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INVENTÁRIO PARTICIPATIVO

DOS ENGENHOS DE FARINHA

DO LITORAL CATARINENSE

Projeto realizado com o apoio da Fundação Catarinense de


Cultura, da Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte,
do Estado de Santa Catarina, da Secretaria da Cidadania e da
Diversidade Cultural, do Ministério da Cultura, e Governo
Federal.
SUMÁRIO

O PROJETO 3

OS AGENTES CULTURAIS 7

O TERRITÓRIO 13

O litoral catarinense 15

Bombinhas 18

Florianópolis 20

Garopaba 23

Imbituba 26

OS LUGARES 29

Engenhos & roças 29

OS OBJETOS 38

O molhe inteiro, o carro de boi e as medidas 38

AS CELEBRAÇÕES 45

É tempo de farinhada! 45

AS FORMAS DE EXPRESSÃO 50

Falares e sabores de engenho 50

OS SABERES 57

Plantar, farinhar e cozinhar 57

OS MESTRES & AS MESTRAS 63

A EQUIPE 70

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 71

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O PROJETO

Desde 2009 a articulação promovida pelo Ponto de Cultura


Engenhos de Farinha, através do Centro de Estudos e Promoção da
Agricultura de Grupo (Cepagro), possibilitou que os agricultores
que mantinham engenhos de farinha compartilhassem suas
experiências com outros agricultores nas mesmas condições. Foram
realizadas diversas oficinas e encontros nas comunidades em que
o Cepagro desenvolvia seu trabalho de promoção da Agroecologia
em comunidades rurais e urbanas. Esta articulação inaugurou um
novo senso de pertencimento a uma coletividade ampliada nos
guardiões dos engenhos de farinha nas comunidades do litoral
catarinense.
As pessoas que mantém suas roças, suas ramas, seus engenhos
produzindo farinha de mandioca artesanal em pleno século XXI,
nas planícies e nas encostas de serra do litoral catarinense,
puderam se entrelaçar em uma rede de interesses comuns. Os
engenheiros de farinha se uniram com seus pares em suas
comunidades e começaram a entender-se parte de um coletivo,

sempre renovado, a cada novo encontro e a cada membro que se


liga à Rede de Engenhos. Em 2017, foi a vez da Rede Catarinense
de Engenhos de Farinha mobilizar a equipe do Cepagro a
desenvolver este trabalho de valorização do patrimônio
agroalimentar das comunidades que preservam e celebram seus
engenhos de farinha.
A estratégia adotada foi a sensibilização das comunidades
do entorno dos engenhos nos municípios de Florianópolis,
Garopaba, Imbituba e Bombinhas, para o reconhecimento de suas a
referências culturais ligadas aos engenhos de farinha. Das
metodologias de educação patrimonial desenvolvidas pelo

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Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, apoiamo-
nos na ferramenta dos inventários participativos. Adaptações às
fichas sugeridas pelo IPHAN foram feitas ao longo das quatro
oficinas realizadas nos municípios, buscando sempre dialogar com
as realidades distintas que se apresentaram, fortalecendo as
identidades culturais ligadas aos engenhos, aos seus modos de
comer, de plantar, aos saberes da feitura da farinha e das
comidas de engenho. As particularidades da abordagem sobre o
patrimônio agroalimentar, no caso da Rede de Engenhos, permitiu
que a equipe do Cepagro se dividisse em quatro projetos que se
entrelaçam, com financiamentos do Governo do Estado de Santa

Catarina e do Governo Federal, a partir de 2017.


Este trabalho do Inventário Participativo dos Engenhos de
Farinha do Litoral Catarinense é complementado com outros
projetos que foram ou estão sendo desenvolvidos com o mesmo
intuito de valorizar o patrimônio cultural ligado aos engenhos
de farinha, com outras abordagens. Oficinas gastronômicas que
subsidiam um livro de receitas – “Comida de Engenho: celebrando
histórias à mesa”; um mapa cultural apontando as dezenas de

engenhos que seguem em atividade nos municípios do litoral; e a


elaboração de um dossiê pedindo o registro dos “saberes e
práticas tradicionais associados aos engenhos de farinha de
Santa Catarina” como Patrimônio Cultural do Brasil são as partes
que compõem o mosaico de atividades realizadas (ou em
realização) entre 2017 e 2019. Essas atividades são a resposta
da equipe do Cepagro aos anseios levantados pelos membros da
Rede de Engenhos entre 2016 e 2017 durante os encontros de
rearticulação destas comunidades.

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Oficina de Educação Patrimonial no Engenho do Miminho, José

Amândio, Bombinhas.

Clara Comandolli de Souza. 17/05/2018.

As oficinas de educação patrimonial foram sendo


acompanhadas pelo processo de mapeamento dos engenhos de farinha
em atividade em cada território. As referências culturais

categorizadas pelo IPHAN foram materializadas nos mapas


utilizados durante as atividades. Os lugares, objetos,
celebrações, formas de expressão e saberes dos engenheiros de
farinha foram tomando forma nos mapas e murais. As categorias
propostas pelo IPHAN no Manual de Aplicação dos Inventários
Participativos foram espacializadas através dos recursos da
cartografia, e o resultado do processo de inventariamento dos
bens culturais ligados aos engenhos de farinha, também pode ser
localizado através do Mapa Cultural dos Engenhos de Farinha.
A cada roda de conversa em que apresentávamos os
questionamentos sobre “o que é patrimônio?”, “o que é um

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inventário?”, recebíamos dos participantes respostas
surpreendentes, demonstrando a imensa afetuosidade que cerca os
engenhos de farinha do litoral. Em uma oficina, foi-nos dito que
inventário era “inventar as coisas”. E assim, acabamos tomando
esta tarefa de registrar as memórias e os afetos desses
agricultores e agricultoras que moldaram os costumes regionais,
inventando uma história participativa dos engenhos de farinha.

Convite à oficina de Florianópolis.

O trabalho de pesquisa realizado neste projeto não teria


sido possível sem a participação dos engenheiros de farinha de
Bombinhas, Florianópolis, Garopaba e Imbituba. Sem a ativa
contribuição deles durante as oficinas realizadas em cada um dos
municípios, este trabalho não teria condições de existir. É
através deles que a ancestralidade do fazer farinha se
materializa na contemporaneidade. E é através do diálogo
intergeracional propiciado por este trabalho que esperamos que a
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sociedade catarinense e brasileira reconheça a riqueza da
cultura de engenho.
É valorizando essas pessoas que podemos agradecer pela
agrobiodiversidade conservada, pelas tecnologias desenvolvidas e
aprimoradas para fazer a farinha de mandioca polvilhada, pelos
alimentos que formaram a identidade cultural do habitante do
litoral catarinense. Entender o conjunto dos lugares, dos
objetos, das celebrações, das formas de expressão, dos saberes e
dos mestres e mestras como partes indissociáveis desta cultura é
nossa objetivo com este trabalho.

OS AGENTES CULTURAIS

Na idealização do projeto foi concebida a figura dos


agentes culturais, que seriam os articuladores locais do
Inventário Participativo em cada comunidade. Em março de 2018
foi realizada uma oficina com as pessoas de três dos quatro
municípios, Bombinhas, Florianópolis e Imbituba. Na ocasião foi
apresentada a metodologia de inventariamento dos bens culturais,
composta por quatro etapas: pesquisa preliminar, oficinas nas
comunidades, sistematização e apresentação.
Neste momento e ao longo das oficinas nas comunidades, no
entanto, percebemos a dificuldade em manter ativo o grupo dos
agentes culturais, dado as atribuições pessoais e comunitárias
com que cada um já estava comprometido. O projeto então foi a
campo e em maio, na primeira oficina em Bombinhas, pudemos
contar com a parceria da Fundação de Cultura de Bombinhas e a
acolhida da direção, das professoras e dos alunos da Escola
Maria Rita Flor, que aderiram a ideia do Inventário
Participativo e levaram essa metodologia para sala de aula.

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Em Florianópolis, contamos com a preciosa colaboração dos
moradores das comunidades do Sul da Ilha, em especial da
Associação de Moradores do Sertão do Ribeirão, que levaram
registros fotográficos das famílias da comunidade. Em Garopaba,
tivemos a sorte de contar com as informações e a disponibilidade
da Coordenação de Cultura da Secretaria de Educação, do
Instituto Federal de Santa Catarina – Campus Garopaba e do
Coletivo Taiá Terra, que nos auxiliaram a contatar os
engenheiros e engenheiras de lá.
Em Imbituba, a Associação Comunitária Rural de Imbituba
(Acordi) e a Secretaria de Agricultura, Pesca e Desenvolvimento

Sustentável, representadas por Marlene Borges e sua dedicação ao


reconhecimento dos modos de viver da sua comunidade tradicional,
nos auxiliaram no mapeamento dos engenhos do município. Desta
maneira ampliamos o grupo inicial e tornaram-se agentes
culturais os participantes das oficinas, que construíram
coletivamente este Inventário Participativo.
Terminadas as oficinas nas comunidades onde levantamos os
saberes, lugares, objetos, celebrações, formas de expressão e

mestres que formaram as referências culturais nos quatro


municípios pesquisados, deixamos nosso reconhecimento e o

agradecimento às engenheiras, aos engenheiros e à juventude que


colaboraram para a realização deste projeto, a partir de suas
memórias e pesquisas. A equipe do projeto agradece as
contribuições imprescindíveis de:

• Ademir Marques • Alencar Junior


(Garopaba) (Garopaba)
• Ailton Barboza • Alice Ramon (Garopaba)
(Florianópolis)

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• Almerinda Souza • Beatriz Garcia Salvador
(Florianópolis) (Bombinhas)
• Álvaro José Israel • Carlos Paulo Matias
(Garopaba) (Garopaba)
• Ana Aparecida Souza • Carolina Zimmer da Silva
(Garopaba) (Bombinhas)
• Ana Ciana (Bombinhas) • Caroline Celle
• Ana de Souza (Garopaba) (Bombinhas)
• Anibal Candim Neto • Cecília Santos – Dona
(Garopaba) Didi (Florianópolis)
• Anilton Souza Sabino – • Claudete Medeiros

