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Artigo para o “Guia Exclusivo dos Promotores e Investidores Imobiliários”, promovido

pela APPII – 05/09/2017

A importância do turismo na reabilitação dos centros históricos


Nos últimos meses a comunicação social tem divulgado declarações de políticos,
movimentos e artigos de opinião, que pretendem atribuir ao turismo a responsabilidade
pela ausência de habitações a preços acessíveis nos centros de Lisboa e Porto, tentando
passar a ideia de que os habitantes estão a ser colocados fora dessas zonas para darem
lugar a turistas. Uma ideia muitas vezes repetida, associada ao exemplo de casos
isolados, até pode convencer algumas pessoas, mas não passa pelo escrutínio de uma
análise mais profunda.
Por razões profissionais acompanhei o desenvolvimento de Lisboa nas últimas décadas
e, talvez por conhecer as causas que levaram à desertificação dos centros históricos e à
degradação do edificado, considero que foi o turismo e os residentes estrangeiros que
inverteram esse o penoso ciclo dos últimos 40 anos, através do investimento que tem
permitido reabilitar edifícios, com especial destaque para Lisboa e Porto, com a
consequente atração de população e criação de emprego.
Para quem não se recorda, ou para os que nunca quiseram saber, é importante traçar a
fotografia dos centros de Lisboa e Porto até 2011, com base nos censos, ou seja, antes
do turismo surgir com a dimensão que hoje tem.
Em 1981 Lisboa tinha 807.937 habitantes e o Porto 327.368, mas em 2011, a população
residente reduziu para 547.733 e 237.591, respetivamente, tendo Lisboa perdido
260.204 habitantes e o Porto 89.777. No conjunto perderam 349.981 habitantes, ou seja
30,8 % da população que tinham em 1981, apesar da população do país ter aumentado
729.000 residentes. A desertificação dos centros urbanos, com perda de população e
aumento dos edifícios devolutos foi associada à imagem dos donuts, vazio no centro e
cheio na periferia.
Em 2011 Lisboa tinha cerca de 50.000 habitações devolutas e as políticas públicas para
promover a reabilitação urbana não resultaram em investimento significativo. Contudo,
fruto das recentes alterações, em 2016 os edifícios devolutos já eram menos 800 face a
2010.
Quanto à ausência de oferta de habitações para arrendamento, é uma realidade com
muitos anos, resultado do regime de arrendamento urbano, da tributação dos
rendimentos prediais e da forma como o Estado obrigou os senhorios a assumir funções
sociais sem qualquer pagamento. Para a maioria das famílias apenas passou a existir
uma alternativa, a compra de casa na periferia com recurso a empréstimo bancário. Por
isso, os portugueses têm uma das mais baixas percentagens de arrendamento na UE,
menos de 20% e uma das mais elevadas taxas de habitação própria, 74%.
Mas se olharmos o arrendamento em Lisboa através do valor das rendas, a realidade
também contraria muitas das afirmações produzidas, pois aproximadamente 18% da
população habita em cerca de 26.000 alojamentos municipais. Se somarmos a este
número as dezenas de milhar de habitações com rendas muito baixas, anteriores a 1990,
perceberemos que Lisboa concentra o maior número de habitações com preços de
arrendamento baixos, em que vive cerca de 30% da população.
Por isso, atribuir ao turismo a responsabilidade pela dificuldade de acesso à habitação a
preços reduzidos é inaceitável e não tem fundamento. Pelo contrário, deve-se à atração
dos turistas e aos residentes estrangeiros o investimento privado que tem permitido
reabilitar as zonas históricas, o que é também consequência das políticas públicas dos
últimos anos, da nova lei do arrendamento urbano, do não englobamento dos
rendimentos prediais e do regime excecional da reabilitação urbana. Na prática,
ocuparam o espaço vazio tão ignorado nas últimas décadas.

Fernando Santo

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