II A SITUAÇÃO
Heidegger¹
O conflito não deve ser entendido aqui como algo ruim, indesejável e portanto inútil e
nocivo. Expressa, antes, a luta necessária entre tendências contrárias que,
sucessivamente opostas e sintetizadas, compõem o próprio processo da vida. Nos
termos da psicologia individual, a crença tão difundida, segundo a qual conflito seria
sinônimo de desajustamento, toma feições de ideologia superficial e ingênua.
Advindo das tensões, o conflito é gerador de equilíbrio. Na dialética do sujeito e do
objeto, a cisão é fonte do impulso para o conhecimento e motor para a construção
mútua do homem e do mundo. Nesse sentido, a realidade é conflito,
intrinsecamente.
Ser no mundo significa existir para si e para o mundo, não apenas o mundo da
natureza, configurado em termos humanos, mas também, é claro, o mundo social
em que o ser com os outros assegura a realidade no modo da coexistência.
Com efeito, o futuro e os possíveis dos homens esbarram no obstáculo que vem
revelar uma cisão ainda mais funda talvez, seguramente mais dolorosa. Na lonjura
desponta a morte. O ser do projeto é apenas, irremediavelmente, o ser para a morte.
A morte que denuncia a possibilidade dos possíveis.
“Na noite clara do Nada da angústia mostra-se por fim a manifestação original do
existente como tal: ou seja, que haja existência, em vez de Nada”.10
criação e destruição.
Nesse ponto, a imagem mítica, além de ser um algoritmo para tratar uma situação-
limite, passa a tomar feições de modelo de referência para qualquer procedimento
de compreensão fenomenológica. A hermenêutica do mito deve levar em conta a
totalidade das significações possíveis. Da mesma maneira, a compreensão do
fenômeno oferece-se como explicitação da situação existencial, e será tanto mais
fidedigna quanto mais abrangente.
NOTAS DO CAPITULO 2
1.-Heidegger, M., L’être et le temps, Paris, Gallimard, 1964, p. 148 (os grifos são do
autor).
2.-Jaspers, K., Initiation à la méthode philosophique, Paris, Payot, 1968, p. 30.
3.-Id. ibid., p. 21.
4.-Heidegger, M., “Qu’est ce que la métaphysique?”, Questions 1, Paris, Gallimard,
1968, p. 34 (o grifo é nosso).
5.-Heráclito, Fragmento 53.
6.-Kierkegaard, S., Le Concept de l’angoisse, Paris, Gallimard, 1935, 234 p.
7.-Heídegger, M., L’être et le temps, p. 232.
8.-Kierkegaard, op. cit., p. 224.
9.-Heidegger, “Ce qui fait l’êtreessentiel d’un fondement ou raison”, Questions 1, p.
158.
10.-Heidegger, “Qu’est-ce que la métaphysique?”, op. cit., p. 62 (grifos do autor).
11.-Heidegger, citado por Cotten,
J.-P., Heidegger, Paris, Le Seuil, 1974, p. 56.
12.-Heidegger, L’étre et le temps, p. 204.
13.-Id. ibid., p. 55. Já esclarecera:
fenomenologia “significa. esclarecer aquilo que se manifesta, tal como, por si
mesmo, se manifesta” (p. 52).
14.-Eliade, M., Méphistophélés et l’androgyne, Paris, Gallimard, 1962, p. 259.
15.-Eliade, M., Images et symboles, Paris, Gallimard, 1952, p. 18 (o grifo é do autor).
16.-Heidegger, L’être et le temps, p. 264.
17.-Id. ibicl., p. 273 (grifos do autor).
18.-Cf. Cassir€r: “o mito ainda hoje está a exigir o reconhecimento, no campo da
metodologia pura”, La philosophie des formes symboliques, Paris, Minuit, 1972, t. 2,
p.9.