas que passam a ser partilhadas por todos os seus descendentes. A nova versão também
aumentou o grau de customização dos retratos, dando ao jogador a possibilidade de mudar

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CK2 se apresenta como um jogo sobre o poder, operado mediante in-


trigas entre facções, famílias ou indivíduos isolados. Nele, a ação humana é
inteiramente movida pelo desejo de algum tipo de poder ou prestígio, mesmo
o simbólico e o religioso: o jogador pode sempre atribuir ao seu persona-
gem uma ambição, e elas são bastante variadas: acumular riqueza, casar-se,
ter filhos e filhas, melhorar algum de seus atributos, tornar-se um modelo de
virtude laica, tornar-se um santo, etc. Em CK3, porém, as ambições foram
substituídas por um “estilo de vida”, conceito que insere nele uma lógica de
role-playing game (RPG), na qual o jogador deve desenvolver as estatísticas
de seu personagem, concentrando-se no percurso de refinamento de um dos
cinco atributos. Com isso, o novo título deslocou parcialmente o enquadra-
mento da série, transferindo um pouco da ênfase na administração política
para o cultivo de uma persona. Segundo os comentaristas citados, o movi- 201
mento foi uma resposta às críticas feitas à segunda edição, quanto à aleato-
riedade que o sem-número de fatores imprimiam ao jogo, tornando difícil o
planejamento e a execução das estratégias; CK3 retirou certa carga dos desa-
fios, depositada no campo incontrolável das relações sociais, para colocá-la na
esfera individual, onde a agência do jogador é mais segura.19
Um aspecto de CK se destaca: dentre os games desse ramo, é o que mais
abre espaço à agência feminina, pois está cheio de personagens mulheres e não
impede que o jogador escolha interpretá-las, nem que ele construa o seu go-
verno em torno delas, nem escapa ao fato de que os personagens masculinos
precisam, eventualmente, negociar com mulheres em posições de poder. Tal
abertura, contudo, não chega a colocar as personagens femininas em pé de
igualdade com as masculinas: o jogo alerta que as sociedades retratadas, pa-
triarcais, tendem a resistir ao exercício de poder por mulheres, o que configura
um desafio a mais que pode desestimular a opção por personagens femininas.
As relações entre homens e mulheres acontecem, sobretudo, por intermé-
dio do casamento. Ele é um dos principais mecanismos que o jogo oferece para

a aparência de seu avatar, trocando suas roupas e adornos; o jogo também permite, agora,
que ele escolha o nome de seus filhos; em CK2 essas duas features eram aleatórias, definidas
exclusivamente pelo computador.
19
O novo título tenta impor ao jogador, de fato, uma interpretação de papel, por meio
do mecanismo de “estresse”: um personagem fica estressado quando o jogador o força a agir
contra o que os seus traços dizem (quando um homem generoso toma uma ação egoísta, por
exemplo) e esse desgaste prejudica a sua saúde, colocando-o em risco. Assim, se o jogador
quer sobreviver e preservar a sua família, deve se comportar de acordo com o script do per-
sonagem e evitar contrariá-lo. Os limites e papéis da agência humana nos videogames são
discutidos por Carvalho (“History and Human Agency”).

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que o jogador teça alianças e cesse conflitos com outras famílias —ou dentro da
própria família, pois relações incestuosas e adúlteras são possíveis—. Ele pode,
inclusive, providenciar o noivado de menores de idade (meninos e meninas até
os quinze anos), até com adultos, mas os casamentos só são consumados após
a maioridade deles. O matrimônio é crucial porque pode dar ao personagem
—homem ou mulher, pois o ato pode ter base matrilinear— uma descendên-
cia legítima, imprescindível para a sobrevivência da linhagem;20 o jogador pode
gerar filhos bastardos e pode até legitimá-los após o nascimento, mas isso pode
escandalizar sua corte e despertar a fúria do seu ou da sua cônjuge. A aceitação
de uma proposta de casamento depende da estirpe e do status do proponente e
pode ser negociada em função dos interesses de cada parte. Não há troca de do-
tes, mas a celebração da aliança diplomática é garantida, e os cônjuges ganham
202 prestígio se casando com parceiros de boa linhagem e reputação. O casamento
pode abrir ao personagem a possibilidade de herdar o Estado do parceiro ou
parceira. Por fim, é possível pedir divórcio, mas não se pode repudiar o cônjuge;
se um parceiro ou parceira quer dissolver seu matrimônio, precisa que seu líder
religioso permita, mediante a apresentação de uma justificativa plausível (como
a infidelidade do cônjuge) ou até de um suborno.
CK tem outros dispositivos micro relacionais. Um jogador que quer se di-
vorciar, mas não consegue, pode pedir a seus vassalos que armem um esquema
para assassinar o cônjuge. Os assassinatos estão entre as principais maneiras que
o jogador tem para eliminar opositores e rivais sem precisar da guerra. Alterna-
tivas são a prisão, o suborno, a troca de presentes (em dinheiro), a conversão re-
ligiosa e a excomunhão.21Visto que o conflito depende basicamente da opinião
que um personagem tem sobre o outro —medida de -100 (opinião negativa)
a +100 (opinião positiva) — podem-se, ainda, organizar torneios, justas, ban-
quetes e festivais, que melhoram a opinião pública, de maneira geral.22

