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R. P. BRONCHAIN. C. SS. R.

MEDITACOES
PARA TODOS OS DIAS
DO ANO

TOMO SEGUNDO
MEDITACÕES
PARA TODOS OS DIAS DO ANO
SEGUNDO A DOUTRINA E O ESPIRITO DE
SANTO AFONSO MARIA DE LIGóRIO, DOUTOR DA IGREJA
PARA USO DE TODAS AS ALMAS QUE ASPIRAM A PERFElçÃO:
SACERDOTES, RELIGIOSOS E LEIGOS

PELO R. P. BRONCHAIN, REDENTORISTA

TRADUZIDAS DA 13• EDlçAO FRANCESA

PELO

R. P. OSCAR CHAGAS AZEREDO. C. SS. R.

TOMO SEGUND_O
(DO TERCEIRO DOMINGO DEPOIS DA PASCOA A 31 DE AGOSTO)

EDITORA VOZES LTDA.


PETRÓPOLIS - EST. DO RIO

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I M P R I M A T U R
POR COMISSÃO ESPECIAL DO EXMO.
E REVMO. SR. BISPO DE NITERôI,
D. JOSJ!J PEREIRA ALVES. PETROPO­
LIS, 29 DE OUTUBRO DE, 1940. FREI
HELIODORO MULLER, O. F. M.

•" ---------- --- -


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TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
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PRECES ANTES DAS MEDITAÇõES

Vinde, Santo Espírito, enchei os corações dos vossos


fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor.
Enviai o vosso Espírito e tudo será criado. E renova.­
reis a face da terra.

Oremos. O' Deus, que ilustrastes os corações dos vos­


sos fiéis com a luz do Espírito Santo, concedei-nos que
no mesmo Espírito saibamos tudo o que é reto e nos
alegremos sempre com a rua consolação.
Se�uem os atos indicados à pág. 11 do tomo primeiro.

ORAÇõES DEPOIS DA MEDITAÇÃO


Salve, Rainha, Mãe de misericórdia, vida, doçura, es­
perança nossa, salve. A vós bradamos os degredàdos fi­
lhos de Eva. A vós suspiramos, gemendo e chorando
neste vale de lágrimas. Eia, pois, advogada nossa, esses
vossos olhos misericordiosos a nós volvei. E depois deste
desterro nos mostrai Jesus, bendito fruto do' vosso ven­
tre. O' clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria.
1 Padre-nosso e Ave-Maria p•las intenções mencio11adas à
pái:-ina 13 do tomo primeiro.

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QUADRO DAS VIRTUDES E DOS PATRONOS
PARA TODOS OS MESES DO ANO

Meses Virtudes Patronos

Fevereiro A fé S. Pedro e s. Paulo


Janeiro A esperança Santo André
Março O amor de Deus São Tiago Maior
Abril A caridade para com S. João Evangelista
o próximo
Maio A pobreza e o des­ São Tomé
apego
Junho A pureza de corpo e São Tiago Menor
alm11.
Julho A obediência São FeUpe
Agosto A humildade e a man­ São Bartolomeu
sidão
Setembi-o A mortificação São Mateus
Outubro O recolhimento de es­ São Simão
pírito
Novembro A oração São Tadeu
Dezembro A abnegação própria São Matias
e o amor da cruz.

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MEDITAÇÕES PARA TODOS OS DIAS DO ANO

TERCEIRO DOMINGO DEPOIS DE PASCOA


PATROClNIO DE S. JOSÉ
PREPARAÇÃO. Representemo-nos são José a dizer a
todos: "Vinde a mim, que vos darei todos os bens". Es­
sas palavras colocadas em seus lábios, pela Igreja,· recor­
dam-nos: 1 ° o poder da sua intercessão; 2º a confiança
que nele devemos colocar. - De manhã e frequentes ve­
zes durante o dia, reclamemos sua assistência, afim de
que nos ensine a operar o bem, amando e imitando, com�
ele, a Jesus e Maria. Venite ad me, et ego dabo vobis
omnia hona.

1 º Poder do patrocínio de são José


Esposo de Maria e, como tal, representante do Espírito
Santo, são José era, sobre a terra, respeitado, amado e
obedecido por sua virginal esposa, que �xecutava os seus
menores desejos como se fossem o,s do próprio Deus. Ago­
ra que o santo está no céu e Maria se tornou a sua Rai­
nha, mudaram-se acaso os papeis? Sim, sem dúvida,
quanto à dignidade e à elevação, não porém quanto à
caridade. Maria compraz-se mais do que nunca em hon­
rar seu digno esposo, e testemunhar-lhe afetos, retri­
buindo-lhe o cêntuplo do que por ela fez. Dispenseira
das graças, não recusa nenhuma a quem, no exílio deste
mundo, nunca lhe recusou seus serviços. E', pois, com
pleno direito que se exalta o poder de José sobre o co­
ração daquela que é onipotente junto de Deus.

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O poder do santo não é menor junto do Verbo incar-
nado. Os eleitos mais elevados na glória só serviram ao
Salvador no próximo; José, porém, teve a sorte de socor-
rer a própria Pessoa sagrada durante longos anos. E
se Jesus promete"u recompensar o copo d'água fria dado
em seu nome ao último dos mortais, que não fará em
benefício daquele que, à custa dos seus suores, lhe pro-
porcionou tanto tempo o alimento, habitação, veste e lhe
salvou a própria vida, libertando-o das mãos de Hero-
des? Poderia jamais hesitar em atender a algum dos seus
'pedidos?
Representante do Pai celeste, diz a Igreja, José foi
constituído senhor da casa de Nazaré. Dava ordens ao
Salvador como o teria feito o Pai celeste, e Jesus lhe
obedecia como ao próprio Deus (Lc 2, 51). Agora que
Jesus reina sobre o universo, teria acaso esquecido as prÓ-
vas de deferência por ele dadas outrora a seu pai nu-
trício? Tê-lo-ia elevado na glória para diminuir o seu po-
der em presença de todos os santos? Longe de nós sus-
peita tão injuriosa para Jesus e para José. Quando um
pai pede a seu filho, diz Gerson, sobretudo a um filho
como Jesus, o seu pedido tem a força de uma ordem e
não pode deixar de ser atendido.
Bendigamos a bondade divina, por nos haver dado em
nosso santo• Patriar.ca um protetor tão poderoso quão
caridoso. Peçamos-lhe· a- graça de imitá-lo em seu inven-
cível amor a Jesus e Maria. O amor, com efeito, é o vín-
culo, - a forma - e o auge da perfeição; abrange todas
as virtudes e as une entre si; comunica-lhes a vida, a
beleza, o vigor e o mérito, desabrocha-as aos olhos de
Deus e dos homens, até que enfim o céu as coroe na as-
sembléia dos anjos e dos eleitos. - O' glorioso são José,
obtende-me o amor, que encerra todos os bens da graça,
bens que nos prometeis pela boca da santa Igreja, nossa
mãe. Venit.e ad me, et ego dabo vobis omnia hona.

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2º O patrocínio de são José merece a nossa confiança
Como esposo de Maria e pai nutrício de Jesus, o santo
Patriarca recebeu do céu favores particulares, uma abun­
dância de graças proporcionada às suas sublimes fun­
ções. E com que fidelidade lhes correspondeu! Com tan­
ta perfeição, diz são Bernardino de Sena, que excedeu,
por suas virtudes e seus méritos, a todos os outros san­
tos, exceto a divina Mãe. Ora, no céu, o mérito é a me­
dida da caridade e do poder, qualidades necessárias para
ganhar nossa confiança. Como o santo Patriarca em Na­
zaré tinha autoridade sobre Jesus e Maria, e dela se ser­
via segundo os desígnios de Deus que nos queria res­
gatar, assim o faz ainda e com maior ardor agora que
conhece melhor os perigos que nos rodeiam.
S. Bernardo afirma que o poder de intercessão do pai
nutricio de Jesus excede na glória ao dos outros santos;
outro tanto se pode dizer da sua caridade generosa para
conosco. Os outros eleitos podem auxiliar-nos em algu­
mas necessidades somente; o santo Patriarca recebeu o
insigne privilégio de assistir-nos em todas as precisões.
Quantos fatos autênticos não se poderiam citar em abono
desta asserção! Santa Teresa a confirma, invocando sua
própria experiência. - Temos pois o direito de afirmar
que a intercessão de são José é tão poderosa e benéfica
quão profundas são as nossas misérias; e que a nossa
confiança em sua proteção jamais poderia ultrapassar
o seu poder e a sua bondade benfazeja.
Tomemo-lo por nosso primeiro patrono depois da di­
vina Mãe, e trabalhemos, sob a sua proteção, em nossa
santificação, isto é, em tornar-nos sempre mais interio­
res, desapegados da terra, --recolhidos em nossas orações,
exatos no cumprimento dos nossos deveres, fiéis em cor­
responder às graças de cada hora e de cada instante.
O' Jesus, pela intercessão de Maria e de José, dai-me
a graça de velar com cuidado pela pureza do meu cora,
ção, da qual depende o vosso reino em mim, pois que
ocupais em minha alma o lugar que vos · dou pelo des-

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apego e abnegação. Concedei-me a graça de fugir dos ob­
jetos que me distraem, das afeições que me inclinam
para a terra, dos vãos desejos que me cativam e me im­
pedem de me unir a vós. Fazei que eu pratique a vida
interior sob o. patrocínio do vosso pai nutrício. Proponho
conservar-me sempre, a exemplo vosso, l ° sob o olhar
santificante da divina Majestade; 2º unido em intenção
e sentimentos ao vosso sagrado Coração, na casa de Na­
zaré, afim de orar, - agir, - e sofrer, - pela virtude
da vossa graça.

SEGUNDA-FEIRA DA TERCEIRA SEMANA


A IMITAÇÃO DE JESUS
PREPARAÇÃO. Meditamos a necessidade de nos unir
a Jesus Cristo: Veremos amanhã: l ° que motivos nos
levam a imitá-lo; 2º em que devemos seguir as suas pe­
gadas. - Antes de cada ação representemo-nos Jesus
agindo entre os homens. Unamos as nossas. intenções às
intenções suas e o nosso coração ao seu sagrado Coração
e procedamos segundo a idéia que temos dele, da sua
doutrina e dos seus exemplos. Sicut acceplstls Jesum,
in ipso ambulate (Col 2, 6).

1 • Motivos de imitarmos a Jesus


Todos os homens têm o desejo da glória e ·da exalta­
ção. Ora, que glória haverá mais sólida e duravel do que
a de se tornar semelhante a Jesus Cristo? Nem no céu
nem na terra há mestra que se lhe possa comparar, e
não será grande honra para nós seguir as suas pegadas?
Gloria magna est sequi Dominum (Ecli 23, 38). Jesus
Cristo é o maior de todos os reis, o mais nobre de todos
os príncipes, o mais valoroso de todos os conquistadores.
Sendo igual_ a Deus em natureza, nenhuma grandeza ou
nobreza se pode comparar à sua. O Pai disse-lhe: "Dou­
vos por herança todas as nações da terra", e Jesus as
conquistou à custa dos mais generosos sacrifícios, sem

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excetuar o da sua vida. Que honra para nós caminhar
no séquito de majestade tão alta, poderosa e santa!
Outrossim, a lei que nos propondes, ó Sabedoria incar­
nada, é inteiramente conforme à reta razão; é uma lei
que aclara, purifica e enobrece as almas. E que paz ine­
fa vel para os que a observam! e que recompensa não te­
mos a esperar se a guardarmos até à morte! - Que
mais? Jesus é o mais amavel dos filhos dos homens, pos­
sue em grau supremo todas as perfeições do céu e da
terra; nada nos ordena que não tivesse antes praticado,
não nos coloca sobre os ombros peso algum que não ti­
vesse antes carregado, e o alivia ainda com a unção de
sua graça.
"Vinde a mim, exclama, vós todos que trabalhais e
estais sobrecarregados, e eu vos aliviarei; tomai meu
jugo sobre vós; aprendei de mim que sou manso. e hu­
milde de coração· e achareis repouso para as vossas al­
mas; pois que meu jugo é suave e o meu peso é leve"
(Mt 11, 28-30). Quem poderia resistir a palavras tão
animadoras e tão cheias de ternura para conosco? Cho­
remos diante de Deus por desejarmos tão pouco pare­
cer-nos com Jesus. Que digo? não nos achamos talvez
sob império da carne e do mundo? não somos ávidos dos
prazeres, pouco exatos em velar sobre os nc!ssos sentidos
e sempre inclinados a expandir-nos para fora como se
Deus não nos bastasse?
Jesus, quão longe estou de seguir os vossos exemplos!
Não tenho recolhimento, nem espírito de oração, nem
amor à mortificação! Procuro a estima das criaturas em
vez de buscar, como vós, somente a glória do Pai celes­
te. Curai-me da frieza e descaso em que tenho vivido até
agora e tornai-me fervoroso, ardoroso em imitar a vós
que sois a grandeza - a sabedoria - a santidade -
e a amabilidade infinitas.

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2º Virtudes a imitarmos em Jesus Cristo
Embora devamos imitar o Salvador em tudo, detenha­
mo-nos contudo a considerar o seu espírito de oração e
sacrifício. O Evangelho no-lo representa como a fazer
da oração a sua principal ocupação, que dirige toda a sua
conduta. Sem falarmos da sua vida oculta, que foi uma
contemplação contínua, reunida ao trabalho manual, não
o vemos, durante a sua vida pública, impregnar todas as
suas ações com a unção da prece? Passa quarenta dias
em retiro antes de começar o seu ministério evangélico.
Querendo escolher os seus apóstolos, prepara-se, diz são
Lucas, durante a noite, pela oração (Lc 6, 12). Ele ora
antes de multiplicar os pães, antes de ressuscitar Láza­
ro, antes de instituir a Eucaristia. Parece julgar-se fra­
co como nós ao ponto de recorrer sempre a Deus seu
Pai. Nada executa ou empreende senão por meio da ora­
ção: a infalibilidade de são Pedro (Lc 22, 32), a santifi­
cação dos apóstolos e dos fiéis, a união e perseverança
deles, a força de suportar a dolorosa paixão, a sua pró­
pria ressurreição e o seu império_ sobre o universo, -
quem o creria? - tudo foi o objeto e o efeito de suas
fervorosas súplicas. - Poderemos, depois disso, come­
çar uma ação qualquer, antes de a termos recomendado
a Deus?
Ousaríamos sobretudo enfrentar uma empresa dificil,
que exige rellúncla, sem reclamarmos· a sua assistência?
A nossa vida terrestre é uma luta continua conosco mes­
mos, e muitas vezes os que nos rodeiam aumentam os
nossos combates, contrariando os nossos gostos, idéias,
desejos e vontades. Lancemos então um olhar a Jesus,
cuja vida inteira foi um sacrifício contínuo. Vítima do
gênero humano, recebeu por nós os golpes da justiça di­
vina. Agora ainda sobre os altares em milhares de igre­
jas, ele se imola diariamente: e sua presença real entre
nós não é outra coisa senão uma imolação perpétua;
ach"a-se sempre em nossos tabernáculos em estado de ví­
tima para a nossa salvação.

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Vítima santa, comunicai-me a sede que vos devora, a
da oração e do sacrifíci�; dai-me a graça de rezar sem­
pre e de aproveitar as ocasiões de renúncia que se me
apresentam. E essas ocasiões são frequentes: em meus
exercícios de piedade, quando penosos; - nos meus de­
veres diários, quando repugnantes; - na prática da obe­
diência que submete o meu juizo a condescender com a
vontade alheia; da paciência que me obriga a tudo so­
frer sem queixa nem murmuração. Jesus e Maria, fazei
que a vós recorra quando me repreendem, contradizem
ou contrariam; quando, contra a minha vontade, me pri­
vam do meu repouso, tranquilidade e ocupações, ou quan­
do exigem de mim alguma coisa que reclama um ato de
abnegação.

TERÇA-FEIRA DA TERCEIRA SEMANA -


MEIOS DE IMITAR JESUS
PREPARAÇÃO. Depois de termos visto os motivos
de imitar Jesus, consideremos os meios de chegarmos a
isso. Para isso devemos: 1 º ter alta idéia desse divino
Mestre; ,2º amá-lo com ternura e generosidade. - Con­
cluamos pela resolução de fazer atos de adoração e amor
para com o nosso amavel Salvador, afim de o estimar­
mos e nos unirmos sinceramente a ele, à sua doutrina e
a seus exemplos. Si diligitis me, ma.oda.ta mea serva.te (Jo
14, 15).

1 • Para imitar Jesus é preciso estimá-lo


O discípulo que muito estima o seu mestre está natu­
ralmente disposto a ouvir as suas lições e a crer em
sua palavra. Assim a alma que se aplica a parecer-se com
o Salvador, conseguirá mais facilmente o seu intento,
concebendo uma sublime idéia de seu divino modelo.
Quem é Jesus? eis a primeira pergunta a fazer. O após­
tolo responde com as palavras: Jesus é a imagem subs- ·
tancial do Deus invisivel. O primogênito antes de toda
criatura. Nele e por ele foram feitas todas as coisas e é

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por, ele que tudo subsiste (Col 1, 14-17). Foi só a vir­
tude do seu sangue que nos resgatou. Ressurgindo den­
tre os mortos, reina no céu, assentado à dextra do Pai
sobre todas as legiões angélicas; de lá governa a Igreja,
de que é a cabeça (Ef 1, 20-22), e um dia virá julgar to­
dos os povos e reis da terra (At 10, 42). Esse é o mes­
tre que nos deve instruir! Haverá quem a ele se com­
pare no universo?
O' Jesus, sabedoria incriada e incarnada! em vós se
acham reunidas todas as perfeições divinas e humanas.
De vossos lábios corre, como leite e mel, a doutrina mais
pura, suave e arrebatadora. Durante vossa vida mortal
as multidões, encantadas pela doçura da vossa comp_a­
nhia, vos seguiam até aos desertos, esquecidas do pró­
prio alimento por causa da vossa palavra adoravel que
as enchia de admiração!
Após a Ascensão do Redentor, que não fizeram os
apóstolos, herdeiros de seu espírito? Submeteram o mun­
do inteiro à sua doutrina e conquistaram-lhe as mais
fulgurantes inteligências. Quantos sábios, filósofos, dou­
tores renunciaram então às falsas máximas do mundo
para abraçar o santo Evangelho! Estimando · o Salva­
dor e a sua doutrina mais do que o seu próprio gênio e
ciência, calcaram aos pés os seus preconceitos e sub­
meteram-se como Jesus a uma vida simples, pobre e
mortificada.
Adoravel Salvador, quando caminharei como eles so­
bre as vossas pegadas? A seu exemplo quero estudar­
vos nos Livros santos, nas obras de piedade e procurar
conhecer-vos por meio da fé e da oração. Aniquilado ante
a vossa sabedoria infinita, _supli!!o-vos aclareis a minha
inteligência, dissipeis os meus erros e ilusões afim de
que, não estimando coisa alguma neste mundo, vos con­
sidere como o único Mestr-.e digno de ser ouvido, admi­
rado e imitado. Existimo mnnia detrimentum esse prop­
ter emlnentem scientiam Jesu Christi, Domini mei. (Fil
3, 8).

