Psicologia Política [exposição do capítulo e sua articulação com as
concepções de homem, mundo, sociedade e categorias fundamentais da
Psicologia Social (RS, identidade, ideologia, alienação)].
O sujeito e seus grupos estabelecem uma relação com o mundo como
produtos e como produtores das suas histórias e da história da sociedade a que pertencem. Uma relação que deve ser foco da análise da Psicologia Política, já que é através dela que ambos se constituem e constroem suas realidades no mundo, enquanto sujeitos de uma ação transformadora que vai além dos limites da existência do indivíduo e do grupo, no tempo e no espaço. Uma ação que também é fazer e encontra-se compromissada com valores e Ideologias, responsável direta por criar e reproduzir determinantes sociais e históricos. Assim, pode-se dizer que todo fazer humano e grupal é também um fazer político, porque, além de ser uma ação estreitamente ligada a relações de poder econômico, ideológico ou político, é também uma atividade que implica ações encadeadas, junto com outros indivíduos ou grupos, para a satisfação de uma necessidade comum. E, para tanto, utilizamo-nos da comunicação (linguagem) e de um plano de ação (pensamento) interdependentes e diretamente relacionados às relações de poder político entre o que está instituído e o que se pretende instituir. É, portanto, no estudo da atividade humana que se dá na esfera das disputas pelo poder entre grupos organizados, como no caso das relações entre governantes e governados, soberanos e súditos, Estados e cidadãos, autoridades e obediência, que a Psicologia Política ou a Psicologia da Política encontrará seus objetos de estudo. A Psicologia Política parte do pressuposto de que a Psicologia não é alheia e à margem da Política, e estuda as crenças, representações ou senso comum dos cidadãos sobre a Política. Estuda, ainda, a ação ou omissão destes cidadãos para a manutenção ou mudança de uma determinada relação de poder político ou ordem sociopolítica, independentemente de suas intenções, de estarem inseridos num grupo organizado ou de se encontrarem articulados politicamente com outros cidadãos. É uma disciplina, portanto, que se caracteriza mais pelos temas que aborda do que por possuir um referencial teórico-metodológico próprio e que não distingue entre as abordagens críticas ou neutras, de forma que nada revela sobre suas possibilidades e perspectivas na construção do conhecimento, o que limita suas possibilidades e limites, quando aplicada de maneira acrítica. Já a Psicologia da Política trata a Psicologia e a Política como duas entidades diferenciadas e axiologicamente assépticas e neutras, consistindo na aplicação do conhecimento psicológico ao estudo dos fenômenos políticos. Ela parte de uma abordagem acrítica da Psicologia e supõe uma neutralidade científica na busca por um conhecimento psicológico objetivo e isento de valores, que defende uma postura neutra por parte do cientista, o que acaba por reduzir a Política à Psicologia, através da psicologização dos fenômenos políticos e da desconsideração das condições sociais e históricas em que eles ocorrem, introduzindo um aspecto de fatalismo e de impotência quanto à possibilidade de mudança social, favorecendo o naturalismo. Assim, considerando que a distinção entre Psicologia Política e Psicologia da Política surge tardiamente na Europa e na América latina, e que no caso latino americano parte da necessidade de uma intervenção relacionada ao fim de diversas ditaduras e da reconquista de liberdades democráticas, ressalta-se a necessidade da prática de uma Psicologia Política e não de uma Psicologia da Política. Mas uma prática descolada da perspectiva individualista e acrítica norte-americana e associada à investigação da personalidade autoritária, trazendo intervenções e estudos críticos sobre atitudes sociopolíticas, autoritarismo, Ideologia, subjetividade, poder, influência, comunicação de massa, propaganda, comportamento eleitoral, socialização e participação política, em resposta a necessidades sociais concretas. Até porque os conceitos de Política e de Psicologia transpassam todas as nossas relações, interagindo diretamente e indiretamente no tempo e no espaço, enquanto Psicologia Política, com nossas concepções de homem, mundo, sociedade e com as categorias fundamentais da Psicologia Social, como Ideologia, identidade, alienação e Representações Sociais. Uma interação que pede, portanto, por uma apresentação, já que o homem que desconhece e estranha as Representações Sociais das quais faz parte ignora sua identidade e é alienado por um mundo desconhecido. É, ainda, um sujeito controlado pelas Ideologias desse mundo, apresentando-se incapaz de se organizar socialmente de maneira crítica, original e transformadora, de forma a construir, desconstruir e reconstruir dialeticamente sua identidade através das relações diretas e indiretas