20
A educação dos filhos também pode ensejar relações diplomáticas, porque eles podem
ser entregues à tutela de guardiões. Além da herança genética, a educação também determina
os atributos e traços que as crianças desenvolvem até a idade adulta; elas tendem a ter as quali-
dades e defeitos parecidos com os dos tutores, sejam eles seus pais ou não. Assim, se o jogador
quer demonstrar boa-fé para um personagem e fazer com que o seu herdeiro fortaleça uma ou
outra característica, pode entregar seu filho à tutela de um aliado potencial.
21
Se o jogador tenta aprisionar um personagem e falha, ele foge do país e se exila; do exílio
ele pode articular uma conspiração contra o jogador. Uma vez preso, porém, um personagem
pode ser perdoado, executado ou libertado mediante pagamento de fiança.
22
Os conflitos também dependem de uma noção de direito: um personagem que, por
herança, julgue ter direito ao Estado (a terra, com o seu respectivo título) de outrem pode
impetrar um casu belli, ainda que tenha opinião positiva sobre ele.

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Quanto à dimensão espacial, CK tem o mapa mais amplo e completo, se


comparado aos demais títulos do gênero; ele abrange quase todo o globo, à
exceção das Américas e da Oceania. Na tela de jogo, ele é disposto como um
tabuleiro, imitando a tradição dos board games.

203

Figura 5. Mapas completos da segunda e da terceira versão, respectivamente23

A vastidão do cenário tem a consequência de permitir que o jogador


estabeleça contatos com infindáveis agentes, abarcando quase todo o globo
terrestre. A enormidade do espaço representado dispõe sobre o tabuleiro ele-
trônico uma miríade de personagens, cujas micro relações acabam tornando
os menus do jogo um verdadeiro fractal (os analistas falam em uma espécie

23
Fonte do primeiro mapa: STEAM COMMUNITY. Typus Orbis Terrarum full for CK2.
Disponível em: https://steamcommunity.com/sharedfiles/filedetails/?id=555140251. Acesso
em: 2 out 2020. Os assentamentos e a qualidade do terreno ficam visíveis quando se aproxima
o zoom.

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de pirâmide —porque intensamente hierarquizada— caleidoscópica): em


cada personagem que se clica uma nova rede de laços aparece, portanto, as
opções de ação multiplicam-se exponencialmente. Os mapas são tão detalha-
dos e precisam retratar tantos aspectos diversos (fronteiras de facto e de iure,
diplomacia, terreno,24 clima, urbanização, etc.) que há, em CK2 uma infini-
dade de botões para manipulá-lo e filtrar suas informações, pois não cabem
todas no tabuleiro, ao mesmo tempo; CK3, por sua vez, simplificou o menu
de manuseio da visualização territorial.25 Enfim, na série, a dimensão espacial
é assaz importante, assim como em Total war.
Para governar o território, com os seus habitantes, os três principais re-
cursos de que o jogador dispõe são o dinheiro (moedas de ouro, coletadas
mediante tributo), o prestígio e a piedade, que ele usa para executar ações, ne-
204 gociar com os personagens e investir em pesquisa. Em CK2, seu personagem
ainda pode ser proprietário de uma demesne, vocábulo de origem francesa que
indica o domínio, ali entendido como sinônimo de feudo (com efeito, CK3
substituiu o termo demesne por fief), isto é, a porção da terra pública, com seus
habitantes e recursos, concedida à exploração privada e direta de um funcio-
nário do Estado ou apropriada pelo próprio soberano.26 O conceito é um dos
elementos que consagra uma visão feudal da Idade Média, pois a demesne está
presente em qualquer momento e espaço do jogo. Ademais, ele remete ao sis-
tema social baseado na vassalagem, pois a demesne constitui uma reserva que o
jogador deve distribuir entre seus vassalos: por um lado, quanto maior a demes-
ne, mais recursos (soldados e dinheiro) o jogador consegue angariar sozinho,
sem depender de outros personagens; por outro, sua entourage fica insatisfeita
se ele acumula muita terra sem distribuí-la. Assim, CK2 favorece as relações
de dependência e de fidelidade: quando o jogador cede uma propriedade para
um vassalo ele deixa de poder recolher seus recursos, mas melhora a opinião

24
Os diferentes terrenos afetam, em primeiro lugar, a guerra, pois diferentes tipos de tro-
pas e de comandantes combatem melhor ou pior em determinadas superfícies; em segundo,
eles afetam os recursos, pois, geralmente, terrenos acidentados são mais fáceis de defender,
porém mais pobres; planícies tendem a ser mais férteis e ricas, porém mais fáceis de atacar.
25
Por outro lado, a nova edição detalhou melhor os assentamentos populacionais no
mapa, mostrando igrejas, castelos, cidades e vilas que não apareciam e só ficavam subentendi-
dos em CK2. E inseriu um novo mecanismo: o nível de controle dos territórios, medido em
porcentagem, que afeta o recolhimento das rendas por parte do jogador.
26
Uma vez o domínio reúne em si tanto o poder público quanto o privado, os poderes
econômico, social, religioso e político, neste ensaio o estou tratando como o próprio Estado,
em sua feição de aparato dominador e enquanto instituição de governo da sociedade. A de-
mesne foi estudada por Verhulst (The Carolingian Economy).

