DO LITORAL CATARINENSE
O PROJETO 3
OS AGENTES CULTURAIS 7
O TERRITÓRIO 13
O litoral catarinense 15
Bombinhas 18
Florianópolis 20
Garopaba 23
Imbituba 26
OS LUGARES 29
OS OBJETOS 38
AS CELEBRAÇÕES 45
É tempo de farinhada! 45
AS FORMAS DE EXPRESSÃO 50
OS SABERES 57
A EQUIPE 70
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 71
2
O PROJETO
3
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, apoiamo-
nos na ferramenta dos inventários participativos. Adaptações às
fichas sugeridas pelo IPHAN foram feitas ao longo das quatro
oficinas realizadas nos municípios, buscando sempre dialogar com
as realidades distintas que se apresentaram, fortalecendo as
identidades culturais ligadas aos engenhos, aos seus modos de
comer, de plantar, aos saberes da feitura da farinha e das
comidas de engenho. As particularidades da abordagem sobre o
patrimônio agroalimentar, no caso da Rede de Engenhos, permitiu
que a equipe do Cepagro se dividisse em quatro projetos que se
entrelaçam, com financiamentos do Governo do Estado de Santa
4
Oficina de Educação Patrimonial no Engenho do Miminho, José
Amândio, Bombinhas.
5
inventário?”, recebíamos dos participantes respostas
surpreendentes, demonstrando a imensa afetuosidade que cerca os
engenhos de farinha do litoral. Em uma oficina, foi-nos dito que
inventário era “inventar as coisas”. E assim, acabamos tomando
esta tarefa de registrar as memórias e os afetos desses
agricultores e agricultoras que moldaram os costumes regionais,
inventando uma história participativa dos engenhos de farinha.
OS AGENTES CULTURAIS
7
Em Florianópolis, contamos com a preciosa colaboração dos
moradores das comunidades do Sul da Ilha, em especial da
Associação de Moradores do Sertão do Ribeirão, que levaram
registros fotográficos das famílias da comunidade. Em Garopaba,
tivemos a sorte de contar com as informações e a disponibilidade
da Coordenação de Cultura da Secretaria de Educação, do
Instituto Federal de Santa Catarina – Campus Garopaba e do
Coletivo Taiá Terra, que nos auxiliaram a contatar os
engenheiros e engenheiras de lá.
Em Imbituba, a Associação Comunitária Rural de Imbituba
(Acordi) e a Secretaria de Agricultura, Pesca e Desenvolvimento
8
• Almerinda Souza • Beatriz Garcia Salvador
(Florianópolis) (Bombinhas)
• Álvaro José Israel • Carlos Paulo Matias
(Garopaba) (Garopaba)
• Ana Aparecida Souza • Carolina Zimmer da Silva
(Garopaba) (Bombinhas)
• Ana Ciana (Bombinhas) • Caroline Celle
• Ana de Souza (Garopaba) (Bombinhas)
• Anibal Candim Neto • Cecília Santos – Dona
(Garopaba) Didi (Florianópolis)
• Anilton Souza Sabino – • Claudete Medeiros
(Imbituba) (Garopaba)
• Ataíde Silva • Devalde Souza
(Florianópolis) (Florianópolis)
• Aurea Rocha Mendes • Dulcilene Natividade
(Bombinhas) (Florianópolis)
• Aurina Abreu (Imbituba) • Elba Cruz (Bombinhas)
• Aurino de Souza • Elizandro Pereira
(Imbituba) (Garopaba)
• Azeneu Cruz (Bombinhas)
9
• Emerson de Moura • Gustavo Felipe da Silva
(Garopaba) (Bombinhas)
• Evaldo Espezim • Isaque Stupp Antunes
(Imbituba) (Bombinhas)
• Ezequiel Motta • Israel Lincoln
(Florianópolis) (Garopaba)
• Fabiano Quito • Jacob Cordeiro
(Bombinhas) Heidenreich
• Fábio Prates (Bombinhas) (Florianópolis)
• Franceli Fagundes • Jane Odete Matias
(Bombinhas) (Bombinhas)
10
• Karlota Scotti de Souza • Manoel Natividade
(Florianópolis) (Florianópolis)
