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A IMPORTÂNCIA DA GEOPOLÍTICA NA ANTROPOMORFIZAÇÃO DO

ESTADO COMO OBJETO REFERENCIAL DA SEGURANÇA


Profª. Dra. Mayane Bento
A antropomorfização do Estado como sujeito da segurança, decorreu de
um processo que se iniciou ainda no século XIX, com a expansão napoleônica e
consolidou-se no entre guerras do século XX, principalmente a partir das
prerrogativas de segurança coletiva empreendida pela Grã-Bretanha e de
segurança nacional empreendidas pelos Estados Unidos. Entre estes dois
momentos é pertinente ressaltar a importância que a propagação das ideias da
escola determinista germânica, que criara uma nova ciência denominada
geopolítica, representou para este processo de aceitação da segurança como
um atributo do Estado.
Friedrich Ratzel (1844-1904) é considerando um dos precursores da
geopolítica. Nascido na Alemanha, com formação em biologia e zoologia pela
universidade de Heidelberg e professor na universidade de Munique a partir de
1875, é reconhecido principalmente pelas obras Antropogeografia de 1882 e
Geografia Política publicada em 1897(MAFRA, 2006).
O contexto em que Ratzel vivia teve grande influência em seus escritos.
Foi combatente na guerra Franco-Prussiana de 1870, no 5º regimento de
infantaria de Baden e presenciou o processo de unificação alemã a partir de
1871. Preocupado com a fragmentação social e político-territorial que se
perpetuou sob a liderança de Bismark, Ratzel foi um nacionalista fervoroso,
integrante da liga pan-germanista e do partido Nacional Liberal desde 1890.
Ainda em 1885 no congresso de Berlin, colaborou na elaboração da carta
geográfica de partilha da África e era claramente um defensor do colonialismo
(Ibidem).
Percebendo o atraso da Alemanha na corrida colonial foi um dos
fundadores do Comitê Colonial alemão e oposicionista à visão de Bismark que
preconizava uma expansão continental e não colonial (MAFRA, 2006). Para
Ratzel havia uma distinção entre conquista e colonização. Enquanto conquistar
diz respeito apenas a satisfação de apetites territoriais, como fizeram muitos
Estados europeus, a colonização implica em integração político-econômica e
valorização territorial, capaz de receber anuência até mesmo dos povos nativos,
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se bem empreendida (COSTA, 2013).


Posto isso, o cerne da teoria de Ratzel precisa ser interpretada com base
na realidade política e cultural alemã, permeada pelo romantismo nacionalista e
determinada pela intrínseca relação entre território e Estado. Em sua teoria geral
do Estado, Ratzel o concebe a partir da analogia com um organismo, derivado
do binário solo-homem e sujeito a leis biológicas (MAFRA, 2006). Como explica
Costa (2013):
A ideia de organismo foi emprestada por Ratzel da biogeografia, para
o qual o solo condiciona as formas elementares e complexas de vida.
Neste sentido, O Estado como forma de vida, tenderia a comportar-se
(por analogia) segundo as leis que regem os seres vivos na terra, isto
é, nascer, avançar, recuar, estabelecer relações, declinar etc. (COSTA,
2013, p. 35).
O solo era a base de desenvolvimento de um Estado. Mas este
determinismo não era estreito, visto que dependia da eficácia de homens de
Estado pragmáticos e de um povo ligado não apenas por uma língua ou ração
comum, mas por um liame espiritual que os vinculassem ao solo e ao Estado.
Em sua teoria geral do Estado, o ideal liberal de indivíduo foi descartado em prol
do conceito de células sociais capazes de transformar as potencialidades da
relação Estado-Solo em realidade (Ibidem).
Conforme o teórico, somente uma sociedade que se organiza em defesa
de um território converte-se em Estado. Nem todas estavam aptas a esta
conversão, permitindo inferir a existência de dois tipos de sociedades. As que
ele denominava de “naturais” viviam dependentes dos recursos da natureza,
enquanto as que ele denominava de “civilizadas” aproveitavam-se do progresso
tecnológico para interagir e apropriar-se da natureza (MAFRA, 2006).
Defensor deste segundo modelo de sociedade para a Alemanha e adepto
da teoria da evolução de Darwin e da visão populacional de Malthus, Ratzel
desenvolveu em 1901 a ideia de Lebensraum, ou “espaço vital”, como sendo
aquele espaço que todo Estado, como um organismo vivo, necessita para auto
sustentar-se (MAFRA,2006). Em função da concepção da expansão do espaço
como condição vital a sobrevivência do Estado, Ratzel se tornou conhecido por
fundamentar uma geografia do Estado útil as pretensões imperialistas da Europa
dos finais do século XIX.
Todavia, não foi com Ratzel que se originou o termo geopolítica. O termo
foi desenvolvido pelo sueco germânico Rudolf Kjéllen (1846-1922) que lecionou
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direito público e teoria do Estado nas universidades de Upsala e Gotemburgo.


