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Roda da Fortuna

Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo


Electronic Journal about Antiquity and Middle Ages

Felipe Augusto Ribeiro1

As reformas da vida eclesiástica italiana e o “projeto


gregoriano” (816-1099): revisão bibliográfica e estudos de caso
The Reforms of Italian Ecclesiastic Life and the “Gregorian Project” (816-1099):
Bibliographic Review and Case Studies
______________________________________________________________________

Resumo:
Este artigo trata das reformas eclesiásticas ocorridas na Itália do século IX ao XI. A
partir da análise de uma série de casos, acessados através de revisão bibliográfica, ele
levanta a seguinte problemática: de quem foram as iniciativas reformistas dos
organismos clericais no recorte espaço-temporal indicado? Quais foram as suas
motivações e intenções? De que maneira elas foram processadas? Quais foram as suas
consequências, impactos e efeitos? O objetivo da revisão é mapear os casos estudados,
explicitando não apenas os pontos comuns, mas também a heterogeneidade dos
processos reformistas. Por meio da abordagem casuística, o paper se alinha à tese de
que as reformas medievais foram plurais, com movimentos “de baixo para cima”,
sem, necessariamente, orientar-se por direcionamentos pontifícios.
Palavras-chave:
Reforma; Comunhão; Clero.

Abstract:
This article deals with the ecclesiastical reforms that took place in Italy from the 9th
to the 11th century. Based on the analysis of a series of cases, accessed through a
literature review, it raises the following issues: whose reform initiatives were taken by
the clerical bodies in the space-time frame indicated? What were your motivations and
intentions? How were they processed? What were its consequences, impacts and
effects? The objective of the review is to describe the cases studied, mapping them,
and making explicit not only their common points, but also the heterogeneity of the
medieval reforms. Through a casuistic approach, the paper is aligned with the thesis
that medieval reforms were plural and followed “bottom-up” dynamics, not the
direction of authoritative projects formulated by the Papacy.
Keywords:
Reform; Common life; Clergy.

1 Doutor em História e Culturas Políticas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor
Adjunto do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Membro do
Laboratório de Estudos Medievais (LEME). Currículo: http://lattes.cnpq.br/5461158925668835. E-mail:
felipe.far@ufpe.br.
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1. Introdução

Quando o assunto é a história da Igreja Medieval, as reformas eclesiásticas estão


entre os temas mais discutidos. Parece haver sempre algo de novo para se dizer neste
velho campo. Talvez porque ainda haja bastante confusão nesta seara: de um lado,
fala-se muito na grande Reforma Gregoriana, grafada em maiúsculas, um suposto
projeto centralizador, coeso e universalizante de reforma social, religiosa e ideológica
da doutrina e da vida do clero; de outro, tem-se apontado, há décadas, que as
transformações da comunhão eclesiástica foram processos lentos, graduais, plurais e
singulares, variando, em todos os seus aspectos, em cada época e lugar.

Diante disso, são duas as intenções deste trabalho: primeiro, mediante um


levantamento bibliográfico (que, naturalmente, não é exaustivo), revisar o quadro
geral no qual das reformas eclesiásticas entre os séculos IX e XI. Em outras palavras,
repassarei a história das reformas, sobretudo a partir dos seminais trabalhos do jesuíta
Charles Dereine, antigo estudioso da Universidade de Louvain. O recorte temporal
desta revisão começa em 816, ano do primeiro concílio de Aachen (Aix-la-Chapelle,
no francês, ou Aquisgrana, no italiano), que estabelece as bases legislativas para as
reformas posteriores, e vai até 1099, quando cessa a amostragem de que disponho.

O segundo intento deste trabalho é articular cada caso de reforma que encontrei
na literatura com vistas à construção de um sistema, isto é, de uma perspectiva
analítica que compreenda o fenômeno de maneira holística e dinâmica, com as
circulações de pessoas, ideias e linguagens, com seus padrões, semelhanças e
diferenças. Neste ponto, verticalizarei a análise para o espaço italiano, por brevidade
(e porque é o espaço que mais conheço), e dependerei, sobretudo, de uma ata
(miscellanea) publicada em 1962 pelo Centro di Studi Medioevali (CSM), com os textos
das comunicações de vários estudiosos reunidos em um congresso promovido pela
Centro. Quando se emprega uma metodologia casuística, o que se percebe é o
contrário do que normalmente se encontra proposto nos estudos sobre o tema: ao
invés de uma suposta capilaridade dos projetos reformistas papais, o que temos é a
emergência de iniciativas locais que, em algum momento, recorrem ao Papado como
uma instância confirmadora de cada projeto particular.

Alinho-me, portanto, à tese de que as motivações das reformas, ao menos na


Itália, dentro do período estudando, encontram-se nas comunidades de base, em cada
cabido, colegiada e episcopado, não num suposto “projeto gregoriano” que visava a
reformar toda a Igreja Ocidental. Esta é a ideia central deste texto. Dentro do recorte,
parece-me que os verdadeiros promotores das reformas foram potentados locais,
incluindo leigos, atuando munidos de seus próprios instrumentos, com a intenção de
regular o acesso dos clérigos ao patrimônio eclesial e as vias de financiamento da vida

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comum. Nessa perspectiva, a Santa Sé não teria atuado tanto como a promotora,
iniciadora ou mesmo idealizadora das reformas eclesiásticas, mas sim como a sua
defensora em última instância, a patrocinadora de programas cujo estopim ou gatilho
funcionou de baixo para cima, e não de cima para baixo.

2. Breve anatomia da vida comum clerical

A célebre Reforma Gregoriana dialoga com o tema das reformas canonicais


somente no plano discursivo, ideológico, e, em partes, pelas construções que os
historiadores fizeram sobre ambas as questões, desde o começo do século XX.
Frequentemente houve entre essa suposta grande reforma e a cada uma das centenas
de reformas canonicais um abismo, uma distância entre teoria e prática, entre ideal e
realidade, entre a padronização jurídica e a heterogeneidade das tradições locais, entre
a unificação projetual e o pluralismo casuístico. As reformas da vida monástica são
importantes, mas aqui me aterei somente às reformas do clero secular. Nesse âmbito,
qual é o problema fundamental da vida comum do clero? É a sua hipertrofia, a
expansão do número de clérigos – reflexo do próprio crescimento demográfico geral
– dependentes dos episcopados e das paróquias. Sabemos: o clero tinha, grosso modo,
duas maneiras de obter o seu sustento: fundar colegiadas próprias, capazes de possuir
seu patrimônio, gerar sua renda e captar suas doações; ou pertencer ao cabido (o
capitulum como instituição com personalidade jurídica própria) catedralício, isto é, ao
colégio vinculado diretamente ao episcopado, partilhando a sua mensa. Em ambos os
casos, se a população cresce e aumenta a demanda por clérigos, forma-se uma pressão
sobre as colegiadas, os cabidos e as catedrais, enfim, às instituições de comunhão
clerical. Conforme essas instituições precisaram acolher e sustentar mais pessoas, a
gestão de seus bens, direitos e deveres tornou-se objeto de disputas.

A partir do século XI verificou-se não só um crescimento demográfico


consistente, mas também uma tensão entre o crescimento do número de clérigos
dependentes de cabidos e sés, de outro lado, o esforço dos cônegos – os clérigos
catedralícios – para manter a exclusividade de seus direitos, frente a outros grupos de
clérigos, paroquiais. Em Volterra, por exemplo, a sé chegou a acolher quarenta
cônegos em 1014 (Cristiani, 1962: 237). O crescimento demográfico pressionou as
igrejas a recrutarem mais funcionários; seus líderes, incluindo os prelados, tentaram
evitar a multiplicação dos atores capazes de interferir na direção dos organismos
comuns, sobretudo no que tangia à administração da mensa e às eleições episcopais.
Aos bispos, geralmente, interessou manter seu colégio pequeno, composto apenas
pelo grupo que historicamente já colaborava com ele, configurando uma espécie de
elite, de nobreza ou aristocracia eclesiástica. Em outras palavras, cônegos e bispos
tiveram que equilibrar a necessidade de ampliar o pessoal eclesiástico para atender às
novas demandas sociais e a necessidade de controlar a amplitude do direito canonical;

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tentou-se evitar que a exigência de expansão dos cargos e serviços eclesiásticos fosse
acompanhada pela expansão do direito canonical2.

Por isso assistiu-se, nesse período, a uma nova complexificação da hierarquia


eclesiástica, com a multiplicação de cargos antigos, como o de cantor, lector e primicerius,
além dos subdiáconos, arquidiáconos e arciprestes (ou arquipresbíteros): em Lodi a
primeira menção aos cargos “arqui” aconteceu já em 951, quando o cabido já havia
atingido o número de vinte cônegos (alto para os padrões da cidade) e possuía, dentre
eles, quatro subdiáconos (Caretta, 1962: 150). Os subdiáconos foram comuns também
em colegiadas rurais, quando elas eram responsáveis por plebes populosas
(Mornacchi, 1962: 157). A cúria padovana, que por volta de 950 também já era grande,
também contava com um arcediácono, um preboste e um primicérios (Barzon, 1962:
139). Em Bolonha (Fasoli, 1962: 197) e em Milão (Ronzani, 1986: 115) a posição de
arcediácono tornou-se anterior e preparatória para o episcopado, pois esse o sacerdote
responsável por manter a vida comum do clero e que se esperava suceder o bispo
quando ele morresse. Em Mântua, em 1077, os líderes do cabido eram o arcediácono
e o arcipreste (Montecchio, 1962: 171), assim como em Módena (Pistoni, 1962: 185)3,
Arezzo (Tabacco, 1962: 245)4 e Orvieto (Foote, 2004: 39). Em Aquileia, além dos
vigários das sedes sufragâneas, em 1183 o cabido tinha cinquenta cônegos, dentre eles
um “decano” (equivalente a arcediácono) e cinco subdiáconos (Spiazzi, 1962: 132).
Em Siena, já em 1190, o arcipreste e o arcediácono eram tão poderosos que puderam
sustentar um litígio com o seu bispo, em torno das oblações feitas à própria catedral
(Nanni, 1962: 258); em Orvieto, o representante dos cônegos durante o embate contra
o bispo também foi um arcipreste5. Em Ravena, cujo arcebispado, embora de

2 As reformas excluíram o baixo clero dos processos eleitorais diocesanos (Millet, 2006: 94). Exceções foram
os grandes centros como Florença, Milão e Pádua, onde o crescimento demográfico foi muito mais vertiginoso
e implicou o adensamento profundo da própria urbe, causando pressões que conseguiram redimensionar os
colégios canonicais (Ronzani, 1986: 102). Em Aquileia, dada a função de centro regional que o patriarcado
exercia, os bispados sufragâneos conquistaram lugar no colégio do patriarca e exerceram o seu direito através
de vigários que delegavam para representá-los na capital (Spiazzi, 1962: 133).
3O autor diz que, ali, o arcipreste é quem cuidava da caridade e o arcediácono é quem se encarregava da liturgia;
ou seja, inverteram-se os encargos que a igreja primitiva atribuía a um e a outro, conforme apresenta
Poggiaspalla (1968). O cabido local ainda possuía um preboste, que o chefiava, como um todo – mas nisso
creio que se deva ver a figura do prior (isto é: o primeiro dentre os cônegos, o seu porta-voz diante do bispo e
o responsável pela vida comum dos clérigos) conforme propunha o costume agostiniano, que já estava bastante
difundido entre os cônegos da região naquela época.

