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A Fé Reformada e o Arminianismo

Parte 2

por

Dr. John Murray

Expiação Limitada

O segundo artigo do Remonstrance Arminiano de 1610 diz


respeito à questão da extensão da expiação. Lemos o mesmo da
seguinte forma: “Artigo II. Que, em concordância com isso,
Jesus Cristo, o Salvador do mundo, morreu por todos e cada
um dos homens, de modo que obteve para todos, por sua morte
na cruz, reconciliação e remissão dos pecados; contudo, de tal
modo que ninguém é participante desta remissão senão os
crentes, de acordo com a palavra do Evangelho de João 3:16...
E na Primeira Epístola de João 2:2...”. Esta é uma declaração
enfática do que é conhecido como a doutrina da expiação
universal, e está em sua essência a defesa de que Cristo morreu
por todos os homens da mesma forma e adquiriu para eles, de
uma forma igual e sem distinção, a redenção e o perdão dos
pecados. A expiação como tal, ela diz em efeito, tem como sua
intensão a provisão da salvação para todos, o tornar a salvação
possível a todos os homens, o colocar todos e cada um dos
homens num estado ou condição salvável.

Em oposição a isso, a Fé Reformada afirma a doutrina do que é


conhecido como expiação limitada. o que ela significa? Talvez a
melhor resposta que pode ser dada à essa questão é apresentar
o ensino da Confissão de Fé de Westminster, capítulo VIII, seção
V.

Redenção Adquirida para o Eleito

“O Senhor Jesus, pela sua perfeita obediência e pelo sacrifício


de si mesmo, sacrifício que pelo Eterno Espírito, ele ofereceu a
Deus uma só vez, satisfez plenamente à justiça do Pai. e para
todos aqueles que o Pai lhe deu adquiriu não só a reconciliação,
como também uma herança perdurável no Reino dos Céus”.
Isso definitivamente declara que a reconciliação e uma herança
perdurável no Reino dos Céus foi adquirida por todos aqueles
dados ao Filho pelo Pai. Quem são eles? Na seção I desse
mesmo capítulo somos informados que eles são as pessoas
dadas a Cristo desde toda a eternidade para serem sua semente
e “para, no tempo devido, ser por ele remido, chamado,
justificado, santificado e glorificado”. As pessoas dadas a Cristo
são certamenas as mesmas pessoas escolhidas em Cristo - na
forma de expressão usada no capítulo III, seção V - e elas são
simplesmente aquelas da humanidade que foram predestinadas
para a vida, a saber, os eleitos. Com respeito a elas, a Confissão
continua: “Assim como Deus destinou os eleitos para a glória,
assim também, pelo eterno e mui livre propósito da sua
vontade, preordenou todos os meios conducentes a esse fim; os
que, portanto, são eleitos, achando-se caídos em Adão, são
remidos por Cristo, são eficazmente chamados para a fé em
Cristo pelo seu Espírito, que opera no tempo devido, são
justificados, adotados, santificados e guardados pelo seu poder
por meio da fé salvadora”. (III.vi.) Foi para os eleitos, portanto,
para os predestinados para a vida, por aqueles dados a Cristo
pelo Pai, por aqueles escolhidos em Cristo para a glória eterna,
que a reconciliação e uma herança perdurável no Reino dos
Céus foi adquirida. São eles quem são redimidos por Cristo.
Assim ensina a Confissão, assim a diferença já se tornou
aparente.

Aquisição e Aplicação Co-extensiva

“Cristo, com toda a certeza e eficazmente aplica e comunica a


salvação a todos aqueles para os quais ele a adquiriu” (VIII.viii.).
A relação disso não pode ser discutida: a extensão da aquisição
da redenção é exatamente a mesma da extensão da salvação
real. Se Cristo adquiriu redenção para todos, então todos a
salvação real aplicada e comunicada a eles. Se somente um
certo número da raça humana são no final das contas salvos,
então somente por esse número Cristo adquiriu redenção.

A declaração é tão explícita que ela não precisa de confirmação.