Dentre suas principais obras constam ‘a política como ciência’ de 1901 e ‘as
grandes potências e crise mundial’ de 1920. Seu principal destaque teórico
deriva de um curso dirigido em 1908 e que depois se converteria em sua tese,
denominado ‘Staten som Lifsform’ ou ‘Estado como forma de vida,’ onde resgata
alguns postulados de Ratzel e formula o conceito de geopolítica como a
orientação política em termos de estratégias geográficas, uma ciência derivava,
portanto, da ciência política (MAFRA,2006; COSTA, 2013).
Costa (2013) busca esclarecer as distinções entre geopolítica e geografia
política a partir de uma postura crítica. Para o autor, a geopolítica representa um
inquestionável empobrecimento das análises geográfico-política de Bowman,
Camille Vallaux, Ratzel, Hartshorne e outros tantos autores da época, e
diferentemente de como Kjéllen tentou posicioná-la, para Costa a geopolítica
surge como um “reducionismo técnico e pragmático da geografia política, na
medida em que se apropria em parte de seus postulados gerais para aplica-los
na análise de situações concretas interessando ao jogo de forças estatais
projetado no espaço” (Ibidem, p. 55).
A despeito da crítica, a geopolítica consolidou-se como um comodismo
vocabular, que como “nova ciência” serviu muito mais aos interesses dos
Estados coloniais na Europa e por isso tornou-se famosa nos círculos de poder
tanto na Europa fascista quanto nos ambientes militares do terceiro mundo, a
exemplo da influência do determinismo alemão em Mario Travassos, Everardo
Backheuser, Golbery, Meira Matos e Lysias Rodrigues no Brasil (COSTA, 2013).
Em Kjéllen a geografia política da guerra, ou geopolítica, tonou-se mais
explicitamente imperialista, e sem esconder sua admiração pelo Estado alemão,
foi ainda menos fortuito em camuflar seu interesse em uma Europa unificada sob
império germânico. Mafra (2006) apresenta algumas das analogias de Kjéllen,
em uma de suas descrições do Estado como organismo vivo:
A capital seria a cabeça de onde emanam os planejamentos e
decisões. O território seria o tronco, ou seja, a base que abriga tudo de
importante nele existente. As áreas produtoras seriam os membros,
que movimentariam aquele organismo. Os centros administrativos e
econômicos seriam o coração e os pulmões, que lhe dariam vida. Os
rios e estradas, as veias e artérias, por onde circularia a vida do
organismo. Posteriormente, outros autores incluiriam, também, as
fronteiras, como sendo a epiderme daquele ser vivo, que se alargaria
quando o Estado se expandisse e se retrairia quando perdesse
território (MAFRA, 2006, p. 44)
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Enquanto as análises de Mafra e Costa resistem em enquadrar Ratzel