4A proeminência do arcediácono aretino foi confirmada na reforma promovida pelo bispo Elmperto em 1009,
quando o cargo foi tornado magister et rectore do cabido, dando à instituição um caráter de magisterium et regimen –
que já havia sido proposto no século X, quando o arquidiácono era somente o mestre o e reitor era o
arquipresbítero. Elemperto juntou, portanto, as duas funções numa só, como era usual na época.
5 No diploma em que o bispo restituiu os direitos canonicais, em 1154, o arcipreste aparece nomeado apenas
como “R.” (Codice, 1884: 20); na bula com a qual Adriano IV confirmou tais direitos, em 1156, o representante
é “Rocco preposito” (ibid.: 23); creio serem a mesma pessoa, pois, àquela altura era comum que os líderes do cabido

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territorialmente pequeno, também abarcava inúmeras igrejas e bispados sufragâneos,


os cantores começaram a se multiplicar já no século VIII, a ponto de, no século XI,
constituírem uma ordem clerical per se (Vasina, 1962: 200)6. Em Volterra (1014) os
dois cargos que mais se difundiram nesse período foram o de cantor e o de primicério,
para que cada igreja tivesse pessoal qualificado para entoar as orações dos ritos e reger
a sua escola (Cristiani, 1962: 238). O mesmo aconteceu em Siena por volta de 1081
(Nanni, 1962: 256). Na populosa Nápoles também está claro que a pressão
demográfica foi o fator de multiplicação dos cargos: não era, uma questão de
organização interna da igreja e do caráter mais ou menos centralista do episcopado;
ali, quase todas as colegiadas, mesmo as rurais, tinham uma hierarquia completa, com
primicérios, presbíteros, arquipresbítero, arquidiáconos, subdiáconos e diáconos
(Fonseca, 1962: 268).

A expansão dos postos eclesiásticos implicou também a criação de um cargo


novo: o de tutor (custos), guardião. Registros sobre os custodes começaram a aparecer
em várias cidades italianas a partir do século X: em 918 em Volterra (Cristiani, 1962:
238); em 950 em Pádua (Barzon, 1962: 139)7; em 1066 em Nápoles (Fonseca, 1962:
271)8 e em 1108 em Siena (Nanni, 1962: 256). A função de custódia aparecia, em geral,
nos cabidos catedralícios: ela era atribuída a um primicério quando se tratava dos bens
da escola canonical; já a guarda dos pertences da residência dos cônegos era atribuída
a diáconos ou presbíteros; já para a mensa, convertia-se um arcediácono em custódio.
A função também passou a existir, no século XII, nas demais colegiadas, onde era
exercida por um capelão, como na arquidiocese de Milão (Palestra, 1962: 148).

A criação do ofício de custódio foi alvo de confusões e prova a complexificação


da hierarquia clerical: em Pádua ele parece ter, em cerca de duas décadas (ou seja: até
970), absorvido tanto a função do reitor (rector) da escola (schola) canonical quanto a

acumulassem títulos como o de arcipreste e o de preposto. No pacto de fidelidade que a comuna firmou com
o papa no ano seguinte, 1157, o mesmo Rocco volta a aparecer, desta vez, contudo, nomeado prior (ibid.: 26).
6 De fato, a cidade possuía, por volta dos anos 889-898, uma canonica cantori morando numa casa junto ao
episcopado, doada pelo arcebispo Domingos (Vasina, 1962: 202), que também doara a moradia dos cantores
do bispado sufragâneo de Cesena (ibid.: 203). Para Vasina, as inúmeras doações que o arcebispado ravenate fez
à ordem dos cantores mostra o quanto a liturgia era valorizada na cidade e, por conseguinte, o quanto a ordem
era prestigiada. Ela era chefiada por um preboste, ao passo que a outra ordem do clero local, a ordem dos
cardeais, era chefiada por um arcediácono (ibid.: 200). Três edições documentais às quais o autor recorre estão
disponíveis para consulta pública: as Sagre memorie di Ravenna antica
(https://archive.org/details/LeSagreMemorieDiRavennaAntica), o In antistutum ravvenatum chronotaxim
(https://goo.gl/c74JhH) e o Historiarum ravennatum libri decem (https://goo.gl/goe31t).

7 O autor vale-se, dentre outras fontes, do Codice diplomatico padovano, disponível online:
https://archive.org/details/codicediplomati00glorgoog.
8Uma edição documental da qual o autor se valeu também está disponível online: a Dissertatio historica de
Cathedralis Ecclesiae Neapolitanae (https://goo.gl/rNKdnx).

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do próprio arcipreste (o título que se encontra na documentação é “archipresbiter custos


et rector”), passando a zelar economicamente pelo cabido como um todo, com todos
os seus bens e serviços prestados à comunidade padovana. Por volta de 1084 havia
um presbitero custos et rector até numa colegiada local (Barzon, 1962: 140). O custos de
Volterra era, em 918, um presbiter, mas em 937 ele já era chamado de archidiaconus e em
962 assumiu, ainda, a função de preboste ou preposto (prepositus), isto é, de líder do
cabido, representante dos cônegos junto ao bispo, eleito por eles próprios (Cristiani,
1962: 238) – nas colegiadas milanesas, porém, o custos-cappellanus era indicado pelo
bispo, não eleito pelos próprios párocos (Fonseca, 1962: 271).

A mesma tensão que se verifica na hipertrofia do clero citadino devia se aplicar


ao campesino: por mais que as paróquias rurais pudessem ter autonomia para gerir a
sua plebe, ela raramente recebia a dignidade canonical – ou seja, dificilmente seus
membros tinham acesso ao colégio eleitoral do bispo. Mesmo que o clérigo a chefiar
uma nova plebe tivesse saído da cidade, criava-se mais um presbiterado, porém não
se criava mais uma cadeira no colégio. As colegiadas rurais, além de parcialmente
autônomas do ponto de vista político (para elegerem seus líderes locais, por exemplo),
também deviam ser economicamente autossuficientes, pois não recebiam
financiamento episcopal; destarte, no campo os dois propósitos das reformas eram:
em primeiro lugar, fazer com que o clero rural respondesse aos bispos e às vezes até
aos cônegos (como representantes dos prelados), sem que houvesse, contudo, a
partilha das mensae como contrapartida. Literalmente, entendia-se que o clero rural
devia obediência ao urbano e, ao mesmo tempo, não se desejava que o ele se sentasse
à mesa com os dirigentes da sé, nem que participasse do governo diocesano9.

3. As motivações para as reformas da vida eclesiástica

As reformas – a criação de novos cargos e o aumento do número de postos


eclesiásticos disponíveis – da organização hierárquica do clero citadino se
desenrolaram simultaneamente a todas essas mudanças, isto é, à expansão e à
complexificação, ao mesmo tempo, do corpo cívico e do corpo eclesiástico; as
reformas tentaram organizar, ordenar esse processo. A hierarquia eclesiástica vinha se
readequando dentro desse horizonte expansivo, de multiplicação de igrejas e de
colegiadas, fenômeno que não se verificava desde a época agostiniana, quando foram
debatidas as primeiras adequações da estrutura eclesial. Dos séculos IV-V até os
séculos IX-XI, a vida comum sofreu transformações e se tornou necessário ajustar os

9 Para Poggiaspalla (1968: 84), “[...] todo o clero citadino tinha frequentes encontros fraternos [em torno da
mesa] que alimentavam a união entre os membros e entre eles e o bispo, estendendo o máximo possível as
vantagens a quem participava da vida comum”; tal prática frequentemente excluía, porém, segmentos
eclesiásticos considerados menores, dentro e fora das urbes, até pelas dificuldades que ele tinha de abandonar
suas igrejas e seus deveres e se deslocar para encontrar o bispo em suas respectivas cidades.

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seus dispositivos de normatização, como as regras beneditina e agostiniana,


reinterpretadas e reelaboradas pelos reformistas e pelos concílios. Em suma,
considero que as transformações que descrevi acima foram as motivações gerais das
reformas, e as regras, os dispositivos através dos quais se tentou operá-las.

No levantamento de Dereine, a primeira reforma eclesiástica italiana foi feita em


Val di Castro por Romualdo de Ravena (951-1027)10, conforme registra a Vita
Romualdi, escrita por Pedro Damião (1007-1072) em torno de 1040. Na pena do
cardeal eremita, o santo “reformou vários cônegos e clérigos que viviam como leigos,
de modo secular, ensinando-os a obedecer ao preboste e a viver em congregação,
comunitariamente”11. Na segunda ocorrência, em Fiesole, 1038, o bispo estabeleceu
uma domus

para que todos [os clérigos] desejem comer, beber e dormir em conjunto,
segundo a autoridade canônica, e para que não queiram se dividir em celas
ou pequenos hospitais próprios; para que, ao contrário, temendo Deus,
sob a custódia do preposto por Ele indicado, tomem em comunhão os
alimentos e as roupas, com a ação das graças, segundo a constituição ou a
distribuição prevista nas santas regras12.

Como se percebe nesse trecho, entendia-se que os clérigos precisavam ter uma
só vontade, que a comunhão fosse voluntariamente adotada e aceita como a melhor
maneira de ordenar (constituire ou instituire) a comunidade. A mesma disposição
apareceu na reforma do cabido de Albi, em 1040, quando um agente desconhecido
procedeu à reconstituição da mensa dos cônegos locais, confirmando que ela era
indispensável à subsistência do clero, mas que só podia ter acesso a ela quem
devidamente aceitasse a comunhão, regulamentada pelo episcopado (Dereine, 1946:
371). O fato de que algumas reformas tenham possuído iniciadores desconhecidos
sugere que nem sempre eram os bispos a promovê-las: em Lucca, por exemplo, o
primeiro diploma citado (1048) menciona que o bispo doou uma terra para a
construção da Igreja de Saint-Martin, erguida junto à catedral, e da moradia canonical,
mas o emprego do verbo no plural (volumus) demonstra que o seu desejo era

10 Verti para
o português somente os nomes de personagens históricos já conhecidos; os demais nomes próprios
eu mantive conforme estão nos idiomas dos textos referenciados (sobretudo francês e italiano).

11 “constituit plures canonicos et clericos qui laicorum more seculariter habitabant, praeposito oboedire et communiter in
congregatione vivere docuit” (Pedro Damião apud Dereine, 1946: 368). O tom incisivo de Pedro repetiu-se na
exortação aos cônegos de Fano e de Velletri, em 1060, para que vivessem “regularmente em vida canonical” (in
vita canonica regulariter vivere), abominassem “a posse de dinheiro” (peculii abominanda proprietas) e adotassem a
“instituição da disciplina apostólica” (institutio apostolicae disciplinae) (ibid.: 373).

12 “[...] ut simul manducandi et bibendi et etiam dormiendi secundum canonicam auctoritatem voluntatem habeant; neque divisi
per cellulas aut hospitiola propriam voluntatem sectentur, sed, sub praepositi Deum timentis custodia, quidquid Deus dederit, sive
in victu sive in vestitu, secundum sanctae regulae constitutionem vel distributionem, cum gratiarum actione communiter capiant”
(Dereine, 1946: 370).

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compartilhado pelo clero catedralício, que também aceitava a comunhão, era solidário
à estabilidade dos demais sacerdotes e acompanhou o prelado na cerimônia (Dereine,
1946: 371). Em outras fontes13, percebemos que os próprios cônegos podiam tomar
a iniciativa de reformar a própria vida: em Altino, 1056, eles, influenciados pelo bispo
Leone, foram até a domo Domini (ou seja: a catedral), cum consensu, e, humildemente,
aceitaram a vida segundo o costume dos Antiquorum Patrum (Dereine, 1946: 371)14.
Dois anos depois, em 1058, na Colegiada de Saint-Jean-Baptiste, em Florença, outro
documento diz que os cônegos espontaneamente voltaram a imitar, como antes (in
antea), a “comunhão da igreja primitiva” (primitivae ecclesiae communiter), segundo a
“regra dos Santos Padres” (regulam Sanctorum Patrum, Dereine, 1946: 373).