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2º Para imitar Jesus é preciso a.má-lo

A estima que temos de Jesus far-nos-á imitá-lo, sem


dúvida, pelo instinto que nos leva a tornar-nos seme­
lhantes aos que são o objeto da nossa admiração. O amor,
porém, tem mais força ainda para inspirar-nos as idéias,
as intenções e os sentimentos que o animam. "A caridade
de são Vicente de Paulo a nosso Senhor, diz o autor de
sua vida, constrangm.-o de cetto modo a se lhe confor­
mar sempre em todas as suas ações, palavras e pensa­
mentos. Diziam desse santo ter sido ele sobre a terra
uma das mais perfeitas imagens de Jesus Cristo". Se
amarmos como ele o Salvador, saberemos, como ele, co­
piar em nós esse divino modelo.
E' mister, porém, que nosso amor seja terno, generoso
e constante, que nos prenda estreitamente ao Verbo in­
carnado, e nos torne capazes de sacrificar-lhe os nossos
desejos, gostos, inclinações e defeitos. Para esse fim nada
podemos fazer de melhor do que meditar os mistérios
de sua infância, da sua paixão e da Eucaristia. Na sua
infância aprendemos a imitá-lo com ternura na sua hu­
mildade docil, na sua inocência, retidão e cândida sim­
plicidade. - Nos sacrifícios exigidos pela virtude, olhe­
mos o crucifixo. Ele nos inspirará aquele amor sincero e
enérgico que nos fortalecerá na hora da tentação, nos
tornará corajosos na adversidade e capazes de renunciar
a tudo para cumprirmos a vontade divina. - Da mesma
forma se encararmos Jesus como prisioneiro da nossa
Igreja, seremos suavemente constràngidos a imitar a per­
severança do seu amor. Dia e noite silencioso e recolhido
em nossos tabernáculos, dá-nos perpetuamente o exem­
plo da oração- contínua e da mais inalteravel paciência,
suportando as irreverências, as faltas de respeito, as
afrontas, as injúrias e até os mais terriveis sacrilégios.
Jesus, meu amavel modelo, abrasai o meu coração do
vosso amor e do desejo de vos ser semelhante até nos

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pormenores da minha vida. Que meus pensamentos, ien­
timentos, intenções e todas as minhas vontades sejam
inteiramente conformes a vossas disposições interiores!
Peço-vos estas graças pelos méritos de Maria e José,
que vos imitaram tão fielmente na casa de Nazaré.

TERÇA-FEIRA DA TERCEIRA SEMANA (bis) -


MEIOS DE IMITAR JESUS
PREPARAÇÃO. Depois de termos considerado os mo­
tivos para a imitação do Redentor, vejamos-lhe o meio
por excelência, que é a santa comunhão: 1_º Na disposi­
ção a ela; 2º Na ação de graças. - Como ramalhete es-.
piritual lembrar-nos-emos frequentemente da palavra
de Jesus: "Quem_ me come viverá por mim", por meu
espírito, minha doutrina, minha graça e meu coração. Et
qui manduca.t 'me, et ipse vivit propter me (Jo 6, 58).

1• Dispos1ções para a comunhão à imitação de JesUli


Quão feliz não se julgava o pai nutrício do Salvador
por poder receber e levar nos seus braços o Filho do
eterno, incarnado no meio de nós! Em certo sentido so­
mos ainda mais felizes do que ele, quando recebemos e
levamos Jesus em nossos corações. A comunhão é um
dom mais precioso do que todo o universo, porque é o
próprio Criador que nela a nós se dá com tudo o que
possue. Antes da comunhão despertemos a nossa fé so­
bre a grandeza desse ato, sobre os bens imensos que ele
encerra e comunica às nossas almas. Da fé viva acender­
se-á em nós o desejo de tirar desse divino banquete os
frutos mais abundantes e duradouros.
Para melhor os obtermos, comecemos desde já a pra­
ticar as virtudes de que Jesus nos dá o exemplo nos ta­
bernáculos: A. humildade profunda que o conserva ocul­
to sob as mais fracas espécies e o faz suportar com pa­
ciência os ultrajes e as irreverências de que é alvo: a
obediência perfeita com que se submete a todos os- sacer­
dotes ao ponto de nunca lhes opor resistência, mesmo

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quando o fazem descer a corações manchados; o espírito
de oração e sacrifício, pelo qual advoga a nossa causa
junto a seu Pai e se imola cada dia tantas vezes pela
nossa salvação. Quem nos dirá da caridade que pratica
sem cessar, mesmo para com seus inimigos? Quem po­
deria avaliar o seu devotamento nos nossos cibórios,
onde se detem para nos auxiliar dia e noite?
Estudando esses exemplos e conformando-nos a eles
segundo as nossas forças, dispor-nos-emos aos grandes
efeitos da santificação, cujo manancial é a Eucaristia.
Encontrando a nossa alma em harmonia com a sua, o
divino Mestre a fará entrar nas vias sublimes duma
santidade consumada. S. Luiz empregava tres dias ·em
preparação para a comunhão sacramental; consagremos
tambem a esse exercício todo o tempo que precede o fe­
liz momento em que nos aproximaremos da mesa sagra­
da. Para isso façamos frequentes atos de fé, amor, de­
sejo e súplica; pratiquemos as virtudes acima mencio­
nadas na intenção de nos unirmos mais estreitamente
ao Salvador.
Jesus, pão dos anjos, maná celestial de todo o sabor,
dignai-vos dispor-me para a santa comunhão, formando
o meu coração pelo vosso e pelo de vossa divina Mãe.
Dai-me a fé viva de um santo Inácio, a confiança duma
santa Teresa, o amor ardente de um santo Afonso e dum
são Felipe Neri, para eu participar, como essas grandes
almas, dos frutos imensos do vosso adoravel Sacramen­
to. Amo-vos, soberano Bem, amo-vos sobre· todas as coi­
sas; inspirai-me a coragem de imitar-vos no exercício da
vida humilde e oculta, - na prática da dependência e
docilidade; - da oração e da renúncia.

2º A ação de gr�as depois da comunhão


à imitação de Jesus
A ventura de haver comungado deveria apoderar-se
da nossa alma, como sucede com a· recordação do maior
acontecimento. Se recebêssemos a visita dum rei, não
pensaríamos nela durante vários dias? Quanto mais
Bronchain II - 2 17
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quando o Rei dos anjos e do universo desce ao nosso
nada para nos enriquecer dos mais preciosos dons! -
Nada no mundo pode dar-nos uma idéia do que nos é
dado em uma santa comunhão. Nela infunde-nos Jesus
a sua própria vida, o seu espírito e o seu coração. A sua
vida., isto é, a que ele vive no seio do Pai e se torna uma
só coisa com ele. O seu espírito, ou aquela conformidade
de idéias, de luz, de sabedoria, de máximas e doutrinas
que nos dá com ele, e que nos comunica uma ciência bem
superior a toda ciência humana. O seu cora(lão, enfim,
faz-nos partilhar os seus sentimentos, as suas inclinações,
o seu horror ao mal e o seu amor ao bem; inspira-nos
os piedosos afetos, os santos desejos que animam e de­
põem em nós os germes de todas as virtudes, comunican­
do-nos a vontade de exercê-las por meio dos socorros ob-
tidos por nossas preces.
Enriquecidos assim na santa _comunhão pelo próprio
Jesus, não podemos esquecer depressa os bens que nela
recebemos, não poderemos sobretudo cessar de apreciá-lo
não só na meia hora de ação de graças, mas durante o
dia inteiro. - Para esse fim recordemo-nos frequente­
mente da presença real do Salvador, que dos taberná­
culos nos olha com amor, nos defende, protege, rodeia
·de cuidados e nos auxilia a cumprir os nossos deveres.
Dirijamos-lhe frequentes atos de confiança, abandono,
recolhimento e súplica; conservemos o nosso coração
unido ao seu em todas as nossas ações e difundamos ao
redor de nós o bom odor das virtudes de que ele nos
embalsama no banquete eucarístico. - Pouco edifican­
tes seríamos ao próximo, se, depois da manducação do
cordeiro sem mácula, contraíssemos a mancha de faltas
leves, mostrando-nos duros, impacientes, carrancudos, in­
doceis, faltos de resignação, condescendência e mansidão!
Jesus, alimento sagrado, operai em mim segundo o
vosso poder e misericôrdia, e segundo a multidão das
minhas enfermidades espirituais. Afastai de mim os pen­
samentos que dissipam, os desejos que perturbam e os
projetos que atorme�tam. Inspirai-me a coragem de

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mortificar o meu temperamento e carater, afim de car­
regar com paciência as pequenas cruzes de cada dia e
de cada hora. Fazei-me compadecido das necessidades
do próx4D-o, das suas fadigas, de seus defeitos e até das
suas sem-razões afim de imitar a vossa caridade sem li­
mites e a vossa inalteravel doçura. Pela intercessão de
vossa santíssima Mãe, tornai-me recolhido sem afetação,
- desinteressado em 'meu comportamento, - sempre
pronto como vós a sofrer, a dedicar-me e a perdoar.

QUARTA-FEIRA DA TERCEIRA SEMANA -


S. JOSÉ, IMITADOR DE JESUS
PREPARAÇÃO. Depois da divina Mãe, são José é a
cópia mais perfeita do Verbo incarnado. Meditaremos
amanhã: 1º Como ele se aplicou a conhecê-lo pelos livros
santos; 2º Como ele o estudou particularmente. Propor­
nos-emos depois recordar com frequência as máximas e
os fatos evangélicos que nos dão uma idéia exata do Sal­
vador afim de que possamos c011formar-nos melhor à sua
doutrina e à sua conduta, a exemplo do seu pai nutrício.
•mito.tores mel estote sicut et ego Christi (1 Cor 4, 16).

l" José estuda Jesus na Escritura


Entre os judeus, havia obrigação de ler os livros san­
tos. Com que respeito e devoção, já antes do nascimento
do Salvador, o casto esposo de Maria lá procurava o que
os profetas anunciavam do Messias prometido!
Lia que o Redentor esperado nasceria duma Virgem,
cresceria penosamente como uma raiz, levàndo vida ocul­
ta, vida de trabalhos e privações. A sua humildade, po­
breza, paciência e doçura inalteraveis lá estão claramen­
te preditas. Embora inimigo declarado do pecado, não
quebrará, diz Isaías, a fragil cana, não extinguirá a me­
cha fumegante. Vítima da sua caridade para com os ho­
mens, depois de lhes haver pregado a sua doutrina, ter­
minará sua vida nas torturas e expirará numa cruz.
Foderunt, ma.nus meas et pedes meos; dinumeraverunt

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omnia ossa mea (SI 21, 17). Aclarado pelo Espírito San­
to, José não teve dificuldades em descobrir os mistérios
ocultos sob o véu da profecia. Admirava igualmente a
bondade divina no grande prodígio da Incarnação. Achan­
do-se na época venturosa em que ia nascer o divino Li­
bertador, objeto de tantos suspiros, unia-se aos desejos
ardentes dos patriarcas e às sublimes disposições da sua
virginal esposa, a feliz Mãe do Messias; imitava já ante­
cipadamente a vida pobre, humilde e padecente que o
Verbo incarnado iria levar sobre a terra.
A exemplo desse glorioso patriarca, estudemos o Re­
dentor nos livros santos e nas obras de piedade, parti­
cularmente no Evangelho, onde se acham divinamente
expostas a sua doutrina e as suas ações. Rapidamente
avançaríamos no conhecimento de Jesus, se, como Maria
e José, conservássemos nos corações e guardássemos no
espírito o que lemos ou ouvimos em louvor do nosso
amavel modelo! Proponhamo-nos isso doravante, acres­
centando ainda à meditação a oração, atos de amor, con­
trição, confiança e o exercício das virtudes praticadas
sobre a terra pela Sà.bedoria incarnada.
Jesus, Verbo eterno, sol de justiça, que dissipais as
trevas da terra, dignai-vos aclarar-me a respeito das vos­
sas grandezas, vossas perfeições, vossa doutrina e exem­
plos, afim de que, conhecendo os vossos caminhos, me
esforce para neles entrar. Comunicai-me o espírito de
submissão a Deus, - de condescendência para com o
próximo, - e de sacrifício para comigo. Fazei que, co­
mo Maria e José, procure unir-me a vós, não só pelo re­
colhimento e pela prece, mas tainbem pela suportação
das penas da vida e pelo cumprimento exato de todos
os meus deveres.

2º José estuda Jesus em Jesus mesmo


Desde o nascimento do Redentor, a Virgem Maria o
ofereceu à veneração do santo patriarca. Com que reli­
gião sincera e com que ternura o adorou e inteiramente
se consagrou ao seu serviço! Desde então o pensamento

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de um Deus aniquilado entre os homens não o abando­
nou mais. Dia e noite causava-lhe transportes de admi­
ração, reconhecimento e amor, e ele não se cansava de
meditar esse mistério. Tendo sempre sob 0111 olhos o seu
adoravel modelo, progredia constantemente nas maià su­
blimes virtudes. Com que sentimentos de devoção o con­
siderava em sua infância e recebia suas ternas carícias!
A humildade, a obediência do Deus-Menino, a sua modés­
tia, a simplicidade dos seus modos, a sua oração contí­
nua o encantavam e extasiavam. Cada palavra de seus
divinos lábios acendia em seu coração o braseiro daquele
fogo celeste, cujos ardores mais tarde sentiram os · dis­
cípulos de Emaús à voz de Jesus.
Que santidade não adquiriu José, tão fiel à graça du­
rante os longos anos que viveu com a Sabedoria e San­
tidade incarnadas, ouvindo cada dia as palavras de vida
eterna que saiam de seus lábios, e vendo os belos exem­
plos das virtudes que tão divinamente praticava.! O Sal­
vador era, a um tempo, Mestre e modelo; ainda mais, dis­
pensava abundantemente as suas luzes e favores a seu
pai nutrício em retorno dos serviços quotidianos que dele
recebia. O santo patriarca foi, depois da Virgem Maria,
a mais perfeita cópia do Verbo incarnado.
O apóstolo afirma que o Salvador habita em nós pela
fé (Ef 3, 17), e o Evangelho declara que as tres divinas
Pessoas fazem em nós a sua habitação (Jo 14, 23). Sto..
Agostinho diz que Deus está no centro da nossa alma;
vê o que faz a nossa mão; conhece o que diz a nossa
língua, o que pensa o nosso espírito e quais são os mais
íntimos sentimentos do nosso coração. Na consideração
dessas verdades não encontramos nada que nos inspire
o desejo de nos tornarmos melhores à imitação de Jesus?
O' Verbo incarnado; se eu conhecesse pela fé as vossas
grandezas, sabedoria e santidade infinitas, teria como
glória e honra inefaveis unir-me a vós e ser semelhante
a vós. Concedei-me a graça de viver sob a vossa de­
pendência. Fazei que constantemente apoie a minha fra-

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queza na vossa força - esclareça minhas trevas na vos­
sa luz, - cure meus defeitos e vícios ao contato de vos­
sas perfeições adoraveis. Peço-vos esses favores pelos
méritos de Maria e José, vossos fiéis imitadores na casa
de Nazaré.

QUINTA-FEIRA DA TERCEIRA SEMANA -


MODÉSTIA DE JESUS
PREPARAÇÃO. Meditámos os motivos e meios de imi­
tar Jesus; consideremos agora o que nele devemos co­
piar, e primeiro a sua conduta exterior. Vejamos pois:
1 º a sua divina modéstia, modelo da nossa; 2º como po­
demos a ela nos conformar. - Representemo-nos muitas
vezes a face sagrada e recolhida de Jesus; compenetre­
mo-nos duma fé viva em sua divindade que nos olha em
toda parte, e tomemos a resolução de praticar sempre,
a seu exemplo, a modéstia cristã. Modestia vestra no­
tata sit omnlbus hominibus ! (Fil 4, 5).
l" A divina modéstia. de Jesus, modelo da nossa
Recomendando-nos que sejamos perfeitos como o Pai
celeste, o l;,alvador manda que o imitemos porque quem
o vê, vê o Pai (Jo 14, 19). Orá, o que logo se nota em
Jesus é a modéstia, reflexo misterioso das suas virtu­
des interiores. Em diversas passagens o Evangelho ob­
serva que ele erguia os olhos sobre os discípulos e a
multidão; prova evidente, diz santo Afonso, de que, de
ordinário, ele os conservava baixos. Sabemos, ademais
que seus inimigos sempre encarniçados contra a sua re­
putação, nada lhe exprobraram relativamente à sua
pureza. Ora, nas circunstâncias em que se achava, cer­
cado de censores, não teria podido escapar, nesse parti­
cular, às críticas malevolas, se uma tal modéstia d� sua
pessoa sagra•da não o pusesse ao abrigo de sombra de sus­
peita. - S. Luciano, sacerdote e mártir, convertia os pa­
gãos com o seu porte. Se isso se dava com o discípulo,
quanto mais com o mestre! Só o aspeto de Jesus, sua
gravidade santa, aquele mixto de doçura, majestade,

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inocência, que irradiava de sua. face adora.vel, edificava,
tocava as almas fiéis; fazia correr os fariseus hipócritas,
sepulcros caiados, a quem o Redentor exprobrava os cri­
mes secretos, sem que eles se atrevessem a usar de re­
presálias.
"A vossa modéstia, diz o apóstolo, seja conhecida de
todos os homens!" Guarda da castidade, recolhimento e
oração, ela contribue imenso para a edificação do pró­
ximo. Jesus mostrou-se uma vez sobre o altar a santo
Afonso Rodrigues, sem dizer palavra·; conservava, porém,
os olhos modestamente baixos, de sorte que o santo com­
preendeu c:i.ue lhe queria dar uma lição de modéstia.
Essa lição, Jesus, vós a dais a todos, e os vossos dis­
cípulos têm o dever de imitar a vós, seu divino Mestre.
Quando um pintor quer copiar um painel, olha sucessiva­
mente do modelo para a cópia, e da cópia para o mode­
lo; acrescenta, corta ou modifica até obter completa se­
melhança. Assim quero proceder doravante, meu Sal­
vador, representando-me a miudo vossa Pessoa adoravel
no meio dos homens, depois olhando para mim, minhas
maneiras por vezes rudes, meu interior tão pouco com­
posto, dissipado, afastado daquele condimento que ca­
raterizava os santos, vossos fiéis imitadores. Pela inter­
cessão de vossa amavel Mãe, penetrai-me t;Iuma fé viva
e dum profundo respeito de vossa divina. presença., afim
de que guarde sempre o recolhimento interior, condição
primária da verdadeira modéstia. Fazei que vele sobre
os meus olhares, minhas palavras, meu procedimento e
compostura.