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do vassalo a seu respeito e, portanto, a sua obediência ao senhor; o vassalo


retribui a concessão entregando-lhe parte de seus rendimentos, votando a seu
favor nos conselhos de governo e acatando às suas ordens.
Embora CK contemple outras formas de organização socioeconômica
—republicana, tribal, feudal e imperial, além das formas asiáticas, africanas
e islâmicas, como a iqta—27 os conceitos de domínio e vassalagem integram
todas elas, tornando a representação da Idade Média inerentemente feudal.28
A série também abarca blocos culturais ou civilizacionais diferentes: católico,
ortodoxo, islâmico, pagão.29 Ambos, regimes e culturas, podem ser alterados
pelas ações dos personagens: por meio da legislação o soberano de um Esta-
do pode alterar a sua formação social, e uma conversão religiosa bem-sucedi-
da altera a cultura de uma sociedade. Em todo caso, os governos são sempre
monárquicos (independe da escala, se condado ou império), no sentido de 205
que só um indivíduo governa, ainda que junto a um conselho, que partilha o
poder com ele.30

Análise

CK é reputado por ser a série de strategy games mais nuançada, detalhista e


historicamente fidedigna. Deveras, em comparação com outros títulos desse
ramo, trata-se do mais complexo game disponível no mercado, mas isso tem o
seu custo: ele também é tido como o mais difícil de jogar e, por conseguinte,

27
A iqta também era uma terra pública concedida a entre privados (Estévez, “Las comu-
nidades campesinas en al-Andalus”, 79).
28
Trata-se de uma representação da Idade Média consagrada, bastante difundida, sobre-
tudo através das célebres obras de Bloch (A sociedade feudal) e Ganshof (Feudalism), que
constituem bases para a composição dos currículos escolares e formaram gerações inteiras de
estudantes —historiadores e medievalistas ou não—.
29
Além do tempo, a cultura também determina que conjunto de inovações técnicas e
culturais estão disponíveis para as pesquisas que o jogador pode empreender: católicos têm à
sua disposição invenções que os pagãos, por exemplo, não têm.
30
Em CK2 os conselhos são compostos por um mordomo, um marechal, um espião, um
diplomata e um capelão; CK3 substitui este prelado por um arcebispo (nas culturas católicas
o capelão podia ser nomeado pelo papa ou pelo governante – que podia abrir uma “querela
de investidura” contra o pontífice, caso os dois discordassem da indicação – mas o arcebispo
só pode ser nomeado por Roma). O novo jogo também atribuiu um papel de corregência ao
cônjuge, que integra o conselho como assessor do parceiro ou parceira. E ainda acrescentou
uma nova função: a de médico (physician) da corte.

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é o menos popular, com o menor número de consumidores.31 As avaliações


que citei na introdução desta análise são, como se pôde ver, efusivas, mas
cônscias de que o seu público é um nicho.32
A despeito de sua riqueza, CK, como todo game, tem suas limitações.
A primeira delas é que ele praticamente não contempla nenhuma noção de
“povo” que constitua as sociedades representadas. Com a sua atenção voltada
para a dinastia e, mais amplamente, a aristocracia e suas dinâmicas de poder,
tanto a estabilidade política quanto a segurança nacional —e, por extensão,
o próprio bem-estar do povo— dessas sociedades dependem do Estado, uni-
camente, da atuação, dos motivos e dos interesses daqueles que detêm o seu
controle. “Povo”, ali, é uma entidade etérea, abstrata, intermitente, que apare-
ce, como um lampejo, apenas na composição das levas: os ícones e ilustrações
206 que dizem respeito às tropas são figuras de plebeus, ainda que bem equipa-
dos, à semelhança de cavaleiros.33 Mais ainda: os agentes massificados da his-

31
Um bom termômetro sobre o consumo do jogo é o relatório da Steam, que compi-
la os dados de milhões de usuários, por todo o planeta, e pode ser consultado diariamente:
STEAM. Estatísticas de jogos. Bellevue (Washington): Valve, 2020. Disponível em: https://
store.steampowered.com/stats/?l=portuguese. Acesso em: 1 out 2020. Atualmente CK3 é o
jogo mais jogado entre os seus concorrentes, mas isso pode ser efeito da novidade, em que
mesmo aqueles que não são adeptos da série querem experimentar o lançamento; tempos
após a sua publicação, CK2 sequer aparecia na lista dos cem títulos mais jogados da platafor-
ma. Se CK3 seguir a mesma tendência, seu índice de consumo deve cair nos próximos anos.
32
Deste ponto de vista, a simplificação da jogabilidade em CK3 parece pretender tornar
o jogo mais acessível para iniciantes e mais transparente e compreensível para os jogadores
veteranos (Borsili, “Crusader Kings III Review”), ainda que, para tanto, ele precise bombar-
dear o jogador com caixas de texto cheias de instruções e dicas. Uma crítica à série que não foi
resolvida pelo recente lançamento é a de que alguns eventos (como revoltas) continuam in-
compreensíveis, aparentemente aleatórios, e a nova versão retirou uma importante feature que
CK2 possuía: ao final de uma partida o jogo gerava um documento que era a crônica familiar,
registrando a sucessão de eventos que marcou a história da dinastia. Sem ela, o percurso me-
morial do jogador se perde e ele, inundado pelas incessantes crises que marcam toda partida,
não consegue dar significado ao terrível fluxo informacional decorrente.
33
Não à toa, as áreas mais populosas do mapa —geralmente urbanas— de jogo são as que
fornecem mais soldados para o seu senhor, ainda que as relações entre ele e o jogador, bem
como a fidelidade dos vassalos responsáveis por chefiar as tropas, possa afetar esse número. As
pesquisas tecnológicas permitem aperfeiçoar o treinamento das levas, profissionalizando-as.
CK3 modificou a realização da guerra de duas formas: inseriu nas levas a figura dos cavaleiros,
nobres integrantes da corte e campeões que aumentam o poder das tropas; e retirou os barcos,
que em CK2 o jogador também precisava recrutar, mas os fãs reclamavam que eles eram difí-
ceis de manusear. Agora basta que o jogador movimente as suas tropas e tenha algum dinheiro
para que elas, ao atravessar um mar, paguem pelo transporte. Ali a guerra é só um entre outros
fatores, tanto que ela é inteiramente resolvida pelo computador, baseado em estatísticas; o

