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Os escritórios estrangeiros entre nós

Fonte: Gabriel Marciliano Junior

Recentemente, examinando um recurso em processo disciplinar do TED III, em trâmite pela 4a.
Câmara da OAB/SP, da qual fazemos parte, tivemos oportunidade de nos manifestar sobre o
3 tema, primeiro o Bini, na qualidade de relator, depois o Gabriel, que pediu vista dos autos e
apresentou voto apartado.
Dialogamos depois sobre a importância da questão de fundo que estava sendo discutida
6 naquele processo e, então, como no geral nossa visão sobre o tema é bastante convergente,
resolvemos escrever este despretencioso artigo, “a quatro mãos”, com o objetivo principal de
chamar a atenção dos colegas para esse fenômeno que vem ocorrendo na advocacia em nosso
9 País.
Com o advento da chamada "globalização" e especialmente com a grande abertura ao capital
internacional ocorrida em nosso País, a partir do início dos anos 90, tem-se notado um grande
12 e naturalmente legítimo interesse, por parte de advogados estrangeiros, por atuar no Brasil. As
"privatizações" atraíram inúmeros escritórios de advocacia estrangeiros ao País, que para cá
vieram buscando prestar serviços às empresas transnacionais ligadas a seus países de origem,
15 os quais, naturalmente, tiveram que celebrar acordos de cooperação com escritórios de
advogados brasileiros já que o "jus postulandi" em nosso País é privativo aos inscritos nos
quadros da OAB, consoante o disposto no art. 3º da Lei 8.906/94 (EAOAB).
18 A questão vem sendo objeto de debates e estudos, tanto no seio da nossa OAB quanto por
parte de outras instituições públicas e privadas relacionadas direta ou indiretamente com o
exercício da advocacia no território nacional.
21 Ao que parece já formou consenso a necessidade de se encontrar uma fórmula que permita a
atuação dessas sociedades estrangeiras em nosso País, sem prejuízo ao nosso mercado de
trabalho e sem a descaracterização dos princípios que aqui adotamos e cultuamos para o
24 exercício da nobre profissão.
O Centro de Estudos das Sociedades de Advogados - CESA, entidade que reúne grande número
de sociedades de advogados brasileiras, foi uma das primeiras instituições a levantar a questão
27 da necessidade de uma boa regulamentação da atuação de advogados e sociedades de
advogados estrangeiros no País. Até o advento da aprovação do Provimento 91/2000, que
"Dispõe sobre o exercício da atividade de consultores e sociedades de consultores em direito
30 estrangeiro no Brasil", praticamente nenhuma disciplinação havia nesse campo entre nós, e
ainda hoje tal tema não é contemplado pelo nosso Código de Ética e Disciplina nem pelo nosso
Estatuto.
33 A partir desse Provimento, porém, ficou definido que o advogado estrangeiro somente poderá
atuar no Brasil como "consultor em direito estrangeiro", devendo estar autorizado pela OAB
através da respectiva Seccional, sendo-lhe vedado "o exercício do procuratório judicial" e "a
36 consultoria ou assessoria em direito brasileiro".
Todavia, quer os "consultores" em direito estrangeiro, quer as "sociedades" que venham a ser
constituída por eles, segundo o citado Provimento, devem obediência ao Estatuto da
39 Advocacia, ao seu Regulamento Geral, ao Código de Ética e Disciplina, aos Regimentos das
Seccionais e às Resoluções e Provimentos editados por nossa entidade de classe.
O Provimento permite que as sociedades de consultores em direito estrangeiro adotem o
42 mesmo nome que utilizam lá fora, mas elas devem ser integradas exclusivamente por
consultores em direito estrangeiro. Ou seja, aos consultores estrangeiros é vedado o exercício
da advocacia em qualquer juízo, instância ou tribunal brasileiros.
45 O fato da atuação do advogado estrangeiro no País não é uma questão exclusivamente nossa,
do Brasil. Hoje isso faz parte de uma realidade bem maior, abrangendo vários países em várias
partes do mundo. De modo que, a nosso ver, trata-se de um processo sem volta. Assim, e por