Havia uma clara consciência de que as reformas não reforçavam apenas a


stabilitas do clero – isto é: o seu sustento, à medida que garantia a plena propriedade
do patrimônio necessário à sua subsistência – mas também, como consequência, o
próprio serviço eclesiástico. Em Espoleto, 1067, ao anunciar a reforma do cabido, o
bispo André enalteceu que a comunhão favorecia a “militância” do clero secular –
leia-se: o seu engajamento na cura animarum (Dereine, 1946: 375). Na Colegiada de
Sainte-Agathe, em Cremona, em data indefinida – mas certamente sob o pontificado
de Gregório VII (1073-1085) – o papa, ao confirmar as doações feitas pelos fiéis à
congregação, alegou que elas sustentavam a vida comum e, por conseguinte,
financiavam o serviço aos pobres (Dereine, 1946: 380). Em Pádua, o bispo havia feito
dotações aos cônegos “para que tivessem, a partir daquele momento, esmolas e roupas
para o seu uso [...]”15. O ato foi feito para permitir a subsistência do clero
(especificamente o vestuário), por meio das esmolas, e permitir que ele mantivesse o
seu serviço divino. Antonio Barzon (1962: 138) informa que tal documento foi
assinado por vários clérigos (além do advogado e do tesoureiro do bispo),
demonstrando o consenso de toda a comunidade eclesiástica em torno da utilidade
da comunhão, bem como o caráter econômico do ato, que interferia nos bens do
bispado. Conclui-se, pois, que as reformas eram dispositivos de recuperação da vida
comum e, consequentemente, de manutenção e ampliação dos serviços eclesiásticos.

4. Mapeamento dos processos reformistas na Itália

O legado de Dereine aponta alguns caminhos analíticos para que se verticalize


13 Os diplomas citados por Dereine estão na coleção Italia Sacra, editada por Ferdinando Ughelli (1595-1670).
14É evidente que esses relatos, produzidos pela própria cúria episcopal, tendem a enaltecer a atuação dos
prelados, como se eles sempre estivessem à frente dos processos reformistas, fossem os seus promotores e
protagonistas, mas há que se cogitar alguma agência da parte dos clérigos menores também.
15 “ut habeatis exinde alimonia sive vestimentum ad usui vestro, ut pro me indigno peccatore preces omnipotente Deo fundere
incensanter dignetis, vel in ipsum venerabilem locum deservire valeatis” (Barzon, 1962: 138).

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o estudo das reformas em espaços específicos, dentre os quais eu elegi a Itália. Em


geral, considero que os artigos do CSM, cujos autores se ampararam no jesuíta,
seguem os filões abertos por ele.

Alguns artigos das atas desenvolvem argumentos lançados por Dereine, como
o caráter coletivo e jurídico dos estabelecimentos canonicais. O padre Luigi Nanni
(1962: 255), por exemplo, esmiuçou o caso de Siena: ali, a despeito da existência de
um cabido desde 945, a vida comum só foi adotada pelo clero em 1056, quando o
bispo Giovanni concedeu alguns bens aos seus cônegos e os chamou de fratelli.
Naquele ato, uma das testemunhas foi um prior scholae e o estabelecimento dos cônegos
foi finalmente chamado de canonica – o que, para o autor, significa mais que uma
morada: indica um estilo de vida. As dotações feitas para aquela instituição só
começaram em 1069; antes disso os cônegos só aparecem na documentação
recebendo bens e encargos na condição de indivíduos particulares; a reforma os
reuniu, portanto, em uma única persona jurídica, dotada de direitos próprios,
pertencentes a toda a coletividade, ainda que uma casa comum para eles só tenha sido
construída em 1071. O autor sugere que, conquanto a comunhão só tenha sido
adotada pelos cônegos no episcopado de Giovanni, é provável que os clérigos mais
pobres, distantes da catedral, tivessem aderido à comunhão muito antes, porque
precisavam dela para ter se manterem, necessidade que não se abatia sobre os clérigos
mais nobres, reunidos em torno da catedral. Nanni sustentou, ainda, que o mesmo
aconteceu em Lucca.

Podemos coletar outros casos de reformas além das atas do CSM. Tommaso di
Carpegna Falconieri, por exemplo, oferece-nos dois estudos de caso: o primeiro sobre
Rimini (que o autor diz ser similar aos casos de Fano e de Cesena), onde a Vita Arduini
presbyteri Arimini, obra anônima escrita em data indefinida entre os anos vinte e
cinquenta do século XI, relata ter o cônego Arduino (m. 1009), desejando fugir da
corrupção do clero, abandonou ao cabido da diocese (cujo prelado ele acusara de
simonia) e fundou uma colegiada “monaquizada” na igreja de S. Colomba, com
doações feitas por Otão III (996-1002) – que havia recuperado bens usurpados da Sé
pelo conde Rodolfo – sob a condição de que o grupo de Arduino vivesse em
comunhão (Falconieri, 2011: 67-70). O autor interpretou que os atos do rei e do
cônego foram motivados pela ideia de que a comunhão era o melhor instrumento de
combate à corrupção do clero e indicou que, para normatizá-la, a congregação adotou
uma consuetudo que misturava trechos da regra de Aachen, da regra de Bento de Núrsia
(480-547) e da obra de Chrodegang de Metz (c. 712-766) (Falconieri, 2011: 71).
Falconieri ainda informa que o movimento de Arduino fez sucesso imediato, a ponto
de mudar o ocupante da Sé de Rimini e impulsionar a reforma do cabido, com o apoio

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de personalidades como Pedro Damião (Falconieri, 2011: 72)16; porém, depois da


morte do cônego, a comunhão novamente arrefeceu na diocese (Falconieri, 2011: 80)
e novas reformas precisaram ser feitas entre 1059 e 1065, quando se atesta no cabido
a presença de um prior no lugar do tradicional arcipreste (Falconieri, 2011: 82). A
escolha de Arduino pelo modelo monástico de vida canonical corrobora a ideia de
que nas dioceses onde os enfrentamentos se radicalizaram – e a radicalização pode
ser atestada por dois indícios: acusações de simonia e/ou a presença de movimentos
heréticos – a resposta também levou a adoções de conversationes extremadas.
Similarmente, a sincronia entre o sucesso do movimento e a vida de seu fundador
atesta o caráter carismático que as reformas tiveram nesses conturbados ambientes,
como também se percebe no movimento vallombrosano e no romualdino17.

O segundo caso tratado por Falconieri foi o de Roma. Ali, para ele, aconteceu
como nos demais grandes centros itálicos: o que deveria ser o cabido, ao longo do
século XI, tornou-se uma instituição segmentada em diversas ordines. De acordo com
o autor, até o século VIII o clero romano exercia funções quase exclusivamente
internas à cidade, a despeito de sua hierarquia. Já no século XII, sobretudo em virtude
da intensa paroquialização da cidade18, contudo, esse mesmo clero já quase não se
ocupava mais da cidade, mas tão-somente de funções no exterior; a cúria episcopal
havia se tornado a cúria papal, uma embaixada itinerante profundamente envolvida
em negócios internacionais. A cura animarum citadina ficou, então, para o baixo clero,
que passou a ser chamado, nas fontes, de clero urbis (Falconieri, 1999: 85), apelativo
que marcava a sua distinção, funcional e dignitária, em respeito ao clero cardinalício,
que deixou de se ocupar das plebes para trabalhar exclusivamente na cúria. Os cardeais
deixaram de ser arciprestes, embora ainda detivessem os titula das igrejas-matrizes, e
os prestes foram elevados ao seu posto (Falconieri, 1999: 86). A história da
emergência do próprio papado é, portanto, a história da reforma do clero romano: do
mesmo modo que o cabido se cindiu em Milão, Rimini, Aquileia e Ravena (cidades

16 Curiosamente, o imperador Henrique IV também apoiou a reforma local, adotando o patronato sobre a
cidade, durante o episcopado de Opizo (1069-1107). Isso mostra que a cooptação dos cabidos não foi estratégia
empregada somente pelo “partido gregoriano”; para Rimini, a vantagem do patrocínio imperial foi a
possibilidade de se desvencilhar da influência ravenate e se projetar no cenário regional, rivalizando tanto com
a Sé milanesa quanto com a romana – vide que Opizo passou a chamar seus cônegos de “cardeais” e a se
intitular servus servorum dei, tal como os papas. Com a morte de Henrique IV e o advento do papado de Pasqual
II (p. 1099-1118), porém, Opizo e seu legado sofreram uma damnatio memoriae, porque o bispo, fiel a Henrique,
havia aceitado o anti-papado de Clemente III (Falconieri, 2011: 85).
17 Falconieri (2011: 81) atribui o fracasso da continuidade entre o carisma do fundador e o de seus sucessores
– processo que David Foote (2004: 5) entende, à moda weberiana, como “institucionalização do carisma” – ao
rigor “duramente pauperista” que as propostas iniciais reformistas adotavam durante os embates contra
bispados tidos por simoníacos.
18Roma, ao contrário de cidades pequenas, tinha espaço urbano grande o suficiente para organizar paróquias
não só no campo, mas também dentro do espaço urbano (Wickham, 2015, passim).

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que também tiveram grandes territórios e sedes sufragâneas para governar), em Roma
a parte mais alta e nobre dele se tornou a cúria pontifícia, encarregada da diplomacia
e da administração regional que o Patrimônio de São Pedro demandava, enquanto a
parte baixa se emancipou e se tornou a encarregada do apostolado local.

Outros textos da miscellanea trazem, como Falconieri, reformas acontecidas antes


da época coberta pelo jesuíta. Ugolino Nicolini, por exemplo, lembrou que a
formação de colegiadas (na definição dele: de institutos clericais de vida comum) era,
por toda a Itália, fenômeno que remontava à época de Gregório Magno, que já havia
testemunhado a formação de um cabido em Perugia cujo modus vivendi vinha ex
conversatione monasterii (Nicolini, 1962: 261). Por outro lado, o autor reforça a tese
levantada por Dereine e que eu venho defendendo: tais colegiadas, em dioceses como
a de Perugia, de Gubbio e de Città di Castello19, reformaram-se por iniciativas
próprias, porque a comunhão era um instrumento de preservação das comunidades
locais e de promoção dos serviços eclesiais. Para Nicolini, o caráter local das reformas
e o papel secundário da iniciativa papal, que coloca na margem dos processos até a
atuação de grandes papas como Gregório VII, era, em sua época, o responsável pela
negligência dos historiadores, romanocêntricos, em relação às pesquisas sobre a vida
comum do clero e sobre as suas transformações (Nicolini, 1962: 260).

Em Módena, onde, de acordo com Giuseppe Pistoni (1962: 181), desde 887 os
cônegos já tinham um preposto e um vicedominus e o cabido foi mencionado pela
primeira vez num diploma do imperador Guido III de Espoleto (r. 891-894), em 891,
como congregatio canonicorum – a menção a uma “congregação de cônegos” atesta, para
o autor, a comunhão da comunidade local. Depois, em 933, diplomas imperiais
confirmaram doações feitas pelos bispos Geminiano e Leodoino para que seu clero
pudesse continuar a viver em comunhão, ministrando o culto e rezando pelo bem não
somente dos fiéis, mas também dos próprios doadores e de seus patronos régios
(Pistoni, 1962: 182). O autor frisou, entretanto, que não se pode precisar o grau de
comunhão que o clero praticava, se eles realmente vivam e comiam juntos ou se
apenas se reuniam nas ocasiões deliberativas e litúrgicas20.