• Kethlin Souza • Manoel Souza
(Bombinhas) (Florianópolis)
• Laura Martins • Márcia de Sena
(Bombinhas) (Bombinhas)
• Leandra Dias (Bombinhas) • Márcia Rosa Pereira
• Lotário Melchiors (Garopaba)
(Garopaba) • Marcinha Cristina
• Luciano Santos da Silva Ferreira (Bombinhas)
(Garopaba) • Marcus Israel (Garopaba)
11
• Patricia Antonio • Rosane Luchtemberg
Estivallet (Bombinhas) (Bombinhas)
• Patrícia Vilma Pinheiro • Rosilete Peters Benatti
da Silva (Bombinhas) (Garopaba)
• Paulo Barcelos • Rute da Silva (Garopaba)
(Imbituba) • Salete Soares (Garopaba)
• Paulo Gabriel • Sandra Baron (Bombinhas)
(Bombinhas) • Santina Marques
• Pedro Manoel de Carvalho (Garopaba)
(Imbituba) • Suel Gonzaga de Melo
• Petuel Felipe Floriano (Bombinhas)
12
O TERRITÓRIO
13
Santa Catarina (UFSC) exibe o mural “Folclore e Indústrias de
Santa Catarina”, de Martinho de Haro. No mural, entre outras
cenas de trabalho e folguedos, um engenho de farinha é retratado
com destaque no Hall da Reitoria. No Campus Trindade da UFSC há
ainda o reconhecimento dos engenhos, com duas construções que
ilustram a produção artesanal de farinha e de açúcar, ao lado do
Museu de Arqueologia e Etnografia (MArquE).
Em Imbituba, o prédio da Prefeitura Municipal conta com uma
representação de peças de engenho de farinha, esculpidas em
madeira, no seu salão principal. Garopaba conta com um engenho
municipal, atualmente desativado, mas que foi construído para
14
O litoral catarinense
recentemente.
Apesar das controvérsias sobre os possíveis centros de
origem onde ocorreu a domesticação da mandioca, disputada entre
a Amazônia e o Cerrado (CREPALDI, 1992; SILVA E MURRIETA, 2014),
na Mata Atlântica a espécie se desenvolveu bem. Os primeiros
relatos dos navegadores europeus no século XVI relatam o uso
abundante dessa espécie ao longo da costa brasileira.
No litoral de Santa Catarina, o bioma Mata Atlântica é um
15
O clima da região é definido como subtropical úmido com
verões cálidos (Cfa, no sistema de Köppen-Geiger). A chuva é bem
distribuída durante o ano, sendo os invernos relativamente mais
secos. As temperaturas mais baixas do inverno, época da
farinhada, também recebem créditos pela especificidade da
farinha catarinense em relação a outras no Brasil.
No âmbito dos projetos que se entreteceram entre 2017 e
2019, a confluência entre a temática das referências culturais e
o anseio de localizar os engenhos ativos, mas que ainda não
participavam da Rede Catarinense de Engenhos de Farinha,
permitiu que fossem registrados os engenhos que cada
16
inventários participativos, mas que totalizam nossa área de
atuação nesta temática.
17
Bombinhas
18
Por quase dois séculos Bombinhas viveu da faina agrícola e
pesqueira, em relativo isolamento até a segunda metade do
século XX. Com a maior integração através da BR-101, inaugurada
na década de 1960, a península de Bombinhas passou a ser
procurada por turistas do Brasil e do exterior. Veio a
emancipar-se de Porto Belo em 1992 e, desde então, tem a
atividade turística como o principal polo dinâmico de sua
economia. O IBGE estima que em 2018 a população bombinense fosse
de 19.193 habitantes. Ficando 73 quilômetros ao norte da capital
pelo acesso asfáltico, Bombinhas foi plenamente integrada à
indústria do turismo do litoral catarinense. A cobrança da Taxa
Miminho, Bombinhas.
