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Reflexões sobre o ensino: aprendendo com os alunos*

Jerry Gollub

*tradução livre do original “Reflections on Teaching: Learning from Students”, Physics Today, maio de 2005.


Várias experiências recentes me levaram a considerar novas reservar um tempo para discussões em pequenos grupos ou
abordagens, mesmo após 30 anos de ensino de física. Fui es- pares durante a aula, como Eric Mazur [3] e outros defendem.
timulado em parte por olhar para o ensino superior pelos Cada um de nós pode encontrar uma abordagem diferente
olhos de um consumidor, meu filho Aaron, que agora é estu- para incentivar as interações com os colegas, uma vez que
dante universitário do primeiro ano. Embora muitos de nós reconhecemos a importância delas.
nos preocupemos profundamente com nossos alunos, é difícil Muitos de nós temos medo de encorajar o estudo em gru-
entender suas experiências, porque eles não compartilham po; tememos que alunos fracos se tornem dependentes. No
suas preocupações com muita liberdade (exceto na avaliação entanto, pode-se monitorar a participação para encorajar o
do curso no final do semestre). No entanto, Aaron me deu compartilhamento eqüitativo – por exemplo, alternando as
uma descrição passo a passo, e eu o questionei sobre o que responsabilidades para que todos apresentem ideias. Muitos
funciona e o que não funciona para ele e seus colegas. alunos dizem que a solução solitária de problemas é desagra-
Aaron está cursando química orgânica, introdução à física dável e pode ser um dos motivos pelos quais perdemos tantos
e uma introdução interdisciplinar à pesquisa científica, todas alunos para outras áreas. No entanto, os alunos não formarão
turmas grandes destinadas a calouros bem preparados, a mai- facilmente grupos de estudo de apoio, a menos que os encora-
oria dos quais teve preparação avançada, como cursos de AP jemos e facilitemos. De acordo com Aaron, “Na Física, os pro-
ou experiência em pesquisa e pretende prosseguir ciências blemas eram enfadonhos, mas administráveis, então não ha-
profundamente como graduandos. O que aprendi nessas con- via incentivo real para trabalharmos juntos. Os bons alunos
versas pode parecer familiar e certamente reflete um conjunto poderiam fazê-los por conta própria.”
particular de experiências. Por outro lado, nossas discussões As conversas com Aaron também sugeriram que a maioria
reforçaram o que eu havia aprendido sobre pesquisa sobre dos instrutores julgam mal a extensão da experiência e prática
aprendizagem, com minha participação em estudos conduzi- necessária para dominar os princípios físicos básicos. “Os
dos pelo National Research Council (NRC). conjuntos de problemas eram frequentemente plug and chug1
Para minha surpresa, aprendi que um grande curso intro- ou variações de exemplos no livro.” As atribuições típicas,
dutório às ciências pode ser uma experiência intelectual emo- ainda mais desafiadoras, não fornecem prática suficiente para
cionante. Como professor em uma faculdade de artes liberais dominar as ideias, porque cada problema envolve um pouco
que valoriza turmas pequenas, achei essa notícia difícil de de raciocínio e muito cálculo. É por isso que os alunos costu-
aceitar. Por que alguns cursos grandes oferecem experiências mam relatar, após um desempenho decepcionante em um
de aprendizagem eficazes, enquanto outros não? Aaron expli- exame, “As perguntas eram bastante diferentes das atribuídas
cou: “Em química orgânica, éramos constantemente questio- como dever de casa”, embora para um físico, ambas envolvam
nados: ‘Como você sabe que isso é verdade?’ Tivemos que os mesmos princípios. Tarefas mais variadas podem ajudar os
construir nosso conhecimento da ciência do zero, para ser alunos a dominar ideias-chave. Essas atribuições podem in-
críticos em vez de apenas aceitar o que o professor ou grandes cluir o desenho de estratégias para resolver problemas (mas
cientistas disseram. Por outro lado, em Física, o professor era nem sempre resolvê-los), fazer e refletir sobre experiências
um bom palestrante, mas nunca falamos sobre como os físicos caseiras simples, responder a perguntas conceituais do tipo
realmente descobriram as equações que descreviam a nature- que agora estão incluídos em muitos livros didáticos e inven-
za e quais eram os experimentos importantes. Não parecia tar perguntas projetadas para elucidar princípios importantes.
ciência, apenas matemática aplicada.” O comentário de Aaron
me lembrou que a aprendizagem envolve a construção de Fazendo conexões
uma estrutura conceitual eficaz que pode ser usada para or- Disciplinas tradicionais, incluindo física e química, precisam
ganizar diversos fenômenos [1]. Quando ajudamos os alunos ser enriquecidas por meio de conexões interdisciplinares ou
a compartilhar o ato da descoberta e a discutir sobre ideias, aplicadas. O curso de química que Aaron achou interessante
eles ficam mais motivados. fez algumas conexões com outras áreas; as explicações das
ligações químicas foram baseadas na física quântica, por
Interações com colegas exemplo. Os cursos de física podem explicar por que vemos
A frequência de interações produtivas entre os alunos foi me- apenas um lado da Lua, por que os sistemas mecânicos nem
lhor no curso que enfatizou o pensamento crítico. “Parecia sempre são previsíveis ou como os conceitos de energia po-
que estávamos sendo jogados em uma selva, com grandes dem nos ajudar a entender a reatividade química. Fazer cone-
expectativas. Para nos mantermos à tona, tivemos que traba- xões aplicadas e interdisciplinares pode ajudar a superar um
lhar juntos e obter motivação uns dos outros.” Muitos estudos sério problema motivacional. Os alunos que viram as ideias
têm mostrado que a aprendizagem pode ser facilitada por principais da física em um curso de AP, ou que foram expos-
interações com colegas em que os alunos apoiam os esforços tos à biologia molecular, costumam achar a física terrivelmen-
dos colegas para dominar um material difícil [2]. Fiquei sur- te familiar, mesmo que não a dominem. Embora alguns cursos
preso ao perceber que as interações dos alunos podem superar contemporâneos demonstrem o poder da física para explicar
fatores negativos, como o grande tamanho da classe ou as diversos fenômenos, a maioria dos cursos de física poderia
dificuldade individuais. Há muitas maneiras de estimular as fazê-lo melhor. Tento fazer conexões em meu próprio ensino,
interações dos alunos, como estabelecer grupos de estudo ou usando exemplos químicos ao discutir a mecânica estatística e