Não somente a vida comum, mas as próprias reformas antecederam, em muito,

19 Cujas Memorie ecclesiastiche também estão disponíveis online: https://goo.gl/Zc4M8g.

20 Similarmente, Gianfranco Spiazzi (1962: 129-130) observou que, em Aquileia, é provável que a comunhão
remontasse ao ano de 792, quando o Cabido local foi, pela primeira vez, mencionado, no diploma com o qual
Carlos Magno confirmou ao patriarca Paulino a liberdade de eleição para a sua Sé. Todavia, ali ela se resumia
ao encontro dos cônegos em torno da mesa: fora isso, eles não moravam juntos e podiam ter tanto casa quanto
outros bens privados. Em Nápoles, Fonseca (1962: 280-281) também observou que, colegiadas distintas, os
clérigos podiam coabitar em uma (ou várias) domus, cella ou habitatio ou conviver somente na hora da refeição;
havia, pois, gradações de comunhão. O autor defende, enfim, que a existência de uma mensa não necessariamente
indica uma vida comum plena e que essa só se disseminou no fim do século XII.

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o escopo de Dereine. Na diocese de Lodi, em 832, Luís I já havia mandado reformar


uma colegiada suburbana e a teria convertido em mosteiro beneditino (Caretta, 1962:
152). Giovanni Tabacco (1962: 245) lembrou que a primeira reforma, em Arezzo,
embora lembrada somente em 1009 pelo bispo Elemperto (Elmperto), foi feita pelo
próprio imperador Lotário I (r. 840-855). Cosimo Damiano Fonseca (1962: 269)
afirmou que o Cabido de Nápoles sofreu sua primeira reforma ainda no episcopado
de Atanásio I (m. 871). Segundo Antonio Barzon, em Pádua a primeira reforma foi
feita entre 874 (data de fundação da casa canonical, um xenodochium) e 950, quando a
documentação da cidade registrou uma primeira schola.

A emancipação dos cabidos, consequência das reformas, também começa a ser


atestada antes do recorte de Dereine. De acordo com Barzon, em 918 Berengário I
(r. 888-924) emitiu diploma confirmando a doação de 874 feita em Pádua; o
imperador agiu para garantir que os cônegos tivessem “livre poder sobre tudo o
visivelmente eles dividem ou dividiram entre si, dentro da legalidade e da justiça,
segundo o seu costume”21. Ou seja, em menos de quatro décadas, o Cabido Padovano
havia conquistado sua própria casa e a sua própria economia, pois recebeu das mãos
do imperador a confirmação sobre o seu direito de gestão de tudo o que possuía.
Alberto Montecchio (1962: 163) apontou quadro parecido para Mântua (que ele
estendeu também a Verona): numa confirmação emitida por Otão I (962-973) em 971,
o cabido local já aparece com grande poder patrimonial e judiciário; na interpretação
do autor, o ato destinou-se a proteger os cônegos de interferências externas, para que
o seu patrimônio comum não fosse dilapidado e arruinasse a comunhão. Em Lodi, a
mesma coisa: em 975 Otão II (973-983) emitiu diploma impedindo emissários régios,
condes e gastaldos de agirem sobre as coisas do cabido local, qualificando-as como
pertences da rem publicam; baseado nisso, Alessandro Caretta (1962: 151) concluiu que
o colégio local tinha, já no final do século X, uma “personalidade jurídica” que lhe
garantia o patrimônio próprio e, aos seus membros, o uso exclusivo e a gestão
autônoma dele. Em todos esses casos, a emancipação do cabido fez a mensa episcopal
partir-se em duas, ficando uma parte para a sé e outra para os cônegos; tal cisão se
refletiu, inclusive, na dimensão predial da catedral e na sua dupla consagração santoral:
uma igreja anexa era construída (ou, se já existisse, era dedicada exclusivamente) para
o cabido e um santo novo era consagrado particularmente para a instituição. Foi o
que aconteceu em Orvieto, onde o Cabido de San Costanzo estava anexo à catedral
de Santa Maria, e em Rimini, onde os cônegos também se tornaram, a partir da
reforma do cabido, mais ricos do que o próprio bispo e passaram a gerir uma rica
mensa capitular separada da episcopal (Falconieri, 2011: 84).

Situação semelhante ocorreu em Volterra (Cristiani, 1962: 236-239). Segundo o

21 “liberam... potestatem de omnibus quae illis iuste et legaliter visa sunt aut visa fuerint inibi inter se – ut consuetudo fuit –
dividendi” (Barzon, 1962: 139).

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autor, o cabido local começou a crescer já em 821, quando começaram as dotações


episcopais, que foram confirmadas em 1014 por Henrique II (1014-1024)22 – e por
um papa, Eugênio III (p. 1145-1153), só em 1144. Para ele, a separação entre bens
episcopais e canonicais já era clara no final dos anos 900, mesmo que os cônegos
ainda fossem os auxiliares do bispo e que gerissem com ele as plebes rurais. Assim
como em Orvieto, a cisão entre as duas mensae, entretanto, não significou uma ruptura
política imediata entre o cabido e a sé: o bispo continuou nomeando os cônegos para
gerir as suas próprias plebes, em troca do que eles lhe pagavam uma pensão anual.
Para o autor, isso deixa evidente a autonomia jurídica do cabido, bem como a
coexistência entre a comunhão – que consuetudinariamente caracterizava a instituição
– e a possibilidade de que os cônegos continuassem agindo individualmente para
administrar e adquirir a própria riqueza. De acordo com Emilio Cristiani (1962: 240),
portanto, está claro que a reforma não chegou ao ponto de afastar a propriedade
privada das instituições eclesiais e de impor a pobreza absoluta aos cônegos, pois o
arranjo local em torno de uma vida comum mais moderada acabou instituindo uma
“separação de direitos entre a plebe e as pessoas com o encargo de governá-la”, ou
seja, entre a “pessoa jurídica” do cabido, com as suas plebes, e a “pessoa física” de
cada cônego.

A análise de Gina Fasoli (1962: 193) sobre o Cabido Bolonhês vai na mesma
direção. Para ela, desde o início do século X os cônegos locais vinham conquistando,
com o apoio papal – através de duas confirmações: uma dada por Leão V (903), em
uma bula desaparecida cuja cópia ficou preservada na confirmação posterior, de João
XIII (965-972), em 967 – não só a imunidade dos bens do cabido como também a de
cada cônego em particular. Além dos pontífices, os imperadores também concederam
o seu patronato à instituição local: em 962 Otão I já havia emitido diploma
confirmando os bens coletivos e individuais dos cônegos e em 1014, usando a mesma
fórmula que empregara para em sua intervenção em Volterra, Henrique II deu a
entender que os cônegos eram vassalos régios e por isso nenhuma outra autoridade
além dos imperadores podia agir sobre o cabido.

Tabacco entendeu a mesma coisa sobre Arezzo: a evocação de Elemperto


durante a sua doação em 1009 procurou atrelar a autoridade episcopal e a imperial
para, ao mesmo tempo, apresentar o prelado como mantenedor da vida comum e
assegurar os novos direitos dos cônegos. Segundo ele, a partir de Elemperto o cabido

recebeu plebes e capelas, adquiriu torres e castelos e se circundou de


vassalos. Diante do bispo ela passou a operar com grande liberdade,
mesmo que permanecesse ligada ao episcopado, porque recebia a proteção

22A confirmação imperial não foi à toa: naquele mesmo ano a instituição havia alcançado a marca de quarenta
cônegos, organizados em uma hierarquia completa, com tutor, arcediácono, preposto, primicério, cantor. E o
próprio bispo local é que havia pedido a confirmação ao imperador (Cristiani, 1962: 242).

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dele e até condicionava a sua atividade. Ela assumiu, portanto, uma


relevância diversa daquela conferida por Elemperto; ela não era mais um
simples núcleo religioso central da diocese, disciplinado através do
arquidiácono do bispo, e sim um ente de muitas responsabilidades,
provido de poder e autonomia próprios e capaz de se movimentar com
grande segurança num emaranhado de relações de naturezas distintas, com
clérigos, monges e milites. [...] No pequeno mundo aretino ele passou a
representar, naquela época de máxima dissolução dos ordenamentos
administrativos tradicionais, uma das muitas tentativas de reconstruí-lo,
como também o foi o poderoso mosteiro de SS. Fiora e Lucillia, o
eremitério de Camaldoli e as congregações [consorterie], talvez concorrentes
entre si, que se criavam por todo o contado [comune] local, visto que todos,
entre os séculos XI e XII, ainda buscavam no “episcopus et comes” um centro
de gravidade comum. A capacidade demonstrada pelo Cabido aretino de
desenvolver um poder e de exercitar uma função civil em um notável
âmbito territorial nasceu, pois, da restauração feita por Elmperto, mesmo
que tais desenrolares não tenham sido previstos por ele [...]. O aumento
de poder e de autonomia do Cabido no curso do século XI é, de fato,
paralelo aos testemunhos da vida regular (Tabacco, 1962: 246).

Assim como em Volterra e Orvieto, contudo, o ganho de autonomia dos


cônegos, em todos os casos abordados, não impediu que eles prosseguissem
cooperando com o seu prelado, pois em 959 a diplomática local registra que o colégio,
que tinha quinze cônegos, assessorou o bispo na concessão de uma enfiteuse,
aprovando, com ele, o ato (Fasoli, 1962: 193). Fonseca afirmou que em Nápoles o
crescimento do cabido fê-lo dividir-se em duas instituições, com duas ordens
canonicais distintas (tal como sucedeu em Milão e Ravena) (Fonseca, 1962: 270).
Nessas grandes cidades o ganho de autonomia e a expansão econômica geraram
atritos, no século XI, não entre cônegos e bispos, mas entre as duas ordens canonicais
dentro do cabido bipartido: a disputa pelo recebimento de doações e pelas.

Em toda a literatura que aqui abordo, só identifiquei um caso de conflito


imediato entre o cabido e seu pastor: em Perugia, ainda no início do século XI,
Conrado II foi chamado a confirmar os bens e costumes dos cônegos após uma
discórdia entre o chefe do cabido, o arcipreste Leone Bovo, e o bispo André, entre
1033 e 1036. Após a intervenção régia, a paz se fez mediante uma larga doação
episcopal ao cabido, em cujo documento o prelado registrou: “corroboro e confirmo
aquilo que, segundo as disposições dos santos padres e as constituições dos prelados
anteriores, pertence à nossa instituição canonical” (Nicolini, 1962: 262). O ato, assim
como em Orvieto, foi assinado pelo bispo, pelo arcipreste e por dez cônegos,
mostrando o típico consenso comunitário evocado nessas situações de litígio. Mesmo
assim, a despeito da evocação da patrística feita pelo bispo André e do conclame
consensual, a querela continuou até o pontificado de Clemente III (p. 1187-1191),
cuja intervenção fez, finalmente, o cabido adotar a regra agostiniana, em 1189 – ato
que ainda precisou da confirmação de Inocêncio III (p. 1198-1216) em 1198. Para

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Nicolini, a adoção da regra viabilizou uma legislação inequívoca sobre as autoridades


e bens da sé e do cabido, bem como orientou o relacionamento entre eles.