como um determinista restrito, dada a amplitude de seus postulados, o mesmo
não ocorre com Kjéllen, considerado pai da geopolítica e decisivo para formação
da escola determinista alemã a partir dos pressupostos de Ratzel. Vemos até
aqui uma concepção de Estado cada vez mais personificada, não como um
Leviatã derivado de um contrato social, mas como uma entidade biológica, como
um ser vivente e determinado pela sua dimensão territorial sem a qual sujeita-se
ao desaparecimento, levando-o a primazia da força e não de princípios morais
quando a questão se trata de sobrevivência.
Do outro lado do atlântico, o poder dos Estados Unidos – cujo interesses
já haviam sido expressos na doutrina Monroe e expandiam-se com a doutrina do
Big Stick desde 1901 com T. Roosevelt – tornava-se um decisivo fator no
equilíbrio de poder mundial. Este país inseriu-se na elaboração das estratégias
geopolíticas a partir das concepções do Almirante Alfred T. Mahan (1840-1914)
que, partidário da doutrina do Destino Manifesto de James Sullivan, publicou em
1890 ‘the influence of sea power upon history’, o que o ternaria conhecido como
teórico do poder marítimo (COSTA, 2013).
O cerne da teoria de Mahan estava em avaliar a estratégia britânica no
alcance da condição de rainha dos mares e propor ao Estados Unidos um projeto
ofensivo de estruturação naval que articulasse de maneira complementar a
marinha mercante e de guerra. Alguns anos após sua tese, em 1914 os EUA
finalizariam o canal do panamá e em 1916 o Navy Act consagraria sua tese sobre
a importância do poder marítimo para a consagração dos EUA como potência
mundial (COSTA, 2013).
Outro grande e influente expoente do determinismo geopolítico foi Halford
John Mackinder (1861-1947), britânico, geógrafo, formado em Oxford e diretor
da London School of economics and Political Science (MAFARA, 2006). Dentre
suas obras mais importantes consta sua apresentação na Sociedade Real de
Geografia em 1904 intitulada ‘o pivô geográfico da história’ e seu livro lançado
no pós primeira-guerra ‘ideais democráticos e realidade’ de 1919, onde reformula
alguns de seus postulados iniciais e examina o cenário pós-guerra (COSTA,
2013).
Mackinder foi um defensor do poder terrestre, a despeito de ser um
britânico. Ficou conhecido pela máxima: “who rules East Europe commands the
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Heartland: Who rules the heartland commands the World-Island: Who rules the
World-Island commands the world” (MACKINDER, 1919, p. 186). O que
Mackinder denominou World-Island era um conjunto supra continental que
compreendia a Europa, Ásia e África; o ‘resto’ ao Sul e extremos Leste e Oeste
da eurásia, denominou de marginal crescente; a América, a África ao Sul do
Saara e a Austrália conformavam a insular crescente e; o centro do mundo
correspondia ao “mar báltico, o trecho navegável do baixo e médio Danúbio, o
mar Negro, a Ásia Menor, a Armênia, a Pérsia, o Tibete e a Mongólia. Este é o
novo coração continental” (COSTA, 2013, p. 87) que em 1904 o geoestartegista
denominou área pivot e que em sua obra de 1919 denominou heartland.
A grande preocupação de Mackinder derivava da possibilidade da
expansão Soviética para o Oeste e possível aliança com a Alemanha derrotada,
o que garantiria a dominação do heartland, até que sua previsão de dominação
global se concretizasse. Foi diante deste cenário prospectivo que Mackinder
desenvolveu seu conceito geopolítico de democracia.
Pela lógica do autor, os gestores da máquina social estatal foram
denominados de organizers, distintos em duas categorias: em primeiro lugar
teríamos os administradores, cujo a função é manter a máquina social
funcionando e lubrificada, em segundo lugar, mas com maior relevância,
estariam os criadores do mecanismo social, ou os verdadeiros organizers. “O
grande organizer é o grande realista” (MACKINDER, p.19) e como grande
realista, afasta-se das utopias idealistas de democracia baseada no direito dos
homens em prol da conformação de valores democráticos que atendam às
necessidades do Estado:
O organizer inevitavelmente veio para considerar os homens como
suas ferramentas. Ele é o inverso da mente do idealista, pois ele move
os homens nas brigadas e deve, portanto, ter em conta as limitações
materiais, enquanto o idealista apela para a alma em cada um de nós,
e as almas são aladas e podem voar. Não se segue que o organizador
seja descuidado do bem-estar da sociedade abaixo dele; pelo
contrário, ele considera essa sociedade como grande poder humano
[man-power]a ser mantida em condições eficientes. Isto é verdade quer
seja militarista ou capitalista, desde que tenha visão de futuro. Na
esfera da política, o organizer vê os homens como existindo para o
Estado – para o “Leviatan” do filósofo dos Stuart Hobbes. Mas o
idealista democrático dificilmente tolera o Estado como um mal
necessário, pois limita a liberdade (MACKINDER, 1919, p. 20).
As palavras de Mackider são direcionadas aos cidadãos médios e às
elites inglesas como uma alerta, derivado dos anos de guerra que quase
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liquidaram a Inglaterra, e dos desafios que estariam por vir. Buscou limitar os
ideais democráticos românticos pelo senso estratégico em um mundo pós-
colombiano, no qual a sobrevivência do Estado apresentava-se como um
elemento de primeira importância, em prol do qual o “homem” existia, e não
inverso (COSTA, 2013).
Assim como Mackinder na Inglaterra, Haushofer, outro influente
geopolítico alemão, defendeu no período de ascensão do nazismo, a
“necessidade urgente de uma “consciência geopolítica’’ para cada cidadão
alemão” (COSTA, 2013 p. 128).
O General Karl Ernest N. Houshofer (1869-1946), oficial do exército
alemão, deixou a atividade em 1919 após o armistício da primeira Guerra
Mundial (MAFRA, 2006). Presenciou a rendição alemã, o fim do império e
ascensão socialdemocrata a partir da república de Weimar, que os
conservadores acusavam de “arranjo estrangeiro” e até mesmo “republica de
judeus” (COSTA, 2013). Neste período lecionou geografia na Universidade de
Munique onde mais tarde seria nomeado Diretor do Instituto Geopolítico.
Produziu diversas obras e sob a influência de Ratzel, Kjéllen e Mackinder, criou
uma nova disciplina denominada Wehrgeopolitik, traduzida como geoestratégia
ou geopolítica de defesa e fundou a revista de geopolítica, que editou
regularmente de 1924 a 1944 (MAFRA,2006).
A figura do general despertava sentimentos contraditórios na academia,
“admiração pelo seu enciclopedismo, escritos, sua exuberante eloquência e
amabilidade, mas decepção pela sua completa falta de lógica científica”
(COSTA, 2013, p.124). Seus trabalhos originaram reações críticas em geógrafos
da França e Estado Unidos, dentre eles A. Demangeon e J. Ancel alertavam
sobre os perigos do caráter não científico da Geopolitik alemã, enquanto I.
Bowman, R. Hartshorne e outros caracterizavam-na como não científica,
totalitária e expansionista (COSTA, 2013).
A principal tese de Haushofer derivou da noção de panismo apresentada
por Aymeric Chauprade e François Thual, e da observação dos antagonismos
entre o Pan-asianismo do Japão e da URSS e o Pan-pacífico dos EUA cuja
pretensão era o alcance do mercado chinês. Estudou também o Pan-islamismo
e Pan-indianismo, e confeccionou a teoria das Pan-regiões, que em termos
gerais concebe que:
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O mundo seria dividido em quatro Pan-regiões, a saber: A Pan-