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tória de CK, indigentes, inominados, silenciados e sub-representados, são um


mero recurso para a administração estatal que o jogador deve empreender: as
levas servem para que ele defenda e expanda os seu domínio, que é condição
sine qua non para a sobrevivência de sua dinastia.34 A opinião, motivação e in-
tenção desse povo seguem estritamente as do seu senhor, sem jamais descolar
dele: a plebe, completamente passiva, só se revolta quando ele a convoca e
luta pelas causas dele como se fossem as suas.
A concepção de poder do jogo é personalíssima: ele é fruto do cruza-
mento das características pessoais de cada indivíduo com a posição social
que ele ocupa. Há toda uma cartografia do poder, assaz minuciosa, que dá a
cada personagem um lugar no mundo, dotado de direitos e deveres. Como
dito, ele contempla uma dimensão institucional do poder, concebido como
uma monarquia colegiada que está presente em todas as formações sociais e 207
é representada pelos conselhos;35 todavia, verifica-se que, ali, essa instituição
não é mais que um somatório de indivíduos: as estatísticas dos conselhos são
o resultado da soma simples entre os atributos dos indivíduos que os com-
põem e os do soberano que preside a instituição. Há, ainda, certa dimensão
de burocracia (no sentido de instrução processual indispensável à validação
das ações dentro da instituição de governo), mas ela não depende tanto das
instituições quanto dos indivíduos: para aprovar uma lei, por exemplo, o jo-
gador deve observar o processo eleitoral do conselho, mas ele não lida com
nenhuma formalidade, com nenhum rito destinado a assegurar uma votação
transparente e idônea; ao contrário, ele deve negociar os votos diretamente
com cada eleitor, membro do conselho, podendo comprar o seu apoio por
meio de presentes e favores. Em suma, observa-se que a atuação institucio-
nal é exígua: ela se limita a somar os valores do jogador e de seu conselheiro

jogador só move as hostes (Alcázar, “El arte de la guerra medieval”, 534). Ela não é vista, é
só insinuada, de longe, mas o contexto ainda é escolhido para ser o mais belicoso possível.
Para contemplar um maior número de fatores, procede-se a uma simplificação geral - ou, pelo
menos, dos fatores que não são julgados centrais.
34
Essa é uma característica geral dos games de gerenciamento; eles tendem a converter
tudo em recurso à disposição do jogador, colocado na posição de um agente autocrático. Po-
rém o lugar do povo em CK é ainda mais precário do que em outros títulos: ele não aparece
nem sequer na figura do camponês que trabalha, como em Age of Empires II (Ensemble, com
várias reedições desde 1999), nem como o fiel seguidor de um lorde, como em Stronghold
(Firefly, 2001), nem como o citadino que se revolta no já mencionado Total War.
35
Para uma proposição do caráter colegiado das monarquias medievais, cf. Reynolds
(“Government and Community”). Sobre a construção do conceito medieval de soberania,
ver Kritsch (“Fundamentos históricos e teóricos da noção de soberania”).

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quanto ao atributo pertinente para o cumprimento de uma determinada ta-


refa.36
O ambiente aristocrático em que esse poder é gestado, em CK, coloca
em evidência um paradigma epistemológico, quer dizer, uma maneira parti-
cular de pensar o poder e seu funcionamento. Ele perpetua uma visão dialéti-
ca sobre o tema: enquanto o governante deve fazer de tudo para centralizar o
máximo de poder possível,37 os membros do conselho e até os demais nobres
da corte lhe resistem, interpondo seus interesses aos do governante —que,
por fusão, torna-se o a metonímia do interesse comum que baliza a existência
do Estado— e obrigando que ele lhes atenda e faça concessões, remuneran-
do-os com presentes, favores, títulos e terras, ou seja, com o erário. Em suma,
o poder, em CK, é um objeto de permanente disputa, um tesouro colocado
208 no centro de um espaço atravessado por forças centrípetas (os interesses do
jogador) e centrífugas (os interesses dos cortesãos),38 uma eterna tensão entre
a centralização e a dispersão política.39 Por isso é imprescindível que o joga-
dor preze pela boa opinião dos vassalos sobre si, do contrário, eles corroem o
Estado em suas mãos: por mais que ele queira centralizar o poder, fazê-lo é di-
fícil e está sujeito a negociações que, fatalmente, dispersam-no, constituindo
um paradoxo que é o próprio motor do entretenimento. Em contrapartida, se
ele exagera no favorecimento aos vassalos, seu poder e recursos se esvaem, os
interesses alheios se impõem e ele perde o controle sobre o Estado.
Esse Estado, aliás, lugar privilegiado de exercício do poder, depende, ali,
de três fatores: fronteira, riqueza e exército.40 As quatro escalas de domínio

