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A aprendizagem por descoberta, tão em voga no ensino de ciên- É claro que se pode argumentar que, de fato, começar a estudar
cias há algum tempo atrás, está muito associada às proposições teorias de ensino, aprendizagem e desenvolvimento, enfoques
de Jerome Bruner (1969) sobre ensino e aprendizagem. O ensino epistemológicos e questões metodológicas, poderia sobrecarre-
centrado no aluno é uma aplicação de princípios rogerianos (Ro- gar o professor que já tem diante de si uma pesada carga docente.
gers, 1971) sobre aprendizagem. Enfoques piagetianos (e.g., Ku- Mas não se está propondo que o professor pesquise sozinho. Ao
bli, 1979) ao ensino de ciências são também muito comuns hoje contrário, a idéia de uma estreita cooperação entre professores e
em dia. pesquisadores externos (geralmente professores universitários)
parece ter grande potencialidade. O que se enfatiza aqui é a neces-
Assim, embora as teorias de aprendizagem sejam vistas até com sidade de uma pesquisa com fundamentação teórica e episte-
desdém por alguns professores, sua prática docente é fortemente mológica, não necessariamente conduzida por um único indiví-
influenciada por tais teorias. 0 professor que simplesmente duo.
ignorar o domínio teórico da ação docente estará trabalhando na
base do ensaio-e-erro, seguindo modismos, imitando colegas, Por que ter professores como pesquisadores?
usando textos e outros materiais instrucionais sem saber qual
orientação teórica está por detrás desses materiais. A atividade Nas seções anteriores já foram apresentadas, pelo menos implici-
docente, ao contrário, deve ser conduzida sob um referencial tamente, razões que apóiam e justificam a pesquisa, de modo que
teórico acerca de ensino, coerente com pressupostos teóricos aqui se pretende apenas resumir e reforçar tais razões.
acerca de aprendizagem e de como é produzido o conhecimento
humano. • A qualidade e os resultados do ensino em qualquer nível e em
qualquer disciplina é função de muitos fatores, dos quais pouco
Analogamente, a pesquisa em ensino deve ser conduzida a partir se sabe. Respostas nesse sentido, contudo, são do maior inte-
de referenciais teóricos e epistemológicos. Pesquisar sem referen- resse dos professores.
Na verdade, é bastante restrito o conhecimento atual sobre co- ver com esses lugares-comuns. Sempre que ocorre um ato de en-
mo os alunos aprendem. Todavia, na medida em que se souber sino, se ensina alguma coisa, em um certo contexto, com o objetivo
mais a esse respeito, a instrução poderá ser organizada consis- de que alguém aprenda, e sempre se avalia algo. Novamente aqui o
tentemente com tal conhecimento. De maneira análoga, é igual- professor está em uma posição privilegiada para identificar ques-
mente restrito o que se conhece em relação à influência do tões cujas respostas obtidas pela pesquisa, poderão contribuir pa-
domínio afetivo no crescimento cognitivo. Naturalmente, ra a melhoria do ensino de ciências e para o progresso do conheci-
talvez se possa melhorar o ensino por meio de experiência, mento nessa área. Como dizem Runkel e McGrath (1972, p.2), "no
ensaio-e-erro, intuição, mas é pela pesquisa que se poderá che- fundo, pesquisar consiste em sistematicamente formular ques-
gar a resultados mais significativos, a respostas mais abrangen- tões. As respostas obtidas dependem fortemente de quais ques-
tes para questões relativas a ensino. Experiência, ensaio-e-erro, tões foram formuladas e de como elas foram formuladas". Profes-
intuição, até agora pouco contribuíram para o desenvolvimento sores certamente têm grande contribuição a dar na formulação de
do ensino de ciências. Por outro lado, a pesquisa em ensino de questões de pesquisa em ensino.
ciências tomou notável impulso na década passada, vem cres-
cendo cada vez mais e parece ser altamente promissora como A título de exemplo, sugiro a seguir algumas questões de pesquisa
mecanismo de melhoria do ensino. que julgo relevantes para o ensino de ciências. Na prática, tais
questões geralmente envolvem mais de um lugar comum, mas
• Se os resultados das pesquisas não chegarem à sala de aula, à por conveniência de exposição foram organizadas em torno de ca-
prática, tais pesquisas não terão utilidade. Professores, portan- da um deles separadamente. Muitas dessas questões foram ex-
to, desempenham papel indispensável na pesquisa educacional traídas e adaptadas de um trabalho acerca do programa de pesqui-
como usuários de resultados dessa pesquisa. Mas não se con- sa em ensino de ciências, desenvolvido sob a coordenação do pro-
verterão em usuários se não se sentirem comprometidos com fessor Novak no Departamento de Educação da Universidade de
tais resultados, se não sentirem que esses são também seus Cornell (Moreira e Novak, 1988).
resultados. Uma maneira de se chegar a isso é ter o próprio
professor como pesquisador ou colaborador.