Retornando ao caso de Bolonha, Fasoli (1962: 194) atribuiu o caráter reformista


que permeou todo esse processo ao fato de que pouco depois, em 1019, a cúria local
se reuniu e produziu um códice litúrgico específico para os cônegos, legislando sobre
a propriedade e o uso dos três elementos principais da instituição canonical: a escola,
a casa e a mensa comum. Esse códice foi posteriormente confirmado pelo bispo
Adalfredo – com dois diplomas: um em 1045 e outro em 1054 – que não só assegurou
os bens canonicais como exortou todo o clero que participava da comunhão a adotar
uma regra de vida. Naquela ocasião, o prelado aproveitou para limitar o número de
cônegos catedralícios a cinquenta, mostrando que o problema era realmente a
hipertrofia demográfica da instituição. Tal crescimento afetava a própria capacidade
da igreja de arcar com os custos de seus ofícios e garantir a subsistência do clero – e,
por conseguinte, dos pobres, a quem se atendia depois de atendido o clero23. Prova é
que a confirmação de Adalfredo procurou responder a uma lacuna que o códice de
1019, mais preocupado com a normatização litúrgica e com a generalidade
econômica, deixou em aberto: ele tratou de definir as cifras que compunham as
prebendas individuais de cada presbítero e diácono. Em contrapartida, o bispo
também atacou outra lacuna deixada pela legislação anterior e garantiu ao colégio o
direito de eleger os seus próprios noviços. Na avaliação de Fasoli, a intervenção de
Adalfredo teve sucesso: entre os seus dois diplomas, estabilizada a quantidade de
cônegos e regulamentadas as novas eleições, o tamanho do cabido diminuiu, com a
morte dos cônegos mais velhos: de cinquenta, em 1045, o número caiu para sete.

A autora destacou, contudo, que, mesmo resolvido o problema da hipertrofia


do cabido, o bispo Adalfredo fundou uma casa nova para os cônegos em 1054. Onze
anos depois, em 1065, o seu sucessor, Lamberto, fundou outra canonica. Ela concluiu
que essa repetição de fundações canonicais constituía um topos retórico na literatura
episcopal bolonhesa: quando cada bispo dizia que fundava uma nova casa para os
cônegos, não necessariamente um novo estabelecimento estava sendo criado.
Provavelmente a assertiva visava apenas a tornar público e a registrar na memória
citadina que o bispo cumprira seu dever de restaurar e dar a devida manutenção à casa
canonical que já existia ou, menos que isso, que ele estava somente celebrando a
conservação da vida comum de seu clero sob o seu episcopado, visto que isso também
era atribuição sua (Fasoli, 1962: 196). Para Fasoli, as reformas nem sempre consistiram
em transformações concretas sobre a vida do clero; em Bolonha, elas tiveram mais o
caráter de confirmar, sacramentar (como na ocasião de produção do códice litúrgico),
atualizar e perpetuar um modus vivendi antigo, que a comunidade há muito já adotava –

23A autora (Fasoli, 1962: 195) foi incisiva em afirmar que a cidade, que no começo do século XI devia ter o
tamanho espacial de cerca de 30 a 35 hectares, já não comportava mais o crescente número de clérigos.

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ou, literalmente, de reformar e conservar os elementos materiais (a casa, a mensa, entre


outros) que compunham a instituição e viabilizavam a comunhão.

Acerca de Florença e Milão, Sofia Boesch (1962: 229-230) apresentou um estudo


sobre a atuação de João Gualberto, no que respeita ao emprego divergente e disputado
não só dos textos como da memória coletiva que se tinha sobre a vida e a obra que
Agostinho teria legado à normatização da vida canonical. Como nas duas cidades o
movimento patarino24 foi efervescente e suas duas principais acusações ao clero eram
a simonia e o nicolaísmo, as disposições dos apóstolos, e dos “santos padres” foram
evocadas pelo movimento vallombrosano para re-enquadrar o modus vivendi clerical25.
Para a autora, em ambientes de radicalização como o das duas cidades, as propostas
reformadoras também foram radicalizadas, levando, mais do que um retorno à
comunhão, a uma monaquização (“monacazione”) de todo o clero, não somente do
canonical26. Enquanto em outras cidades acordos foram feitos no sentido de afrouxar
as exigências apostólicas e patrísticas, especialmente quanto à pobreza individual,
nesses ambientes os pregadores e reformadores insistiram na renúncia total e
incondicional das “das coisas próprias e familiares” (propriis et paternis rebus, Boesch,
1962: 231) e na necessidade de que o clero habitasse um canonica ou monasterium, tidos
como os únicos lugares possíveis para a vivência correta da comunhão e da
austeridade, os modelos ideais de sociedades eclesiásticas.

Boesch (1962: 232) também levantou, à época da publicação de seu trabalho,


um argumento que ainda recentemente era discutido: o de que as reformas e a
instituição de uma ordus novus (a “ordem dos cônegos regulares”) era uma questão
geracional: clérigos e monges antigos não a aceitavam porque ela implicava a ruptura
do establishment e transformações no statu quo, mas os novos monges e clérigos a
desejavam porque ansiavam mudanças que lhes permitissem alguma mobilidade

24 A autora (1962: 232) argui que nas dioceses milanesa e florentina o monasticismo, já bastante arraigado,
estava alinhado com os bispos e formava uma aristocracia que deixava o baixo clero na margem da política e
da economia local, o que teria levado os cônegos, inclusive os segmentos inferiores dos cabidos, a aderir ao
patarismo como discurso de enfrentamento do poder episcopal e de reclame por melhores condições para os
seus estabelecimentos. Para uma ampla compreensão do patarismo, do catarismo e de outros movimentos
heréticos na Lombardia e na Toscana, cf. Violante, 1972; Teunis, 1979; Paolini, 2004; Varanini, 2005; Taylor,
2013.

25 Também em Volterra João foi chamado para reformar o cabido. Porém, como a pataria não era forte na
cidade, ali ele respondeu a um convite do próprio bispo para comparecer a um sínodo reformista, ao contrário
de Milão e Florença, cujos bispos foram os adversários do reformador (Cristiani, 1962: 242).
26Bonizo de Sutri havia atestado, de modo laudatório, entre 1063 e 1064, a vida coabitada em Milão (Palestra,
1962: 142). Ali, contudo, ela não esteve isenta de tensões tão ríspidas que os vallombrosanos tiveram que ser
chamados para ajudar a reformar o clero e a impor uma comunhão absoluta para o cabido. Ademais, ele também
defendeu que, nos grandes centros urbanos itálicos, era mais fácil reformar colegiadas, sobretudo as rurais, do
que os cabidos, porque quanto mais poderosos eram os cônegos (isto é: quanto mais forte era a nobreza local)
mais resistentes às mudanças eles eram.

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dentro das hierarquias eclesiástica e monástica. Por isso, defendeu a autora, João teria
recrutado, em suas campanhas contra os bispos florentino e milanês, os noviços das
casas canonicais, além de ter ordenado muitos de seus monges ao sacerdócio e
recebido patarinos em seu mosteiro. A instrução era clara: portadores da vida ideal,
os monges não deviam se limitar os mosteiros. Porém, Kathleen Cushing (2005)
mostrou, conforme pontuei, que a atuação de João, um outsider dentro do quadro das
diversas iniciativas reformistas, não foi bem recebida nem sequer pelos reformadores
da cúria romana que pertenciam à mesma geração de João, como Pedro Damião, que
condenou os monges vallombrosanos por saírem de seus mosteiros e se imiscuírem
na vida cívica que cabia ao clero27. Aliás, Fasoli (1962: 197) demonstrou que o mesmo
aconteceu no caso bolonhês: historiadores antigos arguiram, com base no discurso
enfático dos diplomas emitidos pelo bispo Adalfredo, que as reformas por ele
empreendidas teriam constituído radicalizações e que elas seguiram o programa de
reformadores como Pedro. A autora afirma, porém, que o próprio Pedro condenou
também o projeto de Adalfredo, assim como fez com João.

As duas autoras concordam quanto à ideia de que as reformas buscaram


também uma divisão entre um clero novo, o regular28, o um clero antigo, o secular,
mas elas apontam métodos diversos de cumprimento desse projeto. Segundo Cushing
(2005: 743), nos panfletos que Pedro Damião escreveu contra os monges estava claro
que o seu lugar no mundo cristão era importante, mas estava completamente apartado
do mundo cívico, que pertencia ao clero; por outro lado, Boesch (1962: 234-235)
mostra que, após a morte de João, entre a primeira e a segunda vita escrita sobre ele
os hagiógrafos deliberadamente omitiram as passagens mais rigorosas, que proibiam
o “ministério paroquial dos monges”, para viabilizá-lo. Havia, portanto, duas
estratégias divisórias em jogo: a dos reformistas ligados à cúria passava pela formação
de um clero novo orientado pelo acúmulo legislativo que os concílios vinham
reunindo desde o período patrístico e que havia sido moderado de diversas formas,
inclusive nas que concerniam ao exercício ministerial; para Pedro, os problemas do
clero secular deveriam ser resolvidos pelos próprios clérigos e, ao se intrometerem,
os monges prestavam um desserviço às reformas, pois juntavam-se aos “hereges” na
difamação moral do clero29. Já para os vallombrosanos, cuja leitura da patrística era

27Enquanto Boesch diz que João exortou seus monges a adotarem o sacerdócio para poderem participar da
vida cívica florentina, Cushing diz que o reformador conclamou os seus seguidores a pregar na cidade, não a se
tornarem sacerdotes – e a pregação monástica é que justificou a condenação por parte de Pedro Damião.
28A ordem canonical, surgida na metade do século XI, constituiu, junto com a ordem monástica – e,
posteriormente, a mendicante – os principais segmentos da Igreja medieval (Zinn, 1995: 218).

29Ovidio Capitani (1962) lembrou que os ataques sofridos pelos cônegos, tanto da parte dos “hereges” quanto
da parte dos monges, seguiram até o século XII, a ponto de motivar a escrita de uma obra conhecida como
Scutum canonicorum (ou Liber de ordine canonicorum), de autoria do cônego bávaro Arnone da Reichersberg (c. 1100-
1175), que visava precisamente a defender a ordus vetus mediante o revigoramento da ordenação canonical.

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mais radical, tal renovação passava pela monaquização do clero; não pela sua simples
instrução conciliar, mas pela sua completa conversão de vida.

Ainda que a questão do nicolaísmo e da castidade apareça em alguns desses


estudos, é notável a proeminência da problemática dimensão econômica da vida do
clero e, por conseguinte, das reformas. Em Mântua, 1052, a confirmação dada por
Leão IX aos bens canonicais motivou-se, segundo Montecchio, pela pobreza que os
cônegos alegavam e atribuíam à apropriação indevida de seu patrimônio por
particulares (Montecchio, 1962: 167). O problema é que documentos como as bulas
pontifícias nem sempre explicitam quem eram os particulares desviando o patrimônio
público da instituição eclesial. O autor hipotetizou, todavia, que os dilapidadores da
mensa do cabido tenham sido os próprios cônegos, porque Mântua foi uma das várias
cidades onde medidas mais moderadas em relação à comunhão foram tomadas e a
propriedade privada dos clérigos não foi proibida. De acordo com ele, uma
confirmação posterior, dada em 1057 pelo bispo mantuano Eliseo, junto com o tom
econômico, denunciou que a vida comum não vinha sendo rigorosamente praticada
pelo clero e que era precisamente isso o que abria as portas para o peculato 30.
Montecchio concluiu, então, que, em contrapartida para o seu ato confirmatório, o
prelado forçou uma reforma mais rigorosa (Montecchio,1962: 169), apoiada pelos
papas e pelas marquesas de Canossa – Beatriz (1019-1076) e Matilde – cuja proteção
aos cônegos ele próprio intermediou.