2 º Meios de imitar a. modéstia de Jesus


�lém do exercício da presença divina, o meio por ex­
celência de se ser sempre modesto, é praticar em tudo
e sempre a mais perfeita mortificação. S. Francisco de
Sales estimava o exercício da modéstia mais que todas
as penitências e austeridades. Ela exige, de fato, como

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ele o afirma, um constrangimento contínuo, que nos sub­
mete a Deus, tanto na solidão como na sociedade, e mes­
mo durante o sono, quando se deita modestamente na
presença da majestade divina e de toda a côrte celeste.
Quem quer ser modesto, como Jesus o foi, deve repri­
mir a curiosidade de ver, ouvir e saber tudo, e ter os
olhos habitualmente baixos. E' mister que a sua con­
versação seja edificante em todos os respeitos, e que não
lese nenhuma virtude. O seu sorriso, os seus passos, o
seu modo de comer e assentar-se, a sua temperança à
mesa, tudo deve assinalar o verdadeiro discípulo do mais
perfeito dos mestres. - S.' Bernardo tinha um exterior
tão composto que suas virtudes transpareciam-lhe, até
no rosto. Ninguem viu jamais são Francisco de Sales
fazer um movimento inutil não só na igreja mas tambem
no quarto onde o observavam secretamente.
"Se marcharmos sobre as pisadas desses amigos de Je­
sus, grande proveito tiraremos para a nossa alma. Além
da mortificação que assim estaremos obrigados a prati­
car, corrigiremos a dissipação do nosso espírito, a licen­
ça dos nossos olhares e palavras; velaremos sobre nós
mesmos com mais cuidado para não desagradarmos a
bondade divina. - Qual o motivo por que faltais às vezes
às regras da polidez cristã? é sem dúvida porque vos e�­
queceis de Deus e temeis incomodar-vos e renunciar­
vos, ou, então, porque pretendeis viver seJD constrangi­
mento para vos contentar e satisfazer em tudo.
Meu Deus, se eu tivera mais espírito de fé e abnega­
ção, como seria feliz em oferecer-vos algum pequeno sa­
crifício tomando posições menos cômodas, imolando os
meus gostos, bem-estar e caprichos sobre o santo altar
da modéstia. Dai-me a graça de imitar a Jesus e sua di­
vina Mãe, e de conservar-me sempre com um profundo
respeito sob as vistas da vossa majestade infinita que
está presente em todos os lugares.

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SEXTA-FEIRA DA TERCEIRA SEMANA
PENSAR E AGIR COMO JESUS
PREPARAÇÃO. Não contentes de imitarmos 11. mo­
déstia do Salvador, devemos ainda esforçar-nos para nos
assemelhar a ele: 1° em nossos pensamentos;. 2º em to­
das as nossas ações. - Para isso renovemos os santos
desejos da perfeição que não são outros senão os de
unir-nos a Jesus, chefe dos predestinados, por uma in­
teira conformidade de vistas e procedimento. Quos prae­
destinavit conformes fieri imaginis Filii sul (Rom 8, 29).

1• E' preciso pensar como Jesl!s


Não basta assemelhar-se exteriacmente ao Salvador;
é ainda necessário ter com ele um mesmo espírito, as
mesmas idéias, os mesmos sentimentos. Sentite in vo­
bis quod et ln Christo Jesu (Filip 2). Ora, quais eram
os ensinamentos de Jesus? ·Podemos resumí-los na hu­
mildade, abnegação e união com Deus. "Os reis das na­
ções, dizia, dominam os seus súbditos; mas isso não se
. dará convosco, que sois os meus amigos. O primeiro
dentre vós deverá humilhar-se como o último (Lc 22,
25,26), e quem quiser ser o primeiro deverá ser o ser­
vo de todos (Mt 20, 26). Ora, o orgulho, a presunção, a
ambição são vícios abominaveis a meus olhos" (Lc 16,
15). Assim falava a Sabedoria incarnada. - Fiéis à sua
doutrina, todos os santos se esforçaram a ter de si os
mais humildes sentimentos, a tornar-se simples, obedien­
tes, doceis como as crianças, a ocultar-se, a aniquilar-se
neste mundo, para reaparecerem no outro com os anjos
e os eleitos.
Não contente de ensinar-lhes lt" humildade, ó · Jesus,
exigís dos vossos discípulos a má.is completa abnegação;
proibís-lhes vingar-se das injúrias, viver na moleza e
ociosidade; impondes-lhes amar os inimigos, rezar por
eles, ceder nas contendas, regozijar-se quando amaldi­
çoados, perseguidos e caluniados por causa de vós, por­
que a sua recompensa será grande no céu (Mt 5). O'

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meu divino Mestre, inspirai-me essa perfeita renún.cia,
que me faça estimar e amar, pela vossa graça, o que
esmaga os meus maus instintos e a natureza.
Mas por que exige o Salvador essa morte a nós mes­
mos e ao amor próprio? E' para conduzir-nos à mais
estreita união com o Bem supremo. E' -por isso que ele
ensinava, diz o Evangelho, que nada podemos sem a gra­
ça na ordem da salvação (Jo ".1.5, 1), que nos é por isso
necessário orar sempre e nunca deixar de o fazer (Lc
18, 1). Ora, a oração é o vínculo que prende a terra ao
céu e a alma a Deus. Pela oração a alma humilde e fiel
atrai o soberano Bem e o faz reinar em seu interior; não
pensa, não quer, não deseja outra coisa que não esteja
de acordo com a doutrina e as inclinações de Jesus.
Meu amavel Mestre, livrai-me dos preconceitos do mun­
do, das ilusões da natureza. que se estima e se procura.
Prendei-me a vossos ensinamentos sobre a humildade, a
abnegação, o espírito interior. Penetrai-me dum profundo
respeito e dum constante amor das máximas evangélicas
e fazei que meus pensamentos, afetos e desejos me tor­
nem conforme ao vosso sagrado Coração. Sentlte ln vo­
bis quod et in Chrlsto Jesu.

2º E' preciso agir como Jesus


De que nos servirá o ensinamento do Salvador, que
acabamos de meditar, se os não traduzirmos em nossa
vida? É-nos, pois, necessário adquirir uma humildade ver­
dadeira, que não fica só no espírito, mas que penetra o
coração e a vontade, traduzindo-se em atos segundo as
circunstâncias, pela suportação das afrontas, das repre­
ensões, das censuras imerecidas; devemos até estar pron­
tos a abraçar toda sorte de humilhàções em união com
aquele que, sendo Deus, se fez homem por nós e passou
por todos os degraus do abaixamento e da ignomínia
até à loucura da cruz.

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Elevada a essa perfeição, a humildade compreende
eminentemente a abnegação própria que deve ser exer­
cida até nas minúcias da nossa vida. Há muitos que sa­
bem resignar-se nas enfermidades, nas adversidades e
não chegam a renunciar-se em coisas de pouca importân­
cia, como, por exemplo, em ser contrariados, importu­
nados, desgostados, empregados em funções que lhes
repugnam e outras mortificações semelhantes. S. Fran­
cisco de Sales afirmava que guardar nesses contra­
tempos a paz e a tranquilidade da almã, é uma virtude
mais rara do que a castidade.
Para lá chegarmos, apliquemo-nos ao exerc1c10 da
oração assídua a exemplo do nosso adoravel modelo. Du­
rante a nossa oração da manl_l.ã, tomemos e�sa resolu­
ção e unamo-nos ao Verbo incarnado a pedir por nós
desde a sua conceição até à morte. A santa Missa, recor­
dando-nos a oferta que ele fez de si mesmó no templo
e a sua imolação no Calvário, inspirar-nos-á, com o es­
pírito de oração, o amor do sacrifício e a resignação na:s
penas de cada dia. - E que força não nos comunicará
a comunhão para agirmos como Jesus, isto é, com cal­
ma, recolhimento, mansidão, sem aquela atividade febril
que devora toda ocupação e nos impede o recolhimen­
to! Todas as nossas orações, unidas às do. Salvador e
embalsamadas da sua recordação, nos tornarão, pouco
a pouco, a seu exemplo, modestos, circunspectos, des­
apegados da terra, sempre unidos ao sumo Bem. Assim
estabelecer-se-á em nossos corações o reino da graça ou
a vida do Homem-Deus. Então as nossas palavras, ações
e procedimento serão o fruto da nossa união com ele.
Jesus, infelizmente não se dá isso comigo! o que em
mim domina é o amor próprio, a negligência, a indolên­
cia e as más inclinações da natureza. Pela intercessão
de vossa santa Mãe, formai.· o meu coração segundo o
vosso; fazei que minha vontade e minhas ações estejam
em completa harmonia com o vosso beneplácito.

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SÃBADO DA TERCEIRA SEMANA -
RECONHECIMENTO E FIDELIDADE
PREPARAÇÃO. Duas são, sobretudo, as dil'lposiçõeB
que devemós imitar no divino Salvador: 1" o reconheci­
mento; 2" a fidelidade. Curaremos assim o nosso egols­
mo natural, que é ingrato, inconstante, tendo em vista
somente o bem pessoal, sem cuidar do próximo. Faremos
o propósito generoso de agradecer a Deus por tudo e de
ser fiéis a suas inspirações. ln omnibus gratias agit;e
(Tes 5, 17). Fldeles ln dilectlone acqulescent illi (Sap
3, 9).
l º Jesus modelo de reconhecimento
Admiremos o reconhecimento do nosso amavel Reden­
tor, que retribue cem por um por todos os sacrifícios fei­
tos em sua glória (Mt 19, 21). Ninguem pode compreen­
der quanto vale um só grau de graça, o mundo inteiro
não o poderia pagar. Entretanto o Salvador deles nos en­
riquece por todos os atos de virtude que fazemos para
lhe agradar. Que não concedeu à família de Lázaro em
troca dos serviços a ele prestados? Um copo d'água fria
dado em seu nome não ficará sem recompensa, muito
menos um ato de abnegação ao serviço do próximo.
Não vemos diariamente as almas caridosas favoreci­
das pelo Salvador, que considera como feito a si mesmo
o bem prestado aos homens, seus irmãos adotivos? Quan­
to não elevou na glória a sua divina Mãe e seu pai nutrí­
cio pelos socorros temporais deles recebidos? A menor
ação feita em sua honra, a mais fraca palavra proferida
em seu louvor, até mesmo o desejo e a resolução de amá­
lo, nada fica esquecido pela gratidão desse bom Mestre,
sempre atento a pagar os nossos serviços.
E que são esses serviços, ó Jesus? fracos em si mes­
mos, dívidas contraidas para convosco, autor de todo o
bem. No céu coroais nos vossos eleitos antes a vossa
obra que a deles, porque a sua santificação dependeu
sobretudo da vossa graça. O vosso reconhecimento é tão
generoso - benevolente - delicado, que contais em nos-

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so favor as nossas ações, como se foram só nossas, tão
grande é o vosso desejo de cumular-nos de favores.
Enfim a gratidão de Jesus não diminue com os
anos. Bem diferente dos homens que depressa se dispen­
sam do dever de gratidão, ele rememora continuamente
as nossas boas ações, dá-nos já neste mundo o cêntuplo
e promete-nos recompensa eterna. Quem não se sente
encantado com caridade tão constante - e tão des­
interessada?
Meu amavel Salvador, o vosso modo de agir confunde
o meu egoismo, a minha frieza, indiferença e ingratidão.
Dai-me sentimentos de reconhecimento para convosco e
para com o próximo: l° Para convosco que criastes, res­
gatastes e santificastes e trabalhais sem cessar -para me
dar a bem-aventurança eterna; 2º Para com o próximo,
que é muitas vezes o instrume.nto de vossas misericórdias
para comigo. Destruí em mim o orgulho, a estima pró­
pria, e a pretensão, defeitos tão opostos ao espirito de
gratidão de que me dais o exemplo.

2º Jesus, modelo de fidelidade_


O Verbo de Deus, diz a Escritura, é a Verdade mes­
ma; não pode enganar-se nem induzir-nos ao erro. Infi­
nitamente longe da inconstância humana, permanece sem­
pre perfeitamente fiel (Num 23, 19). Desde a origem do
mundo promete resgatar-nos; foi, porém, muito mais lon­
ge do que o davam a entender as suas promessas. Não
contente de incarnar-se, de renunciar toda a glória, re­
pouso e felicidade terrena, abraçou a vida penosa, cheia
de humilhações, trabalhos, privações e tormentos, afim
de testemunhar-nos mais amor. Ora, 'é na adversidade
que se conhece melhor a fidelidade dos amigos. E que
infelicidade era a nossa: estávamos para sempre perdi­
dos, arruinados, condenados a não ver jamais o Bem su­
premo e infinito.
Fora de Jesus qµem nos poderia arr:ancar a essa cruel
sorte? Ninguem, nem os anjos, nem os mais sublimes

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serafins; a sua compaixão e eterna caridade para conosco
teria sido esteril sem as maravilhas que a ternura e a
fidelidade de Jesus fizeram efetuar por nosso amor. -
Quem, pois, não vos bendirá, Senhor, por tanta solicitude
e generosidade? Prometestes permanecer conosco até à
consumação dos séculos, eis-vos todos os clias com a vos­
sa Igreja e seu Chefe para os preservar do erro; com
todos os fiéis em milhares de santuários donde os acla­
rais, nutrís, santificais e conduzis à beatitude celeste.
O Salvador promete perdoar a quem se arrepende (Jo
6, 37). Qual é o pecador contrito e humilhado que não
tenha obtido o perdão no tribunal da penitência? Ele
comprometeu-se a atender-nos quando o suplicamos, a
amar-nos quando o amamos; e -qual é a alma que, im­
plorando a sua bondade em nossos tempos, não se sentiu
aliviada, fortificada e animada do desejo de se tornar
melhor? Amigo sempre devotado, Jesus não desanima
com nossas misérias e infidelidades; guarda sua pala­
vra, mesmo quando nos vê rebeldes às suas inspirações.
Meu divino Mestre, envergonho-me de aparecer diante
de vós depois de tantas promessas violadas, tantas re­
soluções esquecidas, tantas práticas começadas com fer­
vor e logo abandonadas. No batismo renunciei a Satanaz,
às vaidades do século e ao pecado; porém, mal chegado
ao uso da razão, traí os meus juramentos. Na minha pri­
meira comunhão renovei-os, porém sem melhor observá­
los. O sacramento da Confirmação, destinado a tornar­
me mais constante e fiel, deu-me ocasião de sondar mais
uma vez a minha fragilidade e inconstância no bem. Di­
gnai-vos, Senhor, fortalecer-me para o futuro e confir­
mar-me para sempre no vosso amor, afim de que nem
o enfado, nem os desgostos e repugnâncias, nem as fa­
digas, as dificuldades, os sacrifícios me possam afastar
de vós ou tornar-me indocil à vossa direção.

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QUARTO DOMINGO DEPOIS DA PÃSCOA -
VIDA INTERIOR DE SÃO ÍOSÊ
PREPARAÇÃO. Sta. Teresa afirma não ter visto ja­
mais alguem se consagrar ao culto de são José sem per­
ceber o seu avanço, a passos largos, na vida espiritual.
Meditemos: 1 º o que era a vida interior de são José;
2º qual deve ser a nossa, a exemplo da sua. A nossa re­
solução será de nutrir habitualmente o nosso espírito de
santos pensamentos, e o nosso coração de piedosos afe­
tos, afim de obedecermos mais facilmente à direção do
Espírito Santo. Virtute corroborari per splritum elus ln
interiorem hominem (Ef 3, 16).
1º Vida interior de são José
Homem interior é o que pensa e age interiormente
numa outra esfera do que a vida mundana ou vida dos
sentidos, numa esfera espiritual, sobrenatural e divina.
Onde achar mais belo modelo dessa vida interior meri­
tória do que em Nazaré na oficina de José?
Esse homem justo, segundo o testemunho das Escri­
turas, era cheio do Espírito Santo a quem devia repre­
sentar sobre a terra, como esposo da Virgem sem má­
cula vivendo na solidão e no silêncio, tendo sempre sob
os olhos Jesus e Maria, com que ardor e constância se
entregava à contemplação das coisas celestes! Que lu­
zes não recebia sobre a divindade, o fim do homem, a
queda primitiva, a Redenção! Estas verdades tão impor­
tantes ocupavam sem cessar o seu espírito e conduziam­
no ao conhecimento da santidade. Era o justo de que
fala o salmista e que medita dia e noite a lei do Senhor
(SI 1, 3).
Semelhante à palmeira plantada ao longo das águas,
abeberava-se nas fontes da graça por uma oração con­
tínua afim de produzir frutos em tempo oportuno. E pre­
ciosos eram esses frutos diante de Deus; eram atos de
humildade, de aniquilamento, de reconhecimento para
com o Senhor que o escolhera de preferência a tantos

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outros para a dignidade sublime dá pai nutrício do Re­
dentor; eram atos de adoração, respeito e amor ao divi­
no Infante; atos de veneração, confiança e devotamento
para com sua virginal esposa, a mais santa das criaturas.
Assim se escoava a vida pacata de José. Parecia nada
fazer de grande e notavel; mas a sua ação interiormente
oculta e secreta ultrapassava em elevação e mérito os
mais celebrados feitos. Tal é a vida interior. O mundo a
ignora e a despreza, dela zomba, enquanto que o céu a
admira. Tenhamos para com ela estima e afeição sobre
tudo quanto é criado. Que ela seja o objeto dos nossos
desejos, e dos nossos pássos. Todos os bens nos virão
com ela.
O' pai nutrício de Jesus, fazei que eu compreenda a
nobreza duma vida que nos põe em relação contínua com
a majestade soberana, - nos aclara quanto aos interes­
ses espirituais de nossa alma e de nossa eternidade, -
e nos proPQrciona graças mais preciosas do que todas
as riquezas perecíveis. Fazei-me sempre atento às lu­
zes do Espírito Santo; inspirai-me o amor da prece e a
força de fazer frequentes atos Interiores, que me dis­
ponham ao exercício das virtudes. Vlrtute corroborari
in lnterlorem homlnem.
2• Imitemos o interior de são José
"A terra está cheia de males, exclamava o profeta,
porque não há quem reflita em seu coração" (Jer 12, 11).
A reflexão deve começar em nós a vida espiritual e inte­
rior, porque é a fé que fornece os motivos da prece e da
ação para chegarmos à salvação. Mas essas reflexões
deverão talvez limitar-se ao tempo da meditação matu­
tina? Longe disso; devemos procurar ter sempre no es­
pírito algum pensamento santo que nos conduza ao bem,
mantenha a nossa coragem e sustente o nosso fervor.
Para isso escolhamos de preferência alguma das verda­
des e máximas salutares que nos tenha comovido, seja
nos retiros, seja nas leituras ou nas orações. Que elas
formem o nosso ramalhete espiritual, cujo perfume des-

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perte em nós o amor da oração e o desejo de obter grà­
ças de salvação. E de fato como não orar sempre tendo
diante dos olhos a morte que se aproxima, a eternidade
que chega, e o tribunal supremo a que nos dirigimos?
Circundados de inimigos que nos espreitam, de perigos
que nos ameaçam, muitas vezes agitados por paixões in­
dômitas que nos levam ao pecado, como escaparmos à
ruína sem um recurso frequente a Jesus e Maria?
Não temos ademais deveres contínuos a cumprir para
com a Majestade divina sempre presente em nossa alma?
Ela reclama de nós ora atos de humildade e adoração
de suas grandezas, ora atos de confiança em sua provi­
dência paternal e em sua bondade infinita. Os seus inu­
meraveis benefícios exigem sempre o nosso reconheci­
mento. Temos -ainda de exercer a mansidão e a caridade
para com o próximo, _e a abnegação para conosco mes­
mos; isso impõe-nos ainda o- dever de meditar e orar
para sermos fiéis às leis da perfeição.
Glorioso patriarca, são José, digno patrono das almas
interiores, fazei-me compreender que a vida de oração
e de reflexão é como um festim espiritual, onde a ra­
zão retempera sempre suas convicções religiosas e o co­
ração se fortifica contra as seduções do mundo e do pe­
cado. Obtende-me a graça de reconfortar-me constante­
mente a essa mesa de oração, mesa abundantemente pro­
vida, onde me é dado encontrar todos os remédios para
os meus males, a força contra os meus defeitos e a cons­
tância no exercício das virtudes. Tomo a resolução: 1 º
de empregar doravante, como vós, todos os meus mo­
mentos livres em entreter-me intimamente com Jesus e
Maria; 2º de não agir jamais por capricho ou vontade
própria, mas por espírito de fé e submissão a Deus e
conformidade com o seu beneplácito.

