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Carta ao Papa Pio IX

por

Charles Hodge

A seguinte carta foi transcrita de um esboço manuscrito de Charles


Hodge, que a escreveu em nome de duas Assembléias Gerais da Igreja
Presbiteriana nos Estados Unidos, para explicar por que motivo
declinou-se do convite do Papa aos Protestantes para enviarem
delegados ao Primeiro Concílio Vaticano de 1869 a 1870.

A Pio IX, Bispo de Roma.

Pela vossa encíclica, datada de 1869, convidais os protestantes a


enviarem delegados para o Concílio convocado a reunir-se em Roma
durante o mês de dezembro, do corrente ano. Esta carta foi levada
ao conhecimento de duas Assembléias Gerais da Igreja Presbiteriana
nos Estados Unidos da América. Estas Assembléias representam cerca
de cinco mil ministros e um número bem maior de congregações
cristãs.

Crendo, como cremos, que é a vontade de Cristo que a Sua Igreja na


terra deva ser unida, e reconhecendo que temos o dever de fazer
coerentemente tudo que pudermos para promover a caridade e a
comunhão crista, julgamos por certo apresentar resumidamente as
razões que nos proíbem de participar nas deliberações do Concílio
vindouro.

Não é que tenhamos rejeitado nenhum artigo da fé católica. Não


somos heréticos. Recebemos sinceramente todas as doutrinas
contidas no Símbolo conhecido como o Credo dos Apóstolos.
Consideramos todas as decisões doutrinárias dos primeiros seis
concílios ecumênicos como consistentes com a Palavra de Deus, e por
causa disso os recebemos como expressão da nossa fé. Cremos
portanto na doutrina da Trindade e da pessoa de Cristo conforme
expressas nos símbolos adotados pelo Concílio de Nicéia (321 A.D.),
nos do Concílio de Constantinopla (381 A.D.), e mais inteiramente
nos do Concílio de Calcedônia (451 A.D.). Cremos que há três pessoas
na Divindade, o Pai, o Filho, e o Espírito Santo; e estes três são de
uma mesma substância e iguais em poder e glória.
Cremos que o Eterno Filho de Deus tornou-se homem ao tomar sobre
si um corpo verdadeiro e alma racional, e assim foi e continua a
ser, igualmente Deus e homem, em duas naturezas distintas numa
pessoa para todo sempre. Cremos que o nosso adorável Senhor e
Salvador Jesus Cristo é o profeta que deveria vir ao mundo, em cujos
ensinamentos devemos crer, e em cujas promessas, confiar. Ele é o
Sumo Sacerdote de quem a infinita satisfação meritória à justiça
divina, e intercessão sempre eficaz, é a única base para a aceitação
e justificação do pecador diante de Deus.

Reconhecemo-Lo como nosso Senhor não apenas por sermos Suas


criaturas, mas por termos sido comprados pelo Seu sangue. À
Sua autoridade devemos nos submeter, em Seu cuidado confiar, e
todas as criaturas no céu e na terra devem ser consagradas ao Seu
serviço.

Recebemos todas aquelas doutrinas concernentes ao pecado, à graça


e a predestinação — conhecidas coma Agostinianas — que
foram sancionadas não apenas pelo Concilio de Cartago e outros
Sínodos provinciais, mas também pelo Concílio Ecumênico de Éfeso
(431 AD.), e por Zózimo, bispo de Roma.

Não podemos, por essa causa, ser acusados de heréticos sem que,
conjuntamente, se condene toda a antiga igreja.

Tampouco somos cismáticos. Afetuosamente reconhecemos como


membros da Igreja visível de Cristo na terra, todos aqueles
que, juntamente com seus filhos, professam a verdadeira religião.
Não só estamos dispostos, mas também ardentemente desejosos em
manter comunhão cristã com eles, desde que não exijam, como
condição desta comunhão, que professemos doutrinas que a Palavra
de Deus condena, ou que devamos fazer o que ela proíbe. Em todo
caso, qualquer igreja que estabelece tais termos antibíblicos para a
comunhão, o erro e a falta está nesta igreja, e não em nós.

Embora não declinamos do vosso convite por sermos heréticos ou


cismáticos, somos, entretanto, impedidos de aceitá-lo
porque adotamos, com uma confiança cada vez maior, os princípios
pelos quais nosso pais foram excomungados e amaldiçoados pelo
Concílio de Trento, que representou, e ainda representa, Igreja sobre
a qual presidis.

O mais importante desses princípios são: primeiro, que a Palavra de


Deus, contida nas Escrituras do Velho e do Novo Testamento é
a única e infalível regra de fé e de prática.
O Concílio de Trento, contudo, declarou anátema todo aquele que
não recebe o ensinamento da tradição “pari pietatis affectu” (com
igual sentimento piedoso) como as próprias Escrituras. Não podemos
fazer isso sem incorrer na condenação que nosso Senhor
pronunciou contra os fariseus que invalidavam a Palavra de Deus
pelas tradições deles (Mt. 15:6). Em segundo lugar, o direito de
julgamento individual. Quando abrimos as Escrituras, descobrimos
que elas são voltadas para as pessoas. Elas falam conosco. Somos
ordenados a buscá-las (Jo 5:39), a crer no que elas ensinam.