Eu concordo com Montecchio porque, confrontados os diplomas imperiais e as


bulas papais, eles claramente diagnosticam e se dirigem a duas ameaças distintas:
respectivamente a dos nobres – que, valendo-se da posse de ofícios e delegações
régias, usurpavam bens eclesiais ou exigiam alguma tributação ou direito sobre eles –
e a dos próprios clérigos. Em suma, os bispos e cônegos recorrerem tanto aos papas
quanto aos imperadores deixa claro que os bens eclesiais sofriam ataques de todos os
lados, de dentro e de fora das igrejas. A questão, portanto, não opunha clérigos e
leigos, como se as disputas jurídico-econômicas fossem antagonismos de classes.

De todo modo, o problema da pobreza, como se deflagrou em Mântua, recoloca


dois questionamentos: o de quais mecanismos produziam o depauperamento e o de
como a obra agostiniana e suas reelaborações carolíngias e conciliares foram
mobilizadas em seu enfrentamento. E é precisamente neste ponto que alguns os
estudos do CSM ficam defasados, conquanto sejam todos ricos de informações e nos
permitam traçar um amplo quadro sobre a temática reformista. Contextualizados na
historiografia da década de 60, alguns autores da miscellanea reproduzem a perspectiva
de que a maior ameaça à comunhão que devia caracterizar a vida pública e à pobreza

30Evidentemente, “peculato” é uma tipificação criminal moderna que não consta nas fontes; uso-a aqui com o
simples sentido de desvio e apropriação indevida do patrimônio público por particulares.

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que se esperava resguardá-la eram as prevaricações aristocráticas, que invadiam as


igrejas e penetravam as fileiras do clero na medida em que os cônegos eram recrutados
dentre as nobrezas locais. No longo trecho que citei acima, de Tabacco, fica clara a
derivação que ele fez entre a ruína carolíngia, a necessidade de reforma e a
emancipação do Cabido Aretino como nova instituição responsável por, no nível
micro, manter a ordem pública. É certo que Tabacco discordou de Fliche e viu as
reformas não como um projeto unitário do papado contra a feudalização da Igreja
Romana, mas como as mutações históricas que permitiram o reordenamento das
forças políticas fragmentadas após o ano mil; como Tellenbach, ele também viu na
feudalização não o fim, mas o reinício da esfera pública.

Identifica-se a mesma perspectiva na proposta de Boesch, que viu nas cisões dos
cabidos milaneses e florentino a oposição entre um “alto” e um “baixo clero”, que
apelou ao patarismo para assegurar a sobrevivência de uma comunhão que o alto
clero, simoníaco e nicolaísta, não tinha a menor intenção de praticar. Igualmente, para
Fasoli, as repetidas propostas reformistas em Bolonha evidenciariam que, além de
fatores externos (como incêndios, pestes e outros), a própria vontade individual de
cada clérigo impedia o sucesso das reformas e a plena adoção da vida comum. Na
visão da autora, novas doações eram sempre necessárias justamente porque o próprio
clero dilapidava a igreja e dissolvia a comunhão, na qual jamais esteve verdadeiramente
interessado. Em vista disso é que os bispos, genuínos zeladores da vida eclesiástica
(porque investidos de uma parcela da autoridade pública imperial), teriam feito os
cabidos comportarem escolas, consideradas meios para fornecer aos clérigos a
educação cívica e convencê-los da necessidade da comunhão e da moralidade para a
administração e a preservação eclesial: o métier das reformas, para ela, assim como para
Boesch, era formar uma nova cultura clerical (Fasoli, 1962: 197).

Para Fonseca, o problema em Nápoles era igual. Ele apontou que um dos fatores
de empobrecimento das plebes era a participação laica na administração eclesial e a
possibilidade de que os leigos também usufruíssem dos benefícios da vida comum
(Fonseca, 1962: 273). E acrescentou que nas plebes periféricas, mais distantes do
centro do poder público que era a Sé, havia dispositivos que reservavam aos nobiliores
(os líderes laicos de cada comunidade) o direito de interferir até na nomeação de seu
administrador eclesiástico; isso, para o autor, era um signo claro dos abusos que o
laicato podia cometer nas igrejas. Tal quadro, enfim, derivaria do enfraquecimento do
poder ducal na região, durante o século XI, o que teria permitido aos nobres governar
suas localidades, ainda que a roupagem jurídica desse governo fosse eclesiástica
(Fonseca, 1962: 275).

Montecchio levou tal interpretação mais longe: para ele, a segunda metade do
século XI foi marcada pela articulação de uma grande rede entre os bispos toscanos:
além de Mântua, Siena, Florença, Lucca e Volterra foram mobilizados e se arvoraram

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no poder dos papas e dos marqueses para constituir um grande partido de resistência
aos imperadores. Nesse arranjo, os cônegos, representando a média e a baixa
aristocracia, teriam sido recrutados como base de apoio. Prova disso seria a
condecoração, em 1077, recebida pelo arcipreste e pelo arcediácono mantovanos das
mãos do papa Gregório VII, o que mostraria a estima de que o clero passou a gozar
junto aos romanos. Ademais, membros do cabido local, como o arcediácono Ubaldo
(que se tornou bispo entre 1082 e 1092), eram de famílias clientes dos marqueses e,
em nome deles, exerceram funções como a de vicedomini ecclesiae, ou seja, de reitores de
igrejas menores (Montecchio, 1962: 171)31. Esse teria sido, pois, um momento
marcado pela coalisão entre as autoridades episcopais, a marquesana e a pontifícia,
entre os poderes locais, os regionais e os universais. Nela, a emancipação dos cabidos
teria constituído uma estratégia para fazer frente às facções nobiliárquicas sediadas
nos castelos e nas grandes sedes, como a de Milão32. Toda a organização deveria fazer
frente ao reinado de Henrique IV (1053-1106), à sua ambição pelas investiduras e à
emergência de antipapas patrocinados pelos germânicos, como Cádalo de Parma (c.
1010-1072), que adotara o nome de Honório II (1061-1064).

Contudo, segundo o próprio autor, a coalisão toscana perdeu o embate quando


Henrique IV sitiou Mântua, em 1091, e colocou na Sé o bispo Conone, a quem se aliou
o segmento mais baixo do cabido, que não gozava dos títulos de vicedomini concedidos
pelos marqueses. Ou seja, o partido romanófilo perdeu a batalha quando os
germânicos conseguiram, por meio da força, sufocar o partido adversário, forçando a
fuga dos prelados papistas; mais que isso, os imperiais teriam vencido ao conseguir
cooptar a parcela do clero que não havia sido incluída no jogo político papal. A
mudança nos rumos da guerra, segundo Montecchio, causou um cisma dentro do
cabido e afastou o favor de Matilde, que deixou de beneficiar os cônegos e passou a
favorecer um mosteiro próximo da cidade, que lhe permaneceu fiel. O cisma, é claro,
na avaliação do autor, rompeu a comunhão e sabotou a reforma que Eliseu havia
implementado (Montecchio, 1962: 172). Diante disso, o cabido voltou a se
empobrecer, pois os cônegos passaram a arrendar os bens institucionais para
compensar a perda do aporte donativo dos marqueses. Em suma, para o autor, se a
formação do partido multi-episcopal reforçou as reformas, durante o período
gregoriano, a revanche germânica causou o seu retrocesso.

31 De fato, Dereine (1946: 380) pontuou que na vita do bispo Anselmo de Lucca, escrita por volta de 1110,
afirma-se que, durante a vida de Matilde, ela fez várias dotações a colegiadas e mosteiros da diocese, para que
mantivessem a comunhão. Na mesma fonte, o hagiógrafo diz que o referido bispo chamou a atenção dos
cônegos do cabido local, que haviam se esquecido dos ensinamentos de Jerônimo e de Agostinho, bem como
dos favores dos papas Alexandre II e Leão IX, e se afastado da comunhão. Segundo o Anselmo, os santos
padres e papas ficariam envergonhados se vissem aquela situação.
32 Falconieri (2011: 72) concorda que nos anos 40 e 50 do século XI, tempo de Pedro Damião, apoiar as
reformas canonicais foi uma estratégia de construção da base de apoio do “partido gregoriano”.

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Por outro lado, os demais autores que publicaram na coletânea do CSM sequer
levaram em conta esse paradigma para explicarem as transformações da vida comum
do clero de cada igreja. Como argui, creio que a divergência de interpretações tenha
várias causas, dentre elas a epistêmica, que julgo ser, na miscellanea, a preponderante.
Para os autores acima indicados, a explicação baseada na ruína carolíngia foi um
instrumento cognitivo que antecedeu aos próprios estudos de caso, ou seja, uma
premissa que condiciou a leitura documental. Além disso, a disponibilidade (ou
escolha) de fontes, assim como no caso orvietano, parece ter determinado a adesão
ou a dispensa do referido paradigma: leitores como Tabacco e Boesch valeram-se
muito mais de fontes oficiais33, das bulas papais e dos diplomas régios, porém outros
autores, como Fasoli, Fonseca e Montecchio, mesclando esses corpora documentais
com a diplomática local, apresentaram resultados que permitem relativizar a
conclusão a que eles próprios chegaram. Seus trabalhos mostraram como a
pluralidade interna de cada diocese colocava em coexistência colegiadas, sobretudo as
citadinas, em estreita conexão com as cortes pontifícia e imperial e colegiadas
completamente alheias à macropolítica.

Em suma, todos os artigos do CSM dão margem para que se colham inúmeros
casos em que as reformas aconteceram em função das demandas administrativas,
econômicas e políticas de cada comunidade. Insisto: tais demandas foram
consequências de um crescimento (o demográfico), não de uma crise, de uma falência
(a da dinastia carolíngia). As reformas promoveram sim reordenamentos (para usar
um termo frequente – riordinamento – nos textos de Tabacco) por todo o ocidente, mas
em face da multiplicação das plebes, das colegiadas, dos postos dentro da hierarquia
eclesiástica e da oferta de serviços por parte dos clérigos. É precisamente neste ponto
que entravam as legislações de Agostinho, dos reformadores como Chrodegang e
Bento de Aniane e de Aachen.

Como tentei mostrar, por terem sido forjadas em períodos similares – o do


primeiro crescimento da igreja, ainda na “era apostólica”, e o do segundo, no tempo
do santo bispo de Hipona – elas continham dispositivos adequados, já elaborados
para lidar com esse tipo de transformação. As cláusulas dos textos de Agostinho, por
exemplo, já continham conselhos sobre como lidar com dois tipos comuns dentro de

33 Nestes dois autores a escolha das fontes é flagrante: em Boesch porque ela escolheu abordar o tema pelas
suas “grandes linhas”, abordando os célebres reformadores; suas fontes foram as vitae escritas sobre João
Gualberto e a obra de Pedro Damião. Já Tabacco, que fixou o seu entendimento sobre o feudalismo itálico
antes de publicar seu estudo de caso sobre Arezzo, acabou explorando mais a documentação régia e papal,
conquanto tivesse à mão o códice diplomático aretino, editado em 1899 por Ubaldo Pasqui (e hoje disponível
online: https://archive.org/details/documentiperlast02pasq. Embora quase metade das notas de rodapé do
artigo de Tabacco remetam à edição de Pasqui, praticamente todos os diplomas que ele abordou eram as cópias
de registros imperiais e pontifícios reunidas nos arquivos aretinos e que o códice coletou. É sabido que, assim
como Boesch, Tabacco se preocupou com a macrohistória das reformas, com o seu maior nível, como mostram
os seus trabalhos coetâneos à miscellanea do CSM (cf. Mineo, 1995).