Bronchain II - S 33
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SEGUNDA-FEIRA DA QUARTA SEMANA -
ARIDEZ ESPIRITUAL
PREPARAÇÃO. "Para vós é bom que eu me vá", di­
zia o Salvador a seus apóstolos no Evangelho. Estas
palavras de Jesus podem aplicar-se à aridez espiritual.
1° Há dela duas espécies, uma involuntária e outra que
tem sua fonte na tibieza. 2º Com que meios poderemos
tirar proveito da primeira e remediar a segunda? -
Guardando fidelidade à graça e mais devoção nas ora­
ções; dizendo frequentemente ao Espírito Santo: "Regai
o que é árido". Riga quod est aridum.

1 º Duas espécies de aridez


Há duas espécies de aridez, uma involuntária e outra
causada por nossa tibieza mais ou menos culpada. A
primeira sucede às almas boas que Deus quer provar,
ocultando-se-lhes e deixando-as nos aborrecimentos, des­
gostos e distrações, que elas se esforçam em vão por
afastar e que suportam contra a vontade. Essa espécie
de aridez, longe de ser prejudicial, é um exercício de
paciência; contribue para o progresso �spiritual e para
o mérito das almas que as suportam sem infidelidade e
desânimo. Mas há uma outra aridez que devemos odiar,
combater e destruir em nós. E' como a que experimen­
tam os adeptos do mundo. Toda oração aborrece; uma
missa de meia hora parece-lhes demasiado longa; os ser­
mões são-lhe um peso; um quarto de hora na igreja
parece-lhes tempo consideravel enquanto acham dema­
siado curtos os dias e as noites passadas em conversa­
ções, negócios o.u diversões. Se não sentimos a tal ponto
o afastamento das coisas celestes, preferimos todavia
prática e voluntariamente o trabalho à oração, o estudo
à prece, o que afaga o corpo ao que santifica a alma.
Não sentimos acaso um horror instintivo a todo entre­
tenimento com Deus, enquanto que passamos facilmen­
te horas a conversar com as criaturas? Agrada-nos e
·deleita-nos ouvir falar de novidades e bagatelas; o en-

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Jado _apodera-se de nós quando nos dizem uma palavra
·de ·Jesus.
Donde provêm essas disposições? As coisas divinas não
são saborosas por si mesmas? Por que então nos pro­
duzem desgosto? Apresentam a um doente iguarias fi­
nas e ele as acha insípidas porque o seu paladar e m­
sensivel aos sabores. O mesmo se dá com o nosso cora­
. ção : perde o gosto dos bens espirituais por ser tíbio,
lasso, negligente, infiel à graça, apegado ao mundo e
às _satisfações dos sentidos, sempre pronto a dissipar­
se, · inimigo da solidão, do silêncio, do recolhimento, sem
grande cuidado da perfeição. Não é tal o vosso estado?
Examinai-vos.
Meu Deus, fazei�me ver o nada da vida passageira e
a importância da salvação etern!I,. Dai-me a coragem de
humilhar-me profundamente em vossa presença para re­
conhecer quanto necessito do vosso socorro e consequen­
_temente da oração que mo deve obter. Tomo. a resolu­
!:)ão: 1 ° de velar sobre mim mesmo pará evitar as faltas
J:leliberadas; ,2º de empregar todos, os momentos livres
em meditar e em orar ou em fazer qualquer leitura es­
piritual que me desperte o fervor.

2 º Como proceder na aridez


Sempre que Deus prova uma alma fervorosa pela ari­
dez espiritual, ela deve resignar-se, esforçando-se por
cumprir do melhor modo possível os exercícios que lhe
custam, sem omitir um só. Una-se à crU:cifixão de Jesus,
persuadida de que a provação lhe será mais salutar do
que a consolação sensível. Peça ao Senhor a paciência
e a perseverança. E' util tambem fazer alguma varia­
ção, mudar de exercícios, de livros, recrear-se moderada­
mente, mas sempre com a vontade de não procurar senão
a ,Deus.
. . Quanto aos que por sua negligência habitual são mais
ou menos causa· do enfado que sentem nas práticas cie
piedade, devem atacar .o mal em sua raiz. A leitura dos
livros dos santos,· dos livros que tratam da beleza da

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virtude, pode contribuir poderosamente à cura das suas
almas. Nada mais encantador, de fato, do que o belo
moral e as ações heróicas de almas generosas; nada mais
capaz de nos sacudir o torpor e inflamar o zelo. O santo
cura d'Ars derramava lágrimas de alegria e ternura ao
falar dos padres do deserto e do seu fervor no serviço
de Deus. S. Felipe �éri soluçava ao ouvir ler a história
dos santos.
Se à leitura unirmos a or�ão, mas uma oração seria,
frequentemente renovada e por vezes prolongada, a gra­
ça que dela emana embeberá nossa alma com doce or­
valho, arrancar-nos-á o gosto das satisfações que pas­
sam, prender-nos-á aos bens duradouros, e embalsamará
o nosso interior do sabor das coisas de Deus. Digamos
pois frequentemente com santo Ambrósio: "Senhor, curai
o paladar de meu coração e fazei-me sentir a suavidade
de vosso amor; libertado de todo langor, não encontro
doçura senão em vós e em vosso serviço". Examinemos
se tomamos bastante cuidado em fazer bem os nossos
exercícios de piedade, sobretudo a oração da manhã e a
ação de graças depois da comunhão.
Meu Deus, se vós fosseis o objeto das minhas inten­
ções e desejos, o que contraria as minhas idéias ou in­
clinações não me distrairia tão facilmente da vossa di­
vina presença para me lançar na lassidão. Dai-me a gra­
ça: 1º de me propor em tudo a vossa maior glória; 2º
de procurar na oração não a minha satisfação, a que re­
nuncio desde já, mas só o vosso contentamento e o vos­
so beneplácito.

TERÇA-FEIRA DA QUARTA SEMANA


CONSOLAÇÕES ESPIRITUAIS
PREPARAÇÃO. Depois de havermos meditado sobre
a aridez espiritual, consideraremos: 1º as vantagens das
consolações do Espírito, Santo; 2º como devemos usá-las.
- Em seguida examinaremos se nos não apegamos de­
masiado a elas, ou então se Jlles não pomos obstáculo
por· nossas faltas, tibieza e infidelidade à graça. Seja-

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mos cuidadosos e fervorosos em tudo e gozaremos logo
a paz e a suavidade do serviço divino. Gusto.te et videte
quoniam sua.vis est Dominus (Sl 33, 9).

l° Vantagens das consolações espirituais


Embora a devoção consista principalmente na dispo­
sição da vontade que se devota ao serviço de Deus, não
se devem todavia desprezar as consolações espirituais que
lhe são como o acessório e o apoio. Se não fossem uteis,
de que serviriam as exclamações da Escritura: "Senhor,
quão inebriantes são as delícias reservadas aos que vos
temem!" (Sl 30, 20). "Meu coração e minha carne es­
tremeceram de júbilo no Deus vivo" (Sl 83, 3). Que
sentido terá a recomendação do Senhor: "Pedí e 'rece­
bereis para que vossa alegria seja perfeita"? (Jo 16, 24).
E esta outra do profeta-rei: "Experimentai e vede quão
doce é o Senhor" (SI 33, 9) .
E' certo, diz Suarez, que o gosto sensivel da virtude
muito contribue a nô-Ia fazer praticar pronta.mente. Deus
a concede aos principiantes ordinariamente à semelhança
do leite que nutre as crianças, para que, achando dema­
siado austero o serviço de tão bom Mestre, não o aban­
donem em procura dos vãos divertimentos humanos.
Consola por vezes tambem as almas mais avançadas
quando lhe são fiéis, para fortalecê-Ias no bom caminho.
A alma é mais ardorosa e constante no que faz com
prazer, e entrega-se-lhe por vezes com uma generosidade
tal que se deleita até nas vigílias e mortificações.
A devoção sensiyel auxilia-nos a viver com fervor, au•
menta a nossa confiança e amor, dando-nos a experiên­
cia da bondade divina; desap�ga-nos das satisfações dos
sentidos, das vaidades do século e de tudo o que é cria•
do. Donde vos vem aquela dureza de coração, que cha•
mais talvez solidez de virtudes? não se origina das vos•
sas faltas veniais, de vossa dissipação e negligênci�, da
vossa pouca abnegação e infidelidade à graça? Se assim
é, mortificai-vos, mortificai os sentidos - fazei piedosas
leituras - prolongai as orações, multiplicai as preces,

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os impulsos do coração para a bondade divina, e logo as
doçuras espirituais virão consolar-vos, fortalecer. e en­
cher de zelo no serviço de Deus.
Jesus, fazei-me provar quão suave é o vosso jugo,
afim de que a ele me submeta sem reserva. Gustate et
videte (!Uoniam suavis est Dominus.

2º Como usar as consolações espirituais


-Já que as consolações são boas em si mesmas, não
convem desprezá-las nem rejeitá-las, mas usá-las com.
discernimento. Acautelemo-nos contra a vaidade, como
se . tivéssemos chegado ao auge d_a perfeição. Persuada­
mo-nos ao contrário de que dela nos achamos. muito
afastados, já que Deus nos trata com tantas atenções.
A verdadeira perfeição adquire-se em longos combates,
numerosas vitórias e duras provas suportadas com pa�
ciência. Santa Teresa confundia-se com os fayores rece­
bidos: "Sou, dizia ela, como uma casa que ameaça rui­
na e que escoram de todos os lados". Procuremos esses
sentime:,;itos quando o Senhor nos consola.
Sendo estas resoluções apenas um meio para chegar-,
mos a Deus, não nos detenhamos nelas como se fQram
o nosso fim, e não nos perturbemos quando nos falta­
rem, porque então nos resta só o objeto que devemos de­
sejar; isto é, o Bem supremo, imutavel, infinito. Quan­
tas almas já se perderam pelo demasiado apego aos go­
zos sensiveis da · piedade. Começam a seguir com ardor
um regulamento de vida, ao qual se conservaram fiéis
enquanto duraram as doçuras da graça; porém mal pas­
sou por seu coração a secura, qual vento abrasador, vol- _
tam ao mundo, e aos seus gozos e desvarios.
E vós, não poqdes a devoção alhures senão .na vonta,
de sincera de serdes fiéis a Jesus, apesar das penas e
düiculdades? Sta. Teresa dizia: "Jamais ousei pedir !",O
Senhor me concedesse a devoção sensivel, embora isso
fosse permitido. As consolações, parece-me, não perte:n­
ce:rn senão às almas que �nvidaram todos. os esfprços
para obter a verdadeira devoção que inspir3i o sentimen-

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to de nunca desagradar a Deus e de querer contentá-lo
em tudo". - Quereis conservar a graça sensivel? acres­
centa a Imitação, sede reconhecidos quando Deus vô-la
dá; - pacientes quando vô-la tira; - pedí para recupe­
rá-la; - sede humildes e vigilantes para não a perder
(L. 2, c. 2).
Meu Deus, pela intercessão da Virgem do Perpétuo
Socorro, dai-me a graça: 1º de pôr a minha alegria no
cumprimento exato e constante da vossa vontade; 2º
de desejar a unção do Espírito Santo para unicamente
melhor me submeter à sua adoravel direção em todas
as minhas ações.

QUARTA-FEIRA DA QUARTA SEMANA -


O DESANIMO
PREPARAÇÃO. A consolação, como temos visto, di­
lata o coração; mas, quando ela faltar, cuidemos em não
desanimar. 1º O desânimo é muito prejudicial à alma. 2º
Quais os remédios contra ele? - O fruto desta medita­
ção será de nunca escutarmos os sentimentos de triste­
za que se apoderam de nós diante das dificuldades, pois
que coisa alguma que me parece impossivel é dificil a
Deus. Quia non erit impossibile apud Deum omne ver­
bum (Lc 1, 37).

1º O desânimo é prejudicial às almas


De que é capaz uma alma desanimada? que bem pode
ela operar? Enquanto permanece nesse deploravel esta­
do, em vez de remediar a seus males, chafurda-se sem­
pre mais neles. Em vão procuram dar-lhe então avisos
caridosos; é incapaz de tirar proveito deles. Como uma
tela que cede sob o pincel do pintor, subtrai-se a toda
impressão salutar e inutiliza os esforços dos que lhe que­
rem bem. Está tentada? im!ta o soldado poltrão que ati-·
ra as armas ao chão, diante do .inimigo; acha dificil re­
correr ·à oração, afastar o pensamento do objeto que a
seduz e. cai JD.iseravelm!3nte sob o. doIIJ.ínio do inferno.

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O demônio torna-se mais audacioso à medida que nos
vê tímidos e enfraquecidos. Impele Judas ao desespero
-e por que? porque o encontra desanimado. S. Pedro, ao
contrário, levanta-se da queda por causa da sua cons­
tância em esperar em Jesus. O desânimo tem arruinado
muitos cristãos, enquanto que a humilde confiança os
salva todos os dias. Santa Teresa fala elogiosamente dos
corações corajosos e generosos: estes fazem em poucos
anos mais progressos, diz ela, do que as almas pusilâ­
nimes em muitos anos.
Não sois desses corações çstreitos que não ousam con­
fiar em Deus e temem sempre ser por ele abandonados?
Não vos abateis com a menor dificuldade quando as vos­
sas orações se tornam áridas, o aborrecimento e o des­
gosto vos assaltam, a carne e Satanaz vos impelem ao
mal, e trabalhos penosos e difíceis vos são impostos?
Os santos julgavam fazer injúria a Deus se desanimavam
nas provações e lutas da vida. O Senhor nos clama a to­
dos: "Estou sempre com aquele que sofre e que espera
em mim". Cum ipso sum in tribulatione (SI 90). - A
oração seja então o vosso remédio em todos os males
da vida! "Chegai-vos a Deus, diz são Tiago, que ele se
chegará a vós" (Tg 4, 8). "Confiai nele, que vos cumu­
lará de bens" (SI 90). "Mesmo que me desse a morte,
dizia o santo Jó, eu sempre nele esperarei" (Jó 13, 5).
Meu Deus, dai-me a graça de orar e abandonar-me a
vós nas tristezas e desânimos. A oração e a confian!;)a di­
latam-nos o coração e dão-nos a força de vencer o aba­
timento causado pela tribulação. Proponho� conser­
var-me, com a Mãe das dores, ao pé de Jesus crucifi•
cado para lhe oferecer as minhas amarguras e implorar
a sua assistência.
2º Remédios para o desânimo
Para remediardes a esse mal funesto, meditai frequen•
temente o que segue. Na milícia do século, a covardia
é uma vergonha; quanto mais na milicia de Deus! Um
soldado de Jesus Cristo, cuja vocação é de lutar sem tré-

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guas na vida, não deve ser sempre soldado corajoso?
Temos inimigos, mas inimigos já vencidos sobre o Cal­
vário pela cruz do Salvador. E ademais não temos co­
nosco Jesus, o Rei da glória, Maria, a Rainha do céu, e
milhões de anjos e santos sempre prontos a defender­
nos? Por que então temer ou desanimar?
O desânimo, como o temos dito, não serve para nada;
em vez de diminuir os nossos males, aumenta-os. A ora­
ção e a éonfiança., ao contrário, proporcionam remédio
para tudo. - "Debalde oro, exclama a alma abatida,
Deus não me atende; deixa-me sempre nas mesmas pro­
vações, nos mesmos combates, nas mesmas dificuldades".
Mas essas penas e dificuldades, responde-lhe a fé, não
podem servir para a vossa santificação? Resignando-vos,
elas se tornam um meio de expiar as faltas, exercer a
humildade, a força de ânimo e a paciência; são para
vós ocasião preciosa de aprenderdes experimentalmen­
te quão fiel é o Senhor e.m não vos provar além das
vossas forças e a vir em vosso auxilio quando o invocais.
E essa experiência não vos será um meio de curar-vos
da desconfiança e pusilanimidade?
Tomai pois a resolução de exercer a vossa crença
nas seguintes verdades: 1 º Nada escapa à sabedoria in­
finita de Deus e nada pode subtrair-se à sua onipotên­
cia. 2º A sua bondade sem limites é o único movei da sua
ação sobre nós.. 3º Por conseguinte, deveis evitar o des­
ânimo quando esse médico caridoso trabalha em vos curar
da vaidade, pela humilhação; da cobiça, sensualidade e
egoismo, pelas adversidades, enfermidades e privações;
de todos· vossos defeitos, enfim, por remédios amargos,
incisões dolorosas, cujos efeitos tendem a santificar-vos
e a tornar-vos felizes para a eternidade.
Meu Deus, se eu vos amasse e em vós confia.ase, ja­
mais a adversidade ou a tentação poderiam diminuir-me
a coragem. Dai-me a graça de esperar tanto mais em

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vós quanto mais sinto minha fraqueza para o bem. E
vós, minha terna Mãe, Maria, bani do meu coração a
tristeza. que agrava o fardo dos meus deveres - e a
desconfian!;)a que me impede de recorrer à prece e de
me apoiar em vosso socorro.

QUARTA-FEIRA DA QUARTA SEMANA (bis)


DAS FALTAS INDELIBERADAS
PREPARAÇÃO. Já que o desânimo nasce por vezes do
grande número das · nossas faltas indeliberadas, medita­
remos: 1º as causas das nossas faltas meio voluntárias;
2º o que devemos evitar em relação a essas faltas. To­
maremos a resolução de diminuir, quanto possível, nossos
defeitos e imperfeições sem jamais nos abatermos pela
frequência das nossas quedas; pois que não há quem não
peque. Non est homo gul non peccet (3 Rs 8, 46).