dele, a partir dos grupos a que pertence, com esse mundo. Dessa forma, ao se falar de homem, devemos considerá-lo sempre como um sujeito biopsicossocial em transformação e em construção, como um ser dinâmico, nunca pronto e participante de um processo de formação contínuo e interdependente entre sua variedade de identidades e as diversas identidades do outro. Um processo no qual todos são responsáveis pela construção de suas próprias histórias e caminhos, que se utiliza da comunicação para que seja efetivo e que traz relações em que um sujeito determina o outro como cidadão mais ou menos atuante de acordo com a iniciativa ou o grau de autonomia adquirida de cada um. Iniciativa e autonomia que necessitam de conscientização e de ação Política para que haja transformação, já que o indivíduo alienado desconhece a sua própria incapacidade de detectar as contradições existentes nas Ideologias que o controlam. Assim, falar da relação do Homem com a Psicologia Política, é dizer da necessidade de intervenção da Psicologia no que esse homem tem de individual, mas também naquilo que pode trazer-lhe educação, informação, capacitação e desalienação, para que assim esse sujeito possa atuar de forma autônoma na sua relação com os grupos que compõem a sociedade e consequentemente a sua realidade. Um homem histórico e social, que existe apenas no cerne das relações sociais e culturais, produto e produtor da sua história e da história da sociedade. Uma sociedade representada por um mundo que aliena e que apresenta ao homem a noção de um eu e de um sujeito naturalizado e criado a partir da opressão, da segregação e da marginalização, e que deve ser abordada em paralelo ao estudo da identidade, já que cada contexto cultural e histórico traz determinações que fazem emergir diferentes possibilidades e impossibilidades com relação às identidades. Uma sociedade, portanto, a ser trabalhada pela Psicologia Política em função da emersão de uma identidade dinâmica e de um projeto que vise transformação, mudança e engajamento político, apresentando aos sujeitos o mundo construído do qual todos fazem parte, em função de desconstruí-lo a partir de novas expectativas que sejam capazes de se apropriar dos mais variados contextos e de dar sentido às suas representações, a partir de um processo plástico de vir a ser, criando um novo mundo e alternando a forma como os sujeitos se diferenciam, por meio de ações dialéticas e construtoras de novas identidades. Ações essenciais, principalmente porque a construção da identidade é um processo mutável e complexo, inerente às relações humanas e construído a partir da relação do sujeito com o outro, de forma que cada sujeito apresenta várias identidades atreladas ao ambiente e ao contexto. O que torna inviável dizer de todas as características do sujeito e do outro, porque depende de como a pessoa se vê e de como ela vê o outro. Por isso, dependendo da forma como se dá essa construção e utilização, pode-se reduzir a situação do sujeito e suas possibilidades frente à sociedade e aos grupos, principalmente quando se parte de uma análise do outro originada de suposições fundamentadas em estereótipos, como pregam as Ideologias dominantes. Assim, é de extrema importância para a Psicologia Política intervir frente aos sujeitos, de forma a apresentá-los às suas múltiplas identidades, visando sempre a mudança e a autonomia. Pois é sabendo que são diferentes e iguais, autoidentitários e heteroidentitários, e que suas identidades são ações que pressupõem comportamentos, numa relação dialética entre social e biológico, que esses sujeitos ver-se-ão enquanto totalidade e concretização, de forma a evitarem o estigma criado pelas discrepâncias entre suas diversas identidades, para que possam desconstruir as relações de dominação históricas manifestadas nas suas relações grupais. Isso porque a construção da identidade não se separa da construção social, já que as identidades coletivas são semelhantes às identidades sociais, ambas construídas por meio dos papeis que os sujeitos compartilham e vinculadas a relações que compõem grupos que se identificam na criação de uma identidade grupal e geracional. Identidade grupal manifestada nos grupos, enquanto identidades coletivas, que são construídas a partir de uma relação dialética entre sociedade e indivíduo e num processo de interação entre indivíduo e ambiente. Uma interação imediata ou cultural, que se dá através de materiais, símbolos e signos, que revela a relação do sujeito com o contexto, e que se encontra vinculada a um conjunto de diversas Representações Sociais. Representações que devem ser alvo de intervenção da Psicologia Política, porque atribuem significados específicos às pessoas e agem por meio de um processo de inclusão e de exclusão, de afirmação ou de repressão, ao reafirmar posições e orientar as representações de apoio ou oposição de um