19
Em Bombinhas, as atividades de sensibilização do Inventário
Participativo ocorreram com o envolvimento dos jovens da Escola
de Educação Básica Maria Rita Flor, em Bombas. Os jovens
participaram da oficina no Engenho do Miminho, no bairro José
Amândio, oferecida em maio de 2018 pela equipe do Cepagro. O
trabalho contou com a contribuição dos engenheiros de farinha
das comunidades de Sertãozinho, Bombas e Canto de Bombas.
Florianópolis
20
A povoação iniciada pelos bandeirantes paulistas entre 1673
e 1679 não havia prosperado, havendo pouco mais de cem
habitantes em 1711 (PIAZZA, 1982). Em 1738 é criada a Capitania
de Santa Catarina e em 1748 inicia o desembarque de cerca de
mais de seis mil portugueses, habitantes dos então superpovoados
Arquipélagos de Açores e Madeira, que transformam inteiramente a
paisagem da Vila de Nossa Senhora do Desterro e dos arredores.
21
farinha do litoral catarinense foram operados com a mão de obra
das famílias em pequenas áreas, raramente contando com escravos.
Em 1797, já havia 350 engenhos de farinha operando na Ilha de
Santa Catarina, segundo o quadro estatístico elaborado pelo
então Governador da Capitania de Santa Catarina, Miranda
Ribeiro. Destes, 87 ficavam na freguesia da Capital, Nossa
Senhora do Desterro; 111 na freguesia de Nossa Senhora das
Necessidades (atual Santo Antônio de Lisboa); 101 na Lagoa da
Conceição, e 51 no Ribeirão da Ilha.
Ao longo de todo o século XIX e ainda na primeira metade do
século XX, o Porto de Desterro, depois Florianópolis, destacou-
22
da ilha, nas comunidades do Sertão do Ribeirão, Alto Ribeirão,
Campeche e Rio Tavares. O trabalho de mapeamento feito pela
equipe de pesquisa da Rede de Engenhos/Cepagro, no entanto,
abrangeu também o norte da ilha, onde funcionam engenhos nos
bairros de Ponta das Canas, Praia Brava, Barra do Sambaqui,
Santo Antônio de Lisboa, Rio Vermelho e na Fortaleza da Barra.
Na capital, as atividades deste projeto ocorreram de julho a
novembro de 2018, incluindo a oficina de educação patrimonial no
Centro Comunitário do Sertão do Ribeirão e as saídas a campo
para o mapeamento dos engenhos.
Garopaba
23
é fortemente marcado pelos impactos do turismo de massa,
particularmente durante os meses de verão. A calma “enseada das
canoas” que deu nome à povoação da Armação de São Joaquim de
Garopaba (do guarani yagara – canoa, barco + mpaba – enseada,
lugar) é hoje uma cidade que se vê rodeada de edificações para
receber os visitantes: casas, hotéis, bares, lojas e
restaurantes dominam a paisagem. Não obstante a urbanização, a
ruralidade de seus habitantes mais antigos é mantida em várias
localidades do município.
Garopaba.
24
se Vila, condição que perderia em 1906 para tornar-se parte do
município de Palhoça e em 1923 de Imbituba. Somente em 1961 é
que Garopaba torna-se município, com administração própria
(Prefeitura e Câmara de Vereadores). Desde então, o crescimento
urbano acompanha o movimento sazonal do turismo de sol e mar,
com grande parte das edificações sendo construídas para receber
os visitantes de dezembro a março.