Seu Neim (Imbituba) (Garopaba)


• Anita Souza (Garopaba) • Claudia Gonçalves
• Antero Francisco Cardoso (Garopaba)
(Imbituba) • Darci Olimpio
• Apolinário Vergílio (Bombinhas)
Soares (Florianópolis) • Daura Souza
• Ariel Gonçalves (Florianópolis)
(Bombinhas) • David Lorenzo

• Ariel Kafer (Garopaba) (Bombinhas)


• Aroldo de Carvalho • Delmar Jorge Bandeira

(Imbituba) (Garopaba)
• Ataíde Silva • Devalde Souza
(Florianópolis) (Florianópolis)
• Aurea Rocha Mendes • Dulcilene Natividade
(Bombinhas) (Florianópolis)
• Aurina Abreu (Imbituba) • Elba Cruz (Bombinhas)
• Aurino de Souza • Elizandro Pereira
(Imbituba) (Garopaba)
• Azeneu Cruz (Bombinhas)

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• Emerson de Moura • Gustavo Felipe da Silva
(Garopaba) (Bombinhas)
• Evaldo Espezim • Isaque Stupp Antunes
(Imbituba) (Bombinhas)
• Ezequiel Motta • Israel Lincoln
(Florianópolis) (Garopaba)
• Fabiano Quito • Jacob Cordeiro
(Bombinhas) Heidenreich
• Fábio Prates (Bombinhas) (Florianópolis)
• Franceli Fagundes • Jane Odete Matias
(Bombinhas) (Bombinhas)

• Franciele Coelho Bez • Jennifer Pretto Elias


(Bombinhas) (Bombinhas)
• Francisco Ribeiro • João Atalíbio das Chagas
(Bombinhas) (Florianópolis)
• Francys Pacheco Luiz • João José Heidenreich
(Imbituba) (Florianópolis)
• Gabriel Antonio Varela • João Martins Pires
Lacerda (Bombinhas) (Florianópolis)

• Gabriel Vieira • João Vitor Hussein


(Bombinhas) (Bombinhas)

• Gabriela Lais Becker • José Antônio Olimpia


(Bombinhas) (Bombinhas)
• Geane Godoy Nogueira • José Furtado (Garopaba)
(Garopaba) • Josiane Bezerra
• Leno Mendes (Bombinhas) (Bombinhas)
• Graziela Heidenreich • Jucelia da Silva
(Florianópolis) (Bombinhas)
• Gredes Rejane Finkler • Jucimar (Bombinhas)
(Bombinhas)

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• Karlota Scotti de Souza • Manoel Natividade
(Florianópolis) (Florianópolis)
• Kethlin Souza • Manoel Souza
(Bombinhas) (Florianópolis)
• Laura Martins • Márcia de Sena
(Bombinhas) (Bombinhas)
• Leandra Dias (Bombinhas) • Márcia Rosa Pereira
• Lotário Melchiors (Garopaba)
(Garopaba) • Marcinha Cristina
• Luciano Santos da Silva Ferreira (Bombinhas)
(Garopaba) • Marcus Israel (Garopaba)

• Luciano Teixeira • Maria José de Melo Mafra


(Bombinhas) (Bombinhas)
• Luiz de Souza (Imbituba) • Mário José Marques de
• Luiz Felipe de Melo Souza (Garopaba)
(Bombinhas) • Mariana Israel
• Luiz Fernando de Souza (Garopaba)
(Garopaba) • Marília Dias (Bombinhas)
• Luiz João Farias • Marli Mafra (Bombinhas)

(Imbituba) • Michael Vargas


• Luzia Santos (Garopaba)

(Florianópolis) • Nathan Costa Bueno


• Maicon Resende (Bombinhas)
(Florianópolis) • Nilsa Maria Mendes
• Maira Cristina Leandro (Bombinhas)
(Bombinhas) • Nívea Maria da Silva
• Malvina Pereira – Boneca Bücker (Bombinhas)
(Garopaba) • Osvaldina Maria Barcelos
• Manoel João Pereira - Dina (Florianópolis)
(Garopaba)

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• Patricia Antonio • Rosane Luchtemberg
Estivallet (Bombinhas) (Bombinhas)
• Patrícia Vilma Pinheiro • Rosilete Peters Benatti
da Silva (Bombinhas) (Garopaba)
• Paulo Barcelos • Rute da Silva (Garopaba)
(Imbituba) • Salete Soares (Garopaba)
• Paulo Gabriel • Sandra Baron (Bombinhas)
(Bombinhas) • Santina Marques
• Pedro Manoel de Carvalho (Garopaba)
(Imbituba) • Suel Gonzaga de Melo
• Petuel Felipe Floriano (Bombinhas)

(Bombinhas) • Susana Silva (Garopaba)


• Regina Tereza Mafra • Tábata Torres
(Bombinhas) (Bombinhas)
• Renata Vilela • Teresa Mendes (Garopaba)
(Florianópolis) • Valesca Correa
• Robson Antonio Cruz Jr (Garopaba)
(Bombinhas) • Valter Euclides das
• Robson Cruz (Bombinhas) Chagas (Florianópolis)

• Rosa Geralda da Silva • Yolanda Heidenreich


(Bombinhas) (Florianópolis)

• Rosa Maria de Melo


(Bombinhas)

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O TERRITÓRIO

O projeto do Inventário Participativo contemplou quatro


municípios do litoral catarinense, onde a convivência junto aos
engenhos de farinha representa parte importante de suas
referências culturais. Apesar da intensa urbanização vivida nas
últimas décadas nos municípios de Bombinhas, Florianópolis,
Garopaba e Imbituba, podemos observar engenhos de farinha
artesanais em pleno funcionamento nessas cidades. Mas não é
apenas na prática agrícola e alimentar que vemos os engenhos de
farinha: nos quatro municípios vemos os poderes públicos locais
reconhecendo a importância desses lugares de vida em espaços
públicos.

Mural de Martinho de Haro, na Reitoria da UFSC. Florianópolis.

Manuela Braganholo. 2018.

Em Bombinhas há o Espaço Cultural Engenho do Miminho,


reconstruído pela Fundação Municipal de Cultura para trazer a
comunidade novamente o engenho como espaço de convivência e de
troca de saberes. Em Florianópolis, a Universidade Federal de

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Santa Catarina (UFSC) exibe o mural “Folclore e Indústrias de
Santa Catarina”, de Martinho de Haro. No mural, entre outras
cenas de trabalho e folguedos, um engenho de farinha é retratado
com destaque no Hall da Reitoria. No Campus Trindade da UFSC há
ainda o reconhecimento dos engenhos, com duas construções que
ilustram a produção artesanal de farinha e de açúcar, ao lado do
Museu de Arqueologia e Etnografia (MArquE).
Em Imbituba, o prédio da Prefeitura Municipal conta com uma
representação de peças de engenho de farinha, esculpidas em
madeira, no seu salão principal. Garopaba conta com um engenho
municipal, atualmente desativado, mas que foi construído para

permitir a segurança alimentar da comunidade e a continuidade da


cultura local.

Prefeitura de Imbituba. Engenho do Miminho em Bombinhas.

Manuela Braganholo. 2018. Ana Carolina Dionísio. 2018.

A cultura material das roças de mandioca e dos engenhos de


farinha une esses municípios em um território comum, permeado
pela memória das farinhadas, pelas rodas de raspagem atuais,
pelo pirão de caldo de peixe e os beijus comidos ao pé do forno.
Nesta pesquisa identificamos as referências culturais
relacionadas aos engenhos de farinha de mandioca como elos entre
estes municípios, mesmo que estejam a mais de 100km de
distância. O território da farinha é o território comum.

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O litoral catarinense

Santa Catarina é o menor estado da região sul do Brasil,


situado ao sul do Paraná e ao norte do Rio Grande do Sul. Apesar
da pequena extensão de área é privilegiado em relação ao
contorno oceânico. A extensão total do litoral catarinense é de
531 quilômetros, que coloca o estado catarinense entre as dez
unidades da federação com maior extensão de costa. Com esta
disposição geográfica, cresceram as cidades primeiro em sua
costa atlântica, com atividades relacionadas ao universo
marítimo, como a pesca, a navegação e o turismo, mais

recentemente.
Apesar das controvérsias sobre os possíveis centros de
origem onde ocorreu a domesticação da mandioca, disputada entre
a Amazônia e o Cerrado (CREPALDI, 1992; SILVA E MURRIETA, 2014),
na Mata Atlântica a espécie se desenvolveu bem. Os primeiros
relatos dos navegadores europeus no século XVI relatam o uso
abundante dessa espécie ao longo da costa brasileira.
No litoral de Santa Catarina, o bioma Mata Atlântica é um

mosaico de florestas e restinga. Em Bombinhas, Florianópolis,


Garopaba e Imbituba ainda apresentam-se remanescentes florestais

e áreas de restinga preservadas, apesar das constantes pressões


da indústria da construção civil, que avança na urbanização do
território. A área dos municípios é originalmente coberta pela
floresta ombrófila densa (floresta tropical pluvial) e por áreas
de restinga próximas ao mar. A feição geomorfológica
predominante nos municípios da pesquisa é Baixada Litorânea,
sendo que existem áreas de altitude superior a 200 metros, que
são classificados como Serra do Mar.