Somos pessoalmente responsáveis pela nossa fé. O apóstolo nos


ordena a denunciar como anátema, apóstolo ou anjo descido do céu
que ensine qualquer coisa contrária à Palavra de Deus divinamente
autenticada (Gal.1:8). Ele nos tornou juizes, colocando em nossas
mãos o preceito do julgamento, e nos fez responsáveis pelos nossos
julgamentos.

Ainda mais, encontramos que o ensinamento do Espírito Santo foi


prometido por Cristo não apenas ao clero, muito menos a
uma específica ordem clerical, mas a todos os crentes. Está escrito:
“E serão todos ensinados por Deus”. O apóstolo João diz aos crentes:
E vós possuís unção que vem do Santo e todos tendes conhecimento
[...] Quanto a vós outros, a unção que dEle recebestes permanece em
vós, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine; mas, com a
Sua unção vos ensina a respeito de todas as coisas, e é verdadeira, e
não é falsa, permanecei nEle, como também ela vos ensinou” (1 João
2:20,27).

Este ensinamento do Espírito autentica a si mesmo, como o mesmo


apóstolo nos ensina, quando diz; : “Aquele que crê no Filho de
Deus tem, em si, o testemunho” (1 João 5:10).

Não vos escrevi porque não saibais a verdade: antes, porque a sabeis
e porque mentira alguma jamais procede da verdade” (1 João
2:21). O julgamento particular, é, portanto, não apenas um direito,
mas um dever, do qual homem algum pode isentar-se a si mesmo, ou
ser desobrigado por outros.

Cremos, em terceiro lugar, no sacerdócio universal dos crentes, isto


é, todos os crentes têm através de Cristo acesso ao Pai em um
Espírito (Ef 2:18); para que possamos nos achegar com ousadia ao
trono da graça, para alcançarmos misericórdia e encontrar graça para
socorro em tempo de necessidade (Hb.4:16); “Tendo, pois, irmãos,
intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus,
pelo novo e vivo caminho que Ele nos consagrou pelo véu, isto é, pela
Sua carne, e tendo grande sacerdote sobre a casa de Deus,
aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé,
tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com
água pura” (Hb. 10:19-22).

Admitir, portanto, o sacerdócio do clero, como intervenção


necessária para nos assegurar a remissão do pecado e outros
benefícios da redenção de Cristo, é renunciar ao sacerdócio de nosso
Senhor, ou a suficiência deste sacerdócio em nos assegurar a
reconciliação com Deus. Em quarto lugar, negamos a perpetuidade do
apostolado. Assim como nenhum homem poder ser apóstolo sem o
Espírito de profecia, também nenhum homem pode ser apóstolo sem
os dons de apóstolo. Tais dons, como aprendemos pela Escritura,
eram o conhecimento plenário da verdade derivada de Cristo pela
revelação imediata (Gal.1:12), e infalibilidade pessoal como mestres
e legisladores. Paulo nos ensina quais eram os selos do apostolado,
quando diz aos Coríntios: “Pois as credenciais do apostolado
foram apresentadas no meio de vós, com toda persistência, por
sinais, prodígios e poderes miraculosos” (2Cor. 12:12). Não podemos
nos submeter a prelados que reivindicam ser apóstolos, e que
requerem a mesma confiança em seus ensinamentos, e a mesma
submissão à sua autoridade, como a que é devida aos inspirados
mensageiros de Cristo. Isto seria conceder a homens falíveis a
submissão devida somente à Deus ou aos seus mensageiros
divinamente autenticados e infalíveis.

Muito menos podemos reconhecer o Bispo de Roma como o vigário de


Cristo sobre a terra, coberto da autoridade que Cristo exerceu sobre
a Igreja e o mundo, quando aqui esteve encarnado.

É patente que ninguém que não tenha os atributos de Cristo não pode
ser o vigário de Cristo. Considerar o Bispo de Roma como vigário de
Cristo, é, portanto, reconhecê-lo virtualmente como divino. Devemos
permanecer firmes na liberdade com que Cristo nos libertou.
Não podemos ser despojados da nossa salvação por colocarmos um
homem no lugar de Deus; concedendo a alguém semelhante a nós,
o controle interior e exterior de nossa vida, o que é devido
unicamente Àquele em quem estão ocultos todos os tesouros da
sabedoria e do conhecimento, e em quem habita a plenitude da
Divindade.

Poder-se-iam assinalar outras razões, igualmente compulsórias, pelas


quais não podemos, de boa consciência, ser representados
no Concílio proposto. Entretanto, como o Concilio de Trento, cujos
cânones ainda vigoram, declarou maldito todo aquele que crê
nos princípios enumerados acima, nada mais é necessário para
demonstrar qual a razão por que declinamos do vosso convite.

Conquanto não possamos voltar à comunhão com a Igreja de Roma,


desejamos viver em caridade com todos os homens. Amamos
todos aqueles que sinceramente amam ao nosso Senhor Jesus Cristo.
Consideramos como irmãos em Cristo todos aqueles que O adoram,
O amam, e O obedecem como seu Deus e Salvador; e esperamos estar
juntos no Céu com todo aquele que juntamente conosco na terra,
declara:

“Àquele que nos ama, e, pelo Seu sangue, nos libertou dos nossos
pecados, e nos constituiu reino, sacerdotes para o Seu Deus e Pai, a
Ele a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém” (Ap.1:6).

Assinado em nome das duas Assembléias Gerais da Igreja


Presbiteriana nos Estados Unidos da América,

Charles Hodge.

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