As atividades do setor primário, com destaque para a pesca
e a agricultura, são fundamentais no território de Garopaba
desde a fundação da armação baleeira em 1793. Se, no início da
ocupação europeia foram as baleias que impulsionaram a economia
25
A centralidade da agricultura na vida dos habitantes de
Garopaba até a segunda metade do século XX é reatualizada no
século XXI por moradores das localidades de Campo d’Una, Capão
(atual Ferrugem), Encantada, Morro da Encantada, Macacu, Costa
do Macacu e Ambrósio, que mantém seus engenhos de farinha em
atividade. Apesar do relato das pressões dos órgãos ambientais
nas exíguas áreas disponíveis para a agricultora, os lavradores
seguem plantando suas roças e fazendo farinha em mais de duas
dezenas de engenhos distribuídos pelo município.
O projeto proporcionou uma roda de conversa com os alunos
do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), Campus Garopaba,
Imbituba
26
A agricultura e a pesca também têm raízes históricas neste
território, trazendo marcadas as características do contato
entre os colonos açoriana e os povos originários. A história de
Imbituba é muito anterior ao século XVIII e a chegada dos
açorianos. Em suas terras formaram-se imensos depósitos de
conchas dos povos sambaquieros, cuja cal serviu milênios depois
à construção de edificações e estradas.
1919-2009).
27
da experiência da Comunidade Tradicional dos Agricultores e
Pescadores Tradicionais dos Areais da Ribanceira, representada
pela Associação Comunitária Rural de Imbituba (ACORDI).
As atividades deste projeto ocorreram nas dependências da
ACORDI, em dezembro de 2018, e mapearam agricultores e engenhos
das localidades de: Ibiraquera, Praia da Ribanceira, Morro do
Mirim, Mirim/Novo Horizonte, Arroio, Alto Arroio, Sambaqui,
Barranceira, Roça Grande e Vale das Pedras.
28
OS LUGARES
29
Em cada oficina surgiram elementos específicos dos
municípios. Os lugares que perpassam as memórias de todos
participantes são as roças de mandioca e os engenhos de farinha.
Os dilemas das ruralidades que se mantém nas tradições do povo
nas cidades que se urbanizam aceleradamente são vividos nos
quatro municípios.
30
referências culturais em todos os municípios, outros lugares
especiais foram observados particularmente em cada oficina.
Bombinhas
31
lembrou do tempo em que as ruas de Bombinhas eram caminhos dos
carros de boi e da importância desses veículos antes da
pavimentação e do alargamento das vias.
Florianópolis
Florianópolis.
33
Em fins de março de 2019, a Câmara Municipal aprovou a
recategorização do Parque Municipal da Lagoa do Peri como
Monumento Natural. A nova categoria da unidade de conservação,
segundo o Floram, contempla o uso das comunidades tradicionais
com a conservação da água e da biodiversidade. Apesar de ser uma
área de proteção integral no Sistema Nacional de Unidades de
Conservação, Monumento Natural permite áreas privada com
atividades compatíveis aos objetivos da unidade de conservação.
Garopaba
34
A multifuncionalidade dos engenhos também foi lembrada
pelos participantes da oficina, que relataram que também
produziam açúcar grosso (mascavo), melado e cachaça nos mesmos
lugares, usando outros equipamentos. Além da agricultura, o
cotidiano de muitos foi permeado pela prática da pesca. Seu
Manoel, aos 81 anos ainda trabalhando na terra, relatou das
dificuldades dos agricultores e pescadores de Garopaba com o
crescimento da atividade turística e como consequência, da
urbanização:
35
agora pode vir com uma máquina e arrancar tudo e
fazer uma casa?
Imbituba
36
dos Areais da Ribanceira, foram citados muitos lugares da
cidade com significados especiais para os participantes: o canto
da Praia do Porto, onde algumas famílias tiravam o sustento com
a pesca e era ponto certo de passada dos carros de boi
carregados de farinha para ser vendida no centro da cidade; o
Morro do Mirim, onde foi construída a Igreja no lugar de um
antigo engenho de farinha; a Lagoa de Santo Antônio, que hoje é
conhecida como Lagoa do Mirim; a Praia D’Água, “praia de
fartura”, onde se lavavam os tipitis antes da farinhada, se
lavava a roupa e tirava a água pra beber.