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O clima da região é definido como subtropical úmido com
verões cálidos (Cfa, no sistema de Köppen-Geiger). A chuva é bem
distribuída durante o ano, sendo os invernos relativamente mais
secos. As temperaturas mais baixas do inverno, época da
farinhada, também recebem créditos pela especificidade da
farinha catarinense em relação a outras no Brasil.
No âmbito dos projetos que se entreteceram entre 2017 e
2019, a confluência entre a temática das referências culturais e
o anseio de localizar os engenhos ativos, mas que ainda não
participavam da Rede Catarinense de Engenhos de Farinha,
permitiu que fossem registrados os engenhos que cada

participante das oficinas se recordava. Adicionalmente, saídas a


campo com auxílio de ferramentas de geolocalização permitiram a
marcação das coordenadas dos engenhos e a confecção deste mapa
com engenhos artesanais que seguem em funcionamento no litoral
de Santa Catarina.
O mapeamento dos engenhos tornou-se parte fundamental da
metodologia deste Inventário Participativo. A partir do processo
de buscar ativamente os engenhos em funcionamento em cada

município, em cada comunidade, pudemos identificar coletivamente


as referências culturais que constituem e estruturam a cultura

dos engenhos. O sentido profundo da vida rural compartilhada,


das memórias das roças, ramas e farinhadas pôde ser estruturado
com as informações sobre a existência contemporânea destes mais
de oitenta engenhos distribuídos nos municípios de Bombinhas
(11), Florianópolis (24), Garopaba (25) e Imbituba (21).
Adicionalmente mapeamos os engenhos da Rede Catarinense de
Engenhos de Farinha de Angelina (2) e Palhoça (1), onde não
foram feitas as oficinas de educação patrimonial focadas nos

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inventários participativos, mas que totalizam nossa área de
atuação nesta temática.

Mapa cultural dos engenhos de farinha

Rede Catarinense de Engenhos de Farinha e Cepagro. 2019.

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Bombinhas

Os sítios arqueológicos deixados pelos povos sambaquieiros


denotam a longa tradição do convívio íntimo com o mar na região
da península que veio a conformar o município de Bombinhas. Os
colonizadores europeus que chegaram a partir do século XVIII, em
grande número de portugueses de Ericeira e dos Arquipélagos de
Açores e Madeira, conformaram um modo de vida rural, que aliava
a agricultura à pesca para a alimentação dos novos habitantes.
A área dos morros foi ocupada preferencialmente em relação
às áreas de baixada próximas ao oceano, pela necessidade de

desenvolver a agricultura. O entendimento dos colonizadores era


de que as terras de morro seriam “mais fortes”, melhor adaptadas
para os cultivos agrícolas. A pesca, assim como a fabricação de
farinha de mandioca, foram as atividades econômicas mais
relevantes para os descendentes dos açorianos e ericeirenses ao
longo do tempo.

Imagem aérea da península. Praia de Bombas na década de 1950.

Imagens do arquivo da Prefeitura Municipal de Bombinhas.

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Por quase dois séculos Bombinhas viveu da faina agrícola e
pesqueira, em relativo isolamento até a segunda metade do
século XX. Com a maior integração através da BR-101, inaugurada
na década de 1960, a península de Bombinhas passou a ser
procurada por turistas do Brasil e do exterior. Veio a
emancipar-se de Porto Belo em 1992 e, desde então, tem a
atividade turística como o principal polo dinâmico de sua
economia. O IBGE estima que em 2018 a população bombinense fosse
de 19.193 habitantes. Ficando 73 quilômetros ao norte da capital
pelo acesso asfáltico, Bombinhas foi plenamente integrada à
indústria do turismo do litoral catarinense. A cobrança da Taxa

de Preservação Ambiental durante a temporada de verão, iniciada


em 2015, pode permitir aos gestores municipais que mitiguem os
impactos ambientais causados pelo turismo de massa.

Oficina de Educação Patrimonial realizada no Engenho do

Miminho, Bombinhas.

Ana Carolina Dionísio. 17/05/2018.

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Em Bombinhas, as atividades de sensibilização do Inventário
Participativo ocorreram com o envolvimento dos jovens da Escola
de Educação Básica Maria Rita Flor, em Bombas. Os jovens
participaram da oficina no Engenho do Miminho, no bairro José
Amândio, oferecida em maio de 2018 pela equipe do Cepagro. O
trabalho contou com a contribuição dos engenheiros de farinha
das comunidades de Sertãozinho, Bombas e Canto de Bombas.

Florianópolis

A capital do estado de Santa Catarina tem população


estimada de 492.977 habitantes em 2018 (IBGE), divididos entre a
parte continental e insular do município de Florianópolis. A
Ilha de Santa Catarina compreende a maior parte do território,
atualmente a área continental é bastante urbanizada, no entanto
há relatos do funcionamento de engenhos de farinha em meados do
século XX na praia de Itaguaçú (HENRIQUE, 2008). A pesquisa do

Inventário Participativo priorizou a ilha em função dos engenhos


de farinha existentes nos dias de hoje.
A história do município é intrinsecamente ligada aos seus
engenhos de farinha, desde o século XVIII. Estes equipamentos de
beneficiamento da mandioca deram um senso de identidade aos
nascidos na ilha, comedores de farinha, como dizem os mais
antigos. A ocupação territorial do litoral sul do Brasil foi
determinada pela Coroa Portuguesa para garantir o abastecimento
das tropas militares que buscavam expandir-se em direção ao Rio
da Prata.

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A povoação iniciada pelos bandeirantes paulistas entre 1673
e 1679 não havia prosperado, havendo pouco mais de cem
habitantes em 1711 (PIAZZA, 1982). Em 1738 é criada a Capitania
de Santa Catarina e em 1748 inicia o desembarque de cerca de
mais de seis mil portugueses, habitantes dos então superpovoados
Arquipélagos de Açores e Madeira, que transformam inteiramente a
paisagem da Vila de Nossa Senhora do Desterro e dos arredores.

Roda de raspagem no bairro do Rio Vermelho, em 1995.

Arquivo da Casa de Memória de Florianópolis

Os prédios administrativos da capitania e outras


instalações militares ficaram concentradas na região do Centro,
enquanto o interior da ilha foi sendo ocupado pelos colonos. Da
ponta mais ao norte ao extremo sul, roças de mandioca e engenhos
de farinha foram sendo construídos e inauguraram um modo
específico de ocupação do território, a pequena propriedade.
Diferente das extensas áreas dedicadas ao complexo
açucareiro colonial e seus engenhos de açúcar, os engenhos de

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farinha do litoral catarinense foram operados com a mão de obra
das famílias em pequenas áreas, raramente contando com escravos.
Em 1797, já havia 350 engenhos de farinha operando na Ilha de
Santa Catarina, segundo o quadro estatístico elaborado pelo
então Governador da Capitania de Santa Catarina, Miranda
Ribeiro. Destes, 87 ficavam na freguesia da Capital, Nossa
Senhora do Desterro; 111 na freguesia de Nossa Senhora das
Necessidades (atual Santo Antônio de Lisboa); 101 na Lagoa da
Conceição, e 51 no Ribeirão da Ilha.
Ao longo de todo o século XIX e ainda na primeira metade do
século XX, o Porto de Desterro, depois Florianópolis, destacou-

se pela exportação de farinha de mandioca para outras províncias


brasileiras (HUBENER, 1981). O modo de vida rural característico
das comunidades do interior da ilha foi encontrando dificuldades
de reproduzir-se na segunda metade do século XX, com a crescente
urbanização do território. Em 1964 inicia-se a eletrificação dos
interiores da ilha, nessa época o interior da ilha e, em menor
grau, a própria sede do município conservaram ainda muitas
características do final do século XIX. O turismo de massa e o

emprego no setor público foram os principais vetores das


mudanças nas atividades agrícolas.

Paulatinamente, os projetos de urbanização dos balneários e


a pavimentação de vias de acesso a eles foram impelindo
agricultores a vender suas terras, modificando amplamente os
modos de vida de muitas comunidades de Florianópolis ao longo
das décadas de 1970 e 1980. Ainda assim, nas saídas a campo
deste trabalho foram encontrados mais de duas dezenas de
engenhos de farinha em atividade no ano de 2018.
Os engenheiros de farinha da capital que participaram
das atividades deste projeto encontram-se particularmente no sul

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da ilha, nas comunidades do Sertão do Ribeirão, Alto Ribeirão,
Campeche e Rio Tavares. O trabalho de mapeamento feito pela
equipe de pesquisa da Rede de Engenhos/Cepagro, no entanto,
abrangeu também o norte da ilha, onde funcionam engenhos nos
bairros de Ponta das Canas, Praia Brava, Barra do Sambaqui,
Santo Antônio de Lisboa, Rio Vermelho e na Fortaleza da Barra.
Na capital, as atividades deste projeto ocorreram de julho a
novembro de 2018, incluindo a oficina de educação patrimonial no
Centro Comunitário do Sertão do Ribeirão e as saídas a campo
para o mapeamento dos engenhos.

Oficina no Sertão do Ribeirão, Florianópolis.

Clara Comandolli de Souza. 28/07/2018.

Garopaba

Saindo de Florianópolis na direção sul, pela BR-101,


Garopaba fica a 70 quilômetros de distância. O município de
22.568 habitantes, segundo a estimativa de 2018 do IBGE, também

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é fortemente marcado pelos impactos do turismo de massa,
particularmente durante os meses de verão. A calma “enseada das
canoas” que deu nome à povoação da Armação de São Joaquim de
Garopaba (do guarani yagara – canoa, barco + mpaba – enseada,
lugar) é hoje uma cidade que se vê rodeada de edificações para
receber os visitantes: casas, hotéis, bares, lojas e
restaurantes dominam a paisagem. Não obstante a urbanização, a
ruralidade de seus habitantes mais antigos é mantida em várias
localidades do município.

Carro de boi na Praia de Garopaba, sem data.

Foto de Manfredo Hubner. Disponível no arquivo da Prefeitura de

Garopaba.

Prova da importância da vida rural em Garopaba foi sua


trajetória de sinuosa independência administrativa em nível
municipal. Tradicionalmente, os centros administrativos dos
territórios ficam no distrito-sede, a porção do território com
maior densidade urbana. Em 1890, a Freguesia de Garopaba torna-

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se Vila, condição que perderia em 1906 para tornar-se parte do
município de Palhoça e em 1923 de Imbituba. Somente em 1961 é
que Garopaba torna-se município, com administração própria
(Prefeitura e Câmara de Vereadores). Desde então, o crescimento
urbano acompanha o movimento sazonal do turismo de sol e mar,
com grande parte das edificações sendo construídas para receber
os visitantes de dezembro a março.
As atividades do setor primário, com destaque para a pesca
e a agricultura, são fundamentais no território de Garopaba
desde a fundação da armação baleeira em 1793. Se, no início da
ocupação europeia foram as baleias que impulsionaram a economia

garopabense, ao longo dos séculos XIX e XX a agricultura de


subsistência junto com a pesca da tainha tornaram-se o centro da
vida dos cidadãos de Garopaba.