1 Qualquer coisa mecânica e extremamente repetitiva que não requer nenhum pensamento. Comum em inúmeros problemas matemáticos.

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explicando como os organismos usam os princípios da mecâ- tanto, outro aluno disse: “A dificuldade inesperada do curso
nica dos fluidos para sobreviver. A estratégia de conexão tam- devido a um nível desconhecido de conhecimento científico
bém pode facilitar o aprendizado, pois muitas pesquisas [1] assumido pelo professor às vezes neutralizava sua capacidade
mostram que aplicar o aprendizado a novas situações é difícil. de ser interessante.” Os dois alunos tiveram reações divergen-
tes à mesma experiência educacional. O que eu poderia ter
Raciocínio e domínio do conceito feito para detectar e resolver esse problema bem antes do final
Aaron me lembrou da importância de equilibrar o aprendiza- do semestre?
do conceitual e o raciocínio matemático no ensino de física, Obter reações precoces e frequentes dos alunos é funda-
como enfatizaram aqueles que são ativos na pesquisa em en- mental, seja pelo uso de sistemas de resposta eletrônicos pes-
sino de física. Ver um princípio derivado geralmente não leva soais (agora amplamente disponíveis no mercado) ou pela
a um entendimento profundo sem um grande esforço para obtenção de feedback escrito ou oral durante as aulas. Este
elucidar o grau de generalidade, o contexto subjacente, os princípio básico é um elemento-chave na pesquisa sobre ava-
significados dos símbolos e assim por diante. No entanto, se liação educacional [1]. Muito antes de os alunos fazerem um
você olhar as anotações dos alunos, verá apenas equações com exame, o instrutor precisa saber (pelo menos estatisticamente)
pouca interpretação. o que eles estão aprendendo, o que já sabem e o que acham
Não estou sugerindo que tiremos coelhos da cartola, mas que faria uma curso mais eficaz. Obter informações rapida-
não se pode esperar que o raciocínio matemático por si só seja mente é fundamental para lidar com a diversidade inevitável
nossa principal ferramenta de ensino, e não atrai mais do que da experiência anterior dos alunos.
uma modesta fração de nossos alunos. Afinal, menos de 10%
dos alunos em nossos cursos introdutórios provavelmente se Novas opções, regras simples
especializam em física. Muitos citam a dificuldade matemática Assim como os alunos são diversos, os instrutores também o
como motivo para abandonar a física, incluindo alguns que se são. Mas a semelhança entre as escolhas dominantes dos li-
saem bem nos cursos de matemática. O raciocínio matemático vros didáticos, junto com a inclinação natural para seguir um
por si só pode não ajudar muitos alunos a desenvolver confi- texto de perto, tende a fazer os cursos parecerem quase iguais.
ança em sua capacidade, um pré-requisito para o aprendizado Como podemos tirar proveito da potencial emoção de apren-
e a persistência. Cursos mais avançados oferecem uma opor- der física com professores talentosos e comprometidos – pes-
tunidade apropriada para o enfoque matemático. quisadores que têm algo original a dizer? É difícil ensinar sem
Como podemos melhorar o impacto do ensino de física um livro didático, mas uma possibilidade é considerar um
nas habilidades de raciocínio e domínio do conceito? A maio- texto não convencional que tenha um ponto de vista diferente
ria dos cursos são definidos como sequências de tópicos de [4]. Outro é buscar e usar materiais de instrução suplementa-
conteúdo a serem dominados. Em vez disso, pode-se decidir o res baseados na Web que reflitam as nossas próprias escolhas