48 isso mesmo, tornou-se imperioso que cuidemos da disciplinação desse fenômeno com muito
cuidado e muito critério.
A nosso ver, o principal critério a ser observado de plano e com extremo rigor deve ser o
51 critério da "reciprocidade". Não será nunca razoável que nosso País autorize a prestação de
serviços legais por parte de profissional estrangeiro do direito quando, no País de que ele
procede, não se concede essa mesma autorização ao advogado brasileiro.
54 Sabe-se de vários países que adotam política extremamente liberal nessa questão. Os Estados
Unidos seriam um deles, a Inglaterra seria outro. Essa postura decorre da própria histórica
política expansionista desses países, de suas próprias tradições culturais.
57 Sabe-se de países que estão resistindo contra esse fenômeno, mantendo restrições e
limitações à prestação de serviços legais por parte de estrangeiros. O Japão é um deles. Já a
Espanha e a Argentina abriram escancaradamente esse mercado de trabalho. Comenta-se que
60 na Espanha quase não mais se encontra sociedade de advogados constituída por espanhóis. Os
escritórios espanhóis teriam sido engolfados pelas grandes firmas de advocacia sediadas nos
EUA e nas demais maiores potencias do mundo. Ouve-se dizer que na Argentina se está
63 caminhando nesse mesmo sentido.
Nós todos advogados, quando nos deparamos com esse fenômeno, além de refletirmos sobre
a necessidade da existência de regras claras e rigorosas, da necessidade da estrita observância
66 do princípio da "reciprocidade", ou seja, da indispensabilidade da igualdade de tratamento,
tanto lá como cá, haveremos de recordar o fenômeno que atingiu em cheio a classe médica
em nosso País há cerca de duas décadas, com a progressiva mercantilização da medicina. Não
69 é novidade para ninguém que o profissional médico está sendo proletarizado em nosso País.
São poucos os que ainda resistem no mercado atuando como liberais.
Não somos xenófobos, nem contra a atuação de profissionais estrangeiros do direito em nosso
72 País. No entanto, não podemos abdicar de nossas convicções e dos princípios que balizam
nossa cultura jurídica e que devem ser sempre preservados. Nesse sentido, a atuação aqui dos
profissionais do direito oriundos de outros países, deve obedecer nossos princípios éticos,
75 submetendo-se-os aos nossos Estatutos, Códigos de Ética e Regulamentos, sob pena de
cassação das respectivas licenças.
Tal abertura de nosso mercado de trabalho, como já dito, mostra-se irreversível. Contudo,
78 ainda é tempo de se disciplinar essa questão, evitando-se prejuízos maiores e irreparáveis a
todos nós advogados brasileiros.
Tudo há que ser feito, como já dito, com base no princípio da reciprocidade, bem como os
81 valores éticos, sociais e morais que balizam o exercício da advocacia no Brasil onde, por
exemplo, todos sabem, repugnamos veementemente a mercantilização da profissão.
Por isso, no voto que proferimos no processo mencionado de início, consignamos expressa
84 recomendação à Diretoria da Seccional, no sentido de que, a respeito de todas as sociedades
brasileiras de advogados que mantenham atualmente parcerias de cooperação ou associação
com escritórios de advocacia estrangeiros, estejam eles ou não autorizados a funcionar no
87 Brasil pela OAB, a fim de se elaborar um levantamento que nos permita uma melhor visão e
avaliação a respeito da presença e formas de atuação das sociedades estrangeiras de
advogados em nosso País. Solicitamos, outrossim, que se enviasse expediente ao Egrégio
90 Conselho Federal, assinalando nossa preocupação com o perigo da mercantilização de nossa
profissão no território nacional, sugerindo que aquele Sodalício promova uma revisão geral no
Provimento 91/2000 que, a nosso ver, trata ainda muito timidamente dessa matéria tão
93 momentosa e que diz respeito a todos nós advogados paulistas e brasileiros, tão de perto.

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