OS OBJETOS
Garopaba.
38
portantes para identificarmos culturas e civilizações ao longo
da história.
As peças usadas para transformar as raízes de mandioca em
farinha foram sendo transformadas ao longo do tempo pelos
diversos grupos que incorporaram este alimento em suas dietas.
Os objetos de uso cotidiano nos engenhos de farinha foram sendo
modificados ao longo do tempo, atendendo as necessidades dos
produtores de farinha por mais produção ou mais conforto no
manuseio deles.
39
caracterizam esta produção. O transporte e a comercialização
também dependem de objetos específicos que foram lembrados pelos
participantes das oficinas nos quatro municípios.
41
movimentam-se através da força da água, usando roda’água para
articular a ação dos equipamentos do forno, da raspagem e da
seva, especialmente nas regiões de maior altitude, onde é maior
a força dos cursos d’água.
42
armazenar a farinha produzida pelo período de um ano, sem
estragar; os antrolhos, que serviam como tapa-olhos para os que
bovinos que faziam o trajeto circular repetidas vezes não
ficassem tontos; o bolinete, molinete ou sarilho, que são os
pedaços de madeira roliços usados para torcer o fuso da prensa,
que também podem ser articulados com corda a mais um, preso numa
poste fixo, para diminuir a força empregada; o enxó, ferramenta
usada para a construção dos fusos da prensa; a lata da farinha,
que além de guardar o alimento também era usada para guardar
dinheiro; o alguidar (alguidal), prato coletivo de barro; o
facão, a enxada e o machado também foram apontados como objetos
importantes.
43
comercialização da farinha também são usados medidas específicas
e tradicionais de volume: o alqueire, o meio alqueire, a quarta,
a meia quarta e o salamim. Um saco de farinha de aproximadamente
45 quilos equivale a dois alqueires, sendo comumente enchidos
com quatro meio alqueires. A caixa de meio alqueire é a medida
mais popular, é quadrada, feita de madeira e tem a capacidade de
cerca de 19 litros, que correspondem a um peso aproximado em
farinha de 11 quilos. Evidentemente, o volume não corresponde a
um peso exato, pois a qualidade da farinha mais torrada é mais
leve, por ser mais enxuta de água.
Outro objeto frequentemente rememorado pelos agentes
44
Em Florianópolis, a valorização dos objetos históricos que
compõem os engenhos de farinha apresenta críticas à forma como
se deu a venda de peças. A sugestão dos participantes da oficina
que é de que as famílias que queiram desfazer-se das peças de
engenho, só vendam o molhe inteiro, para que estes objetos
possam seguir como engrenagens de um engenho de farinha e não
tornem-se apenas peças de decoração.
AS CELEBRAÇÕES
É tempo de farinhada!
45
são arrancadas da terra e transportadas até o engenho. É na
raspagem que se faz o capote, deixando a produção mais festiva.
46
bolo, perna de animal. Bolo de massa pra pagar
promessa pela cura de algum animal. Tinha
arrematação. Trazia ovo de galinha pra arrematar.
Farinhada dava muito namoro. AS vezes colocava
namorado pra raspar com a namorada e ele não
queria perder. Aí raspava um monte e rápido. As
mulheres cantavam ratoeira pros homens, os homens
respondiam. Vinham treinados de casa.” (Luiz
Farias, de Imbituba)
47
Cultura do município organiza A Tarde do Beiju, nas primeiras
quintas-feiras de abril a novembro, no Engenho do Miminho,
centro cultural público, organizado em torno da cultura de
engenho. As festas dos padroeiros de cada comunidade bombinense
também foram lembradas como celebrações significativas para os
participantes da oficina de educação patrimonial.