que os alunos devem ser capazes de fazer no final do curso e, sobre o que é importante ou que ajuda grupos específicos de
em seguida, selecionar o conteúdo adequado para promover alunos. Temos muito mais opções sobre como estruturar cur-
essas capacidades, como aprendi em um workshop recente so- sos em todos os níveis do que há uma década, melhores mate-
bre design de cursos ministrado por Barbara Tewksbury, geó- riais de apoio e mais informações de pesquisas sobre como
loga em Hamilton College. Fazer isso é um tanto trabalhoso e aprender sobre o que funciona. Portanto, devemos ser capazes
requer uma análise autoconsciente de cada decisão educacio- de fazer um trabalho melhor para nossos alunos.
nal. Em resumo, eu defendo estas regras simples: Envolva os
Projetar cursos para ensinar capacidades específicas parece alunos na discussão sobre ideias, facilite as interações com os
particularmente adequado para cursos temáticos não-científi- colegas, diversifique os tipos de prática e experiências que
cos (nonmajors), onde temos liberdade para projetar um curso estão incluídas nas atribuições, conecte a física a aplicações e
do zero. Da próxima vez, pretendo selecionar metas antecipa- outras disciplinas científicas, equilibre o raciocínio matemáti-
damente (por exemplo, “Os alunos devem ser capazes de re- co e conceitual, projete cursos com resultados em mente e
conhecer e usar as leis básicas de conservação ao raciocinar tenha o cuidado de aprender com os alunos por meio de feed-
sobre as situações cotidianas que envolvem o fluxo de flui- back precoce e frequente.
dos”) e, em seguida, considerar como exemplos específicos
podem ajudar a atingir esses objetivos. Referências
1. A useful summary of the literature on learning may be found in the
Lidando com a heterogeneidade National Research Council report How People Learn: Brain, Mind, Expe-
A importância das variações na preparação e nas expectativas rience, and School, National Academies Press, Washington, DC (2000).
dos alunos ficou evidente para mim quando ministrei um http://books. nap.edu/catalog/9853.html
2. For a summary of research on peer interactions at various educati-
curso chamado “Fluidos na Natureza” para não-científicos;
onal lev- els, see Learning and Understanding: Improving Advanced Study
tratava de fenômenos naturais, biológicos e físicos, que envol-
of Mathematics and Science in U.S. High Schools, National Academies
vem fluxos de fluidos. Consideramos como os organismos Press, Washington, DC (2002). http://books. nap.edu/catalog/
usam seu ambiente fluido para nadar ou voar e para trocar 10129.html
matéria e energia. Também consideramos questões atmosféri- 3. The effective use of peer interactions in physics lecture classes is
cas básicas, como por que a atmosfera é fria em grandes alti- documented in E. Mazur, Peer Instruction: A User’s Manual, Prentice
tudes, o que determina a temperatura média da Terra e por Hall (1997).
que as chuvas costumam acompanhar a baixa pressão atmos- 4. For an example of an unconventional introductory text that explo-
férica. (Em tal curso, ideias básicas como pressão e energia res the mechanical and electrical properties of real substances, see R.
W. Chabay, B. A. Sherwood, Matter and Interactions, vols. I and II, Wi-
térmica devem ser ensinadas ao longo do caminho.)
ley (2002).
Um exemplo gráfico dos efeitos da diversidade dos alunos
veio de dois alunos na avaliação do curso. Um escreveu: “O
curso proporcionou uma experiência suficientemente boa para
me dar uma visão científica do mundo… Mais importante,
reacendeu meu interesse em matemática e ciências.” No en-
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