1º Causas das faltas meio voluntárias


· A ignorância de nós mesmos e da noss·a miséria é a
fonte de muitas faltas meio voluntárias. Quem pouco se
conhece, não desconfia de si e expõe-se a levar uma vida
imperfeita. A presunção faz a alma dissipada, pouco dis­
creta, precipitada em suas ações; daí as frequentes fal­
tas que mal são notadas. A nossa fragilidade natural é
excessivamente grande! São Tiago não hesita em a.fir­
mar que todos pecamos em muitos pontos (Tg 3, .2). São
João chama mentiroso quem se declara livre de toda es­
pécie de faltas; os que possuem essa pretensão, acres­
centa, enganam-se e seduzem-se a si mesmos (1 Jo 1, 8).
Assustam-nos estas palavras? Absolutamente não, por
causa· da propensão violenta que nos arrasta ao mal.
O santo concílio de Trento ensina que nós é impossí­
vel, a não ser por uma graça especial, evitar durante a
nossa vida todas as faltas veniais meio voluntárias. A
santíssima Virgem é a. única que.· nesse ponto faz uma
excegão entre os filhos de Adão. Quão . distantes esta,
mos · nós desse modelo perfeitíssimo! Santa Catarina. de

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Gênova viu um dia, por uma luz celeste,. a fealdade da
sua alma, já santa é verdade, mas sujeita às levea -im­
perfeições contraídas até pelos amigos de Deus. Ficou
tão assustada, que suplicou ao Senhqr tirasse esse 4or­
rendo objeto de diante dos seus olhos. Se isso se dá _com
os santos, que será de nós? Em que estado se acha a'
nossa alma tão exposta a faltar à caridade, à humildade,
ao recolhimento, à obediência e a todas as virtu'des?
Meu Deus, quantos motivos tenho para humilhar-me
e confundir-me! Quantos repentes de amor próprio, vai-'
dade, sensualidade, intenções naturais mancham num só
dia o meu coração! Dai-me a graça de velar sobre o'
meu interior e de veis suplicar constantemente a graça
de obter uma conciência pura, um espírito reto · e' uma
vontade decidida de corrigir-me dos meus defeitos e· de'
fugir até das imperfeições;

2º O que evitar quanto às faltas indeliberada.s


Há almas que uma humildade falsa e perniciosa lança:
no desalento a. respeito das suas imperfeições. A humil­
dade verdadeira, segundo santa Teresa, não só não .cau.,
sa agitação, tristeza e inquietação;, mas produz a calma,
a paz, a consolação. A vista das nossas faltas de pura
fragilidade, longe de abat,ar-nos, deveria mover-nos .;a
agradecer ao Senhor, que nos preserva de quedas mais
graves, nos conserva a vontade de obedecer a seus pre­
ceitos e nos dispensa suas luzes e graças; apesar das
nossas infidelidades.
Isso não nos deve impedir de estarmos dê• sobreliviso
e de fugirmos da negligên�ia-: porque a confiança em
Deus, quando verdadeira, · não nos tira a desconfiança
de nós mesmos. Esta é, nos. santos, a medida. daquelái
Preservando-nos de desastrosas. quedas, ó. Jesus, eKigís
de nós mais vigilância, mais atenção em corresponder aos
vossos favores. Sem essa fidelida,de, as nossas faltas
ordinárias deveriam muitas vezes l;l.tribuir-se a um des:
cuido repreensível. Dai-nos se_mpre a graça, de trapalhar-

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mos em nos emendar delas, por involuntárias que nos
pareçam.
Acautelemo-nos sobretudo contra a insensibilidade es­
piritual. Se apesar dos nossos esforços não notarmos em
nós séria emenda, não endureçamos o nosso coração. Os
santos derramavam lágrimas por causa das suas imper­
feições e tendências naturais para o pecado. Ser-nos-ia
tambem proveitoso gemer pelas nossas misérias, fraque­
zas e frieza no serviço divino; exprobrar-nos frequente­
mente nossa pouca semelhança com os verdadeiros dis­
cípulos do Salvador: eles tão humildes em seus senti­
mentos, e nós tão pretenciosos e cheios de nossa pró­
pria estima! - eles tão pacientes, mortificados, obe­
dientes, e nós tão suscetiveis, amigos de nossa comodi­
dade e liberdade! - eles tão recolhidos e unidos a Deus
em suas ocupações, e nós tão dissipados, ávidos das no­
vidades do mundo e afastados do entretenimento habi­
tual com nosso amavel Redentor.
O' Jesus, pela intercessão da Virgem sempre fiel, não
permitais que eu desculpe os meus defeitos perante vós,
perante o próximo ou diante de mim mesmo. Uni em mim
a desconfiança na minha fraqueza à mais completa con­
fiança em vossa bondade e méritos infinitos.

QUINTA-FEIRA DA QUARTA SEMANA


CONSTANCIA NO BEM
PREPARAÇÃO. Destruiremos a tendência para o des­
ânimo se trabalharmos para• fixar-nos no bem. Vejamos
pois: 1° A necessidade e os efeitos da constância cris­
tã; 2º os meios de adquiri-la. Examinaremos depois se
o nosso fervor não arrefeceu, e escutemos o conselho
do Espírito Santo que nos diz: "Meu filho, permanece
inabalavel na justiça e no temor de Deus, e prepara a
tua alma para a tentação". "Sta ln justltla et timore, et
prepara animam toam ad tentatlonem" (Ecli 2, 1).

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1 • Necessidade é efetios da constância
A inconstância no bem é uma das mais funestas cha­
gas para a salvação dos cristãos.' Quantos há que co­
meçaram como anjos. e acabaram como demônios! Quan­
tos que, como Adão -no paraíso, viveram algum tempo
revestidos da graça santificante e, comendo depois do
fruto proibido, resvalaram àté ao nivel dos irracionais!
E entre as almas piedosas quantas decepções e ruinas
acumuladas pela inconstância! As almas dão-se a Deus
no retiro, resolvem-se a corrigir tudo e a tudo sacrificar
ao seu beneplácito divino; e apenas entradas na vida or­
dinária, nos embaraços dos negócios exteriores, esque­
cem-se e transtornam em. uma hora ·o que custou tanto
trabalho de espírito, tantas orações, esforços e lágrimas.
Tal é a inconstância do coração humano! Mostra quão
lndlspensa.vel nos é a virtude contrária.. Sem ela nada
de progresso, nada de perseverança, nada de salvação.
"Quem perseverar, diz o Salvador, será salvo" (Mt 10,
22). Quantos méritos não teríamos adquirido, se tivés­
semos sido fiéis a nossas resoluções! Tantas vezes co­
meçamos a mortificar-nos, a espezinhar nossa paixão do­
minante! e pouco a pouco ficamos remissos, tendo ne­
cessidade de um retiro pare. retemperar o nosso fervor.
O' Jesus, que é do tempo em que eu evitava as meno­
res faltas por delicadeza de conciência; em que velava
sobre mim mesmo e vivia desapegado, longe do mundo,
só pensando em vós e só respirando para vos comprazer?
Que doces alegrias então! quantos fervorosos atos de
amor, renúncia, Obediência! que facilidade em praticar e.
oração, a caridade, o devotamento!
Onde estou, Jesus? Por ser.vir-vos alguns e.nos, auto­
rizo-me a viver descuida.do, menos submisso, menos docil,
menos mortificado, menos amigo do silêncio e de. ora­
ção. Não deveria eu fazer justamente o contrário? Apro­
ximando-me sempre mais de. morte e do juízo final, não
deveria redobrar de zelo no cuide.do do meu aperfeiçoa-

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mento es.piritual? O' -meu Salvadór, faz.�i que assim seja.
Aumentai-me o fervor à medida que os anos passam e
me impelem para a eternidade.

2º Meios de ser constante no bem


E' . próprio da verdadeira virtude, diz santo Tomaz,
agir com foi:-ça e constância. Para lá chegar, o melhor
meio nos seria formar, pela fé e oração, uma convicção
profunda · das verdades da salvação. Quem age por sen­
timento está exposto a muita incdnstância, o que se nao
dá quàndo é conduzido por princípios da razão e da fé.
Quanto mais enraiga,dos na alma esses princípios,· tanto
menos se estará sujeito a mudançás.
Quais, porém, entre as virtudes reveladas, se devem
�scolher de preferência? evidentemente as que mais
convêm aos nossos deveres, aos perigos que corremos,
'a têmpera de nosso espírito e carater, as que, numa pa­
lavra, produzem" em 'nós as màis salutares impressões, nos
.fnspiram O' horror do pecado e o amor da virtude. '­
Essas verdades é preciso meditá-las cada manhã, recor­
dar0se ·delas· frequentemente durante o· dia e tomá-las
por regra da nossa vida. Assim a nossa inteligência,
sempre aclarada ,pelas verdadeiras máximas evangéli­
cas, dirigirá a barca da nossa alma longe dos escolhos,
por m�a rota facil e consequentemente mais favoravel
ao ,fervor perseverante.
' 'Acrescentemos ainda a prece assídua. o coração, como
o espírito, tem necessidade de ser nutrido, fortificado,
11ustentado. A prece fervorosa é seu alimento· de cada
hora e· de éada instante, é a sua respiração, o seu meio
'de existência, fazendo-o viver da vidà celeste, da vida
do próprio Deus. Na oração assídua estão compreendidos
os sacramentos;- os exercícios de piedade e tcidas · as prá­
ticas dum bom Tegulamento de vida.
•Tendes até agora usado esse meio de vos fixar na vir­
tude e de :nunca abandoná-la? Tendes sempre na mente
alguma verdade predileta que vos sirva de guia e apoio;
por exemplo: "Só uma coisa é necessár.ia: contentar a

46
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Deus. - Tudo passa, só Deus permanece" ? Estas máxi­
mas e outras semelhantes, unidas à prece, vos auxiliarão
a não perderdes nada do vosso fervor habitual.
O' Jesus, que sobre a terra levastes vida dura e pe­
nosa, e que permanecestes na cruz apesar das provoca­
ções dos vossos inimigos que vos desafiavam, preservai­
me de toda a inconstância nas práticas de piedade que
devem diariamente alimentar a minha alma e ajudá-la
a bem cumprir os seus deveres. Proponho-me: 1° com­
bater a indolência, a negligência, o capricho, o mau hq­
mor e todas as inclinações voluveis da mip.ha fraca, na­
tureza; 2º agir sempre por princípios da razão e p.a fé,
apesar dos desgostos, enfados, dificuldades e tentações.
Fazei-me fiel a essas resoluções pela intercessão daquela
que é a Mãe da perseverança e o mais perfeito modelo
da constância no vosso amor.

QUINTA-FEIRA DA QUARTA ·SEMANA (bis)


TRANS<;;RESSÃO DAS REGRAS
PREPARAÇÃO. Nada é mais prejudicial a um religibso
do que o hábito de transgredir a Regra. Meditare'màs,
para nos preservar desse hábito ou dele nos curar: r
os males que provêm desse relaxamento; 2º o meio de
remediá-los. · Tomaremos a resolução de fazer, apôs as
nossas quedas; um ato de contrição e um propósito sin­
cero de não recair, porque, como diz o Espirita Santo,
a observância regular é o caminho da vida. Via vitae
custodienti disciplinam (Prov 10, 17).

l° Males acarretados pela transgressão das regras "


Transgredindo habitualmente as Regràs, ó religioso
mostra-se ingrato para com seu fundador que se sacrifi­
cou ao estabelecer o Instituito; pois que elas são a ex­
plicação e o desenvolvimento dos votos, que constituem
essencialmente a vida religiosa e formam como . que ··as
muralhas espirituais - do edifício. Destruí-las é transtor­
nar o Instituto. Que monstruosa ingratidão!

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Dando frequentemente maus exemplos, abala a cons­
tância dos fracos, escandaliza os fervorosos e danifica
a comunidade. Os mais uteis ao Instituto não são os que
brilham por seus talentos e sucessos, e sim os mais fiéis
à observância. Grande mal causam de fato, J1 toda a
Igreja, os religiosos caidos no relaxamento; eles a des­
honram, escandalizam, ofendem e ferem assim a pupila
dos olhos de Jesus.
O doutor angélico diz ser dificil ao religioso, após a
profissão, não pecar ao menos venialmente, transgredin­
do voluntariamente um ponto da Regra. Que contas, pois,
não deverá prestar quem comete faltas habituais e em
pontos importantes! A que julgamento severo nos sub­
meterá Jesus no outro mundo! E esse julgament9 come­
ça muitas vezes nesta vida. Se o Senhor ameaça lançar
da sua boca o cristão tíbio e negligente, que não fará
com os religiosos relaxados? Quantos não sairam da Or­
dem e. pereceram miseravelmente!
Sto. Afonso dizia: "Cada qual procure evitar as mais
leves faltas plenamente deliberadas, porque o demônio
conduz ordinariamente dessas faltas a outras mais gra­
ves para fazê-lo perder a vocação". "Quem é infiel nas
pequenas coisas, afirma o divino Mestre, sê-lo-á pouco a
pouco nas mais essenciais" (Lc 16, 10). A cada trans­
gressão dum ponto da Regra, vos tornais mais fracos,
menos aclarados, menos fervorosos e escorregais num
perigoso declive. - "Um religioso, diz ainda santo Afon­
so, que transgride habitualmente uma parte, embora
minima, da sua Regra, ainda que pratique a penitência,
a oração e as obras espirituais, não dará um passo se­
quer para a perfeição". Ipse morletur qula. non habuit
disciplinam (Prov 5, 23).
Meu Deus, fazei que eu conheça as minhas faltas or­
dinárias contra a pobreza, a modéstia, a obediência e a
caridade; contra o espírito da solidão, do silêncio, do re­
colhimento e da oração, e dai-me a força de me corrigir
doravante.

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2º Como devemos observar as Regras
As Regras são para os religiosos vínculos salutares
que os impedem de correr na estrada da licença, e que
os livram das cadeias das paixões; são l�os de amor
que nos não tiram a santa liberdade dos filhos de Deus,
mas ao contrário a aumentam, livrando-nos do jugo do
mundo, do inferno e das inclinações viciosas.
Disso se deduz que devemos observá-las menos por
temor do que por amor. O amor inspira mais generosida­
de e constância, e ajuda ao mesmo tempo para adquirir
merecimentos. Que não faz um negociante que se quer
enriquecer? Quantos cuidados, penas, vigílias e priva­
ções! submete-se a tudo com alegria. Por que motivo?
Porque ama o seu estado e o lucro que lhe provém. Com
quanto mais prazer devemos levar o jugo da observân­
cia, jugo tão amavel em si mesmo, e que nos garante
uma fortuna, um reino eterno! . . . O pássaro aprecia as
asas que o ajudam a fugir dos inimigos, a encontrar a
sua subsistência e a equilibrar-se nos ares. Como não
amaríamos as nossas Regras que nos preservam dos
perigos, - nos alcançam graças de salvação, e nos
elevam à união com Deus?
"Convencei-vos, diz santa Maria Madalena de Pazzi,
que elas são para vós a vontade de Deus; estimai-as e
amai-as como ao próprio Deus; e se os outros as trans­
gridem, suprí as suas faltas". - J.'ião hesiteis, pois, em
guardar o silêncio quando outros o quebram sem neces­
sidade; em viver recolhidos, quando outros são dissipa­
dos; em pedir as pequenas permissões, quando outros
disso se descuidam. Não vos deixeis influenciar pelos
maus exemplos, mas só pelos bons. O amor filial para
com Deus, vosso Pai, não exige menos de vós. Não se­
jais mercenários, escravos do respeito humano; mostrai­
vos em tudo filhos devotados do Instituto que vos leva
em seu seio e ao qual deveis tanto por lhe estardes uni-.
dos pelos laços mais sagrados.
Jesus crucificado, recordai-me a miudo a palavra de
são Bernardo : Ad quid venisti? por que ingressaste na
Bronchain II - 4 1!)
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religião? Entrei para santificar-me por meio da obser­
vância regular. Pela intercessão da Virgem sempre fiel,
concedei-me a graça: 1 º de estimar cada uma das minhas
Regras como um preceito evangélico; 2º de observá-las
todas com respeito, - exatidão - generosidade, como
o fazia o meu Fundador.

SEXTA-FEIRA DA QUARTA SEMANA -


VERDADEIRA SANTIDADE
PREPARAÇÃO. A constância no bem conduzir-nos-á
à santidade verdadeira. Para tomarmos esse caminho,
consideremos: 1 º em que ela consiste; 2º como adquirí­
la. - Vejamos a seguir se não receamos demasiado a
renúncia oú os sacrifícios exigidos pelo exercício das vir­
tµdes e que nos forçam a sermos perfeitos como o Pai
celestial. Estote ergo vos perfecti, sicut et Pater vester
caelestis perfectus est (Mt 5, 48).

1 º Em que consiste a perfeição


Duas coisas são necessárias à verdadeira santidade:
o hábito e a solidez das virtudes. O hábito adquire-se
pela repetição dos atos, e é indispensavel à perfeição.
Não se diz que alguem é sábio por haver dito uma pala­
vra de ciência, nem que é virtuoso por ter feito uma
ação santa; é o hábito de falar sabiamente e de agir
santamente que lhe · merece os títulos de sábio e santo.
Os atos passageiros deixam-nos sempre fracos e in�ons­
tantes, mas o hábito enraiza em nós a virtude, torna-a
firme e perseverante, transforma-a, por assim dizer,
numa segunda natureza.
A santidade estará então consumada numa alma?
Não, deve ainda passar pela prova da adversidade e da
humilhação. Quando as almas começam a trabalhar na
sua santificação, Deus as auxilia sensivelmente, e elas
produzem então, com facilidade, atos de humildade, ca­
ridade, penitência e devoção. Mais tarde, quando já ad­
quiriram mais alto grau de virtude, que faz o Senhor?

50
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Tira-lhes sua assistência sensivel, deixa-as entregues ao
desgosto, às dores do espírito, às tentações; dá-lhes fre­
quentes ocasiões de fazer atos generosos de abnegação,
confiança, castidade, paciência e abandono à vontade ·di­
vina. Assim são elas purificadas, exercitadas, trabalha­
das como a estátua pelo estatuário até à perfeita seme­
lhança com seu divino �odeio, Jesus crucificado.
Vós que desejais santificar-vos, aprovais quando o
Senhor vos humilha, vos prova e mortifica? Quantas
repugnâncias, tristezas, abatimentos, queixas, por cau­
sa de uma leve contrariedade! E' isso acaso virtude só­
lida que se não perturba com coisa alguma e nada teme
porque só Deus é a sua força, o seu tesouro e a sua
felicidade?
Meu Deus, quão longe estou desse feliz estado! Para
eu lá chegar concedei-me a coragem de vencer-me e apro­
veitar todas as ocasiões de virtudes, afim de conseguir
o seu hábito. Disponde-me pela oração aos sacrifícios e
às dificuldades d€ cada dia, e comunicai-me a força de
aceitar o que contraria os meus gostos, idéias e inclina­
ç�es no cumprimento dos meus deveres.