36
Exemplo: a margem de sucesso de um complô é definida pelo valor de intriga do con-
selho, que é a soma dos valores individuais de intriga do jogador e de seu conselheiro enca-
rregado desse assunto (o espião). Em CK3 o espião ganhou maior importância, pois ele pode
descobrir segredos de outros personagens e permitir que o jogador os use para chantageá-los.
37
O jogador que centraliza o poder aumenta o controle de sua família sobre o Estado e,
por conseguinte, as suas chances de se perpetuar; ele também diminui a margem de ação de
possíveis rivais, coíbe dissidências e reduz os custos do governo, evitando que os recursos do
Estado sejam desviados pelos funcionários.
38
As cortes, em CK, também são estratificadas e, eventualmente, podem abarcar indiví-
duos de origem não nobre, sem que eles sejam, contudo, commoners, porque mesmo sem es-
tirpe eles possuem algum título e propriedade; este é, afinal, o verdadeiro critério para integrar
o governo, no escopo do game.
39
Brown (Crusader Kings 3 Review), contudo, registrou uma visão diferente sobre a dinâ-
mica feudovassálica do jogo: ao distribuir títulos “você não está sacrificando o poder; está
dividindo responsabilidades”, pois é inviável governar Estados imensos sozinho.
40
Trata-se, pois, de uma formulação moderna de Estado, conforme a vislumbrou Foucault
(Segurança, território, população).

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(império, reino, ducado e condado) não são, contudo, unidades fechadas e


inflexíveis: CK é o jogo que mais se abre à atuação do jogador na construção
e desconstrução de Estados, pois todos eles podem ser divididos ou unidos,
a qualquer momento, por qualquer personagem que tenha poder para tanto.
O jogo contribui, pois, para que se compreenda a transitoriedade de um Esta­
do, sempre constituído por relações de poder que são fluidas, multipolares
e em perene transformação. Neste caso, percebe-se que, por trás de cada
Estado, está uma estrutura que é bastante dinâmica e nada tem de rígida: o
“sistema feudovassálico”. A concessão de uma demesne ou feudo, conjunção
de título (cargo administrativo imbuído de poder, com função de governo) e
terra, é o ato que enseja os laços integrantes da rede de relações que é o Esta-
do.41 Tal ato não é, contudo, definitivo: ele pode ser defeito e refeito em muitas
ocasiões, por diversas razões, segundo os interesses do jogador.42 A cada título 209
concedido, usurpado, conquistado ou revogado, o jogador fragmenta ou funde
Estados.43 Quanto mais alto o título, mais poder ele tem, pois maior é o leque
de ações possíveis para seu detentor; se o jogador é vassalo de alguém, sua
margem de agência fica limitada pela suserania do seu senhor.
Um ponto que deve ser sempre observado nessas mídias é o lugar oni-
presente que a guerra ocupa. Conquanto CK ofereça ao jogador um amplo
repertório de ações fora do âmbito militar e que podem, inclusive, substituir,
evitar ou terminar conflitos, a vocação bélica do jogo é grande.44 É que a gue-
rra é o principal mecanismo de que os jogadores dispõem para reclamarem
novos títulos e terras ou disputarem tronos e coroas. Frise-se, entretanto, que
o jogo possui um interessante dispositivo de regulação do conflito: o casu bel-
li. Ele simplesmente proíbe que se faça guerra sem um casu, ou seja, sem uma
justificativa plausível —que, geralmente, é o direito de herança, ainda que

41
Há uma pequena quantidade de títulos que não implicam concessão de propriedade;
eles são meramente honoríficos (como eunuco e senescal), mas também satisfazem os vassa-
los porque são remunerados com o tesouro público.
42
CK3 detalhou ainda mais os contratos vassálicos, cujas cláusulas agora podem ser nego-
ciadas diretamente com cada fiel, tornando a relação ainda mais pessoal.
43
A própria dinastia também pode se partir, caso um herdeiro se separe da linhagem prin-
cipal, funde a própria casa e declare a sua independência. Os blocos culturais e religiosos
também podem ser alterados, mediante conversões e assimilações —às vezes permeadas por
resistências e conflitos—.
44
Não é casualidade que a Paradox tenha dado à engine empregada em CK (e em outro
game do gênero, Europa Universalis, produzido pela mesma empresa desde 2000) o nome de
Clausewitz, homenageando o famoso general prussiano, autor da célebre frase: “a guerra é a
continuação da política por outros meios”.