América, liderada pelos Estados-Unidos da América; a Euráfrica, sob
o domínio da Alemanha, auxiliada, se possível, pela Grã-Bretanha
(anglo-saxões); a Pan-rússia, encabeçada pela União Soviética e a
Pan-ásia ou Esfera de Co-prosperidade da Ásia Oriental Maior (nome
preferido pelos geopolíticos japoneses), sob a direção de Japão
(MAFRA, 2006, p. 116).
A preocupação de Haushofer era transformar a geopolítica em uma
ferramenta útil aos “homens de Estado”. Partiu da importância do Libesraum
como regente da história humana, defendendo a concepção de direitos políticos
apenas àqueles que demonstrassem lealdade ao Estado. Considerou também a
relação espaço e raça, sangue e terra, a partir da ideia de “sangue vigoroso”
como critério para formação do conjunto e unidade de uma nação; “[...] mesmo
que para ele raça, tenha sido defendida como traços centrais de um povo, o
desdobramentos de suas proposições raciais foi a radicalização de tipo fascista
e racista não apenas na figura de Hitler e de seu grupo nazista, como também
em membros do seu “círculo de geopolítica” (COSTA, 2013, p.132).
Por fim, cabe acrescentar um outro teórico geopolítico, com forte teor
determinista e de marcada influência sobre o pensamento geopolítico brasileiro.
O jornalista e professor holandês, naturalizados norte-americano Nicholas John
Spykman (1893-1943) que apresentou sua principal tese no livro ‘America
strategy in the world politics, the United States and the Balance of Power’ em
1942 (MAFRA, 2006).
Spykman increveu-se na Realpolitik norte-americana em oposição ao
idealismo Wilsoniano, fundamentando a geoestratégia da política de segurança
estadunidense. Compartilhava, de modo geral, com as ideias de Mahan e
Mackinder, mas divergia quanto ao posicionamento mais estratégico a ser
adotado pelos Estados Unidos. Acreditava na existência e relevância da região
denominada Heartland, mas discordava que apenas esta região possibilitaria o
controle do mundo. Em sua tese, este controle derivava da Ilha Mundial, que ele
denominou de “Rimland”, compreendendo os extremos da eurásia. Logo, por
meio de forte poder marítimo, caberia ao Estados Unidos a criação de
verdadeiras zonas tampão, ou cordão sanitário, em torno de qualquer potência
que conquistasse o Heartland. Esta zona tampão deveria contemplar acordos
com a Europa Ocidental, Oriente Médio, Índia, Sudeste Asiático, China, Japão e
mais ilhas circunvizinhas. Essa teoria de Spykman difundida em 1942 teve
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grande influência sobre George Kennan o geoestrategista da contenção e ex-


