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Tratado da Emenda do Intelecto – Parágrafos 25 a 38

Marcelo:

A parte recortada trata do método, para chegar ao bem supremo. Vamos passar
também por uma ideia central: a verdade não é necessariamente a correspondência da
ideia com o ideado – mas da ideia com ela mesma, sendo índice da verdade.

Parágrafo 25: Quais são os meios necessários para chegar no nosso fim? O fim
que está no começo do livro: chegar ao verdadeiro bem. O nosso fim é desejar algo que
seja a melhor coisa a ser desejada. Essa melhor coisa seria algo a ser gozado
eternamente pelo indivíduo que o obtém. (Oliva: ele é mais preciso pra qualificar esse
bem: é o conhecimento da união da mente com a Natureza)

Vamos passar pelos quatro meios pelos quais chegamos ao nosso fim. (leitura
dos quatro meios).

Oliva: quais são então os meios necessários para chegar ao nosso fim? (que é o
aperfeiçoamento de si para se chegar ao conhecimento da união da mente com a
Natureza)

I: O conhecimento de si e o conhecimento das coisas. Ou seja, o conhecimento


da minha natureza e da natureza das coisas. Se eu quero conhecer a união da mente com
a Natureza, eu preciso conhecer a mim e aos objetos da Natureza. É impossível
conhecer tudo, então conhecerei tudo quanto for necessário, para que...

Os três últimos meios são decorrências diretas do primeiro. É preciso conhecer a


mim e as coisas para realizar os outros três meios: coligir retamente as diferenças,
conceber retamente a potência das coisas e comparar a minha potência com a potência
das coisas. A partir desse conhecimento vai seguir a suma perfeição a que o homem
pode chegar: e o homem não chega nela sozinho, é na relação dele com essas coisas.

A partir do conhecimento desses meios é possível saber qual dos modos de


perceber é o mais adequado pra isso.

Parágrafos 26 ao 31:

Marcelo: Por que vai ser o quarto modo? Por que ele conhece a essência das
coisas, os outros não.
- O método: qual será o método? Não é nada de extraordinário. O método para
chegar ao nosso fim. Primeiramente, é preciso que essa percepção da causa que conduz
à essência tome conta do individuo. Como fazer isso? Isso deve ser feito
gradativamente. O paralelo feito é: há um instrumento inato ao espírito capaz de criar
outros instrumentos e a partir desses outros instrumentos o trabalho intelectual fica mais
fácil. Eu tenho algo inato em mim que é suscetível de criar ideias verdadeiras, e este
instrumento cria outros instrumentos, que por sua vez serão capazes de outros trabalhos
mais articuladores, assim sucessivamente, até que se chegue ao topo da sabedoria.

- Paralelo com o martelo: não daria pra ir ao infinito para explicar como esse
instrumento foi criado.

Oliva:

- Realmente não é nada de extraordinário. É algo que todo mundo usa e opera o
tempo todo, embora nem sempre consciente disso.

- Nós vimos, antes, os 4 modos de percepção. Depois, se coloca a questão: qual


deles pode nos ajudar a alcançar aquela natureza mais perfeita (o conhecimento da
união da mente com a Natureza). Pra isso, ele estabelece quais são os meios que levam a
tanto: basicamente, conhecer a nossa natureza e a natureza das coisas até certa medida.
Se é assim, o quarto modo é o mais adequado, porque só ele dá o conhecimento de
essências singulares.

- Como fazer o quarto modo operar de maneira que ele nos leve à natureza mais
perfeita? De que modo? Isso introduz a discussão sobre o método. Momento de
desvendar a maneira de usar esse modo de percepção.

- Dificuldade a respeito da noção de método: pré-condição para falar de método.


Qual é o problema dessa noção? Ela, como entendida por Descartes, é uma noção que
envolve uma regressão ao infinito que implicará no limite que ninguém conhece nada –
ninguém pode produzir um método perfeito.