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ele seja falso, porque o jogador pode pedir que seu diplomata “fabrique” um
claim—. Sem o casu belli, a declaração de guerra está desabilitada para o joga-
dor.45 Em CK, portanto, não pode haver guerra desenfreada; só pode existir
guerra “justa”.46

210

Figura 6. Telas de luta de CK2 e CK3, respectivamente

45
Uma crítica dos jogadores a CK2 é que era mais fácil fabricar claims do que realizar uma
conquista por meio de intriga, casamento e pacto, por exemplo. Ou seja: pela maneira como foi
programado, o game os induzia a preferir a guerra como método de expansão. A proeminência da
guerra, ali, decorre tanto de uma imaginação —partilhada por produtores e por jogadores— sobre
o caráter supostamente belicoso da Idade Média, quanto de uma questão informática, que CK3
parece ter tentado corrigir, alterando os algoritmos por meio dos quais o script do jogo é proces-
sado. A interface de execução das guerras foi simplificada, mas o funcionamento das intrigas tam-
bém foi. Em suma, devemos lembrar que os games são, antes de tudo, programas computacionais,
portanto a representação histórica que eles são capazes de fazer sempre estará sujeita à codificação
matemática (Bello & Vasconcellos, “O videogame como mídia de representação histórica”).
46
Posto que CK contempla blocos culturais distintos, o casu belli só vale para os conflitos
dentro da mesma unidade religiosa; para guerras a “infiéis”, isto é, a sociedades de outra matriz
religiosa, o jogo propõe outro dispositivo: o da Cruzada (Pitruzzelo, “Systematizing Culture
in Medievalism”, 46).

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No game, a guerra pode acontecer de duas formas: o embate direto entre


as tropas inimigas, em campo aberto, ou o cerco a um centro populacional (ci-
dade, castelo, igreja ou vila). A luta aberta começa com um massacre e termina
quando os exércitos (pode haver mais de uma facção engajada na bata­lha) têm
seu contingente reduzido a um número tão baixo que os sobreviventes fogem
ou se rendem.47 Já foi discutido que essa ideia de “guerra total” é incompatí-
vel com a Idade Média, onde a calamidade da morte e a escassez de recursos
tornavam a matança indesejada: os chefes militares preferiam lançar mão de
outras estratégias para vencer seus opositores sem precisar lutar ou até nego-
ciar um acordo em que todas as partes cediam um pouco, para que nenhuma
delas precisasse se arriscar.48 Uma dessas táticas era, precisamente, o cerco às
sedes do inimigo; não à toa, essa é a mais segura maneira de fazer guerra, em
CK. Durante o assédio o atacante pode fazer reféns importantes e fazer com 211
que a resistência do oponente ceda, o que interrompe o conflito e, logo, di-
minui o número de baixas.49 A escala de morticínio causado pelo cerco é po-
tencialmente menor: enquanto ele dura, ambas as tropas, especialmente a dos
defensores, sofrem com a fome e, eventualmente, com epidemias, que podem
forçar os chefes a renunciarem ao confronto antes que prejuízos maiores sejam
sofridos.50 Com efeito, evitar mortes pode ser do interesse do jogador, uma vez
que seu personagem e seus herdeiros podem integrar as fileiras expostas no
campo de batalha.

47
Esse número é definido pelo computador, como uma porcentagem, em função de va-
riáveis como o tamanho inicial da tropa, a sua moral e as capacidades de seus comandan-
tes. Os sobreviventes que se rendem podem, também em função das habilidades do rival,
ser aprisionados, e os fugitivos podem ser perseguidos pelo atacante, até ser completamente
exterminado.
48
Os problemas da representação das guerras nos games de estratégia são discutidos por
Fedorenko (“The Portrayal of Medieval Warfare”).
49
A captura de reféns era outra estratégia bastante adotada dentro dos conflitos medie-
vais, e até em situações de paz (lembre-se que hostage pode ser “hóspede”, cf. Kosto, “Hosta-
ges During the First Century of the Crusades”; “Hostages in the Carolingian World”; Lavelle,
“The Use and Abuse of Hostages”; Olsson, The Hostages of the Northmen).
50
Nos cercos, o patamar de desenvolvimento tecnológico de cada combatente também
conta, na medida em que ele pode dispor de armas como aríetes e catapultas, que facilitam
ou dificultam o assédio.

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Medievalismo ou neomedievalismo?
As manifestações culturais neomedievalistas, bem como o próprio conceito
de (neo)medievalismo, têm sido alvo de muitas discussões. Não é meu in-
tento aqui repassá-las, mas creio uma análise de CK pode servir ao debate de
alguns pontos.
Uma das discussões que se fazem versa sobre as possíveis diferenças en-
tre o medievalismo e o neomedievalismo. Para esse argumento, o game pode
ser um objeto bastante elucidativo. Como entender que CK conceba seu
cenário e seus personagens de modo detalhista, com lastro científico, reco-
rrendo à instrução dos historiadores, mas, ao mesmo tempo, permita que os
jogadores subvertam, de todo jeito, a história, recontando-a a cada vez que o
jogo é executado e as numerosas probabilidades registradas em seu script são
212 testadas?51 A verdade é que os jogos alargam a noção de realidade, submeten-
do-a ao ato de jogar, que é contingente. O jogo é um experimento quase infi-
nitamente repetível, que pode gerar resultados diferentes a cada repetição.52
Essa talvez seja uma das características distintivas do neomedievalismo, em
relação ao medievalismo: enquanto este almeja alguma verdade histórica,
aquele entende que tal verdade é construída no próprio ato de contar a histó-
ria —neste caso, de jogá-la—. Se o medievalismo procura reconstruir, de al-
guma maneira, o passado medieval, o neomedievalismo se contenta com uma
apropriação que dá significado às suas ações no presente mais imediato.53 Sua