grupo diante do outro, num processo de construção e de diferenciação, que é produzido pelos contextos culturais e sociais, de forma a categorizar grupos e organizar as trocas sociais que estabelecemos. Assim, falar da intervenção da Psicologia Política nos grupos é dizer de intervir em relações que podem ser naturais, mas também organizadas, e podem estar tanto a serviço de uma reprodução das relações cristalizadas, quanto da transformação. Isso porque a análise ou o trabalho grupal tratam de uma totalidade e não de sujeitos individualmente, já que nos grupos nos comportamos de forma diferente, porque a identidade é vinculada ao grupo. Assim, como o grupo serve para auxiliar na identificação de papeis sociais, na construção da identidade individual e na reprodutividade dessa identidade nos espaços sociais, quanto ao que se iguala e o que se diferencia, ele tem mais poder e, ao mesmo tempo que transforma, também aliena, principalmente se os sujeitos desconhecerem as Representações Sociais e as Ideologias criadas e reproduzidas pelos grupos dos quais fazem parte ou se opõem. E para falar de Ideologia, torna-se necessário também falar de representação social, já que toda Ideologia é uma representação social. Nesse sentido, ao dizer de uma representação social, dizemos de algo ligado à elaboração de significantes dentro do processo de comunicação, por meio do qual pensamos, falamos, interiorizamos e nos posicionamos, sem que haja um processo de naturalização, já que uma representação social não é um elemento cristalizado, mas sim variável e que diz das percepções do sujeito e das percepções do outro. Por isso, é importante que a Psicologia Política aja de forma a não cristalizar uma única forma de considerar um fenômeno, intervindo com um olhar crítico para evitar cristalizações e a consequente construção de processos de dominação, uma vez que as representações influenciam as ações do sujeito e as ações do outro. É, portanto, através das Representações Sociais relacionais ou sociais que um grupo constrói saberes, relações e identidades, porque elas dizem de uma diversidade vinculada a códigos culturais e a momentos históricos, que descrevem e mostram uma realidade, uma vez que o sujeito age a partir das suas representações, tomando escolhas afetivas ou simbólicas que não são racionais, mas que direcionam suas ações do cotidiano. E é justamente porque as Representações Sociais dizem da realidade social, cultural e física, e da dimensão histórica e transformadora das relações, onde temos aspectos culturais, cognitivos e ideológicos, que elas estão sempre vinculadas a processos de Ideologia. Isso porque ao criarmos uma representação social nos utilizamos de um processo de ancoragem e de objetivação, atrelado ao universo reificado pelas ciências e pelo que é restrito e consensual, que diz do que pertence ao senso comum. A ancoragem implica um juízo de valor sobre a informação na tentativa de classificar algo desconhecido dentro de uma categoria que comportaria o fenômeno identificado, e a objetificação tenta tornar concreta, visível uma realidade, aliando um conceito a uma imagem na tentativa de explicar uma realidade de forma mais objetiva. E como a Representação Social vem sempre vinculada a um processo social e a Política atravessa o social em todas as suas categorias, é de suma importância que a Psicologia Política aja de forma a tecer críticas quanto aos padrões, às reproduções e ao preconceito, para não repetir padrões de dominação. Até porque as Representações Sociais encontram-se vinculadas à construção coletiva de ideais e de valores que se transformam em ações, em todos os níveis e instituições. E permitir que qualquer instituição se aproprie de uma Representação Social e reproduza-a na forma de uma Ideologia é negar ao homem, ao mundo, à sociedade e aos grupos suas identidades desalienadas. É permitir, principalmente, o uso da linguagem, enquanto representação social, como uma forma de mediação ideológica dos instituídos sobre os instituintes. Isso porque a Ideologia vincula-se diretamente às Representações Sociais e aos processos de consciência e de alienação. Ela diz de ideias, crenças, tradições, politica, ações sociais e condutas que permeiam uma ideia de mundo e representam interesses de classes específicas da sociedade, porque cria uma interpretação da realidade que traz ideias em detrimento de outras. Assim, se uma Representação Social se cristaliza e qualquer instituição se apropria dessa cristalização para perpetuar a alienação, cria-se uma Ideologia atrelada a relações de poder. Ou seja, cria-se algo acabado, reificado, impassível de transformação. E a Ideologia se vincula ao motivo pelo qual a sociedade está se transformando em uma sociedade imaterial, sustentada pelos processos simbólicos e de construção verbal das ideias e por palavras que trazem supostos entendimentos e definições. Ela