Questões sobre aprendizagem
• Professores estão em melhor posição do que pesquisadores ex-
ternos para registrar certos eventos. São eles que estão em per- 7. Quanto ao desenvolvimento cognitivo:
manente contato com eventos educativos, cuja análise interpre-
tativa está na essência da pesquisa educacional. Para pesquisar a. Como evolui no tempo o desenvolvimento de conceitos para um
é preciso fazer registros adequados desses eventos, e a partici- certo indivíduo?
pação de professores nessa tarefa pode ter valor inestimável. b. Qual a origem dos conceitos (significados) contextualmente
errôneos?
O que pesquisar? c. Como podem ser modificados ou removidos os conceitos (sig-
nificados) contextualmente errôneos?
O que pesquisar tem a ver com questões relativas aos lugares-co- d. Como as variáveis afetivas influenciam o desenvolvimento
muns da educação (Schwab, 1973) - ensino, aprendizagem, cognitivo?
currículo, contexto e avaliação. Direta ou indiretamente, qualquer e. Como se relacionam compromissos epistemológicos e desen-
evento de interesse para a pesquisa em ensino de ciências tem a volvimento cognitivo?
a. Qual o papel do conhecimento (significados) prévio? E dos con- a. Que estratégias apresentam maior potencialidade para promo-
ceitos (significados) contextualmente errôneos? ver mudanças conceituais, trocas de significados?
b. Qual a influência de variáveis relativas a idade e gênero? b. Mapas conceituais, quando usados como recurso didático, faci-
c. Como se relacionam formas de representação do conhecimen- litam a aprendizagem significativa?
to e maneiras de adquiri-los? c. O "V" epistemológico é viável como recurso instrucional facili-
d. Qual a influência de estratégias de "aprender a aprender", co- tador da aprendizagem significativa?
mo, por exemplo, mapas conceituais e diagramas "V"? d. Como fazer com que estratégias convencionais, como a aula ex-
e. Qual o efeito de seqüências curriculares alternativas? positiva, promovam a aprendizagem significativa?
f. Qual o efeito de variáveis tais como Ql, desempenho prévio, e. É possível compatibilizar estratégias construtivistas e aspectos
atitudes? instrucionais behavioristas como, por exemplo, definição ope-
racional de objetivos?
f. Como podem ser utilizadas novas tecnologias como microcom-
4. Quanto à aquisição de valores: putadores, videocassetes e videodiscos para promover apren-
dizagem significativa?
a. Como a aquisição de valores é influenciada pela aquisição de
conhecimento e vice-versa?
Questões sobre currículo
b. Qual o efeito de estratégias de "aprender a aprender" na aqui-
sição e/ou mudança de valores?
1. Quanto à estrutura do conhecimento:
c. Qual o efeito de estratégias e concepções alternativas de ensino
na aquisição e/ou mudança de valores? a. Como analisar a estrutura do conhecimento contido nos mate-
riais educativos do currículo de modo a tornar esse conheci- b. Que métodos de avaliação de mudanças cognitivas têm mais f i -
mento apropriado para instrução? dedignidade e validade?
b. Que tipo de informação provê a análise conceituai do currículo? c. Como o uso de instrumentos heurísticos de aprendizagem pode
Para que serve? enriquecer/melhorar os métodos de avaliação?
c. Qual a relação entre currículo e instrução sob diferentes pers-
pectivas epistemológicas em relação à produção de conheci- 2. Quanto à avaliação de atitudes:
mento?
a. Qual a relativa eficiência de questionários, entrevistas clínicas e
2. Quanto à construção do conhecimento: estratégias de vídeo e áudio na produção de mudanças afeti-
vas?
a. Que processos cognitivos estão envolvidos na construção de b. Que estratégias instrucionais conduzem a ganhos positivos de
conhecimentos? Há regularidade nesses processos? atitude a longo prazo?
b. Materiais curriculares e estratégias instrucionais adequadas c. Como estratégias de interação aluno-professor podem levar a
podem servir de catalisadores desses processos? Quais? ganhos positivos de atitudes a longo prazo?
c. A apresentação de conhecimentos já construídos estimula a
aprendizagem mecânica? A aprendizagem só é significativa 3. Quanto à avaliação de valores:
quando o conhecimento é construído, ou reconstruído, pelo alu-
no? a. Que critérios definem medidas efetivas de mudanças de valo-
d. Qual a relação entre a evolução conceituai de uma disciplina e a res?
evolução conceituai do aprendiz? b. Que combinações de elementos cognitivos e afetivos são mais
e. Que tipo de relação existe entre conhecimentos construídos e adequadas para indicar os valores correntes ou os valores em
métodos na construção de novos conhecimentos? processo de mudança?
c. Qual a relação entre compromissos epistemológicos e valores?
3. Quanto à organização do conhecimento:
BRUNER, J. Uma nova teoria de aprendizagem. Rio de Janeiro, & NOVAK, J.D. Investigación en en señanza de Ias ciências
Bloch, 1969. em Ia Universidad de Cornell: esquemas teóricos, cuestones
centrales y abordes metodológicos. Enseñanza de Ias Ciên-
ERICKSON, F. Qualitative methods in research on learching. In: cias, 6(1 ):3-1 8, 1988.