Oficina no Engenho da Vó Cicina, Morro da Encantada, Garopaba.

Manuela Braganholo. 25/11/2018.

25
A centralidade da agricultura na vida dos habitantes de
Garopaba até a segunda metade do século XX é reatualizada no
século XXI por moradores das localidades de Campo d’Una, Capão
(atual Ferrugem), Encantada, Morro da Encantada, Macacu, Costa
do Macacu e Ambrósio, que mantém seus engenhos de farinha em
atividade. Apesar do relato das pressões dos órgãos ambientais
nas exíguas áreas disponíveis para a agricultora, os lavradores
seguem plantando suas roças e fazendo farinha em mais de duas
dezenas de engenhos distribuídos pelo município.
O projeto proporcionou uma roda de conversa com os alunos
do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), Campus Garopaba,

em julho de 2018; uma oficina com os agricultores afeitos aos


engenhos de farinha em novembro de 2018, juntamente com o
mapeamento dos engenhos do município.

Imbituba

A cidade se diferencia das demais por ter participado do


processo de industrialização no começo do século XX que

transformaria a realidade do Brasil. Saindo de Florianópolis e


seguindo na direção sul, Imbituba está a 90 quilômetros da

capital catarinense, com população estimada em 44.412 pessoas


(IBGE, 2018), é o quarto e último município abrangido por este
Inventário Participativo.
Também está na região climática das cidades anteriores,
tendo clima subtropical úmido. Imbituba possui lagoas em
abundância, assim como extensas áreas de dunas. Diferentemente
de Bombinhas, Florianópolis e Garopaba, em Imbituba foram as
indústrias e o porto os principais motores da dinâmica econômica
durante o século XX.

26
A agricultura e a pesca também têm raízes históricas neste
território, trazendo marcadas as características do contato
entre os colonos açoriana e os povos originários. A história de
Imbituba é muito anterior ao século XVIII e a chegada dos
açorianos. Em suas terras formaram-se imensos depósitos de
conchas dos povos sambaquieros, cuja cal serviu milênios depois
à construção de edificações e estradas.

Fachada da Indústria Cerâmica Imbituba S/A (funcionou entre

1919-2009).

Arquivo da Prefeitura Municipal de Imbituba.

Durante as diversas fases do processo de industrialização


que a cidade viveu no século XX, muitas famílias foram
deslocadas das áreas onde tradicionalmente faziam o plantio de
suas roças de mandioca. Esses deslocamentos reiterados
configuraram uma nova geografia dos engenhos em Imbituba.
A busca pelas garantias constitucionais de acesso aos
recursos naturais pelos povos e comunidades tradicionais é parte

27
da experiência da Comunidade Tradicional dos Agricultores e
Pescadores Tradicionais dos Areais da Ribanceira, representada
pela Associação Comunitária Rural de Imbituba (ACORDI).
As atividades deste projeto ocorreram nas dependências da
ACORDI, em dezembro de 2018, e mapearam agricultores e engenhos
das localidades de: Ibiraquera, Praia da Ribanceira, Morro do
Mirim, Mirim/Novo Horizonte, Arroio, Alto Arroio, Sambaqui,
Barranceira, Roça Grande e Vale das Pedras.

Oficina na Acordi, Areais da Ribanceira, Imbituba.

Manuela Braganholo. 09/12/2018.

28
OS LUGARES

Engenhos & Roças

Alguns territórios, ou parte deles, podem ter significados


especiais. Esses significados costumam estar associados à forma
como o território é utilizado ou valorizado por certo grupo;
são as experiências dessas pessoas que dão sentido especial ao
lugar. As características singulares que definiram os engenhos
de farinha do litoral catarinense como lugares de vida, fazem
daquelas edificações rústicas muito mais que um espaço adequado

para produzir a farinha. São os espaços de sociabilidade das


famílias, de comunidades inteiras dedicadas a um modo de vida
rural em que os engenhos de farinha estão no centro. É o destino
final das raízes de mandioca cuidadosamente cultivadas nas
roças. São os cômodos adicionais das casas, foram casas, anexos,
lugar de guardar objetos e memórias, lugar de fazer farinha e
amigos.
Nas paredes dos engenhos estão os vestígios de antigos

habitantes, a lembrança de uma cena com o pai ou a avó. Cada


centímetro quadrado é permeado de memórias de crianças brincando

nos cochos, sujas de massa e farinha; de parentes que ali foram


abrigada em algum momento de necessidade; de um animal querido
que habitava o engenho; de cheiros e sabores guardados no
coração do povo do litoral catarinense. Essas memórias vivas são
estruturantes nas referências culturais da gente que aqui vive.
Costuma-se brincar que todo mundo teve um avô que teve engenho,
e neste projeto buscamos reverenciar esta ancestralidade comum
ao nosso imaginário coletivo, através da memória da cultura de
engenho.

29
Em cada oficina surgiram elementos específicos dos
municípios. Os lugares que perpassam as memórias de todos
participantes são as roças de mandioca e os engenhos de farinha.
Os dilemas das ruralidades que se mantém nas tradições do povo
nas cidades que se urbanizam aceleradamente são vividos nos
quatro municípios.

Roça de mandioca remanescente em área urbanizada, Bombas,


Bombinhas.

Gabriella Pieroni. 18/05/2018.

Falta incentivos do poder público para poder garantir a


viabilidade das roças: definir áreas rurais nos planos
diretores; isentar de pagamento de IPTU os prédios dedicados à
produção de alimentos; defender a agricultura tradicional, sem
venenos, e produzindo alimentos com sabor de comida de verdade e
imenso valor afetivo para nossas comunidades. Além da
importância geral das roças e dos engenhos como lugares de

30
referências culturais em todos os municípios, outros lugares
especiais foram observados particularmente em cada oficina.

Bombinhas

Os participantes das oficinas apontaram para a falta de


áreas rurais no Plano Diretor do município. A falta de área para
plantar pressiona os moradores de Bombinhas a buscar a mandioca
em outros municípios para as farinhadas.
A Costeira de Zimbros foi lembrada como um lugar especial
na memória dos engenheiros, pois lá havia muitos engenhos. Foi
relembrada uma adubação feita naquele lugar, com casca de
camarão, cuja roça veio com mandioca muito boa, mas ficou
infestado de moscas e logo foi proibida.

Engenho na Praia de Bombas, Bombinhas.

Manuela Braganholo. 18/05/2018.

A Área Verde no entorno do Engenho do Miminho também foi


apontada como um lugar importante para a comunidade. Dona Rosa

31
lembrou do tempo em que as ruas de Bombinhas eram caminhos dos
carros de boi e da importância desses veículos antes da
pavimentação e do alargamento das vias.

Florianópolis

Na oficina ocorrida no Sertão do Ribeirão, ao falarmos de


lugares importantes para as pessoas fomos lembrados da
diversidade de engenhos que existem. A edificação mesma do
engenho foi destacada: existem os de pedra e cal, de pau-a-pique
e os ranchos mais singelos, de madeira.
A força motriz dos engenhos também os diferencia e
contribui para a diversidade deles. Em Florianópolis foi
destacado o engenho tocado a boi, e a profunda relação que é
estabelecida entre os agricultores e os animais, que são
treinados para o trabalho nos engenhos de cangalha. Foi
relembrado que havia um engenho tocado a água, que é mais comum
na região de encosta de serra, no Sertão do Ribeirão. Dona Didi
disse que esse engenho “era a água, depois a braço e depois a

boi”. O engenho tocado a braço também é conhecido como pouca


pressa ou chamarrita. Os participantes da oficina também
colocaram que hoje é necessária a “atualização” da força motriz
dos engenhos, pelo trabalho que dá para fazer todas as etapas
até sair a farinha, e colocaram também como lugar a ser lembrado
os engenhos elétricos, ou engenhos tocados a motor.
A dificuldade em manter a tradição agrícola do lugar nos
séculos XX e XXI acompanha a memória dos moradores do Sertão do
Ribeirão. Na memória deles, em 1940 haviam 22 engenhos
funcionando na localidade. Os engenhos foram sendo fechados,
desativados, caindo para 18 em 1974, e apenas dois em atividade
em 2018.
32
Engenho de cangalha, do Seu Aílton, no Sertão do Ribeirão,

Florianópolis.

Imagem do arquivo de Luzia Santos. Sem data.

As roças de mandioca apareceram nas falas dos engenheiros


do Sul da Ilha como o principal desafio para manter a cultura
dos engenho de farinha. Além dos problemas com as cotias comendo
as raízes sob a terra, os agricultores enfrentam outros
desafios. A comunidade do Sertão do Ribeirão fica dentro de uma
unidade de conservação, o que causa problemas com a forma
tradicional de fazer as roças, derrubando a mata: “Como vamos
manter a tradição? Vou plantar mandioca onde? No mar? Comprar
mandioca na Garopaba com veneno pra fazer farinha?”. Essas
perguntas são de difícil resposta, e demandam a atenção do órgão
ambiental responsável pela fiscalização do lugar, a Fundação
Municipal do Meio Ambiente (Floram).

33
Em fins de março de 2019, a Câmara Municipal aprovou a
recategorização do Parque Municipal da Lagoa do Peri como
Monumento Natural. A nova categoria da unidade de conservação,
segundo o Floram, contempla o uso das comunidades tradicionais
com a conservação da água e da biodiversidade. Apesar de ser uma
área de proteção integral no Sistema Nacional de Unidades de
Conservação, Monumento Natural permite áreas privada com
atividades compatíveis aos objetivos da unidade de conservação.