usa formas simbólicas para criar e manter relações de dominação sustentadas por um contexto histórico, através de falas, ações, imagens e textos produzidos e reconhecidos pelo sujeito e pelos outros como significativos de algo, mas que não dizem da criticidade e apenas perpetuam processos de dominação e de alienação. E, por isso, a Ideologia deve ser objeto de intervenção da Psicologia Política, porque vem sempre vinculada a um sentido pejorativo e construída por ideias distorcidas, enganadoras e mistificadoras, que obscurecem a realidade, enganam e dizem de uma ideia que traz o interesse de um grupo específico em manter relações de poder e de segregação em detrimento de grupos minoritários. É importante, portanto, que a Psicologia Política intervenha de forma a esclarecer que Ideologias tratam de ideias que não têm relação com a realidade e com o que realmente acontece nos cotidianos, porque dizem de um público específico que não leva em consideração a questão do outro. Ou seja, dizem de um discurso sobre o lugar daquele que fala, de quando o debate sobre os excluídos parte daquele que está incluído, sem que haja uma consulta ao outro. Uma Ideologia que se concretiza nas ideias e ações dos aparelhos ideológicos do estado, instituições construídas e criadas no desenrolar da história, que regulam tensões entre pessoas e relações. Que parte, ainda, de uma Representação Social cristalizada através de um discurso institucional e instituído que traz e perpetua relações de dominação, uma vez que é construída nas atividades superestruturais da sociedade e reproduz ideias no âmbito individual. Ideias que se manifestam na reprodução das condições de vida e que operam na dimensão prática através da atribuição de valores que dizem o que é certo e errado, trazendo concepções que impedem a percepção das contradições e permitem a perpetuação das relações de dominação, já que impedem o surgimento de críticas e contradições à própria Ideologia, transformando-a em um processo naturalizado. Um processo que traz a alienação e a perda da consciência individual e coletiva, que vai de encontro a qualquer processo de transformação. E pensar alienação é pensar os processos de naturalidade e naturalização dos fatos sociais, porque a alienação é a inversão do humano, do social, do que é histórico, já que todo conhecimento passa a ser tido como universal, e ela surge quando a consciência é reificada, através da coisificação e da negação dessa consciência, que passa a ser vista como algo estático. E para a Ideologia ser eficaz, ela precisa direcionar as ações, e por isso as Ideologias dominantes moldam as necessidades e desejos daqueles que se submetem a elas, através da implementação de ideias sem a possibilidade de criar novas concepções, já que a única válida seria a da Ideologia dominante. Daí quando o sujeito não tem consciência dessas Ideologias, ele torna-se alheio a si e alienado. Por isso a Psicologia Política deve pensar como contraponto da alienação o conceito de consciência de classe. Consciência de classe que surge quando os indivíduos se tornam conscientes das questões históricas responsáveis pela consciência do grupo, e buscam a identificação desse grupo com sua Ideologia. Ou seja, quando os grupos se tornam conscientes de si, pertinentes à classe social que ocupam, de forma a construir a consciência para que a ação não seja produtora e reprodutora de mecanismos de dominação, porque, se há consciência, a ação passa a ser efetiva no mundo, sem que reproduza as condições sociais que cristalizam os processos de alienação. De forma que o homem possa, enfim, agir sobre o mundo em uma relação dialética que se utilize da linguagem, num processo de comunicação, de partilha e de coconstrução, por meio do qual compartilhe opiniões e valores, objetivando a transformação por meio da ação e do comportamento mediados pelo outro, de forma a manifestar uma totalidade historicamente construída, vinculada a períodos históricos e desalienada. Uma totalidade que pense o discurso ideológico advindo de um lugar de poder e representante de contradições e de Ideologias. Que seja capaz de compreender as posições que cada um ocupa a partir da consciência de classe, e que não compreenda apenas o que é falado, mas também a situação e o espaço intersubjetivo que definem o sujeito que fala e o sujeito que escuta, de forma a não reproduzir Representações Sociais cristalizadas e Ideologias. Uma totalidade de sujeitos capazes de desconstruir uma Ideologia através da informação e do conhecimento, ao considerarem que os que ocupam lugares de liderança lidam com fundos e interesses e que estes têm mais poder para isso do que outros. Uma sociedade autônoma e desalienada, por fim, que reconheça e transponha as barreiras simbólicas em função de se reconstruir e consequentemente reconstruir suas próprias Representações Sociais e Ideologias.