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uma congregação canonical: o clérigo de origem rica, que podia usar a instituição
comum para preservar ou até engrandecer o seu prestígio e poder privado, e o clérigo
de origem pobre, que podia se aproveitar dela para praticar um “alpinismo social”. As
duas possibilidades não eram, frise-se, as únicas: a comunhão ainda podia ser
empregada pelos gestores eclesiásticos como mecanismo de distribuição de renda, na
medida em que o princípio da pobreza podia motivar os clérigos ricos a socializarem
seus bens e dar à instituição canonical os recursos necessários para prover a
subsistência aos pobres, fossem eles ordenados ou não.

Na coletânea do CSM dois artigos não foram estudos de caso e se dedicaram


exclusivamente a discutir o papel e a relação dessas legislações nas reformas
canonicais. O artigo de abertura, de Luigi Prosdocimi, lembrou que, nos arquivos de
cada diocese, o léxico sobre as disposições normativas para a vida comum do clero
era variado: costitutiones, institutiones, instituta, statuta, ordines, traditiones, consuetudines,
observantiae. Para o autor, essa terminologia não era tão técnica e precisa como
podíamos crer (Prosdocimi, 1962: 1); todavia, todos diziam respeito à mesma coisa:
modos que se acreditavam reproduzir a vida perfeita de Cristo e da primeira
comunidade apostólica. Por isso muitos textos consistiam simplesmente de excerpta
dos Atos dos Apóstolos e de sententiae dos antigos padres, os primeiros a interpretar
sistematicamente os Atos e a elaborar modelos de vida conciliando ascese e
comunitarismo – em geral, a onipresente remissão às autoridades do passado é o que
caracteriza tais legislações como verdadeiras tradições. “Assim, o compilador de uma
regra, mais que um legislador, era instrumento e veículo da tradição [...]” (Prosdocimi,
1962: 42), afirmou o autor. Os legisladores carolíngios, segundo ele, não inventaram
leis novas; eles compilaram disposições já existentes.

Uma observação de Prosdocimi é decisiva para este estudo: segundo ele, no


meio do complexo lexical das legislações reformistas, é possível identificar uma
distinção: termos como instituta e ordines eram empregados para rotular compilações
de textos tidos por originais, recipientes do rigor formulado pela patrística e ratificado
pelos concílios, destinados não necessariamente à prática ipsis litteris, mas, pelo menos,
à orientação idealista do clero. Por outro lado, consuetudines e usus se encontram com
mais frequência em textos produzidos espontaneamente por cada comunidade, frutos
do depósito escrito de “comportamentos repetidos” e de ensinamentos orais
(Prosdocimi, 1962: 3). De fato, Geneviève Bührer-Thierry lembra que desde o século
VIII os bispos começaram a ordenar compilações com cânones conciliares e decretos
patrísticos com o objetivo de prover o seu clero de instrumentos legislativos capazes
de arbitrar querelas e de orientar a vida comunitária (Bührer-Thierry, 2016: 61). Os
textos fundamentais eram, sempre, os Atos dos Apóstolos, que instituem até mesmo o
próprio costume conciliar, remetendo-se ao concílio reunido ainda em Jerusalém. De
acordo com a autora, o que se viu no período carolíngio foi a repetição do que se
havia feito no próprio período patrístico: os imperadores dando às disposições

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conciliares a força de constituição (Bührer-Thierry, 2016: 62). A própria Admonitio


generalis de Carlos Magno, emitida em 789, recomendava a fabricação das compilações
para que servissem ao controle sobre o clero diocesano (Bührer-Thierry, 2016: 45).
Tais compilações eram fragmentárias porque seus autores não tinham acesso a toda a
legislação conciliar e imperial ou porque só lhes interessava reunir as disposições mais
urgentes, aquelas que podiam ser empregadas na resolução de problemas
experimentados durante o episcopado do prelado que encomendara a compilação 34.

As coleções canônicas não são fragmentárias apenas em relação à totalidade da


legislação universal, mas também em relação à própria diocese. Cada episcopado,
igreja e colegiada podia estabelecer a sua própria consuetudo, com os excerpta que lhes
conviesse, provenientes dos Atos, de Agostinho, de Jerônimo, dos dois Bentos, de
Chrodegang ou de Aachen35. Logo, as consuetudines têm origens diversas e geralmente
encontram-se acrescidas de regulae: compilavam-se os textos mais moderados, frutos
dos acordos locais, feitos em função das tradições praticadas pela comunidade há
tempos, e as statuta retiradas dos cânones universais. E é preciso que o historiador
conheça a relação entre ambas as partes da compilação: as istitutiones, preservadas em
todo o seu rigor e reproduzidas a despeito da adesão comunitária, persistem nas
compilações porque nos momentos de crise da congregação clerical que produziu a
compilação elas são evocadas como instrumento de reforma, de restauração da vida
comum conforme os ditames canônicos, segundo os apóstolos, os santos padres e os
reformadores. Já os usus cumpriam o papel de moderar os estatutos, adaptando-os às
tradições locais. Eles também indicavam quais cânones a comunidade aceitava e quais
ela rejeitava ou flexibilizava, além de preencher lacunas econômicas e litúrgicas nos
costumes locais, que as legislações universais não respondiam36.

Já o artigo de Carlo Egger mostra como, mesmo no âmbito dos concílios de


Aachen e dos sínodos posteriores a ele, os legados apostólico e patrístico foram
filtrados com o objetivo de adaptá-los às demandas que os próprios componentes das
reuniões representavam. Ele lembrou que o sínodo Lateranense de 1059 colocou em
xeque a própria regra canonical consagrada em Aachen ao condenar os seus capítulos
115 e 122, que concediam aos cônegos, respectivamente, o direito da propriedade
privada e uma excessiva quantidade de comida e bebida para a sua mensa (Egger, 1962:

34Ao contrário da regra beneditina, a agostiniana não traz detalhes sobre o aprovisionamento da vida
comunitária, conquanto seu texto seja repleto de conselhos sobre o assunto. Por isso cada comunidade precisou
desenvolver seu próprio ordenamento sobre o tema (Zinn, 1995: 219).

35O costume de Saint-Ruf de Avinhão, um dos mais antigos da Europa continental e exportado para diversas
outras localidades, é um “dossiê patrístico”, com pequenos trechos de várias proveniências (Misone, 1963: 473).
A conciliação do dossiê com a traditio local, para o autor, garantia a prática da legislação avinhonesa.

36 Vide o estudo de Misone (1963: 474-475) sobre a consuetudo de Saint-Ruf em Avinhão.

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9)37. O autor informou que nos arquivos canonicais há mais manuscritos com a versão
da regra de Aachen adaptada pelo concílio de Latrão do que manuscritos com a sua
versão original. Os manuscritos também contêm, geralmente, trechos de Chrodegang
e de Agostinho, mas em todas as cópias há um padrão: seja qual for a fonte, as
cláusulas sobre a propriedade privada e o uso da despensa comum são as que mais
sofrem alterações e supressões em favor de consuetudines locais (Egger, 1962: 10)38, o
que indica que as comunidades registraram em suas compilações verdadeiras
sobreposições dos costumes às normas. No que mais importava e despertava
contendas, o que se tornava lei era o acordo local derivado da tradição, não as
disposições emanadas pelas cúrias dos imperadores e papas. As legislações universais
tiveram, portanto, pouca capacidade de alterar o statu quo em cada igreja e colegiada.
De maneira que se torna improdutivo sustentar, como indiquei, uma capilaridade dos
projetos reformistas universais: os costumes eram mais fortes que os cânones e cada
compilação de manuscritos mostra isso, segundo Egger. Mesmo quando as
compilações referenciam autoridades como Agostinho (o que, pontua o autor, não
era tão comum como se pensava39), geralmente as citações são, como frisei, balizas
ideais não necessariamente praticadas; elas indicam que a comunidade acreditava
forjar a sua própria legislação dentro do esquadro delineado pelo santo padre, não
necessariamente igual a ele (Egger, 1962: 11)40.

Por fim, além do estudo sistemático de Dereine e da coletânea do CSM, a


literatura historiográfica fornece alguns outros estudos substantivos. Enrico Cattaneo,
37Segundo Misone (1963: 475), a dieta do clero era um dos pontos mais polêmicos da vida comum, sobre o
qual as consuetudines mais versaram. A licença para que os cônegos pudessem ou não comer carne era uma
questão central dos debates. De fato, a interpretação de Elisabeth Carpentier (1986: 35) concorda com
Marabottini sobre o “crime” acusado pelos cônegos de Orvieto durante a sua querela contra o bispo
Hildebrando, o lapsus carnis, é a de que a culpa do prelado era justamente deixar faltar carne à mesa do Cabido,
ao contrário da interpretação genérica de Fumi, que viu na expressão uma simples acusação de “desonestidade”
(embora a expressão seja mesmo polissêmica e possa indicar até pecados sexuais).

38Nem toda comunidade elaborou a sua própria consuetudo: havia grande circulação entre os cânones locais e a
mobilidade dos clérigos permitiu que igrejas menores simplesmente copiassem as compilações das igrejas
maiores (ibid.: 12). A própria regra revisada em Latrão serviu, antes de tudo, à reforma da própria Colegiada
Lateranense, mas teve grande circulação, incluindo sua consuetudo. Hildebrando de Soana, o futuro Gregório
VII, fazia parte dessa congregação (sendo, àquela altura, arcediácono) e, segundo Dereine (1946: 373), interveio
diretamente na elaboração do códice local, o que explica que a revisão lateranense tenha sobrepujado a regra
de Aachen precisamente sob o seu pontificado; o seu predecessor, Alexandre II, tinha preferido seguir a política
de confirmar e proteger as consuetudines locais, ao menos na Itália (ibid.: 376).

39O próprio Dereine (1946) já havia questionado a penetração da obra agostiniana nas compilações canonicais
e concluído que ela foi muito mais relativa e limitada do que se supunha.

40O autor segue a indicação de Dereine, de que cópias de textos agostinianos só são encontrados tardiamente
nas compilações canonicais (a partir de 1067, em Reims), mas Misone (1963: 474) a contesta: ele diz que a regula
agostiniana já consta na compilação de Narbona, de 1034, o que sustenta a tese de que a presença da regra de
Agostinho não se contrapunha à observância de uma consuetudo local, conforme defendeu Egger.

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por exemplo, estudou especificamente o processo reformista milanês. De acordo com


ele, naquela cidade a reforma canonical tinha raízes antigas: Ambrósio, em 396,
escreveu uma carta à igreja de Vercelli louvando o santo bispo Eusébio justamente
por ter introduzido a vida comum no clero da cidade. Segundo o célebre bispo,
Eusébio pôde melhor suportar o exílio porque foi motivado pela virtude monástica
introduzida ao clero secular. Cattaneo (1974: 246) mencionou que os historiadores já
chegaram a achar que Ambrósio fez o mesmo em Milão, mas ele afirmou que não há
provas disso. Anos mais tarde, uma carta de Gregório Magno indicia que a vida
comum foi instituída na cidade pelo arcebispo, tendo em vista os cônegos
catedralícios (que ali eram chamados de ordinari41), num tempo de carestia, quando
nenhum deles tinha sequer o que comer. A reforma teria sido feita, portanto, por uma
questão de subsistência, não de comando “vindo de cima”.