Garopaba

O amor à vida nos engenhos e na roça de mobilizou os

participantes da oficina em Garopaba a compartilharem suas


vivências nestes lugares especiais que atravessam a memória de
gerações. A valorização das ruralidades é percebida por sujeitos
que saíram do seu lugar e reconhecem o que deixaram para trás.
Boneca, filha da Vó Cicina que tocava o engenho onde fizemos a
atividade, estava muito emocionada e relatou que “só quando a
gente percebe que perdeu é que a gente valoriza o que tinha”.
As relações sociais para a produção da mandioca nas roças
de Garopaba variavam conforme o acesso à terra. Enquanto alguns
agricultores eram lavradores e proprietários, outros precisavam
negociar o acesso à terra de terceiros para plantar. Seu Ademir
explicou uma das formas, o terço feito:

“o negócio é o seguinte, eu não tenho terra, de


primeiro era só o terço feito. Ficava dois terços
da produção pro lavrador; hoje os proprietários
da terra querem que se compre a mandioca, não
aceitam mais a terça parte paga em mandioca, só
em dinheiro.”

34
A multifuncionalidade dos engenhos também foi lembrada
pelos participantes da oficina, que relataram que também
produziam açúcar grosso (mascavo), melado e cachaça nos mesmos
lugares, usando outros equipamentos. Além da agricultura, o
cotidiano de muitos foi permeado pela prática da pesca. Seu
Manoel, aos 81 anos ainda trabalhando na terra, relatou das
dificuldades dos agricultores e pescadores de Garopaba com o
crescimento da atividade turística e como consequência, da
urbanização:

“Ficou meio difícil depois que fizeram o


perímetro urbano. Eu pago ITR no meu terreno, o
importante é a roça. Com o defeso da baleia, que
já tem 30 anos, as pessoas começaram a subir pro
morro. Meu filho foi lá e fez uma roça de cana,
eu piquei a cana com essas mãos aqui. A roça era
em três pessoas, a cana veio boa e demos para os
animais. Quando chegou o fim do ano, veio o meio
ambiente (a Polícia Ambiental) e disse que tinha
que arrancar tudo e plantar madeira. Em setembro,
ainda faltava um mês pra ficar bem madurinha, aí
veio a ordem do meio ambiente num domingo dizendo
que era pra colher naquele dia e que no dia
seguinte tinha que tirar a soca. Nós ficamos
injuriados. Como é que um lavrador vai
crescer na vida se não pode mais plantar?
Mil pessoas numa praia pequena, como que vamos
pescar? Tem que comprar no estrangeiro pra comer
ou ficar de jejum por 8 ou 9 meses? Quem
vendeu a terra pra fazer casa e viver de aluguel
ficou de perninha pra cima, agora é só saco de
dinheiro indo direto pra cidade grande, pros
donos de pousada. O pé de mato que eu plantei no
meu terreno, eu posso cortar. Como é que pode um
homem não pode roçar, porque vem a ambiental, mas

35
agora pode vir com uma máquina e arrancar tudo e
fazer uma casa?

Roça na Costa do Macacu, Garopaba.

Alexandre Pires Lage. 16/04/2016

Há ainda, nos lugares comuns às memórias dos participantes


da oficina de Garopaba, a lembrança do paiol comunitário do Seu
Dedê que ficava no Centro e servia para armazenarem a farinha
que era comercializada.

Imbituba

As roças de mandioca plantadas na Ibiraquera e nos Areais


da Ribanceira são lugares muito especiais para os engenheiros de
Imbituba, presentes na oficina. De lá se obtém a matéria-prima
para movimentar os engenhos de farinha, espaços sagrados para
aquelas pessoas.
Durante a oficina realizada em Imbituba, no território da
Comunidade Tradicional de Agricultores e Pescadores Artesanais

36
dos Areais da Ribanceira, foram citados muitos lugares da
cidade com significados especiais para os participantes: o canto
da Praia do Porto, onde algumas famílias tiravam o sustento com
a pesca e era ponto certo de passada dos carros de boi
carregados de farinha para ser vendida no centro da cidade; o
Morro do Mirim, onde foi construída a Igreja no lugar de um
antigo engenho de farinha; a Lagoa de Santo Antônio, que hoje é
conhecida como Lagoa do Mirim; a Praia D’Água, “praia de
fartura”, onde se lavavam os tipitis antes da farinhada, se
lavava a roupa e tirava a água pra beber.

Engenho da Acordi. Areais da Ribanceira. Imbituba.

Manuela Braganholo. 10/07/2016.

As ruralidades impregnadas nas memórias dos participantes


não remetem apenas as roças de mandioca. Evocam a fartura que os
engenhos, como espaços centrais da vida, proporcionavam:

“Naquele tempo, pra ser agricultor, tinha que ter


engenho: servia pra tudo. Torrava café, já moía
37
também. Colocava feijão nos coxo pra não bichar.”
(Luiz Farias)

“Engenho era a fartura. Abria a fartura. Tinha


aipim, batatinha.” (Aurino Souza)

“Engenho não serve só pra fazer farinha. Usam pra


torrar café também, no mesmo forno de torrar
farinha. Torrar milho.” (Marlene Borges)

OS OBJETOS

O molhe inteiro, o carro de boi e as medidas

Os objetos que a humanidade construiu para transformarmos


plantas e animais em alimentos são vestígios arqueológicos im-

Tipitis redondos em desuso, pendurados no teto como decoração.

Garopaba.

Manuela Braganholo. 03/12/2018

38
portantes para identificarmos culturas e civilizações ao longo
da história.
As peças usadas para transformar as raízes de mandioca em
farinha foram sendo transformadas ao longo do tempo pelos
diversos grupos que incorporaram este alimento em suas dietas.
Os objetos de uso cotidiano nos engenhos de farinha foram sendo
modificados ao longo do tempo, atendendo as necessidades dos
produtores de farinha por mais produção ou mais conforto no
manuseio deles.

Prensa com fusos de madeira e barrica. Sambaqui,


Florianópolis.

Manuela Braganholo. 26/09/2018.

A riqueza do vocabulário dos engenheiros quanto aos objetos


usados para a produção de farinha simboliza a íntima relação
destas pessoas com os trabalho específicos de plantar, colher,
raspar, lavar, sevar, prensar, peneirar e torrar que

39
caracterizam esta produção. O transporte e a comercialização
também dependem de objetos específicos que foram lembrados pelos
participantes das oficinas nos quatro municípios.

Roda bolandeira articulando sevador e pá do forno.


Florianópolis.

Manuela Braganholo. 27/08/2016.

O molhe inteiro do engenho foi destacado, e cada peça que o


compõe detalhada e descrita: a prensa, os fusos, o forno, a
roda, e o sevador. O processo de prensar a massa da mandioca
usando os fusos para torcer e extrair o máximo de líquido,
deixando-a bem enxuta para facilitar o processo de torra,
diferenciou historicamente o processo indígena de produção da
farinha do processo instituído no litoral catarinense após a
colonização europeia. Enquanto os tipitis indígenas são manuais
e comportam uma pequena quantidade de massa a cada vez, o uso da
prensa com dois ou três fusos acelerou o trabalho,
possibilitando o aumento da quantidade de massa a ser enxugada a
cada vez.
40
Boi com antrolhos, roda bolandeira e sevador. Florianópolis.

Ana Carolina Dionísio.

O uso do tipiti redondo nas prensas de fuso foi sendo


substituído pelas barricas (barrili, no falar de alguns), e
existem engenhos que prensam a massa em caixas quadradas, com
telas de sacos de ráfia sintéticos substituindo os materiais
naturais. Além da prensagem, outros processos foram
transformados após a colonização europeia, especialmente
açoriana: a roda bolandeira, que articula simultaneamente o
redote do sevador e a pá do forno ao ser movimentada pelo braço
da almanjarra preso pela canga ao boi, foi fundamental para o
incremento na velocidade com que o processo de farinhar nesta

região do Brasil se diferenciasse de outros nos séculos XVIII e


XIX.
Contemporaneamente, a maioria dos engenhos artesanais
dispensam a força do animal e usam motores elétricos fazer girar
o sevador e a pá do forno. Existem também engenhos que

41
movimentam-se através da força da água, usando roda’água para
articular a ação dos equipamentos do forno, da raspagem e da
seva, especialmente nas regiões de maior altitude, onde é maior
a força dos cursos d’água.

Paiol de madeira centenário, feito de araribá ou guaraparí.

Acervo de Rosane Luchtemberg. Levantamento do estado das peças para


preservação de engenho de farinha de mandioca no município de
Bombinhas, 1999.

A lista de objetos utilizada nos engenhos de farinha é


extensa: cochos feitos de madeira, para lavar as raízes,
depositar a massa úmida e depois esfarelar e peneirar antes do
forno; peneiras para selecionar apenas a farinha mais fina e
dispensar a caroeira, os pedaços mais grossos que ainda ficaram
na massa sevada: “na trama da peneira não pode passar uma cabeça
de fósforo”; os balaios, feito de cipós ou taquaras de bambu,
que servem para guardar uma infinidade de coisas, especialmente
úteis na pesca; o paiol, feitos de madeira de lei, onde se podia

42
armazenar a farinha produzida pelo período de um ano, sem
estragar; os antrolhos, que serviam como tapa-olhos para os que
bovinos que faziam o trajeto circular repetidas vezes não
ficassem tontos; o bolinete, molinete ou sarilho, que são os
pedaços de madeira roliços usados para torcer o fuso da prensa,
que também podem ser articulados com corda a mais um, preso numa
poste fixo, para diminuir a força empregada; o enxó, ferramenta
usada para a construção dos fusos da prensa; a lata da farinha,
que além de guardar o alimento também era usada para guardar
dinheiro; o alguidar (alguidal), prato coletivo de barro; o
facão, a enxada e o machado também foram apontados como objetos
importantes.

Caixas de meio alqueire. Engenho do Sertão, Bombinhas.

Acervo de Rosane Luchtemberg. Levantamento do estado das peças para


preservação de engenho de farinha de mandioca no município de
Bombinhas, 1999.