51
Simulando pessoas ao invés de coisas, cruzando, equilibradamente, aleatoriedade e
agência, CK permite que uma estória inédita seja contada a cada nova partida – que pode,
diga-se de passagem, durar dezenas de horas. Com efeito, Hall (Crusader Kings 3 is One) afir-
mou: “o resultado é um storytelling elástico que lança luz sobre os tipos de conflitos pessoais
que tornam tão fascinante o estudo da história real”. Alguns críticos consideram que o game é
como um “romance histórico”, cujo manuseio criativo e instigante da história é eficaz porque
desperta o fascínio dos jogadores, inclusive pela História científica.
52
Para Kline (“Participatory Medievalism”, 76), os “jogos não são representações deste
mundo. Eles são alegorias de um mundo construído sobre o gamespace. Eles codificam os prin-
cípios abstratos sobre os quais as decisões acerca da realidade deste ou daquele mundo serão
tomadas”. Eles configuram um efetivo “medievalismo experimental”, em cujo exercício se criam
“mundos medievais com diferentes graus de imersão que produzem um sentido de participação
e até mesmo de habitação nesse mundo medieval ficcional”, daí que se fale em “medievalismo
participativo” nos videogames, que são, afinal, mídias diferenciadas pelo seu caráter interativo.
53
Segundo Kaufman (“Medieval Unmoored”, 1-2), o neomedievalismo afasta-se da his-
tória sem, porém, abandoná-la. Ele é, por isso, uma expressão das concepções pós-modernas
de história, oscilando entre o a-histórico e o histórico. Se o medievalismo é cônscio do afas-
tamento temporal que o separa do Medievo e inviabiliza um contato livre de refrações, o neo
ignora qualquer distância e restabelece uma identidade direta com ele.

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relação com o passado não acontece de modo direto; ela é mediada (Kauf-
man, “Medieval Unmoored”, 4)54 e se realiza na forma de um simulacro, “a
cópia da cópia de um original que nunca existiu, que nunca teve uma existên-
cia tangível, um fogo-fátuo póstumo [posited will-o-the-wisp]” (Toswell, “The
Simulacrum of Neomedievalism”, 45).
O jogo não pode ser 100% verossímil. Um jogo completamente fide-
digno não é jogável, porque prender o jogador ao que aconteceu, a como as
pessoas eram, ao que foi —e não ao que poderia ter sido— elimina qualquer
possibilidade de que ele aja. Jogar é agir, tomar decisões, executar comandos,
e isso só é possível em um cenário incerto, indefinido, maleável, inacabado,
móvel, em construção. Destarte, antes de responder à história, o jogo deve
responder ao jogador (e, em primeiro lugar, ele responde à vontade do seu
programador). A verossimilhança pode ser cara a séries como CK, mas ela 213
não é a sua primeira orientação; a direção primordial de um game de mercado
é o entretenimento.55 A acurácia literalmente acaba quando o jogo começa,
pois a agência do jogador conduz a história para rumos inesperados.

54
Mesmo que a Paradox tenha recorrido a historiadores para elaborar CK, devemos en-
tender que o jogo termina por reproduzir não os fatos e sujeitos históricos, mas as interpre-
tações que os consultores ofereceram sobre eles, que são, por sua vez, tecidas mediante con-
tatos indiretos com as fontes da pesquisa histórica, sejam os documentos primários, sejam as
referências bibliográficas que cristalizam paradigmas, teses, conceitos e premissas. Quanto a
isso, estou de acordo e acompanho a abordagem de Peterson, Miller & Fedorko (“The Same
River Twice”), para quem os games (CK incluso) podem servir de “simulação histórica” com-
putadorizada, uma útil ferramenta para a criação, teste e ensino de modelos explicativos.
55
Não à toa, para Grewell (“Neomedievalism: an Eleventh Little Middle Ages”, 26, 42), os
games são a “forma quintessencial do neomedievalismo” e funcionam como construtos his-
tóricos capazes de veicular narrativas aptas a competir ou a colaborar com aquelas propostas
pelos historiadores. No entanto, as entrevistas dos produtores de videogames costumam de-
nunciar certa tensão entre a vontade de fazer jogos historicamente verossímeis, culturalmente
edificantes, e a necessidade de entregar aos consumidores produtos minimamente jogáveis.
O manual do usuário vendido com o primeiro título de Crusader Kings, por exemplo, afirmava
que o período coberto pelo game “é uma era decisiva para a História [por ser a gênese dos
Estados nacionais], a qual, até então, nunca foi simulada em um videogame por causa de sua
complexidade e heterogeneidade, provavelmente”. Segundo Alcázar (“Videogames and the
Middle Ages”, 348), “tais palavras foram escritas por Philippe Thibaut, o criador do jogo – bem
como de Pax Romana e EU [Europa Universalis] – que sempre insiste na acurácia [de seus ga-
mes]”. Em um depoimento, Thibaut se reconhece não somente como um “grande fã de jogos de
estratégia”, mas também como um “aficionado por História”, afirmando: “eu sempre achei que
um jogo pode te trazer não apenas diversão, mas também alguma outra coisa que enriqueça a
sua ‘culture générale’, como dizemos na França. Então, para nós [da Paradox], vale a pena tentar
fazer qualquer game que possa oferecer um conteúdo cultural, além de uma boa jogabilidade”
(Alcázar, “Videogames and the Middle Ages”, 348).