2º Como santificar-nos
A verdadeira santidade pode adquirir-se pela oração
e pela paciência. A oração põe-nos em comunicação com
Deus, atrai-nos suas luzes e suas graças. Como o ramo
unido ao tronco da árvore recebe abundante seiva e pro­
duz flores e frutos, assim a alma -unida a Deus pela ora­
ção obtem os socorros de que necessita para nutrir a
vida espiritual, produzir as flores dos bons desejos e os
atos de santas virtudes. Além disso, a oração torna-nos
vigilantes, atentos e fiéis às inspirações divinas; daí o
progresso rápido das almas verdadeiramente piedosas,
na humildade, abnegação, obediência, mansidão e outras
virtudes. Mas seremos santificados somente pela oração?
Não, é necessária a provação da paciência segundo o
pensamento de são Tiago (1, 4). Patientia opus perfe­
ctum habet. A oração, diz tambem santa Teresa, aju-

4* 51
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da-nos a aofrer com pac1encia, mas é a pac1encia que
termina a obra da nossa santificação. A doçura da con­
templação, segundo santo Afonso, desapega-nos do que
� criado, mas não basta, sem o sofrimento, para nos fa­
zer morrer a nós mesmos. Queremos santificar-nos? Ar­
memo-nos de coragem afim de suportarmos sem queixa
as provações interiores e exteriores que Deus nos envia.
"O dia compõe-se de luz e trevas, diz ainda santo
Afonso; se houvesse somente dia ou constantemente noi­
te, tudo pereceria na natureza; assim compreendemos
que nossa vida deve ser um mixto de consolações e do­
res, corno a tela é um tecido de fios cruzados. Os santos,
que conh.iciarn o valor da oração, a ela se dedicaram,
não em procura da própria satisfação, mas para agradar
a Deus". Assim fala nosso santo doutor.
Jesus, meu adoravel modelo, destes-me os mais tocan­
tes exemplos de oração e resignação. Inspirai-me a força
de seguir as vossas pegadas. Quero doravante: 1° empre­
gar todos os momentos livres na reflexão e na prece,
afim de aumentar em mim os desejos da minha santifi­
cação; 2º armar-me de coragem nas contrariedades para
me calar e pedir-vos interiormente a calma e a paciência.
Coloco essas duas resoluções, ó Virgem santa, sob a vos­
sa poderosa proteção, que tem santificado tantas almas
de boa vontade.

SÃBADO DA QUARTA SEMANA


MOTIVOS DE SANTIFICAÇÃO
PREPARAÇÃO. Animemo-nos a adquirir a verdadeira
santidade, considerando : l º a excelência da perfeição
evangélica; 2º por que não nos santificamos como san­
tos. - Decidamo-nos, nesta meditação, a aproveitar me­
lhor as nossas orações, fazendo-as seriamente com aten­
ção e fervor para delas tirarmos mais frutos. Beatos
vir qui meditabitur die a.e nocte (Sl 1, 2).

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l º Excelência da perfeição e,,angélica
Nada maior nem mais desejavel do que a santificação
da alma. A dignidade dos reis e dos próprios pontífices
não se pode comparar à grandeza dos santos, que são os
êmulos, os concidadãos dos anjos, enquanto que aqueles,
sem a graça que santifica, seriam escravos do inferno.
E que · estima não tem o Senhor de uma alma que tra­
balha na sua perfeição! Com que solicitude a defende,
protege, lhe comunica luzes e graças e a impele a avan­
çar no santo amor! Emprega maior cuidado em dirigir
um coração fervoroso do que em governar os astros e o
universo; para salvar e santificar uma só alma, teria
enviado seu Unigênito Filho à terra e o deixaria cra­
var na cruz.
O próprio Jesus, por uma só alma, continuaria como
vítima dos nossos altares e prisioneiro perpétuo das nos­
sas igrejas. Ele disse· a santa Teresa que por ela só teria
criado o paraiso. - Ele, durante a sua vida mortal, ape­
sar de ser o tesouro de todas as ciências, nunca proferiu
uma palavra dos segredos da natureza, e por que? para
nos mostrar o quanto se interessa pela santificação das
nossas almas e pelas riquezas de sua graça. Toda a sua
doutrina e toda a sua vida resumem-se na ciência da
salvação.
Que lição para nós, tão ávidos de dignidade, honras,
ciências profanas, novidades políticas, e tão poucos de­
sejos de progresso na virtude! Apegamo-nos à terra, a
nós mesmos e aos preconceitos do s·éculo, contrariamente
aos sentimentos do Verbo incarnado! "Até quando, cla­
ma-nos o. Espírito Santo, amareis a vaidade e procura­
reis a mentira?" A' perfeição vos pertence, se a quiser­
d�s, e com ela a glória sólida, - impereciveis riquezas
- e a verdadeira felicidade. Por que ainda hesitais?
Meu Deus, Bem supremo, imutavel e eterno, fazei-me
compreender que, amando-vos sem partilha, possuirei to­
dos os bens e terei a verdadeira beatitude. Inspirai-me a

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coragem de viver em perfeito desapego, sem nada ver e
sem ser visto, unicamente ocupado em trabalhar, orar,
obedecer, exercer a caridade, a paciência e todas as vir­
tudes que formam os santos.

2º Por que nós não nos santificámos interiormente


A grande causa de pouco progresso das almas na vir­
tude, é a falta de seriedade na consideração das verda­
des reveladas. Cada um dos nossos mistérios é de molde
a mover o coração, arrebatá-lo, a penetrá-lo de sentimen­
tos de admiração, reconhecimento e confiança, e abra­
sá-lo de amor para com Deus, que opera em nosso favor
tantas maravilhas. Donde vem, pois, que nos quedamos
frios no meio de tantas chamas? E' porque não atingem
o fundo 'da nossa vontade; não nos aprofundamos bas­
tante nas vérdades da fé. Consideramo-las superficialmen­
te como coisa já: conhecida, em vez de querermos, pela re­
flexão, compreender-lhes a importância, sondar-lhes I a
profundeza, medir-lhes a extensão de modo a nos toca­
rem o coração, fazendo-o produzir frutos de salvação.
Meditai, por exemplo, antes da comunhão a verdade
de um Deus que desce a nós. Por meio de comparações
podereis melhor apreciar a vossa felicidade. Se um rei,
um papa, fosse visitar-nos, que acontecimento para nós!
Aquí é mais ainda, e infinitamente mais, é um Deus!
Vem do trono da sua glória, cercado dos príncipes da
milícia angélica; vem a vós que sois um nada; um peca­
dor! Bondade tão inefavel não exige da vossa parte
acréscimo de fé, humildade, respeito, confiança e amor?
E que reconhecimento não reclamam os dons que -ele
traz! Não são bens terrestres e caducos, mas tesouros
celestes e eternos, cuja menor parcela vale mais do que
o universo. - Esses pensamentos, quando bem com­
preendidos, são de molde a despertar o vosso fervor na
sagrada mesa, e a vos fazer tomar generosas resoluções.
A negligência em meditar e refletir é a causa ordi­
nária da fraqueza das almas, às quais faltam então
convicções necessárias às sólidas virtudes. Onde é que

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se formaram os santos, esses verdadeiros heróis do cris­
tianismo, senão na cruz? Meditavam dia e noite a lei
de Deus, vasando-a em seu coração, em seus sentimentos
e afetos, em toda a sua vida. Eis o segredo da sua emi­
nente perfeição.
Jesus, os mesmos motivos que animavam os santos ao
fervor, exigem tambem a minha santificação; e eu te­
nho, como eles, os mesmos meios para lá chegar. Donde
a causa que permaneço sempre imperfeito, sem espírito
de humildade, abnegação e sacrifício? Ah! sem dúvida
reflito muito pouco ou superficialmente nas verdades da
fé. Dai-me o. dom da oração e a força de reprimir cons­
tantemente os meus defeitos, - meus apegos, - e todos
os obstáculos à minha união convosco. Beatus vir qui
meditabitur die a.e nocte.

SÁBADO DA QUARTA SEMANA (bis) -


OS GRANDES MEIOS DA PERFEIÇÃO
PR�PARAÇÃO. Sendo a perfeição evangélica o bem
mais precioso desta vida, consideremos dois excelentes
meios de adquirí-la: 1 º o recolhimento; 2º a fidelidade
à graça. - Concluiremos pela resolução de lembrar-nos
frequentemente da presença de Deus e de escutar a voz
das inspirações divinas afim de executarmos em todas
as nossas ações o beneplácito do Pai celeste, como fez
Jesus Cristo. Qure placita sunt ei facio semper (Jo 8, 29).

1º O :recolhimento, grande meio de perfeição


As plantas necessitam da terra, para daí tirar a sei­
va que lhes dá vida e força; assim a nossa alma deve
permanecer em Deus para conservar á vida so0renatu­
ral e progredir nas virtudes. A ·fé é a raiz da perfeição;
porém essa raiz, sem o recolhimento que nos conserva
unidos a Deus, não nos poderia fornecer as forças ne­
cessárias à nossa perseverança. O recolhimento é, pois,
indispensavel ao nosso adiantamento espiritual. - Ele
é um dos meios mais faceis e eficazes para a consecu-

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ção do fim. r E' fa.cll porque, doce e agradavel 11.0 co­
ração piedoso, exige somente a operação do entendi­
mento, que se retira dos objetos exteriores para se re­
cordar da presença divina; 2º E' eficaz porque sem ele
o nosso espírito é distraido, a nossa imaginação dissi­
pJl.da, o nosso coração árido quanto às coisas divinas,
enquanto que com ele podemos meditar, orar, atrair­
nos a graça, agir por motivos de fé e santificar a nos­
sa vida.
Para nos tornar perfeitos, o recolhimento deve pro­
duzir em nós dois efeitos preciosos. O primeiro é aten­
ção habitual eni Deus, e o segundo, a atenção frequen­
te em nós mesmos. A atenção em Deus faz-nos conside­
rar a sua glória, o aumento da graça em nós e o cum­
primento de seu beneplácito até nos pormenores
da nossa vida. A atenção sobre nós mesmos adverte-nos
a purificarmos as intenções, a fugirmos da agitação e
da vaidade, e combatermos os movimentos naturais, o
mau humor, a tristeza, o capricho, o ressentimento; a
reprimirmos a impaciência, a atividade exagerada e o
seu contrário, que é o pouco caso e a indolência natu­
ral. Assim os nossos desejos, elevando-se mais alto, con­
centrar-se-ão só em Deus e nos deixarão em condição
de agirmos e sofrermos por ele.
Meu Deus, tomo a resolução de fomentar em mim,
quanto possivel, o recolhimento interior: 1 º cerceando
as visitas e conversações inuteis e amando a solidão e
o silêncio; 2º velando especialmente sobre os meus sen­
tidos e a minha imaginação para os regrar, mortificar
e banir tudo o que não é para ·vós. Concedei-me a gra­
_ça -de santificar as minhas ocupações pela pureza de in­
tenção, - pela oração frequente - e pela união con­
tínua convosco.

2º A fidelidade à graça, grande melo de santificação


A graça habitual ou santificante, que é a vida sobre­
natural da nossa alma, deve ser mantida em nós pela
graça atual. Esta é a um tempo: 1º luz que aclara o nos-

56
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º
110 entendimento, lhe mostra, e faz apreciar o bem; 2
ardor que leva a nossa vontade a amar a virtude e a pra­
ticá-la. A docilidade a essa luz e esse ardor chama-se
fidelidade à graça. Ora essa graça, esse socorro divino
é indispensavel à nossa perfeição. Como o ar é necessá­
rio à vida corporal, a graça de cada instante o é à vida
espiritual. Sem ela não podemos ter, diz o apóstolo, nem
sequer um pensamento meritório para o céu, menos ainda
querer e operar o bem com proveito diante de Deus. As­
sim como é impossivel a uma planta tornar-se racional
e agir livremente, tambem o é à nossa alma viver sobre­
naturalmente e guiar-se a si própria seni a graça habi­
tual que comunica a vida divina e sem a graça atual que
a aclara, exorta, excita, move, inspira, dirige e fortifica
para produzir obras dignas da glória eterna. A fidelidade
à graça é, pois, a condição sem a qual não há perfeição;
porém quem a pratica faz progressos verdadeiros em
sólidas virtudes. O Espírito Santo não descansa: ora nos
mostra o nosso na.da e miséria,. e as grandezas de Deus,
afim de nos conservar na humildade; ora nos exorta in­
teriormente a desprezarmos os bens passageiros para a
consecução dos eternos. Aqui nos inspira a romper com
o amor próprio e arrostar o respeito humano; alí insis­
te em que renunciemos a toda a satisfação e mortifi­
quemos os nossos sentidos. Ãs vezes nos consola e ani­
ma ao bem pela esperança do céu; sempre nos fortalece,
mormente quando lhe suplicamos; faz-nos aptos para
vencermos as tentações do inferno, triunfarmos das nos­
sas repugnâncias, cumprirmos os nossos deveres e che­
garmos à perfeição dos santos, se formos perseverantes
em obedecer-lhe.
Meu 'Deus, quantas resistências tenho oposto às vos­
sas inspirações em minha vida, a começar pela infância!
Se eu lhes tivesse correspondido pontualmente, já teria
adquirido as virtudes dos santos. Muitas vezes uma gra­
ça é o primeiro elo duma corrente que se desenrola na
medida que se corresponde à sua ação. Dai-me a cora­
gem de reparar o passado: 1° por atenção mais c.onstan-

57
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te às vossas luzes e atraüvos; 2º por docilidade mais
perfeita em pô-las em prática por meio da abnegação
e da prece. Peço-vos estas duas disposições em nome de
Jesus e Maria, cuja mediação nos proporciona todos os
socorros que santificam as nossas almas.

QUINTO DOMINGO DEPOIS DA PÃSCOA


DA ORAÇÃO
PREPARAÇÃO. No Evangelho de amanhã Jesus exor­
ta-nos a pedirmos com instância as suas graças. Consi­
deremos pois: 1º quando devemos oràr; 2º com que dis­
posições. - Tomaremos depois a resolução de nunca
atribuirmos a Deus, mas a nós mesmos o insucesso das
nossas preces. Não obtendes, diz são Tiago, porque pe­
dís mal, isto é, sem humildade, sem confiança e sem per­
severança. Petitis et non accipitis, eo quod male peta-­
tis (Tg 4, 3).
1º Quando devemos orar
O Senhor colocou-nos sobre a terra como em um cam­
po de batalha, onde temos de combater sem tréguas.
Entregues a nós mesmos, pereceremos; mas felizmente
Deus nos deu a arma da oração para nos defendermos
e pormos em fuga os inimigos. Habituemo-nos, pois, a re­
correr ao Senhor em todas as nossas lutas conosco, com
o mundo e o demônio; assim nos revestiremos do que
s�o Paulo chama· "armadura de Deus", isto é, orando
constantemente nas tentações, atrairemos a ·proteção do
Onipotente, e para a nossa alma· a força daquele que não
pode ser vendido. Indulte vos armaturam D_ei (Ef 6, 11).
Não contentes de orar em nossos combates, rezemos
ainda depois das nossas quedas. Assim evitaremos o des­
ânimo, acalmaremos os remorsos e disporemos o coração
para um arrependimento cheio de confiança. "Volvei-vos
a mim, diz o Senhor pelo profeta; mesmo ·que tenhais a
conciência inteiramente manchada, torná-la-ei branca
como � neve" (Is 1, 18).

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"Vinde a mim, diz ainda o Salvador, vós que gemeis
sob o peso das vossas faltas, e eu vos aliviarei" (Mt
11, 28). Em vez de ficarmos atribulados, desolados, aba­
tidos pelos pecados e infidelidades, dirijamo-nos com
confiança ao divino médico, que é o único que nos pode
consolar e purificar, curar e salvar.
Façamos o mesmo nas tribulações. A quem iríamos en­
tão, ó Jesus crucificado, senão a vós, verdadeiro conso­
lador dos aflitos, refúgio e modelo de todos os que so­
frem? Conhecendo a nossa insuficiência, mandastes-nos
orar sempre; mas quão util e necessário nos é esse pre­
ceito na hora do sofrimento! Fazei, pois, que recorra a
vós em todas as provações.
Para sermos perfeitos deveríamos orar sem inter­
rupção. Sine intermissione. Segundo são Lourenço Jus"
tiniano, a ora_ção assídua transforma os homens, de ce�
gos em clarividentes, de fracos em fortes, de pecadores
em santos. E são Pedro Crisólogo acrescenta: "Ela não
só nos conserva na amizade divina, mas desapega-nos
tambem da terra, eleva-nos ao céu, faz-nos viver fami­
liarmente com os anjos e com Deus". - Por que então
negligenciamos esse grande meio de salvação, ocupando­
nos inutilme,,,'1te, deixando nossa imaginação vagar em
sonhos em vez de empregarmos os nossos lazeres entre­
tendo-nos com Deus, fonte de toda luz, graça e santi­
dade?
Jesus, ensinai-me a balsamizar todas as minhas ações
com orações jaculatórias frequentemente repetidas, mor­
mente nas lutas, desfalecimentos e aflições; que por esse
meio me torne manso e paciente com os espíritos_,iras­
civeis, - calmo e recolhido no meio dos trabalhos,
sempre cheio de graça e amor para convosco.
2º Qualidades da prece
"A prece, para ser eficaz, deve ser humilde". Toda a
ciência duma alma, diz santo Agostinho, consiste em
conhecer praticamente que nada é e nada pode. Por meio
desse conhecimento ora com o grito do coração, que-Deus

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não pode desprezar. "Clamai a mim do abismo das vos­
sas misérias, diz ele, e eu vos atenderei" (Jer 33, 3). -
Que motivo para nós de aniquilar-nos diante de Deus
ao começarmos as nossas preces! "O pedido de quem
se humilha, diz o Espírito Santo, penetrará as nuvens,
subirá até ao trono divino e de lá se não afastará antes
de obter um olhar favoravel" (Ecli 35, 21).
A oração verdadeiramente humilde é sempre confian­
te; lembra-se que Deus, sendo Pai e Pai das misericór­
dias, não pode ser insensível à miséria dos filhos que lhe
pedem o pão de cada dia. Ora, esse pão consiste nas lu­
zes, santos pensamentos que nos nutrem o espírito, na
graça que nos reanima, fortalece o coração para cum­
prirmos os nossos deveres, suportarmos os sofrimentos
e resistirmos aos assaltos dos inimigos. Esses bens, ne­
cessários à nossa vida espiritual, não nos serão jamais
recusados, se os reclamarmos pelos méritos e promessas
de Jesus e pela intercessão de Maria. "Tudo o que pedir­
des, crede que Ó obtereis", diz o Salvador. Credite quia
acclpietis, et evenient vobis (Me 11, 24).
Conseguí-los-á sobretudo quem orar com perseveran­
ça. Deus não se contenta de ser invocado uma ou duas
vezes ao dia e em certas épocas do ano ; para forçar­
nos a trabalhar indefessamente na nossa salvação, man­
da-nos orar sempre, insistir à porta da sua misericórdia
afim de o constrangermos, de certo modo, a conceder-nos
o que desejamos. Assim ele nos conserva numa depen­
dência contínua da sua bondade; o que é para nós a
fonte da grandeza e da virtude.
Meu Deus, já que não posso viver espiritualmente sem
a graça, que se não obtem senão pela prece, fazei que
minha oração seja humilde, isto é, saida dum coração
convencido do seu nada; confiante: porque se dirige a
vós, autor de todo o bem, que desejais prodigalizar-me
os vossos favores; perseverante, pois a minha dependên­
cia de vós é essencial e de cada instante. Inspirai-me
pois a resolução: lº de orar frequentemente, mormente
no começo de qualquer ação, ou quando soar a hora;

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2º de renovar a miudo a intenção de vos glorificar e obe­
decer em tudo; 3 º de ser fiel aos meus exercícios de
piedade, mesmo quando me custarem, e de fazê-los sem­
pre sem procurar a mim mesmo, mas em união com Je­
sus e Maria.