Mas para mostrar que essa não é uma declaração aleatória,
mas um princípio determinante do ensino confessional, pode-se
ser mostrado o mesmo por uma linha inteiramente distinta de
argumento. “Cristo, pela sua obediência e morte, pagou
plenamente a dívida de todos os que são justificados, e, em
lugar deles, fez a seu Pai uma satisfação própria, real e plena”
(XI.iii.). Aqueles por quem Cristo pagou a dívida e fez satisfação
à justiça são então justificados. Mas todos os que são
justificados são também eficazmente chamados. “Os que Deus
chama eficazmente, também livremente justifica” (XI.i.). E o
chamado eficaz exposto no capítulo X nos leva de volta à
predestinação. “Todos aqueles que Deus predestinou para a
vida, e só esses, é ele servido, no tempo por ele determinado e
aceito, chamar eficazmente pela sua palavra e pelo seu Espírito,
tirando-os por Jesus Cristo daquele estado de pecado e morte
em que estão por natureza, e transpondo-os para a graça e
salvação” (X.i.). E novamente: “Deus, desde toda a eternidade,
decretou justificar todos os eleitos, e Cristo, no cumprimento do
tempo, morreu pelos pecados deles e ressuscitou para a
justificação deles” (XI.iv.). O resultado é claro - predestinação
para a vida, redenção, chamado eficaz, e justificação têm a
mesma extensão; elas têm em sua abrangência as mesmas
pessoas.

A Exclusividade da Redenção

Que os não-eleitos, aqueles que não se tornam os participantes


reais da salvação e que, portanto, se perdem no final, não estão
inclusos dentro do escopo da redenção adquirida por Cristo,
podemos e até mesmo devemos inferir a partir do que já citado
ser o ensino da Confissão. Mas é interessante observar que não
somente a Confissão implica isso; ela também o declara
expressamente: “Além dos eleitos não há nenhum outro que
seja remido por Cristo, eficazmente chamado, justificado,
adotado, santificado e salvo” (III.vi.). A Confissão está usando as
frases “remidos por Cristo” e “adquiriu redenção” de uma forma
sinônima. Aqui é dito que a redenção por Cristo ou a aquisição
de redenção é para aqueles que de fato são salvos, e para eles
somente. Ela exclui aqueles que não foram chamados,
justificados, adotados, santificados e salvos. A redenção é
definida não somente extensivamente, mas exclusivamente.

Se podemos recapitular então, o ensino da Confissão pode ser


resumido nessas três proposições: (1) A redenção foi adquirida
para os eleitos. (2) A redenção é aplicada a todos por quem ela
foi adquirida. (3) A redenção não foi adquirida para aqueles que
perecerão no final, ou seja, para os não-eleitos.
A expiação é definida na Confissão, portanto, em termos de
sacrifício, reconciliação, redenção, satisfação à justiça divina,
pagamento de débito, e declara claramente que a expiação
assim definida é por aqueles a quem Deus predestinou à vida, a
saber, os eleitos. Eles são salvos porque Cristo, por sua obra
redentora, assegurou sua salvação. Aqueles definitivamente
perdidos não estão dentro da abragência desta salvação
assegurada, e, portanto, eles não estão dentro da abrangência
do que essa salvação assegurou, e, portanto, eles não estão
dentro da abrangência do que a assegurou, a saber, a redenção
conquistada por Cristo. É justamente aqui que a diferença entre
o Arminianismo e o Calvinismo pode ser mais claramente
afirmada. Cristo morreu e ofereceu-se a si mesmo como
sacrifício a Deus para tornar a salvação de todos os homens
possível, ou ele ofereceu-se como sacrifício para assegurar
infalivelmente a salvação de seu povo? Os Arminianos
professam a primeira e negam a segunda opção; nossos
símbolos, como cremos, juntamente com a Sagrada Escritura,
ensinam a última.

Objeções Respondidas

O termo expiação “limitada” gera muita ofensa. Realmente não é


a terminologia mais feliz. Ela é passível de entendimento e
interpretações errôneas. Por esta razão, alguns preferem o
termo expiação “definida” ou “particular”. Porém, o que somos
particularmente insistentes em defender é o que o termo
hisotoricamente conota, e assim, se o desuso do termo
“limitada” é calculado para criar a impressão de que
renunciamos a doutrina da qual o termo é o símbolo; se, em
outras palavras, o termo é calculado para aplacar os inimigos
da nossa Fé Reformada, então devemos resolutantemente
recusar nos privar do seu uso. A expiação é limitada, porque em
sua intensão, significado e efeito precisos, ela é para aqueles e
por aqueles somente que foram destinados à salvação eterna no
propósito determinado de Deus. Nós podemos louvar a Deus
porque estes não são um grupo magro, mas uma multidão que
ninguém pode enumerar, de toda raça, tribo, língua e nação.