conselheiro da embaixada americana na URSS. Com o fim da segunda Guerra
Mundial, o desenvolver do conflito ideológico Leste-Oeste, foi o palco de
implementação destas estratégias na política de segurança estadunidense
(MAFRA, 2006).
Na relação Estado-sociedade, Costa (2013) faz uma síntese do
pensamento de Spykman:
[...] Spykman lamenta que o cidadão médio norte-americano não veja
o conflito pelo ângulo da política internacional, mas tão somente pelos
seus conteúdos de agressão e violência generalizada. Lembra que
para as pessoas em geral, especialmente em sociedade democráticas,
a ideia de engajar-se numa guerra passa prioritariamente pelo princípio
de defesa contra uma agressão externa. Por isso, para ele, têm grande
importância a “guerra psicológica” e a propaganda, que, quando bem
conduzidas, transformam uma luta entre Estados em conflitos entre
nações, envolvendo os cidadãos. Além disso, acrescenta, cabem aos
Estados políticas externas extremamente centralizadas, em todos os
níveis, para assegurar a coesão interna. Quanto às novas táticas de
guerra, observa, essa guerra demonstrava a importância vital do uso
de tecnologias e artefatos de combate sofisticados, o que exigia dos
Estados um controle interno absoluto das matérias primas, atividades
de pesquisa e produção industrial, além de rigorosa regulação das
atividades civis de retaguarda (COSTA, p. 171)
Compreende-se, na linha geral dos teóricos da geopolítica determinista
aqui apresentados que, a segurança do Estado como sinônimo de segurança da
nação, a importância de uma incursão internacional – inicialmente motivada
pelas relações imperialistas e mais tarde pelo desenrolar de uma série de
conflitos na transição do século XIX até meados finais do século XX – a
destacada importância da coesão nacional, controle do território e até mesmo
homogeneidade racial, foram ideias amplamente defendidas e difundidas em um
período particularmente importante para a consolidação do Estado como objeto
referencial da segurança.
Estes teóricos das motivações geoestratégicas do Estado traduziram por
escrito a ideia presente nas atividades das grandes potências do final do século
XIX e século XX. Serviram para justificar, explicar e legitimar práticas
expansionistas e para isso, o Estado ideal, antropomorfizado como organismo
vivo, era aquele que convertia a democracia ao atendimento das suas
necessidades, à sua sobrevivência. Os indivíduos converteram-se em
ferramentas para o Estado.
Como assevera Celio Horta (2006) é importante não reduzir a geopolítica
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ao seu período clássico, marcado pela dominação de classe, de gênero, racial e


imperialista. No Brasil, autores como Manuel Correia de Andrade, Hélio
Evagelista, Josué de Castro e Berta Becker, buscaram livrar a geopolítica deste
estigma de geografia da guerra e da dominação, a partir da disseminação da
ideia de que o Estado não é a única unidade de análise, nem o território o único
fator de poder, cabendo a inclusão de relações de poder outras, como conflitos
latifundiários, religiosos, linguísticos etc., em escalas que estão acima e abaixo
do Estado (HORTA, 2006).
Todavia, não há como negligenciar como a difusão da geopolítica clássica
entre as grandes potencias foi significativamente importante para se pensar a
segurança como atributo do Estado e como esse pensamento tornou-se
profundamente difundido na elite militar ocidental, principalmente a brasileira.

REFERÊNCIAS

COSTA, W. M. D. Geografia política e geopolítica: discursos sobre o território e


o poder. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2013.

HORTA, C. A. D. C. Geografia política e geopolítica: velhas e novas


convergências. GEOgrafia, 7, n. 15, 2006. 51-69.

MACKINDER, J. H. Democratic ideals and reality: a study in the politics of


reconstruction. New York: Hery Holt and Company, 1919.

MAFRA, R. M. D. O. Geopolítica: introdução ao estudo. São Paulo: Sicurezza,


2006.

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