- Este paradoxo se desfaz com a explicação de “ideia verdadeira” de Spinoza –


ele não precisa de uma justificação alheia à ideia verdadeira. O intelecto tem uma força
nativa que permite que ele encontre caminhos, desenvolva ideias que já tem
previamente de maneira que se desenvolva um método. O intelecto por si tem os
recursos pra se virar.
- Qual é a primeira pedra do intelecto? É a ideia verdadeira – o ponto de partida
de toda e qualquer reflexão metódica. O conhecimento só surge do conhecimento – e
isso por razões ontológicas. Não tem como ele ser produzido por outra coisa. Sabemos
que a mente é uma ideia; sendo uma ideia, ela pode produzir outras ideias. Mas eu
nunca tenho nada anterior a ideia. O método será, então, apenas uma reflexão sobre a
ideia verdadeira.

Thiago

- Vou continuar a partir do 32. A ideia verdadeira é a primeira pedra que serve
de instrumento improvisado para fabricar outros mais eficazes. Por

- 33: Começa fazendo uma distinção fundamental entre ideia e o seu ideado.
Parece ser a mesma diferença entre essência formal e objetiva. Exemplos: círculo e
Pedro. A ideia do circulo difere do circulo na medida que a ideia não possui periferia ou
centro. O mesmo ocorre com a ideia de Pedro e Pedro.

- 34: Importante ressaltar, como faz o Lívio Teixeira no seu comentário, que os
termos formal e objetivo ainda tinham significado escolástico. Formal: existência atual,
efetiva, objeto independente do pensamento. Objetivo: o que existe à título de ideia,
como a ideia de um objeto. Me pareceu que essas classificações são relativas na medida
que a mesma coisa ou ideia pode ser tanto uma como outra. (Oliva: essa mesa nunca
poderá ser essência objetiva, pelo menos fora do meu intelecto. A partir do momento
que ela tá no meu intelecto, ela tem uma realidade própria, uma ontologia própria. Isso
quer dizer que ela também tem essência formal. Importante destacar isso, pois o
primeiro passo pra noção de ideia verdadeira é mostrar que ela é diferente do seu
ideado. O segundo passo é mostrar que ela, enquanto tal, também tem sua realidade, e,
portanto pode ser objeto de uma outra ideia. Isso é importante pois é possível conhecer a
mente de alguém, e a mente é a ideia do corpo.)

- Disso Spinoza conclui que para entender a essência de Pedro não é preciso
entender a ideia de Pedro, nem mesmo a ideia da ideia de Pedro. Eu preciso primeiro
conhecer Pedro.

- Outra consequência: essência objetiva é certeza. Ponto um tanto obscuro. Um


modo de interpretar isso é lembrar da diferença escolástica entre formal e objetivo.
Dizer que a certeza é a essência objetiva é dizer que a certeza está no ato de pensar, não
no pensamento.

- Tudo isso ajuda a esclarecer o que é o método. O verdadeiro método é o


caminho pelo qual as essências objetivas são procuradas na devida ordem. (primeira vez
que aparece a ideia de ordem. Procurar na devida ordem seria procurar o lugar de cada
ideia na ordem universal das ideias. Uma ordem que se deduz da ideia do Ser perfeito.)
Aspecto importante do método: integrar as ideias a uma certa ordem, se não o
conhecimento não será possível, pois não há nada isolado na natureza.

- No 37, ele continua definindo método. Mais uma vez ele ressalta a centralidade
da ideia verdadeira. É através da investigação dessa ideia que poderemos conhecer a
potência.

Oliva: o método, portanto, não é o próprio raciocinar para inteligir as causas das
coisas. Se ele fosse um raciocínio prévio á inteleção das coisas, ele seria uma realidade
anterior ao conhecimento e aí cairiamos na regressão ao infinito. Ele também não é o
próprio inteligir, pois se fosse, seria a ideia das coisas – não se distinguiria dela. Ele
também não é a busca de um signo posterior à descoberta das ideias, um signo que
garanta que elas são verdadeiras (como é Deus em Descartes). O método é a ideia da
ideia da verdadeira. É a reflexão a respeito da ideia verdadeira.

Por que então é preciso de um método? É para que percebamos a potência das
nossas ideias verdadeiras. O que estava em jogo não era conhecer a natureza das coisas
e a natureza de nós mesmos? Para isso é fundamental conhecer as nossas próprias
ideias. Isso não é produzir estas ideias; é conhece-las. Ao conhece-las, sabemos a
potência que elas têm (e também as impotências, pois Spinoza na sequência vai analisar
as ideias falsas, duvidosas, todas menos potentes que as ideias verdadeiras). Faz parte
do método o conhecimento das ideias: a ideia da ideia verdadeira, a ideia da ideia falsa,
a ideia da ideia duvidosa – tudo isso é método.