Em Florianópolis, além das rodas de raspagem e do trabalho
coletivo nas farinhadas, as celebrações lembradas foram a Divina
Farinhada, que ocorre em Santo Antônio de Lisboa, junto à Festa
do Divino Espírito Santo daquela comunidade; e as Festas do
Divino, que aparecem no acervo fotográfico disponibilizado por
Osvaldina Maria Barcelos (Dona Dina), participante da oficina no
Sertão do Ribeirão.
Em Garopaba, os participantes da oficina falaram que em
suas farinhadas o capote era antes uma competição entre quem
raspava a mandioca mais rápido, que um momento de cantoria
mesmo. O sentimento de pertencimento também foi lembrado por
pessoas que já não faziam mais farinha com suas famílias, mas
que iam até os engenhos de amigos para fazer farinha e podiam
48
objetos para pagar alguma promessa feita ao cada santo, como ao
Espírito Santo, na Bandeira do Divino Espírito Santo ou a São
Sebastião, como na Festa de São Sebastião, no bairro do Arroio.
49
engenheiros de Angelina, Garopaba, Florianópolis e Palhoça que
se deslocaram para prestigiar a Feira da Mandioca.
AS FORMAS DE EXPRESSÃO
50
os sentidos do paladar, do tato, da visão e do olfato,
transformando a usual apreensão de sentidos da realidade por
meio do audição e da visão em uma saborosa e completa
experiência.
As formas de expressão rememoradas durante as oficinas
foram tão diversas quanto os versos de uma ratoeira e uma rosca
de massa. Surgiram até novas expressões, criadas pela juventude
de Bombinhas, para enaltecer a cultura local.
52
“Meu galho de malva
Meu manjericão
Dá três pancadinhas
No meu coração”
“Limoeiro miudinho
Tira o galho do caminho
Eu costumo andar de noite
Tenho medo do teu espinho”
53
Um pra prensa outro pro forno, oi... ai
O melhor pro sevadô, oi... ai!”
(PEREIRA, 1993, p. 106)
54
“A mãe dava o capote. Raspava e jogava. Raspava
metade e a outra metade dava pro vizinho.”
(Dulcilene Natividade, Florianópolis)
55
decorrer das oficinas desde o Ponto de Cultura Engenhos de
Farinha. Nos encontros com outros grupos culturais que faziam
apresentações de música e dança, os engenheiros de farinha
apresentavam a mesa posta com iguarias de engenho para serem
degustadas e apreciadas as delícias da cultura de engenho.
56
OS SABERES
57
E são muitos os saberes necessários para produzir a farinha
de mandioca de alta qualidade que é da tradição do litoral
catarinense. Envolvem o conhecimento de técnicas e matérias-
primas que revelam a íntima relação destas mulheres e homens com
o ambiente envolvente.
No processo de inventariarmos coletivamente os saberes
ligados de engenho de farinha foram lembrados saberes
relacionados aos três momentos da roça, do engenho e da mesa, e
também outros saberes conexos para os participantes, como o
saber fazer determinado utensílio ou saberes da pesca.
58
Nas tarefas da roça, identificar as ramas é das mais
difíceis. Algumas das variedades conhecidas pelos engenheiros de
Imbituba são amarelinha, torta, franciscal, macula, conhecida
como mandioca de pobre. A agrobiodiversidade cultivada nos
Areais da Ribanceira revela a especialização daqueles sujeitos
na cultura da mandioca e o sofisticado entendimento de que mais
variedades garantem a sustento da comunidade sob condições
climáticas diversas. Os participantes da oficina de Garopaba
apontaram que a rama que tem muito leite (seiva) vai dar muita
raiz; se o leite da rama é frio, a mandioca vem boa, mas se está
quente, vai ser seca.