SEGUNDA-FEIRA DAS R,OGAÇõES.


PARA QUEM DEVEMOS ORAR?
PREPARAÇAO. Sendo as Rogações uma época de pre­
ces, consideremos que devemos orar: 1 º para nós mes­
mos; 2º para os outros. Examinemos se não somos egois­
tas na aplicação das nossas preces. Não nos esquecemos
dos pecadores, dos justos, dos agonizantes, das almas do
purgatório, dos nossos benfeitores, parentes e amigos?
"Orai uns pelos outros, para que vos salveis", diz são
Tiago. Orate pro lnvicem, ut salvemlni (Tg 5, 16).

1• Devemos orar para nós mesmos


A caridade bem regulada começa por si mesmo, mor­
mente no assunto da salvação. Ora, somos tão fracos e in­
capazes de operar o bem, que o Salvador nos recomenda
que rezemos sem cessar, afim de obtermos a assistência di­
vina, sem a qual não podemos nem fazer uma intenção
meritória e menos ainda triunfar das tentações. Dai as
palavras de são Lourenço Justiniano: "Como o soldado
não vai ao combate sem a proteção das armas, o cristão
nada deve empreender sem o socorro da oração. E' mis­
ter, pois, que se revista dessa armadura, quando sai de
sua casa, quando nela entra, quando passeia, quando se
entrega aos trabalhos; não deve jamais adormecer an­
tes de se ter nutrido do salutar alimento da oração".
Nada com efeito- mais santificante do que a intimidade
com a santidade personificada. Por esse meio todos os
verdadeiros servos de Deus se formaram à prática das
virtudes. S. Boaventura julgava bem fragil o edifício
das boas obras quando não cimentado pela oração. S.
João Crisóstomo dizia: "Quando vejo alguem sem gran-

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de desejo da oração e sem a ela se aplicar com cuidado
ardente e constante, penso logo, sem medo de errar, que
não possue dons excelentes nem sublimes virtudes". Si­
gamos o conselho desse santo doutor: "Quando somos
obrigados a deixar a oração, escreve ele, façamo-lo com
as disposições do peixe, tirado fora da água. E de fato,
como a água é o elemento do peixe, a oração deve
ser a nossa vida".
Examinai se são esses os vossos sentimentos e se não
perdeis preciosos momentos que poderíeis empregar em
conversar com Deus; se não gastais em pensamentos
inuteis o tempo preciso da meditação, da santa missa,
da ação de graças depois da comunhão, exercícios esses
que deveríeis fazer com o. maior cuidado. Orais de ma­
nhã ao levantar, antes e depois das vossas principais
ações? Recorreis a Deus quando sois tentados, humilha­
dos, provados, ou quando recebeis alguma feliz nova que
vos obriga ao agradecimento ao vosso Pai celeste?
• Meu Deus, quão longe estou do espírito de oração
que animava os santos! Dignai-vos difundí-lo sobre mim
qom o espírito de graça para que sempre e em toda
parte eu caminhe à vossa luz e sob a dependência da
vo�sa vontade. Orationi instate, vigilantes in ea (Col 4, 2).

2º Devemos orar pelos outros


Sendo a oração o meio universal para obtermos toda
sorte de bens, podemos aplicá-la às nossas necessi­
dades e às dos nossos irmãos. "Orai uns pelos outros, di­
zia são Tiago aos primeiros fiéis, para serdes salvos"
(5, 16). - "Conjure-vos, escreve são Paulo, a oferecer
a Deus súplicas, preces, pedidos e ações de graças para
todos, especialmente para os reis e os que estão consti-
. tuidos em dignida4,e afim que dêem a paz à Igreja e que
possamos v1ver tranquilos nà piedade e castidade". "Esta
prática, acrescenta o apóstolo, é boa e agradavel a Deus,
que quer salvar todos os homens e conduzí-los ao conhe­
cimento da verdade" (1 Tim 1, 2-4). - E' isso ainda

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um ato de caridade, que nos merecerá no céu uma re­
compensa sem medida e sem fim.
Alhures o mesmo apóstolo recomenda que oremos pe­
los sacerdotes e missionários (Rom 16, 30). "Instai e
suplicai ao céu por todos os fiéis e por mim, afim de que
eu possa pregar livremente o Evangelho (Ef 6, 18-19);
que a palavra de Deus seja honrada em toda parte,
e que sejamos libertados dos maus que a ela se opõem"
(2 Tess 3, 1-.2). - Repetidas vezes protesta que "ele
mesmo ora e sem interrupção por todos os fiéis (Rom
1, 9). Agradece a Deus por eles, e pede para eles a fi­
delidade à sua vocação de cristãos, o cumprimento dos
desígnios de Deus sobre eles, a fugida de toda falta,
o progresso na fé e na caridade".
Essas graças tão preciosas, por que não as pediría­
mos tambem todos os dias para nós e para os outros?
Não sejamos egoistas; recomendemos a Deus, com fre­
quência, a santa Igreja e seu chefe, os bispos, o clero,
todos os justos, todas as almas do purgatório. Podería­
mos, na abundância de socorros espirituais, esquecer em
nossas orações tantos pecadores, agonizantes, herejes e
infiéis que não possuem a centésima parte dos meios de
salvação que Deus nos prodigaliza cada dia? - Enfim
ofereçamos a Deus as nossas súplicas em favor daqueles
por quem o reconhecimento, a justiça e a vontade divi­
na nos impõem o dever de rezar. Desejando para nós
uma graça, dizia santa Maria Madalena de Pazzi, o meio
de a obtermos é• de pedir muitas outras para os nossos
semelhantes.
Jesus e Maria, tomo a resolução: 1 ° de pensar muitas
vezes na desgraça _das almas expostas a perder-se eter­
namente; 2 º de vo-las recomendar cada dia num verda­
deiro sentimento de compaixão e num vivo desejo de
preservá-las do pecado e dos suplícios do inferno. Ins­
pirai-me o fervor e a confiança para tratar- seriamente
convosco o grande negócio da sua eternidade.

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TERÇA-FEIRA DAS ROGAÇÕES.
A ORAÇÃO DOMINICAL
PREPARAÇ.i\O. Depois de havermos meditado por
quem devemos orar, consideremos a mais bela das ora­
ções e vejamos: 1 º a excelência do Padre-nosso e o du­
plo fim que Jesus nele propõe às nossas súplicas; 2º os
meios que nos indica para atingirmos esses dois fins. O
fruto desta meditação será inspirar-nos a recitação des­
sa bela oração nos sentimentos do divino Mestre, deten­
do-nos de preferência na terceira súplica que abrange
todos os nossos deveres. Fiat voluntas tua sicut ln cre­
io et in terra.

1 • Excelência e fins do Padre-nosso


Grande estima devemos ter à fórmula de oração sai­
da dos lábios do Verbo incarnado, no qual se encerram
todos os tesouros da sabedoria e da ciência. Os santos
não regateiam louvores à oração dominical. S. Cipriano
nela encontra um compêndio do Evangelho; santo To­
maz, a expressão das nossas súplicas e a regra dos nos­
sos desejos. O Filho Unigênito de Deus, feito irmão nos­
so, no-la ensinou, porque só ele podia patentear-nos o
verdadeiro e digno louvor de que devemos servir-nos a
respeito da soberana Majestade que quer escutar as nos­
sas súplicas.
"Padre-nosso", manda-nos ele dizer, e com razão, pois
que o Pai celeste nos adotou por filhos em Jesus Cristo.
Que respeito, confiança e amor não nos deve inspirar
esse nome tão augusto e tão terno! Que caridade para
com todos os homens, pois que em união com todos lhe
suplicamos! "Padre-nosso que estais nos céus", onde rei­
nais e onde devemos contemplar-vos um dia na herança
dos santos. Pater noster qui es in cmlis.
Mas que pedimos a esse Pai infinitamente rico e ben­
fazejo? Nada menos do que a sua glória � a nossa sal­
vação. Ele tudo criou para esses dois fins; é j:usto que_
sejam tambem os nossos em todas as nossas ações e

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preces. -- "Santificado seja o vosso nome!'' como se cHs­
séssemos: "Meu Deus e meu Pai, sede sempre mais co­
nhecido, amado, servido e glorificado". - Venha a nós
o vosso reino! isto é, "Dignai-vos reinar sobre nós, nes­
te mundo pela graça e no outro pela plenitude de todos
os bens da glória".
Que poderá haver de mais digno dos nossos desejos
e aspirações? Na qualidade de filhos de Deus, não é o
nosso primordial dever desejar antes de tudo a glorifi­
cação de nosso Pai? e como esse desejo é inseparavel do
da nossa salvação, acrescentamos: "Venha a nós o vosso
reino!"
Meu Deus, que me adotastes por filho, não permitais
que me torne um mercenário que procura os seus in­
teresses em vez dos vossos. Dai-me a coragem de traba­
lhar sempre para a vossa honra e glória, mesmo a custo
de minha humilhação. Fazei-me procurar o vosso reino
sujeitando-me a vós. Purificai minhas intenções e des­
apegai o meu coração dos bens criados. Estou resolvido:
1 º a referir à vossa glória todas as minhas ações, penas
e combates, afim de honrar as vossas perfeições infini­
tas; 2º a procurar aumentar sempre em mim a vossa
santa amizade, condição essencial da minha salvação.
Sanctificetur nomen tuum ! Adveniat regnum tuum !

2º Meios indicados no Padre-nosso


para atingirmos o nosso duplo fim
Propostos os dois fins a obter, o Senhor manda-nos
pedir os meios de atingí-los. Os primeiros consistem no
cumprimento de todos os nossos deveres e nas forças
necessárias para executá-los. Esses deveres, sejam eles
quais forem, estão contidm:1 na vontade divina, que de­
vemos cumprir neste mundo como os anjos e santos o
fazem no céu, isto é, do modo mais perfeito. :Fiat volun­
tas tua sieut in creio et iu terra. Mas como desobrigar­
nos desses deveres sem o nutrimento espiritual da alma
e sem o alimento material do corpo! Jesus nô-los manda

Bl'Onchain II - 5 65
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pedir sob o nome de pão, que designa a um tempo: a
graça atual, a Eucaristia e o alimento corporal.
Apesar da nossa boa vontade, quantos obstáculos se
opõem ao nosso progresso na virtude! São, no passado,
os pecados cometidos que impedem a nossa alma de se
chegar a Deus; no presente, as tentações que nos assal­
tam e embaraçam o caminho; no futuro, os castigos que
nos ameaçam e tendem a diminuir em nós a confiança
tão necessária para o nosso progresso.
Essas tres espécies de males, passados, presentes e
futuros, estão compre.endidas nas tres últimas petições
do Padre-nosso. Suplicamos a libertação delas afim de
melhor chegarmos ao nosso duplo fim: procurar a gló­
ria do Pai celeste, e gozar um dia a eterna felicidade.
Oxalá tivéssemos o fervor dos santos na recitação des­
sa bela oração! Digamos com são Francisco de Assis:
"O' Deus santíssimo, Pai nosso, que estais no céu, nos
anjos e nos bem-aventurados! Santificado seja o vosso
nome! Fazei-nos compreender a generosidade dos vos­
sos benefícios, a extensão de vossas promessas, a ele­
vação de vossa majestade santa. Venha a nós o vosso
reino, afim de que reineis sobre todos pela vossa graça
e que assim cheguemos ao reino dos eleitos. Seja feita
a vossa vontade assim na terra como no céu e por ela
vos amemos de todo o coração, de toda a nossa alma,
de todo o nosso entendimento, de todas as nossas for­
ças, e ao nosso próximo como a nós mesmos, atraindo-o
para vós. O pão nosso de cadia dia nos dai hoje, isto é,
o vosso dileto Filho, nosso Senhor Jesus Cristo.
Perdoai-nos as nossas dívidas por vossa inefavel mi­
sericórdia, pelos méritos de Jesus e pela intercessão de
todos os santos. Assim como nós perdoamos aos nossos
devedores; dai-nos a graça de amarmos os nossos ini­
migos. E não nos deixeis cair em tentação oculta ou ma­
nifesta, súb�ta ou importuna; mas livrai-nos do mal pas­
sado, do mal presente e do mal futuro. Assim seja".

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QUARTA-FEIRA DAS ROGAÇõES.
PEDIDOS DE UM CORAÇÃO CONTRITO
PREPARAÇÃO. A oração contrita é sempre aceita
por Deus. Mas que deverá pedir quem lamenta suas fal­
tas? A súplica do penitente rei Daví: 1° um coração
puro e um espírito reto; 2º a graça de não ser rejeitado
por Deus nem privado da direção do Espírito Santo. -
Afim de nos dispormos para a festa da Ascensão, im­
ploremos os mesmos favores com sentimentos de humil­
dade e compunção, pois que Deus não rejeita um cora­
ção contrito e humilhado. Cor contritum et humiliatum,
Deus, non despicies ( SI 50).

1 º Devemos pedir um coração puro e um espírito reto


O profeta-rei, esclarecido por Deus, compreende a pro­
funda mancha impressa na alma pelos pecados, mancha
que todas as lágrimas do mundo não poderiam lavar.
Por isso suplica a quem deu a Adão a justiça original,
que nele crie um coração puro. Cor mundum crea in
me Deus. E, sabendo outrossim que, ofendendo o sobe­
rano bem, a nossa razão se desvia do caminho e procura
a criatura em vez do Criador, o rei penitente pede a
Deus o espírito de retidão, como o possuiram os nossos
primeiros pais antes da queda. Spiritum rectum hmova
in visceribus meis. Quão preciosas são essas duas graças
e dignas de inflamar os nossos desejos! Um coração
puro é um coração penetrado de horror. das menores fal­
tas, um coração que reprime os seus defeitos, combate
suas imperfeições e vive constantemente despojado da
terra e de si mesmo para aspirar à posse do Bem infi­
nito e eterno. Daí aquela retidão tão nobre e meritória
ql).e nos faz visar Deus só em todas as nossas ações.
Segundo santo Agostinho, o Senhor deu-nos dois pés
afim de nos recordar as duas espécies de passos a dar
no mundo: uns para fugir do mundo, outros para mar­
char em direção ao nosso último fim. Deu-nos ·duas mãos
em vista dos deveres a cumprir: para com Deus e para

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com o próximo. Mas por que, continua o mesmo santo,
nos deu somente um coração? E' porque o sumo Bem
que,· ser amado soberanamente e sem partilha. Amá-lo
de, outra forma, acrescenta Tertuliano, é uma espec1e
de idolatria, pois que se prestam assim homenagens e
consagram-se afeições à criatura tanto ou mãis que ao
Criador.
Quantos ídolos, meu Deus, mancham ainda o meu co­
ração! quantos vícios, defeitos, más inclinações me do­
minam! quantos atos de vaidade e hipocrisia se imiscuem
nos meus exercícios de piedade, sem contar as aversões,
suspeitas temerárias, maledicências e críticas que acom­
panham meus deveres de estado com detrimento da vos­
sa glória e do amor que vos é devido!
Ah! Senhor todo-poderoso, dignai-vos criar em mim
um coração puro e renovar no meu interior o espírito de
inocência e de retidão. Por ele procurar-vos-ei com in­
teira sinceridade sem me preocupar comigo e com as
criaturas. Sereis então o único objeto dos meus pensa­
mentos, intenções, projetos e desejos; porei em vós todo
o meu repouso, toda a minha glória, minhas esperanças
e minha felicidade. Sede para sempre o meu único bem
e o meu único amor. Cor mundum crea in me, Deus, et
spiritum rectum innova in visceribus meis.

2º Devemos temer ser afastados de Deus


e privados de seu santo espírito
Depois que o "i-ei Saul pecou contra Deus por duplici­
dade e desobediência, o Senhor o rejeitou e afastou da
sua face. Abjecti te Dominus. Amovi a facie mea. O Es­
pírito Santo, que o conduzia, retirou-se, abandonando-o
ao espírito do mal. Spiritus autcm Domini recessit a
Saul; et exagitabat eum spiritus nequam. Diante disso
não admira ouvir Daví temer, depois da queda, essa du­
pla punição. "Senhor, não me rejeiteis da vossa face,
exclama ele, e não afasteis de mim o vosso santo es­
p[rito".

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A Face divina é o Verbo eter�o, a imagem de sua subs­
tância, no qual estão todos os bens. Ser lançado para
longe da Face divina quer dizer ser privado da partici­
pação dos méritos de Jesus. Ser abandonado pelo Espí­
rito Santo é não sentir mais os efeitos da sua presença,
não mais receber suas inspirações particulares, nem gra­
ças de santificação, como ele as concede às almas boas.
Como é triste e perigoso esse estado! A escritura deno­
mina-o: o abandono, o vômito de Deus que se aborrece
do coração lasso, tíbio e infiel, e que não o pode já su­
portar; é isso muitas vezes um presságio da condena­
ção.
Meu Deus, dir-vos-ei com o profeta-rei, não me rejei­
teis da vossa sagrada Face, do Verbo eterno pelo qual
tudo foi criado, do Verbo incarnado que restaurou tudo
no céu e na terra. Não me priveis da felicidade de parti­
cipar das graças que todo cristão deve haurir da prece
e dos sacramentos.
E vós, Espírito consolador, que Jesus nos enviou após a
sua Ascensão, não me recuseis · vossas viva� luzes, vos­
sos preciosos dons, vossas doces consolações, vossos por­
tentosos e eficazes atrativos. Comunicai-me: l ° o dc:im
do temor que me inspire o horror de tudo que vos ofen­
de; 2º o dom da fortaleza que me auxilie a vencer as ten­
tações e a suportar a adversidade; 3º o dom da piedade,
que me el:ltreite a Deus e ao próximo pelos fortes laços
de desinteressada caridade. - E vós Maria, esposa do
Espírito Santo e Mãe do Verbo incarnado, tornai-me fiel
a meu Criador e soberano Bem, afim de que ele jamais
me repila do meu Salvador e do Espírito do amor; mas
me una estreitamente à sua bondade infinita em virtu­
de dos méritos de Jesus e da influência santüicante do
divino Paráclito. N e projicias me a facie tua, et Spiritom.
S11nctum tuum �e �ufe�s a me!