Agora, eu não preciso do método para produzir essas ideias. Eu só posso ter
método porque já produzo essas ideias. Daí que a certeza não seja resultado do método.
A certeza não está no nível da ideia da ideia: ela está no nível da ideia. A ideia sobre a
mesa pode ou não ser uma ideia certa; depende se ela é falsa, verdadeira ou fictícia. A
ideia da ideia contém certeza enquanto ideia de uma outra essência formal, mas não é
essa certeza que dá certeza pra ideia. A certeza da ideia é prévia. É claro que a ideia da
ideia do triangulo tem certeza, em relação à ideia de triângulo, mas nada tem a ver com
a certeza da ideia de triângulo.

- A ideia certa é constitutiva do ato produtor da ideia.

Parágrafos 38 a 49

38.

- O conhecimento reflexivo (a ideia da ideia) da ideia do Ser perfeitíssimo será


melhor que o conhecimento reflexivo das outras ideias, pois a razão que há entre duas
ideias é a mesma que a razão que há entre as essências formais (o “real”) dessas ideias.
Por isso, será perfeitíssimo o Método que mostrar o modo como a mente há de ser
dirigida segundo a norma da ideia do Ente perfeitíssimo.

(nota do Lívio: “Apesar de serem as ideias algo diverso de seus objetos,


correspondem como representação aos objetos, e por isso têm mais ou menos realidade.
Cf: Ética, II, 13. Escólio.)

39.

- Nota do Lívio: “Não sendo a mente mais que o conjunto de ideias, quanto o
maior o número de ideias, mais perfeito será seu conhecimento. Só atingirá, porém, a
perfeição quando entre essas ideias estiver a do Ser perfeitíssimo: assim como na
realidade esse Ser é a causa de tudo, sua ideia produz todas as outras (eis a justificativa
da Ética).

- A mente, enquanto intelige mais coisas, simultaneamente adquire outros


instrumentos que possibilitam que ela continue a inteligir. Isso acontece porque há, em
nós, antes de tudo, um instrumento inato (a ideia verdadeira) – sendo essa ideia
verdadeira inteligida, ela faz com que simultaneamente se intelija a diferença que há
entre tal percepção (a própria percepção da ideia verdadeira?) e as outras.

- Também, “como é claro por si” que a mente melhor se intelige quanto mais
intelige da Natureza, consta que essa parte do Método será mais perfeita quanto mais
coisas forem inteligidas – e será perfeitíssima quando a mente atender ou refletir sobre o
conhecimento do Ente perfeitíssimo.
40.

- Quanto mais coisas são conhecidas pela mente, tanto melhor serão inteligidas
as suas forças e a ordem da Natureza. Quanto melhor, porém, inteligir suas forças,
poderá com maior facilidade dirigir e propor regras a si mesma; melhor conhecendo a
ordem da Natureza, também poderá impedir-se de inutilidades – e é nisso que consiste
todo o Método.

41.

- A ideia comporta-se objetivamente do mesmo modo que o próprio ideado


comporta-se realmente. Portanto, se houvesse na Natureza algo que não tivesse
comércio (que não produzisse outras ou não fosse por outras produzido) com outras
coisas, a essência objetiva dessa coisa também não teria nenhum comércio com outras
ideias – assim, nada poderia ser inteligido dela. Já as coisas que tem comércio na
natureza, como são todas as existentes na Natureza, podem ser inteligidas e as suas
essências objetivas terão o mesmo comércio, ou seja, outras ideias serão deduzidas a
partir delas, e essas ideias deduzidas terão comércio com outras. Isso é o que Spinoza se
esforçava em demonstrar.

42.

- Considerando-se que a ideia deve convir totalmente com a sua essência formal,
é patente mais uma vez que para a mente reproduzir o modelo da Natureza, deve
reproduzir todas as suas ideias a partir daquela que reproduz a origem e a fonte da
Natureza inteira (Deus?), para que ela também seja a fonte das demais ideias.

43.

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