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Uma teoria digital do feudalismo

Um segundo argumento de debate é: qual a natureza intrínseca do neo-


medievalismo? Como ele pode ser definido? Para Mayer (“Dark Matters and
Slippery Words”, 68, 71), a resposta não pode ser encontrada no seu con-
teúdo, pois ele é um conjunto demasiado plural, descontínuo e heterogêneo
de objetos e expressões, em processo contínuo de reelaboração, que resiste
a qualquer classificação; daí que se deva compreendê-lo como uma postura
(stance) sobre o Medievo, uma maneira de encará-lo e usá-lo, que varia con-
forme o agente e o contexto da apropriação. De outro lado, também se des-
taca que tais culturas dependem largamente das mídias digitais e do avanço
tecnológico, que viabilizou novas formas de manipulação do passado. Nes-
se sentido, os neomedievalismos são consequências da lógica mercantil do
capitalismo (Coote, “A Short Essay About Neomedievalism”, 27), primeiro
214 porque são frutos desse avanço e, segundo, porque são produtos a serem
consumidos, commodities (Moberly & Moberly, “Neomedievalism, Hype-
rrealism, and Simulation”, 16), para os quais o medievo é um reservatório de
símbolos e valores apreciados, os quais são constantemente esvaziados e res-
significados, numa operação de bricolagem que termina configurando uma
representação quimérica do passado.56 Esses três aspectos —a relação criativa
e ambígua com a história, a natureza ambivalente de postura (da parte do
programador e do jogador) e commodity, e o caráter digital— a meu ver, cons-
tituem uma descrição possível para os neomedievalismos, compatível com
um game como CK.

Considerações finais

Como seus congêneres, CK coloca o jogador no lugar de um estadista centrali-


zador, que deve vencer os desafios impostos pelas forças sociais centrífugas que
aparecem incessantemente: herdeiros clamando seus direitos, nobres insatisfei-
tos, ambiciosos e revoltosos, a guerra, a resistência à lei e à tributação, os com-
plôs, etc. É um jogo que converte o domínio em propriedade dinástica, projeta
o interesse comum no interesse do governante e faz do governo um exercício da
“razão de Estado”. É uma obra que, naturalmente, pensa a política medieval com
a cabeça de um homem moderno, seja no modo totalizante como imagina a
guerra, seja na maneira como representa o funcionamento de uma aristocracia

56
O neomedievalismo é novo precisamente porque usa a tecnologia digital para manipu-
lar a história de novas maneiras. Ele depende, portanto, de “[…] certas mudanças filosóficas
e tecnológicas para existir” (Kaufman, “Medieval Unmoored”, 2).

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ou no modo como confunde —propositalmente, para criar uma história jogá-


vel— a permanência da dinastia com a permanência do Estado.57
Malgrado suas inovações, ele mantém uma visão tradicional da história:
elitista, factual, personalista e heroica. O processo histórico é individualista e
a coletividade não tem papel considerável. Trata-se, portanto, de um jogo de
grandes homens e de grandes feitos.
CK, como todo game, opera simplificações, esquematizações e genera-
lizações, o que se compreende: por mais complicado e detalhado que queira
ser, o jogo precisa ter um grau mínimo de inteligibilidade para ser manuseá-
vel. Ele não admite incertezas e depende de dados precisos para informatizar
o script que o torna controlável e, ao menos parcialmente, previsível (Hough­
ton, “It’s What you do with it Thats Counts”). Isso faz com que ele não consiga
comportar toda a complexidade do mundo que se escolhe para lhe conferir 215
significado. Pitruzzelo (“Systematizing Culture in Medievalism”, 50) argu-
mentou que a historicidade e o anacronismo dos jogos não são limitados pelo
seu caráter computacional; eles dependem muito mais da perspectiva dos
desenvolvedores, do que eles querem representar, do grau de detalhamento
que querem imprimir à sua obra. É verdade. Contudo, se nem mesmo os his-
toriadores dão conta de toda a complexidade do passado —como Houghton
(“It’s What you do with it Thats Counts”) lembrou— não devemos esperar
que um videogame tivesse sucesso nessa empreitada. E não porque sejam inca-
pazes; ao contrário, enquanto simuladores, eles podem auxiliar os envolvidos a
aperfeiçoar suas concepções e narrativas. Apenas não é esse o papel e a intenção
de títulos como Crusader Kings.

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57
Refiro-me, aqui, à tese de Viroli (From Politics to Reason of State), para quem os intelec-
tuais da geração de Maquiavel, atendendo aos anseios dos signori da Itália Renascentista, trans-
formaram a política (ou filosofia civil) em uma arte da manutenção do poder, não da república,
deslocando o estado do domínio comum para o domínio pessoal da família governante.

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