59
oficina de Imbituba é para saber trabalhar junto, ressaltando a
importância do trabalho coletivo para aquela comunidade.
Entrando no engenho, os saberes vão desde a construção dos
objetos até tirar o ponto da farinha torrada. Tradicionalmente
os saberes eram repassados pelos mais velhos. Seu Luiz Farias
lembra que:
60
então ser prensada. Nos engenhos tocados a boi, o sevador gira
conforme o boi anda e há o saber de colocar o capim no andaime
do boi, para evitar de espalhar sujeira no passo do boi. Na
prensa também tem saberes específicos: a farinha prensada no
tipiti fica mais azeda, pois no tipiti sempre fica um pouco
molhada, fermentando. O trabalho da prensa depende da qualidade
da mandioca, segundo o Seu Apolinário Vergílio Soares, de
Florianópolis:
61
forneada no fogo baixo. João Heidenreich disse que “se bota
lenha muito grossa, pega fogo rápido, pode queimar farinha”.
Outros saberes que envolvem as referencias culturais dos
engenheiros de farinha são associados à pesca, do cerco das
tainhas, de saber escalar o peixe para conservá-lo. Saber fazer
os objetos de uso cotidiano no engenho também é importante para
manter a tradição.
62
A prática no preparo da bijajica, segundo os participantes
da oficina de Imbituba, estava desaparecendo: “bijajica tava
esquecida, não faziam mais. Depois que ACORDI retomou pra fazer,
inspirou o pessoal pra voltar a fazer” (Seu Luiz Farias). O
livro traz esta entre outras receitas, para não deixarmos cair
no esquecimento as delícias dos engenhos de farinha.
Por fim, fica o saber da Dona Aurina Abreu:
OS MESTRES E AS MESTRAS
63
conhecimentos, saberes, técnicas e fazeres. São a expressão
corpórea do patrimônio cultural vivo nas comunidades e os
grandes responsáveis pela continuidade intergeracional das
referências culturais.
Bombinhas
farinha)
• Dona Rosa Geralda da Silva (engenheira de farinha)
64
• Seu Suel Gonzaga de Melo (engenheiro de farinha)
• Rosane Luchtemberg (mantenedora do Museu Comunitário
Engenho do Sertão)
• José Antônio Olímpia - Tonho (vereador)
• Leno e Lenício (netos do Seu Cantalício, in memoriam)
• Manoel João da Silva - Seu Bielinho (engenheiro de farinha)
• Maria José (colaboradora da EEB Maria Rita Flor)
• Tábata Torres (representante da Fundação de Cultura de
Bombinhas)
Florianópolis
65
pelos saberes do seu mestre, Jacob Heidenreich, de 92 anos.
Saber tirar o ponto da farinha pelo cheiro e pela cor, ainda sem
experimentar seu gosto, também foi transmitido de pai para filho
para o hoje mestre, Neca do Sertão: “o pai gostava de fornear e
eu gosto muito de farinha”.
66
Encontro de Mestres de Engenho. Cláudio Andrade, Jacob
Heidenrechi, Neca do Sertão e Aílton Barboza.
Garopaba
67
Dente eles, estiveram presentes nesta oficina o Seu Manoel,
que produz tipitis com 64 palhas, sendo o único na ocasião
reconhecido por este saber; e Dona Santina, que é forneira desde
os 14 anos, consegue trocar a correia com o motor tocando. Para
Dona Santina, o ponto certo da farinha torrada é obtido pelo
tato: “é só botar a mão pra sentir que (a farinha) está seca”.
Imbituba
68
Marlene Borges. Marlene revelou sua gratidão aos ensinamentos de
Dona Valda, que a ensinou a fazer beiju.
As pessoas que foram lembradas como mestres e mestras dos
saberes de engenho de Imbituba são:
69
A EQUIPE
oficinas e mapeamento
Manuela Valim Braganholo
oficinas, pesquisa, sistematização e redação
70
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
71