As ferramentas usadas no trabalho agrícola também foram


inventariados: a carpideira, o riscador e o arado. Para a

43
comercialização da farinha também são usados medidas específicas
e tradicionais de volume: o alqueire, o meio alqueire, a quarta,
a meia quarta e o salamim. Um saco de farinha de aproximadamente
45 quilos equivale a dois alqueires, sendo comumente enchidos
com quatro meio alqueires. A caixa de meio alqueire é a medida
mais popular, é quadrada, feita de madeira e tem a capacidade de
cerca de 19 litros, que correspondem a um peso aproximado em
farinha de 11 quilos. Evidentemente, o volume não corresponde a
um peso exato, pois a qualidade da farinha mais torrada é mais
leve, por ser mais enxuta de água.
Outro objeto frequentemente rememorado pelos agentes

culturais que construíram este Inventário Participativo foi o


carro de boi, em toda sua complexidade de peças que o compõe com
a junta de bois: seve, fueiro, rijeira, seveta, canga, chaveta e
aguilhada.

Rapaz conduzindo carro de boi. Costa do Macacu, Garopaba.

Gabriella Pieroni. 02/07/2018.

44
Em Florianópolis, a valorização dos objetos históricos que
compõem os engenhos de farinha apresenta críticas à forma como
se deu a venda de peças. A sugestão dos participantes da oficina
que é de que as famílias que queiram desfazer-se das peças de
engenho, só vendam o molhe inteiro, para que estes objetos
possam seguir como engrenagens de um engenho de farinha e não
tornem-se apenas peças de decoração.

AS CELEBRAÇÕES

É tempo de farinhada!

Entre os meses de maio e agosto, o litoral catarinense fica


coberto da fina poeira branca que sobe dos fornos nos engenhos
de farinha. É tempo de farinhada e todas famílias que tem
engenhos ficam imersas na produção do alimento primordial da
dieta, as comunidades são envolvidas pela atmosfera festiva e
produtiva das farinhadas. O trabalho coletivo é que possibilita
que seja feita a farinha, naturalmente o espaço do engenho vira
um espaço de celebração:

“Se não tiver ninguém pra ajudar, não dá pra


fazer. Um conta história pro outro, piada,
fofoca.” (Manoel Domingos de Souza – Neca, de
Florianópolis)

A roda de raspagem é o momento que se inicia a farinhada


dentro do espaço do engenho, antes disso as raízes de mandioca

45
são arrancadas da terra e transportadas até o engenho. É na
raspagem que se faz o capote, deixando a produção mais festiva.

Roda de Raspagem no Macacu, Garopaba.

Manuela Braganholo. 02/07/2018.

O tempo das farinhadas coincide com a época da pesca da


tainha, no inverno, tradicionalmente a época em que se garante o
sustento do ano pelos agricultores e pescadores da região.
Apesar de todas as transformações que o litoral catarinense
sofreu, nos lugares que ainda se faz farinha de maneira
artesanal se mantém os ares de uma grande festa produtiva quando
filhos, pais, avós, primos, vizinhos e amigos se juntam para uma
farinhada.
“Farinhada era sempre uma festa. A gente fazia
abertura do engenho, começava a fazer farinha. As
festa vinha junto, Bandeira do Espírito Santo.
Fazia jantar, rezava terço, matava galinha. Era

46
bolo, perna de animal. Bolo de massa pra pagar
promessa pela cura de algum animal. Tinha
arrematação. Trazia ovo de galinha pra arrematar.
Farinhada dava muito namoro. AS vezes colocava
namorado pra raspar com a namorada e ele não
queria perder. Aí raspava um monte e rápido. As
mulheres cantavam ratoeira pros homens, os homens
respondiam. Vinham treinados de casa.” (Luiz
Farias, de Imbituba)

A mística da farinhada é muito maior que as etapas da

produção da farinha. Enquanto a produção pode ser descrita como


os processos sucessivos de raspar a casca das raízes, lavá-las,
sevar até transformar as raízes em massa mole, prensar a massa
até secar a água, esfarelar os blocos de massa, peneirar e
torrar no forno até sair a farinha; a farinhada é a reunião
entre aqueles que comungam de um mesmo sentimento de reverência
pela produção do alimento, do cuidado com a terra e com a
reprodução da sua cultura.

Diversos versos foram feitos e cantados nas farinhadas,


como mostram as formas de expressão inventariada nos engenhos de

farinha, nas próximas páginas. Contemporaneamente, em muitas


famílias que já não dependem exclusivamente dos trabalhos
agrícolas, fazer uma farinhada é uma maneira de celebrar seus
antepassados, de reunir as pessoas que amam essa atividade, de
comer e beber festivamente, de celebrar um modo de vida rural
que pode não ser mais presente na vida de todos que vão até o
engenho para participar da farinhada.
Juntamente com as farinhadas, outras celebrações foram
rememoradas em cada município. Em Bombinhas, a Fundação de

47
Cultura do município organiza A Tarde do Beiju, nas primeiras
quintas-feiras de abril a novembro, no Engenho do Miminho,
centro cultural público, organizado em torno da cultura de
engenho. As festas dos padroeiros de cada comunidade bombinense
também foram lembradas como celebrações significativas para os
participantes da oficina de educação patrimonial.
Em Florianópolis, além das rodas de raspagem e do trabalho
coletivo nas farinhadas, as celebrações lembradas foram a Divina
Farinhada, que ocorre em Santo Antônio de Lisboa, junto à Festa
do Divino Espírito Santo daquela comunidade; e as Festas do
Divino, que aparecem no acervo fotográfico disponibilizado por
Osvaldina Maria Barcelos (Dona Dina), participante da oficina no
Sertão do Ribeirão.
Em Garopaba, os participantes da oficina falaram que em
suas farinhadas o capote era antes uma competição entre quem
raspava a mandioca mais rápido, que um momento de cantoria
mesmo. O sentimento de pertencimento também foi lembrado por
pessoas que já não faziam mais farinha com suas famílias, mas
que iam até os engenhos de amigos para fazer farinha e podiam

reviver as memórias de infância.

“Fazer farinhada no engenho é como o DNA da


família, envolve coisas que não tem explicação”
(Malvina Pereira – Boneca, Garopaba)

Em Imbituba foram diversas as celebrações lembradas pelos


engenheiros que participaram da oficina: o boi na vara, que
funcionava “como uma farra do boi controlada”; as festas do
Divino e dos padroeiros das comunidades, em que eram feitos
jantares pelos membros das mesmas, e se arrematavam pratos ou

48
objetos para pagar alguma promessa feita ao cada santo, como ao
Espírito Santo, na Bandeira do Divino Espírito Santo ou a São
Sebastião, como na Festa de São Sebastião, no bairro do Arroio.

Bandeira do Divino, Sertão do Ribeirão, Florianópolis.

Acervo de Osvaldina Maria Barcelos. Data estimada de 1988.

No entanto, a grande celebração de Imbituba relacionada aos


engenhos de farinha é mais recente na memória de todos: a Feira
da Mandioca de Imbituba nasceu da necessidade de reconhecimento
territorial da Comunidade Tradicional dos Agricultores e
Pescadores Artesanais dos Areais da Ribanceira e tornou-se uma
grande celebração dos modos de vida associados aos engenhos de
farinha, celebrando as riquezas rurais de Imbituba e atraindo
moradores de outros municípios. Em 2018, foi realizada uma
extraordinária troca de ramas entre os membros da Rede de
Engenhos, durante a Feira da Mandioca. O intercâmbio envolveu

49
engenheiros de Angelina, Garopaba, Florianópolis e Palhoça que
se deslocaram para prestigiar a Feira da Mandioca.

Troca de ramas na Feira da Mandioca de Imbituba.

Ana Carolina Dionísio. 22/07/2018.

AS FORMAS DE EXPRESSÃO

Falares e sabores de engenho

Os significados da cultura estão contidos nas mais diversas


formas de expressão com que os grupos sociais simbolizam suas
práticas e traduzem suas identidades. Nos engenhos de farinha
existem muitos falares específicos, muitas expressões peculiares
àquele modo de vida, repetidos de geração em geração. A
peculiaridade deste grupo social é a expressão com gostos e
cheiros de farinha de mandioca: suas tradições culinárias, que
permitem aos homens e mulheres de engenho expressarem-se usando

50
os sentidos do paladar, do tato, da visão e do olfato,
transformando a usual apreensão de sentidos da realidade por
meio do audição e da visão em uma saborosa e completa
experiência.
As formas de expressão rememoradas durante as oficinas
foram tão diversas quanto os versos de uma ratoeira e uma rosca
de massa. Surgiram até novas expressões, criadas pela juventude
de Bombinhas, para enaltecer a cultura local.

Mural feito pelos alunos da Escola Maria Rita Flor, Bombinhas.

Ana Carolina Dionísio. 05/12/2018.

Abaixo, a transcrição da música “Pirão nosso de cada dia”


composta pelos alunos da Escola Maria Rita Flor e apresentada
para os engenheiros do município, no Noite dos Engenhos
realizada na escola:

“Todo dia toda noite falando de tainha


51
Acabamos nos esquecendo dos engenhos de farinha.

Essa cultura já é minha


Raízes da minha cidade
Vou mostra é pra você minha cultura de verdade

Os engenhos de farinha fazem parte da nação


Já os mestres guerreiros agem com o coração

Ultrapassando as barreiras com as fábricas


atuais.
Essa cultura de Bombinhas eu não esqueço jamais”

Os alunos também apresentaram sua homenagem aos engenhos de

farinha em forma de mural com fotografias, pinturas e colagens,


o mural ficou exposto na acesso ao auditório da escola, onde
ocorreram as solenidades na Noite dos Engenhos.
Os contos e as ratoeiras também foram lembrados como
importantes formas de expressão relacionadas aos engenhos de
farinha, pelos participantes da oficina de educação patrimonial
em Bombinhas, Florianópolis e Imbituba.
Dona Didi e o pessoal do Sertão do Ribeirão, em
Florianópolis, lembraram de muitos versos, um deles cantado pelo
o Seu Vilso do Abrilino, que dizia:

“Barbuleta cor de cana


Daquela mais denegrida
Tomar amor comigo
Toma amor pra toda vida”

Algumas das estrofes das ratoeiras cantadas no Sertão do


Ribeirão foram relembradas durante a oficina, bem como
quadrinhas e ditos populares:

52
“Meu galho de malva
Meu manjericão
Dá três pancadinhas
No meu coração”

“Ratoeira bem cantada


Faz chorar, faz padecer
Também faz um triste amante
Do seu amor esquecer”