Cattaneo acreditou que a legislação carolíngia não influenciou tanto a vida do


clero de Milão, dado o flagrante anti-franquismo dos milaneses42. Naquela época, um
arquipresbítero local é que se encarregou da construção de uma casa comum
(chamada de hospitium) para seus colegas, junto à catedral. O cronista Arnolfo (1030-
1080) conta que o bispo Landolfo I (m. 899) foi quem primeiro entregou aos milites
da cidade os “direitos sobre as igrejas e benefícios eclesiásticos” (ecclesiae facultates et
clericorum beneficia); com o dinheiro da venda ele comprou o apoio social para governar
a diocese. Cattaneo lembra, contudo, que os ordinari também eram nobres, ou seja,
que os privilégios de Landolfo visavam a beneficiá-los, não a prejudicá-los; como a
aristocracia não estava oposta ao clero, a alienação dos bens eclesiais não foi em seu
detrimento.

Cattaneo frisou que crônicas como a de Arnolfo devem ser consideradas com
reservas, pois elas procuraram celebrar a “tradição ambrosiana” e reafirmar os
privilégios dos ordinari, no contexto do movimento gregoriano que atentou contra as
prerrogativas nobiliárquicas (Cattaneo, 1974: 249). Assim, no início do nono século,
o arcebispo era o proprietário de todos os bens da igreja milanesa, mas algumas
décadas depois os mesmos bens estavam divididos entre o arcebispado e o cabido,
que administrava as igrejas e era remunerado em prebendas. Para o autor, essa divisão
indica como a administração episcopal vinha se ramificando em instituições menores,
regidas pelos presbíteros, dentro do corpo integral da igreja milanesa.

41 Milão dividia seu clero secular em dois grupos, às vezes rivais: a ordo maior (os ordinari) e a ordo minor – os
decumani, das demais plebes citadinas e rurais, chefiados pelos primicérios (Cattaneo, 1974: 248).

42 Desde o episcopado de Angilberto (m. 859), os milaneses haviam construído uma intensa hostilidade aos
governantes enviados pelos conquistadores francos; eles se opuseram tanto ao papa João VIII (p. 872-882)
quanto aos imperadores. A reconciliação do clero milanês com o império só veio posteriormente, sob Otão II
(r. 973-983), que apoiou o bispo local Landolfo II (m. 998), conforme narrou Arnolfo.

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No que tange à legislação reformista, Cattaneo observou um fato complementar


ao que disse Matthew Ponesse. Para o autor italiano, o texto-base utilizado pelos
prelados reunidos em Aachen para normatizar a vida do clero foi aquele elaborado
por Chrodegang, que já vinha defendendo a vida comum (junto com os ofícios
litúrgicos) como o cerne da disciplina eclesiástica, da verdadeira religiosidade
(Ponesse, 2013: 248). O que o bispo de Metz fez, afinal, foi compilar e reinterpretar
uma parte do corpus agostiniano que geralmente não era reproduzido junto com a sua
regula: os seus sermões e a hagiografia escrita por Possídio. É por isso que, como
indicou Ponesse, o material agostiniano que se encontra nos textos de Aachen não
coincide com o corpus que se consagrou como sendo a regra do santo padre. Cattaneo,
aliás, observou bem o texto emitido pelo concílio:

A regra de Aachen não impunha a pobreza; ao contrário, ela estabelecia a


vida comum ‘in claustro’ com ‘dormitoria, refectoria, cellaria et ceterae
habitationes usibus fratrum in una societate viventium necessariae’,
segundo as possibilidades econômicas dos cônegos, o que resultava em
três níveis: ‘a) Qui et suas et ecclesiae habent facultates et utilitatem
ecclesiae aut interius aut exterius confuerunt, accipiant in congregatione
cibum et potum et partes elemosinarum et his contenti sint... b) Qui nec
suis rebus abundant nec ecclesiae habent possessiones et magnam
utilitatem ecclesiae confuerunt, accipiant in canonica congregatione
victum et vestium et elemosinarum partes... c) Qui nec suas nec ecclesiae
velint habere possessiones, horum necessitatibus providentíssima
gubernatione de facultatibus ecclesiae debent subvenire praelati...
(Cattaneo, 1974: 250).

Ou seja, o autor converge com o que disseram Prosdocimi e Egger: nem mesmo
no grande concílio reformador carolíngio a severidade apostólica e patrística foi
mantida. Os conciliares, como os antigos padres, reinterpretaram as condições do
apostolado à luz de seu tempo. A esse respeito, Zinn asseverou:

Dadas as velozes mudanças nas instituições sociais e eclesiásticas depois


do tempo de Agostinho, suas ideias tiveram pouco impacto prático
[mesmo] entre os futuros bispos que foram formados em sua casa. Mas
nos seus sermões, nos elementos que entraram para a Regra que leva o seu
nome, bem como na Vida escrita por Possídio, o ideal de uma comunidade
do clero comprometida com a pobreza pessoal permaneceu esperando a
sua efetivação. Conforme eles fundaram novas comunidades ou
reformaram as que já existiam, os cônegos regulares [já no século XI]
adotaram práticas [consuetudines] em adição à pobreza e à vida comum que
eram entendidas como pertencentes à vida monástica. Isso incluía o
ascetismo, as horas litúrgicas de oração comum, a contemplação, a vida no
claustro, e outras mais (Zinn, 1995: 218).

Assim como em Orvieto, contudo, a aplicação dos ideais reformistas em Milão,


segundo o autor, só aconteceu por conta do patrocínio de um bispo: Ansperto (m.

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882), de origem franca, nomeado para a sé pelos reis carolíngios e que chamou da
França o abade Liutgario e o monge Ildemaro para ajudá-lo a restaurar o cabido local
segundo a tradição iniciada por Ambrósio. Ou seja: em Milão, tanto quanto em
Orvieto e em outras várias cidades, foi preciso que os imperadores impusessem a
reforma enviando um bispo de sua cúria para ocupar a Sé. A diferença entre os dois
casos está no motivo da intervenção imperial: em Milão ele era conflituoso, em
Orvieto não: ali, como em Lucca e em Arezzo, a reforma não serviu para aplacar uma
resistência local ao governo estrangeiro, mas para trazer o clero local para a base de
apoio imperial, tornando-o, em troca do patronato, vassalo régio.

Reuni no mapa abaixo os casos colhidos na literatura a que tive acesso, a fim de
que se tenha uma visão espacial das reformas estudadas na península itálica. Mapeei
reformas que se concentraram nas planícies itálicas, tanto da Lombardia quanto da
Toscana. Quando se considera o conjunto dos casos analisados pela historiografia
aqui discutida, predominam as colegiadas, dentre as instituições reformadas. Nesse
recorte, a questão das reformas parece ligada à gestão dos recursos de cada igreja,
especialmente das terras eclesiais, cada vez mais habitadas. Dentro desses limites, as
únicas ocorrências de reforma nas montanhas apenínicas (Val di Castro e
Vallombrosa), ambas citadas por Dereine, enquadram-se no tipo que Boesch
delineou, de monaquização canonical, ocorrida em estabelecimentos propositalmente
fundados longe das cidades por reformadores que enxergaram na vida monástica o
modelo a ser seguido pelos cônegos. Esses parâmetros de reformas foram, contudo,
exceções. Observe-se também, por fim, a concentração de casos em volta de Florença
e do eixo Milão-Pádua, as regiões mais conflituosas da Itália no século XI.

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Mapa 1 – Reformas na Itália (séculos IX-XI)43.

5. Considerações finais

São numerosos os casos em que os projetos reformistas foram gestados in situ


e sequer contaram com a participação de papas e imperadores. Em muitas ocasiões
as reformas foram demandas do clero ou da igreja local e mesmo nos casos em que,
em algum momento, os papas e imperadores entraram no processo, o papel deles foi
o de confirmar arranjos já tecidos pela comunidade. Em torno das reformas
formaram-se partidos que viam os processos de maneiras distintas, desejavam-no ou
o rejeitavam, ou, ainda, queriam-no em formatos variados e esperavam dele coisas
diferentes. Ainda que as intervenções pontifícias e imperiais tenham, em alguns casos,
sido decisivas e decretado a vitória de um ou outro desses partidos, a evocação de

43 Mapa de minha autoria, construído no aplicativo My Maps do Google, a partir dos dados colhidos nas
referências discutidas: em vermelho estão marcadas as localidades constantes no levantamento de Dereine e
em azul as do CSM. Em preto está o caso discutido por Falconieri. A linha preta indica um trajeto hipotético
de circulação das reformas, do norte ao centro da Península. O polígono vermelho demarca a zona de atuação
dos reformistas vallombrosanos e o polígono azul estima a área de atuação dos reformistas avellanitas.

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papas e imperadores partia, geralmente, de um dos grupos da própria comunidade.


Assim, devemos inverter a compreensão relativa ao que tange à análise das reformas:
as demandas “de baixo” constituíram, geralmente, o polo ativo do processo, ao qual
as “ideologias de cima” reagiram. Não parece, pois, adequado pensar em capilaridade
das iniciativas superiores; a ideia de “emergência” de fatores locais me soa mais
elucidativa, no sentido de que os concílios foram reunidos, as bulas e decretais foram
emitidas e as regras foram reelaboradas e padronizadas para responder às demandas
que cresciam e tomavam conta da cena pública em todo o ocidente.

Neste texto tentei estabelecer uma abordagem que enfatiza a natureza das
reformas feitas sobre a vida do clero como dispositivos de governo quase sempre
acionados localmente, não pelos imperadores, pontífices e concílios, mas por bispos,
condes, diáconos. Eles foram destinados a alterar as formas e os direcionamentos do
exercício do poder, ou seja, de readequar a política feita na época a um panorama
novo que não se compunha só de um nível “alto” – o das mudanças dinásticas, com
consequentes deslocamentos dos centros de poder das casas francas para as
teutônicas e a emergência das “elites médias”, sediadas nos cabidos e colegiadas – mas
também do crescimento demográfico, do inchaço comunitário e da hipertrofia
eclesiástica. Deste ponto de vista, os inúmeros casos que se podem abordar – e com
os quais se pode vislumbrar um verdadeiro sistema explicativo – permitem destacar
que as reformas foram processos de base, locais, ainda que dinâmicos e circulares.
Para compreendê-las como um todo, a prosopografia é uma ferramenta analítica
importante, mas que não dá conta de todas as suas minúcias: nas cidades grandes e
bem documentadas se consegue, com ela, identificar redes clientelares, mas nas
cidades menores e mesmo nas igrejas periféricas e rurais das grandes dioceses se
desconhece a proveniência social dos clérigos, de modo que não se pode limitar o
estudo das reformas a um estudo das aristocracias44.

Referências

Todas as traduções dos textos em idioma estrangeiro, inclusive o latino, são de


minha autoria.

Barzon, A. (1962). Documenti di vita comune in Padova (secc. XI-XII). In: Centro
44Nos cabidos e colegiadas, por todo o ocidente, o que agia não era a suposta voracidade político-econômica
das grandes aristocracias, pois nas igrejas anexas às catedrais e nas plebes suburbanas e rurais o que se
organizavam eram os pobres e o que Wickham (2015) chamou de “elites médias”, que só viriam a se tornar
uma “nova aristocracia” no decorrer do século XII. Giles Constable (1982) ofereceu uma boa análise acerca da
centralidade do valor da obediência no ambiente monástico; todavia, comparando a regra que prevaleceu nesse
ambiente, a beneditina, com aquela que predominou nos ambientes clericais e plebanos, a agostiniana, mostrei
que a obediência estava igualmente colocada para os segmentos mais baixos da população que se agremiava em
torno de uma comunidade monástica ou eclesial.

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Recebido: 13 de maio de 2021


Aprovado: 20 de julho de 2021

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