Não devemos pensar que o Arminiano, por sua doutrina, escapa


da expiação limitada. A verdade é que ele professa uma
doutrina de expiação limitada desprezível. Ele professa uma
expiação que é tragicamente limitada em sua eficácia e poder,
uma expiação que não assegura a salvação de ninguém. Ele de
fato elimina da expiação aquilo que a faz supremamemente
preciosa ao coração cristão. Nas palavras de B.B. Warfield: “a
substância da expiação é evaporada, para que possa ser lhe
dada uma referência universal” (The Plan of Salvation, p. 122.).
O que queremos dizer é que, caso abriguemos a posição de
restauração universal para toda a humanidade – uma posição
contra a qual o testemunho da Escritura é decisivo – uma
interpretação da expiação em termos universais deve, com
razão, anular seu caráter redentor e substitutivo. Devemos fazer
a nossa escolha entre uma extensão limitada ou uma eficácia
limitada, ou antes, fazer uma escolha entre expiação limitada
ou expiação sem eficácia. A expiação, necessariamente, ou salva
os eleitos de forma infalível, ou na verdade não salva ninguém.

Algumas vezes, objeta-se que a doutrina da expiação limitada


torna impossível a pregação da salvação completa e livre. Isto é
totalmente falso. A salvação consumada pela morte de Cristo é
infinitamente suficiente e universalmente adequada, e pode-se
dizer que sua suficiência infinita e perfeita adequabilidade nos
dá base para uma oferta autêntica de salvação a todos, sem
distinção. A doutrina da expiação limitada, tanto quanto a
doutrina da eleição soberana, não cria uma barreira para a
oferta do Evangelho. A apresentação do Evangelho, oferecendo
paz e salvação por meio de Jesus Cristo, é para todos sem
distinção, embora seja verdadeiramente a partir da eleição
soberana e da expiação limitada que essa fonte de graça
universalmente oferecida nasce. Se pudermos mudar a
ilustração, é do alto do monte da soberania divina e da expiação
limitada que a oferta livre e completa do Evangelho desce aos
nossos pés. A oferta da salvação a todos é genuína. Tudo que se
proclama é absolutamente verdadeiro. Todo pecador, ao crer,
inevitavelmente será salvo, porque a fidelidade e o propósito de
Deus não podem ser violados.

A crítica de que a doutrina da expiação limitada proíbe a oferta


livre do Evangelho repousa num profundo engano sobre o que a
garantia da pregação do Evangelho, e até mesmo o próprio ato
primário da fé, realmente são. Esta garantia não é a de que
Cristo morreu por todos os homens, e sim o convite, a
proclamação e a promessa universais do Evangelho unidas com
a perfeita suficiência e adequabilidade de Cristo como Salvador
e Redentor. O que o embaixador do Evangelho pede, em nome
de Cristo, é que o perdido e incapaz pecador, com base apenas
nesta garantia de fé, se entregue a este Salvador, com a
segurança de que, confiando nele será salvo. Aquilo em que ele
acredita, em primeira instância, não é que ele foi salvo, mas que
por crer em Cristo, a salvação torna-se sua. A convicção de que
Cristo morreu por ele, ou em outras palavras, de que ele é
objeto do amor redentivo de Deus em Cristo, não é o ato
primário da fé. No entendimento do crente, é freqüente esta
convicção estar tão firmemente ligada ao ato primário de fé que
ele é incapaz de estar consciente de uma distinção lógica e
psicológica. Porém, apesar disto, o ato primário de fé é uma
auto-entrega ao todo-suficiente e digno Salvador, e a única
garantia para esta confiança é a indiscriminada, completa e
livre oferta de graça e salvação em Cristo Jesus. 

Fonte: Extraído de uma série que apareceu na revista The


Presbyterian Guardian em 1935-1936. 

Sobre o autor :

O Professor John Murray nasceu na Escócia, em 1898, e era,


no tempo desta escrita, um cidadão Inglês. Ele se graduou na
Universidade de Glasgow (1923) e no Seminário Teológico de
Princeton (1927), e estudou na Universidade de Edimburgo
durante 1928 e 1929.

Em 1929-1930 ele serviu como professor no Seminário


Teológico de Princeton. Posteriormente ele ensinou no
Seminário Teológico de Westminster, na Filadélfia, onde ele
serviu como Professor de Teologia Sistemática, de 1930-1966.

Ele foi um freqüente contribuidor de jornais teológicos e é o


autor de: O Batismo Cristão (1952), Divórcio (1953), Redenção
Consumada e Aplicada (1955), Princípios de Conduta (1957), A
Imputação do Pecado de Adão (1960), Calvino sobre as
Escrituras e a Soberania Divina (1960), A Epístola aos
Romanos , Vol I, Capítulos I-VIII (1960) e A Expiação (1976 -
publicado após a sua morte).

Em 8 de Março de 1975, o Professor John Murray entrou no


descanso do seu Senhor.

 
Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto e Josaías Cardoso
Ribeiro Jr. 

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