“Me chamasse pra cantar,


Pensasse que eu não sabia
A cigarra quando canta,
Leva um dia”

“Limoeiro miudinho
Tira o galho do caminho
Eu costumo andar de noite
Tenho medo do teu espinho”

“Se eu fosse, não mandasse


Não perdia o que perdi”

Para enriquecer os versos deste capítulo do inventário,


recorremos à “bíblia” dos engenhos de farinha, o livro do
professor e proprietário do Ecomuseu do Ribeirão da Ilha, Nereu
do Vale Pereira, “Os engenhos de farinha de mandioca da Ilha de
Santa Catarina: etnografia catarinense”:

“Há uma quadrinha de cantoria de engenho, que foi


passada pelo pesquisador, Prof. Oswaldo Ferreira
de Melo, cuja melodia foi perdida no tempo, e que
consagra a importância do sevador:

‘Num engenho de farinha, oi... ai


Deve ter três cantadô, oi... ai

53
Um pra prensa outro pro forno, oi... ai
O melhor pro sevadô, oi... ai!”
(PEREIRA, 1993, p. 106)

Na obra há a referência a outros pesquisadores que


investigaram e registraram a cultura popular da Ilha de Santa
Catarina, como Oswaldo Ferreira de Melo e Frankin Cascaes,
revelando a extensa tradição dos engenhos de farinha na pesquisa
folclórica e etnográfica de Santa Catarina. Abaixo as quadrinhas
cantadas durante a raspagem, na brincadeira do capote,
recolhidas por Franklin Cascaes e registradas no livro:

“Menino que tás sevando, oi... ai


Cuidado com o dedo na roda, oi... ai
Que está bem no inverno, oi... ai
Não é mais tempo de poda, oi... ai”

Anda, anda meu boizinho, oi... ai


Não te canse de andá, oi... ai
Terminada a farinha, oi... ai
Vai pro pasto descansá, oi... ai”
(PEREIRA, p.108)

O capote é uma brincadeira que ocorre durante a raspagem da

mandioca, no começo da farinhada. Consiste em raspar a metade de


uma raiz, sujando uma mão para segurar a raiz com casca e
deixando limpa a mão que segura a faca, aí repassa-se a raiz
para outra pessoa que auxilia na tarefa da raspagem, que pega
com a mão limpa a metade descascada da raiz e raspa o restante,
assim, a mandioca vai para o cocho para ser lavada com menos
resíduos de terra. Na oficina de Imbituba, disseram que o capote
dava muito namoro e tiravam versos para embalar a atividade; em
Garopaba, a memória é do capote mais como competição, para ver
qual dupla raspava mais mandioca, sem cantoria.

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“A mãe dava o capote. Raspava e jogava. Raspava
metade e a outra metade dava pro vizinho.”
(Dulcilene Natividade, Florianópolis)

Na oficina de Imbituba, foi inventariada uma outra forma de


expressão que era comum na cidade, chamado pasquim. Eram versos
escritos e colados nas ruas, como um exercício público de sátira
dos eventos ocorridos ou mesmo de deboches entre amigos, como
este, relembrado pelo Seu Luiz Farias:

“Seu Joaquim Chico


Com sua blusinha branca
Dançando com a Bibia
Parecia uma mula manca.”

Outras formas de expressão inventariadas na oficina de


Imbituba foram o boi-de-mamão, o pão-por-Deus e o pau de fita.
Os associados da Acordi organizam um grupo de boi-de-mamão, que
apresenta-se sempre nas Feiras da Mandioca. Todos esses
elementos da cultura regional são abraçados pelos engenheiros de
farinha, fazem parte de suas tradições e memórias, ainda que
algumas formas de expressão já não sejam tão comumente
encontradas.
As formas de expressão associadas a culinária são diversas.
Em Garopaba a própria alimentação e os cheiros, foram listados
como formas de expressão. Além disso, para alguns lá, a rosca de
polvilho tem o nome de móca.
Os alimentos produzidos a partir da matéria-prima dos
engenhos, a mandioca, são consumidos frequentemente pelos
habitantes do litoral, fazem parte da cultura gastronômica da
região. A compreensão deles como forma de expressão surgiu no

55
decorrer das oficinas desde o Ponto de Cultura Engenhos de
Farinha. Nos encontros com outros grupos culturais que faziam
apresentações de música e dança, os engenheiros de farinha
apresentavam a mesa posta com iguarias de engenho para serem
degustadas e apreciadas as delícias da cultura de engenho.

Rosca de polvilho, tapioca, beiju e cuscuz.

Carlos Pontalti. 16/06/2018.

Outros alimentos tradicionais que foram listados nas


oficinas nos municípios são beiju, cuscuz, farinha, polvilho,
broa de polvilho, bijajica (também conhecida por pamonha no
Morro do Mirim, Imbituba), pé de moleque de farinha, mané-pança,
nego deitado, banana assada dentro do forno na hora da
farinhada, ovo cozido na farinha ainda quente do forno, pirão de
açorda (açolda), loló de café ou mingau de farinha, doce da
farinha com melado quente e rosca de massa.

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OS SABERES

Plantar, farinhar e cozinhar

A transmissão dos saberes e técnicas relacionados ao modo


de vida rural dos engenheiros de farinha do litoral encontra-se
ameaçada por várias razões. A pressão externa para
diversificação do uso das terras, de tradicional uso agrícola, é
um dos principais fatores. São pressões diversas: a imposição de
projetos de industrialização em territórios tradicionais;
indefinições dos Planos Diretores que acarretam em cobranças de

impostos urbanos sobre áreas de uso agrícola; a falta de


orientação e fiscalizações inadequadas dos órgãos ambientais; e
a brutal elevação do preço da terra, advinda do turismo de massa
e da urbanização dos municípios. O fato é que sem terra para
plantar a mandioca a cultura dos engenhos acaba: “Para não
deixar morrer a tradição, tem que ter terra”, como bem disse o
Seu Manoel, de Garopaba.

Darci e seu filho Romário, Sertão do Ribeirão, Florianópolis.

Acervo de Osvaldina Maria Barcelos. Data estimada de 1988.

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E são muitos os saberes necessários para produzir a farinha
de mandioca de alta qualidade que é da tradição do litoral
catarinense. Envolvem o conhecimento de técnicas e matérias-
primas que revelam a íntima relação destas mulheres e homens com
o ambiente envolvente.
No processo de inventariarmos coletivamente os saberes
ligados de engenho de farinha foram lembrados saberes
relacionados aos três momentos da roça, do engenho e da mesa, e
também outros saberes conexos para os participantes, como o
saber fazer determinado utensílio ou saberes da pesca.

João Ramos preparando as ramas para plantar. Sertão do


Ribeirão, Florianópolis.

Acervo de Luzia dos Santos. Data estimada em 2000.

Segunda a Dora Rosa Geralda da Silva, de Bombinhas, “o


serviço da roça é fácil de aprender, então se comprar um
engenho, logo aprende”. Ela mesma sabe plantar, raspar, escalar
peixe, puxar a prensa. Esta última tarefa não é comumente
desempenhada por mulheres.

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Nas tarefas da roça, identificar as ramas é das mais
difíceis. Algumas das variedades conhecidas pelos engenheiros de
Imbituba são amarelinha, torta, franciscal, macula, conhecida
como mandioca de pobre. A agrobiodiversidade cultivada nos
Areais da Ribanceira revela a especialização daqueles sujeitos
na cultura da mandioca e o sofisticado entendimento de que mais
variedades garantem a sustento da comunidade sob condições
climáticas diversas. Os participantes da oficina de Garopaba
apontaram que a rama que tem muito leite (seiva) vai dar muita
raiz; se o leite da rama é frio, a mandioca vem boa, mas se está
quente, vai ser seca.

Colhendo e transportando as raízes. Areais da Ribanceira,


Imbituba.

Manuela Braganholo. 28/06/2016.

Os participantes das oficinas destacaram que a mandioca é


uma planta muito adaptada à região e de fácil manejo, por ser
muito resistente e não demandar muitas carpidas. O destaque da

59
oficina de Imbituba é para saber trabalhar junto, ressaltando a
importância do trabalho coletivo para aquela comunidade.
Entrando no engenho, os saberes vão desde a construção dos
objetos até tirar o ponto da farinha torrada. Tradicionalmente
os saberes eram repassados pelos mais velhos. Seu Luiz Farias
lembra que:

“No passado, o carpinteiro era próprio pra


engenho. Era igual mecânico. Naquele tempo todo
mundo tinha engenho, mas não sabia mexer nas
peças. Meu tio Isaque era profissional disso.”

Frequentemente as pessoas começavam com tarefas mais


simples e iam aprendendo com as pessoas mais experientes as
tarefas mais complexas. Seu Aroldo de Carvalho lembra-se de como
aprendeu o ofício de forneiro:

“Aprendi com meu pai e minha mãe. Mas vou


repassar pra quem? Eu trabalhava na prensa, minha
mãe no forno. Ela ensinou a tirar o ponto da
farinha. Minha mãe ensinou pondo na boca. O nome
dela era Adília dos Reis Carvalho. Ela forneava,
fazia beiju. Ela morreu num julho, em maio ela
ainda estava fazendo farinha e beiju. Tem que
saber o ponto da farinha. Outro amigo me ensinou
pelo vapor: quando parou o vapor, dá pra ver
estralar na mão.”

Antes da farinha ir pro forno, deve ser raspada e lavada,


em Garopaba foi dito que “a raiz bem limpa dá uma farinha que
fica branca quando põe na água ou no leite, tem que ser bem
branquinha pra ser boa” (Santina Marques).
Depois da farinha ser bem limpa, deve ser sevada, isto é,
transformada em massa, ralada bem fina na roda do sevador, para

60
então ser prensada. Nos engenhos tocados a boi, o sevador gira
conforme o boi anda e há o saber de colocar o capim no andaime
do boi, para evitar de espalhar sujeira no passo do boi. Na
prensa também tem saberes específicos: a farinha prensada no
tipiti fica mais azeda, pois no tipiti sempre fica um pouco
molhada, fermentando. O trabalho da prensa depende da qualidade
da mandioca, segundo o Seu Apolinário Vergílio Soares, de
Florianópolis:

“A mandioca bem dura abaixa quatro navalhas da


prensa (a navalha é cada volta do fuso), quando
está mole, abaixa até seis por cada vez que vai
puxar a prensa”

Forneiro observando o ponto a farinha.

Ana Carolina Dionísio. 2014.

Em Florianópolis também se falou sobre o ponto de torra no


forno, e o saber mais repetido é que a farinha tem que ser

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forneada no fogo baixo. João Heidenreich disse que “se bota
lenha muito grossa, pega fogo rápido, pode queimar farinha”.
Outros saberes que envolvem as referencias culturais dos
engenheiros de farinha são associados à pesca, do cerco das
tainhas, de saber escalar o peixe para conservá-lo. Saber fazer
os objetos de uso cotidiano no engenho também é importante para
manter a tradição.

João Ramos fazendo balaio. Sertão do Ribeirão, Florianópolis.

Acervo de Luzia Santos. Data estimada em julho de 2000.

No universo da mesa, saber fazer o beiju, a bijajica, o


cuscuz, a rosca de polvilho. Paralelamente às oficinas que
buscavam os bens culturais dos engenhos de farinha para
compormos um inventário participativo, foram feitas oficinas
práticas da culinária dos engenhos de farinha. O resultado é o
livro “Comida de Engenho: celebrando histórias à mesa”, que
acompanha este Inventário Participativo dos Engenhos de Farinha.

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A prática no preparo da bijajica, segundo os participantes
da oficina de Imbituba, estava desaparecendo: “bijajica tava
esquecida, não faziam mais. Depois que ACORDI retomou pra fazer,
inspirou o pessoal pra voltar a fazer” (Seu Luiz Farias). O
livro traz esta entre outras receitas, para não deixarmos cair
no esquecimento as delícias dos engenhos de farinha.
Por fim, fica o saber da Dona Aurina Abreu:

“Quem tem engenho, mantenha. É muito bom.”

OS MESTRES E AS MESTRAS

A categoria “Mestres e Mestras” não é original da proposta


de Inventários Participativos do IPHAN, nós a construímos
coletivamente a partir da atividade de Formação dos Agentes
Culturais, ocorrida em março de 2017. Pretendíamos ressaltar a
importância dos sujeitos que representam e transmitem valores e
significados da cultura de um grupo a partir de sua experiência
de vida. Eles fazem parte dos momentos da vida coletiva, nos
momentos de celebração, transmitindo conhecimentos, técnicas e
modos de fazer principalmente através da oralidade.

Os mestres e mestras são pessoas de referência para seus


grupos sociais, pois dão visibilidade e sintetizam suas
identidades. O reconhecimento da ação desses mestres e mestras
por parte da comunidade é fundamental para orientar a reprodução
de sua vida social. Dedicam-se à proteção, promoção e
desenvolvimento da cultura tradicional, têm sabedoria notória,
reconhecida entre seus pares e pela comunidade, e possuem longa
permanência na atividade e capacidade de transmissão dos

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conhecimentos, saberes, técnicas e fazeres. São a expressão
corpórea do patrimônio cultural vivo nas comunidades e os
grandes responsáveis pela continuidade intergeracional das
referências culturais.

Bombinhas

A riqueza das atividades em Bombinhas, integrando a


comunidade escolar com os detentores do patrimônio cultural da
cidade, proporcionou a calorosa atividade de encerramento do ano
letivo, homenageando os engenheiros e as engenheiras de farinha
da cidade. O reconhecimento dos alunos ficou estampado no
certificado de Honra ao Mérito concedido pela escola e pelo
delicado troféu oferecido aos engenheiros, engenheiras e
entusiastas da cultura de engenho do município.

Homenagem aos engenheiros de farinha de Bombinhas.

Ana Carolina Dionísio. 06/12/2018.

• Elba Nair da Santa Cruz e Azeneu Cruz (engenheiros de

farinha)
• Dona Rosa Geralda da Silva (engenheira de farinha)

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• Seu Suel Gonzaga de Melo (engenheiro de farinha)
• Rosane Luchtemberg (mantenedora do Museu Comunitário
Engenho do Sertão)
• José Antônio Olímpia - Tonho (vereador)
• Leno e Lenício (netos do Seu Cantalício, in memoriam)
• Manoel João da Silva - Seu Bielinho (engenheiro de farinha)
• Maria José (colaboradora da EEB Maria Rita Flor)
• Tábata Torres (representante da Fundação de Cultura de
Bombinhas)

Troféu oferecido pela EEB Maria Rita Flor aos homenageados

Ana Carolina Dionísio. 06/12/2018.

Florianópolis

Em Florianópolis, foram reconhecidos os saberes dos mestres


de engenho e da sabedoria popular que animava o feitio das
farinhadas. João José Heidenreich é engenheiro agrônomo,
formado pela UFSC, e orgulhoso engenheiro de farinha, formado

65
pelos saberes do seu mestre, Jacob Heidenreich, de 92 anos.
Saber tirar o ponto da farinha pelo cheiro e pela cor, ainda sem
experimentar seu gosto, também foi transmitido de pai para filho
para o hoje mestre, Neca do Sertão: “o pai gostava de fornear e
eu gosto muito de farinha”.

• Jacob Heidenreich (engenheiro do Alto Ribeirão)


• Cecília Ramos dos Santos - Dona Didi (cantadora de
ratoeiras)
• Manoel Domingos de Souza – Neca (engenheiro do Sertão do
Ribeirão)
• Jaime (engenheiro de farinha)

Dona Didi, Mestra de Engenho do Sertão do Ribeirão.

Clara Comandolli de Souza. 28/07/2018.

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Encontro de Mestres de Engenho. Cláudio Andrade, Jacob
Heidenrechi, Neca do Sertão e Aílton Barboza.

Carlos Pontalti. 23/06/2018.

Garopaba

Os mestres e mestras reconhecidos pelos participantes da

oficina que ocorreu em Garopaba foram:

• Mané Janjão, 84 anos, Morro da Encantada


• Seu Cândido, 84 anos, Encantada
• Seu Manoel, 81 anos, Campão (Ferrugem).
• Dona Santina, 59 anos, Campo d’Una
• Quininho (Liberato), 79 anos, Ambrósio
• Tomé, 90 anos, Costa do Macacu

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Dente eles, estiveram presentes nesta oficina o Seu Manoel,
que produz tipitis com 64 palhas, sendo o único na ocasião
reconhecido por este saber; e Dona Santina, que é forneira desde
os 14 anos, consegue trocar a correia com o motor tocando. Para
Dona Santina, o ponto certo da farinha torrada é obtido pelo
tato: “é só botar a mão pra sentir que (a farinha) está seca”.

Seu Manoel é o segundo em pé, à esquerda.

Alice Rampom. 25/11/2018.

Imbituba

A importância da transmissão dos conhecimentos tradicionais


pelos mestres foi lembrada durante a oficina de Imbituba. A
relativa falta de jovens interessados em aprender os ofícios de
engenho preocupa os mais velhos: “Se o Neim ficar doente e não
puder fazer a farinhar, quem vai fazer a farinha?”, perguntou

68
Marlene Borges. Marlene revelou sua gratidão aos ensinamentos de
Dona Valda, que a ensinou a fazer beiju.
As pessoas que foram lembradas como mestres e mestras dos
saberes de engenho de Imbituba são:

• Luiz Vieira Carvalho, Morro do Mirim (faz engenhos)


• D. Valda da Silva, Areais da Ribanceira (especialista em
beiju)
• Anilton Souza Sabino - Neim, Areais da Ribanceira (forneiro
oficial da Acordi)
• Luiz Souza, Areais da Ribanceira (sabe fazer o beiju de
peneira)
• Pedrinho, Morro do Mirim (faz beiju)
• Dona Noquinha, Areais da Ribanceira (forneira e chapéu de
palha de butiá)
• Carmen Tomaz, Areais da Ribanceira (sabe ensinar a fazer
bijajica)

Anilton Souza Sabino (Seu Neim)

Manuela Braganholo. 25/06/2017.

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A EQUIPE

Ana Carolina Dionísio


pesquisa, audiovisual e oficinas
Gabriella Cristina Pieroni
pesquisa, metodologia e oficinas
Giselle Miotto
mapeamento, metodologia e oficinas
Karina Smania de Lorenzi
pesquisa e oficinas
Lorena Sasaki

oficinas e mapeamento
Manuela Valim Braganholo
oficinas, pesquisa, sistematização e redação

Agradecemos à Carlos Pontalti, Luzia Ramos, Osvaldina Maria


Barcelos e Rosane Luchtemberg pela disponibilização de seus
acervos fotográficos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CEPAGRO. Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo; Rede


Catarinense de Engenhos de Farinha (org). Comida de engenho:
celebrando histórias à mesa. Florianópolis: CEPAGRO, 2018

CREPALDI, Iara C. Origem, evolução e geografia da mandioca: uma


revisão. Sitientibus, Feira de Santana, n. 10, p. 89-94, jul-dez,
1992.

HENRIQUE, Ana Paula. O universo fantástico do desenvolvimento urbano:


Franklin Cascaes e as bruxas de concreto. Revista Santa Catarina em
História. Florianópolis, n.1, v.1, p. 94-102, 2008.

HÜBENER, Laura Machado. O comércio da cidade de Desterro no


século XIX. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1981.

IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.


Educação Patrimonial: inventários Participativos: Manual de
Aplicação. Brasília, 2016.

SILVA, Henrique Ataíde da; MURRIETA, Rui Sérgio Sereni. Mandioca, a


rainha do Brasil? Ascensão e queda da Manihot esculenta no estado de
São Paulo. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências
Humanas, v. 9, n. 1, p.37-60, jan-abr, 2014.

PEREIRA, Nereu do Vale Pereira. Os engenhos de farinha de mandioca


da Ilha de Santa Catarina: etnografia catarinense.
Florianópolis: Fundação Cultural Açorianista, 1993.

PIAZZA, Walter Fernando. A colonização de Santa Catarina.


Florianópolis: BRDE,1982.

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