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ASCENSÃO - MISTÉRIO DO DIA
PREPARAÇÃO. Ele subiu, diz o apóstolo, ao alto dos
céus, para presidir a todas as coisas (Ef 4, lOf Medi­
taremos: 1 º quão glorioso é o mistério da ascensão para
Jesus e para nós; 2º quais as preciosas lições que nos
dá. Tomaremos depois a resolução de desapegar-nos da
terra, olhando frequentemente para o céu, como os após­
tolos, e recordando-nos das ricas recompensas que Jesus
lá nos prepara segundo a sua promessa. Vado parare
vobis locum (Jo 14, 2).

1 º A ascensão, mistério glorioso para Jesus e para nós


Coisa alguma pode dar-nos de Jesus tão alta idéia, co­
mo o mistério da sua ascensão ao céu. Sobe por próprio
poder e em virtude de seus próprios méritos infinitos,
enquanto que os maiores santos, sem excetuar a divina
Mãe, foram por ele elevados aos seus altos tronos.
Mas qual não foi o seu triunfo ao entrar na Jerusalém
celeste! "Príncipes do céu, exclama o profeta-rei, levantai
as vossas portas; portas eternas, abrí-vos: Eis o Rei da
glória!" - Quem nos dirá dos transportes, dos cânticos
de alegria, e dos louvores, que acolheram então Jesus?
Era a recompensa dos opróbrios sofridos no mundo.
"Sentai-vos à minha dextra, diz-lhe . o Pai celeste; fa­
rei de todos os vossos inimigos escabelo dos vossos pés"
(Sl 23, 67-69). Sentar-se à dextra de Jeová é ser o pri­
meiro perto dele; que honra! Ver todos os seus adver­
sários sob os seus pés é possuir o império do universo
e reger o mundo inteiro; que inefavel poder!
Mas, ao mesmo tempo, que glória para nós! A viitados
pelo pecado, jamais teríamos ousado, Senhor, que nossa
fraca e vil natureza pudesse um dia, na vossa pessoa sa­
grada, ser elevada acima dos mais altos serafins e · as­
sentar-se no primeiro trono depois do de Deus! Ora, co•
mo membro do vosso· corpo místico que é a Igreja, que
parte não terei eu em vossa glória se me humilhar em
união convosco! pa montanha çmde, q_uarenta e q-es qias

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antes, havíeis sofrido vossa agonia cruel, subistes ao
céu; aí nos mostrais o laço estreito que une o sofrimen­
to à bem-aventurança e a humilhação à glória dos elei­
tos! Fazei que eu aproveite esse ensinamento precioso,
que bem confirma vossa divina palavra: "Quem se hu­
milhar será exaltado" (Lc 18, 14). Quem jamais se hu­
milhou como vós? por isso a vossa elevação no céu é
acima de todo o louvor.
Após a ascensão do Salvador, dois -anjos anunciaram
aos apóstolos a sua segunda vinda como juiz dos vivos
e dos mortos. Isso era: 1 º uma nova prova da glória da­
quele que Pilatos ousou julgar e condenar injustamen­
te; 2º uma advertência para velarmos sobre a nossa con­
duta, da qual devemos dar contas ao Senhor antes de
participarmos do seu triunfo e beatitude.
Jesus, fazei que eu ande sempre em vossa presença
. com o temor filial que abafa a presunção - aprimora
a confiança - e fortalece o amor divino.

2º Lições que nos dá. o mistério da ascensão


Desapego completo deveria produzir em nós o pensa­
mento de Jesus, que deixou a terra para subir ao céu.
Nosso amavel Redentor, que deve ser sempre o objeto
dos nossos pensamentos e aspirações, tomou o vôo para
a nossa pátria futura, e nós ainda ligaríamos os nossos
afetos a este triste exílio, onde se encontram tantos pe­
rigos? - Senhor Jesus, não quero prender-me a coisa
alguma neste mundo. Desejo aquí viver como um viajor.
um estranho que anela unir-se aos seus. A exemplo do
apóstolo, desde já considero como lama tudo o que é ter­
reno, afim de vos possuir para sempre.
Mas não basta apenas possuir esses sentimentos; é
necessário reduzí-los à prática· e adquirir virtude sólida.
Longe de nós, pois, a presunção de nos crermos fora de pe­
rigo pelo motivo de recitarmos cada dia algumas orações
vocais, e levarmos vida edificante, meditando, comun­
gando muitas vezes e frequentando as igrejas. Essas ma­
nifestações qe piedaqe não qeve� qar.noij �egurança com•

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pleta. "Pelos frutos conhece-se a árvore", diz o Salvador.
Ex fructibus eorum cognoscetis eos (Mt 7, 20). Vede,
pois, que frutos de abnegação, castidade, paciência,
caridade produzem em nós as leituras, as meditações que
fazeis diariamente. Por esse sinal podeis verificar se
avançais de fato no caminho que conduz ao céu. Jesus
lá subiu depois de nos haver dado o exemplo de todas as
virtudes.
Ele garantiu que nos iria preparar um lugar; não o
conseguireis se não o preparardes constantemente com
ele. Seria por ventura demasiado trabalhar sem descan­
so, durante esta vida tão breve, para merecer uma bea­
titude sem fim? Por que cntã.o perdeis em pensamentos,
palavras e ocupações inuteis um tempo tão precioso do
qual cada momento vale uma eternidade? De que vos ser­
vem esses hábitos de dissipação, essa vida toda natural
e toda humana, que vos afasta de Deus em vez de a ele
vos unir?
Jesus, desprendei-me da terra, lembrando-me sem ces­
sar o céu para o qual fui criado. Estou resohido: 1º a
viver no mundo como num exílio, onde o meu corpo é a
prisão da alma; 2º a fazer da minha santificação o ob­
jeto principal da minha sçilicitude e das minhas aspira­
ções sob a proteção de vossa divina Mãe, que é tam­
bem a minha.

SEXTA-FEIRA- DEPOIS DA ASCENSÃO.


A NOVENA DO ESPIRITO SANTO
PREPARAÇÃO. A novena ao Espírito santificador,
diz santo Afonso, é a mais importante de todas. Consi­
<ieremos: 1º os motivos dessa importância; 2º os meios
de fazê-la com fruto. - Conservemo-nos unidos, nestes
dias, às disposições dos apóstolos e da divina Mãe, per­
severando com eles na oração, para atrair a nós o Es­
pfritg qµe �antüi�a. Per�verª1}te� UD!l,JµJIµter ln ora.tio•
ne (At 1, ;!.4),

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1º Importância da novena do Espírito Santo
A Igreja consagrou o uso de preparação para as festas
litúrgicas por meio de novenas. A novena ao Espírito
San to tem a maior importância; por ela honramos a ter­
ceira pessoa da SS. Trindade que intervem em todas as
obras divinas e em particular na da Redenção. E' o Es­
pírito Santo que nos aplica os méritos do Salvador.
"Quem não renascer da água e do Espírito Santo, diz
o próprio Jesus, não pode entrar no reino de Deus" (Jo
3, 5). E' o divino Paráclito que nos faz nascer para a
graça no batismo; que nos enche dos bens celestes na
confirmação e nos une ao homem-Deus na Eucaristia, pela
caridade que difunde em nossos corações (Rom 5, 3). In­
tervem até no sacrifício dos nossos altares,. como o in­
dicam as preces da Missa: "Vinde, Espírito santifica­
dor ! Veni sanctifica.tor omnlpotens".
A Igreja santifica o mundo pelo Espírito Santo que
a vivifica. Ele é o seu coração, diz santo Tomaz, assim
como Jesus é a sua cabeça; difunde em todos os fiéis a
vida sobrenatural, que é como o sangue das almas, don­
de tiram a força de operar o bem. Quanto reconhecimen­
to lhe devemos por nos haver esclarecido com a luz da
fé, tornado filhos de Deus, participantes da sua nature­
za, enriquecido de virtudes infusas e de dons preciosos,
dos quais o menÕr excede em valor todas as riquezas do
universo. Graças a ele, recebemos o poder de merecer;
podemos a cada instante aumentar o nosso tesouro es­
piritual e eterno.
Façamo-lo sobretudo nesta novena com o ardor dos
mundanos que se apaixonam pelos bens perecíveis, ou
antes com o fervor constante dos maiores santos. Ten­
des acaso, em vosso. coração 'ou no vosso proceder, algum
defeito a arrancar ou alguma virtude a fortalecer? A
ocasião é favoravel. O divino Paráclito, desejoso de santi­
ficar-vos, dispõe-se a cumular-vos de seus benefícios; au­
mentará em vossa alma a graça habitual, a viveza da
fé! 11. firqiez11, !;la esperança, e, generosidade do devota-

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mento. Se o invocardes com fervor e perseverança, far­
vos-á temer mais profundamente a Deus, meditar e su­
plicar com mais atenção, corresponder melhor às suas
inspirações e progredir mais rapidamente nas vias mis­
teriosas da vida interior. Não achais, pois, importante pa­
ra vós tornar eficaz esta novena?
Meu Deus, quero fazê-lo por meio do recolhimento e
da o�ão. Para esse fim uno-me à Virgem Mãe e aos
apóstolos em retiro no cenáculo até ao dia de Pentecos­
tes. Perseverantes unanimiter in oratione.

2º Meios de aproveitar a novena ao Espírito Santo


Entremos nos sentimentos dos apóstolos em prepara­
ção, no cenáculo, para a vinda do Espírito Santo. Com
que humildade profunda se recordavam eles da sua ig­
norância passada, da sua fraqueza no tempo da paixão
e das repreensões que Jesus lhes fizera quanto à sua
incredulidade após a ressurreição gloriosa. Nós tam­
bem, quantos motivos temos de confundir-nos! Não so­
mente podemos dizer com a Igreja: "O' Espírito Santo,
sem vossa operação nada há de bom no homem, nada
que não seja manchado. Nihil est in homine, nihil est
innoxium; não somente podemos fazer essa humilhante
confissão, mas ainda acrescentar-lhe muitas outras que
nos são pessoais. Quantas faltas e impe.rfeições a expro­
brar-nos! Quantas renitências e infidelidades às graças
do Espírito Santo! E ainda quantas negligências em seu
serviço, friezas em seu amor, esquecimentos de sua pre­
sença e de seus benefícios! Todos esses obstáculos ao
reino perfeito do divino Paráclito, exigem de nós frequen­
tes atos de aniquilamento e de contrição cheia de amor.
Os apóstolos ajuntaram ainda suas preces e seus de­
sejos. Convencidos da sua fraqueza e da necessidade que
tinham da graça, com ardor almejavam o Espírito Santo.
E por que não o desejarmos como eles, nós que temos
�tantos defeitos a corrigir, fraquezas a curar, virtudes a
.consolidar? Quantos pensamentos vãos nos ocupam na
oração, na missa e até qçi banquete �qçarístico! Quanta&

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motivos meramente naturais e interesseiros até nas nos­
sas mais santas ações! Tantas inclinações imortificadas,
sentimentos pouco nobres, pouco generosos; um recolhi­
mento, uma paciência, uma abnegação que mal lançaram
cm nós as suas primeiras raizes; todas essas pobrezas
espirituais não nos forçam a chamar o autor dos dons
celestes e a fazê-lo com as disposições do mendigo que
morre de fome e reclama instantemente o pão necessário
à sua subsistência?
Meu Deus, Espírito Criador, fonte de água viva, refri­
gerai meu coração consumido pelas paixões. Fornalha ar­
dente da divina caridade, inflamai-me de zelo na vida
da perfeição. Proponho-me: 1 º oferecer-vos todos os dias
esta novena, atos de mortificação e alguma oração es­
pecial; .2º combater melhor os meus defeitos e ser mais
fiel à minha Regra ou ao meu regulamento de vida; 3º
desempenhar com mais cuidado os meus exercícios de
piedade e recomendar-me particularmente à divina Mãe
e aos santos apóstolos, meditando e orando com eles no
cenáculo, com um fervor sempre novo.

SABADO DEPOIS DA ASCENSÃO.


DONS DO ESPlRITO SANTO
PREPARAÇAO: Entre as graças a pedir ao Espírito
Santo ocupam os seus dons um dos primeiros lugares.
Meditaremos, pois, a natureza e os efeitos: 1º dos dons
que aperfeiçoam o nosso entendimento; 2º dos que aper­
feiçoam a nossa vontade. - A seguir pedí-los-emos ao
divino Paráclito com súplicas ardentes, como o faziam
a divina Mãe e os apóstolos no cenáculo, e como o faz
a santa Igreja em seus cantos. Da tuis fidelibus in te
confidentibus sacrum septenarium.

1 º Dons que aperfeiçoam a nossa inteligência


Os dons do Espírito Santo, que aperfeiçoam o nosso
entendimento, podem ser contemplados como a luz com
que o divino Paráclito nos iluJnina, e que se veri{ica se-

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gundo os efeitos a produzir em nós. Assim, a sabedoria
é um conhecimento experimental de Deus, que nos faz
prová-lo e nos ajuda a julgar de acordo com esse gosto
supremo todas ns coisas criadas. O dom do entendimen­
to nos faz ver cm plena luz as verdades da fé. A ciên­
cia nos ensina em geral os meios de santificar-nos, e o
conselho faz-nos aplicá-los à nossa vida em cada caso
particular. Essas luzes ou dons, o Espírito Santo os in­
funde em nõssas almas com a graça santificante, mas
em diferentes graus. Quem os possue eminentemente co­
mo os santos, inunda-se de tanta clareza que lhe é im­
possivel prender-se à terra e não procurar os bens do
céu. "Admiram-se as maravilhas do Senhor, diz !saias,
e o coração se dilata pela esperança e pela alegria" (Is
60, 5). Assim se mostraram os apóstolos no dia de Pen­
tecostes: eram tidos como ébrios ou delirantes por fa­
larem com ardor e arrebatamento! ...
A vossa fé é como a deles? Olhais com desprezo o que
não é duradouro, para apreciar unicamente os bens eter­
nos? Podeis dizer com são Bernardo e tantos outros san­
tos que vossa língua não basta ao coração pelas luzes
que recebeis sobre os dogmas revelados? Quão longe
estais desses grandes modelos, vós que não sabeis fazer
um quarto de hora de oração sem distrações!
Peci.í ao Espírito Santo que se apodere do vosso en­
tendimento derramando sobre ele aquelas ondas de luz
que denominamos: sabedoria, entendimento, c1encia e
conselho. A vida de fé firmar-se-á então em vossa alma
contra os preconceitos do século, contra as máximas mun­
danas e os ·vãos pretextos do respeitp humano; com­
preendereis a falsidade dos bens que passam, o vácuo
dos gozos terrenos e a futilidade do amor próprio, das
suas pretensões e suscetibilidades. O mistério da cruz já
vos não será uma loucura nem um escândalo; vossos pen­
samentos serão grandes, vossas vistas elevadas, vossos
sentimentos cheios de nobreza; sentir-vos-eil arrebatados
pelas belezas da religião, pelas riquezas da graça, pelas
recompensai;i çla ilóri�; e o vosso coração transborc!arâ,

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de amor, de ventura é esperánça. Mirabitur et dilatabi­
tur cor tuum.
Meu Deus, dai-me essa graça pelos méritos de Jesus e
pela intercessão da divina Mãe; fazei-me fiel em corres­
ponder até à morte às visitas e às luzes do Espírito
Santo.
2º Dons que aperfei�oam a nossa vontade
Os dons que aperfeiçoam a nossa vontade são uma for­
ça sobrenatural comunicada à nossa alma pelo Espírito
Santo e que se aplica a diversos objetos. Assim a pie­
dade é aquela· afeição firme e sincera que nos move a
prestar a Deus o amor e o culto que lhe são devidos em
si mesmo ou em suas imagens. O temor de Deus é aque­
le respeito convencido da�majestade divina, aquele horror
filial de tudo que o ofende. A fortaleza é um dom que
nos faz aquí sofrer nobremente por motivos de fé, sem
fraqueza nem inconstância. Durante a paixão os apósto­
los eram homens medrosos e tímidos. Apenas, porém, re­
ceberam o Espírito Santo, tornaram-se corajosos-e intré­
pidos. O mesmo se deu com os primeiros fiéis: fortifica­
dos pelo Espírito Santo, souberam afrontar os suplícios
e correr de encontro à morte em defesa da sua fé.
Temos nós alguma parecença com essas almas fervo­
rosas, que não recuam diante de nenhum obstáculo
quando se trata de agradar a Jesus? Quanta hesitação
e fraqueza, quando temos de vencer o respeito humano,
suportar uma confusão, renunciar a uma idéia, abafar
uma aversão ou perdoar uma injúria! Quão pouco luta­
mos contra nós mesmos quando se trata de reprimir
nossa inclinação e suas rudezas, nosso carater e seus
ímpetos, nossa vontade própria e seus caprichos! Que­
remos saber a causa dessa falta de ardor no ekercício
da abnegação, da paciência e de outras virtudes? Ei-la:
é que somos mais cheios de nós mesmos do que do Es­
pírito Santo.
Humilhemo-nos, pois, profundamente diante de Deus.
Confessemos-lhe as nossas misérias. Peçamos-lhe os dons

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que aperfeiçoam nosso coração e a nossa vontade: 1•
temor filial que nos inspire o horror do pecado e o res­
peito da sua divina presença; 2º a fortaleza interior que
nos ajude a suportar as nossas penas e a triunfar das
tentações; 3º a mais sincera piedade que nos faça cum­
prir todos os nossos deveres para com ele e para com
o próximo.
Meu soberano Senhor, Espírito de poder e santidade,
dai-me aquela delicadeza de conciência que me afaste
até das menores faltas e me torne respeitoso para com
a vossa adoravel majestade. Concedei-me a abnegação
e a paciência em tudo que contraria o meu orgulho e
meu amor próprio. Comunicai-me aquela piedade terna
e cheia de unção que encerra o gosto da oração e das
homenagen� devidas à vossa excelência infinita e às vos­
sas perfeições adoraveis.

DOMINGO DEPOIS DA ASCENSÃO.


DOM DO CONSELHO
PREPARAÇÃO. Entre os dons que aperfeiçoam o nos­
so entendimento consideremos primeiro o dom do conse­
lho. 1 ° Vejamos a sua necessidade e utilidade. 2º Medi­
temos os meios de aumentá-lo em nossa alma. Esforce­
mo-nos, nessas considerações, por renovar em nós o es­
pírito de docilidade, que nos faça orar, refletir, consultar
em nossas dúvidas e seguir fielmente a inspiração da
graça. Fili, sine consilio nihil facias (Ecli 32, 24).
l ° Necessidade e utilidade do dom do conselho
A prudência é uma virtude da razão prática, que nos
mostra o que devemos fazer ou omitir em qualquer cir­
cunstância para agirmos segundo Deus. Essa virtude é
auxiliàda e aperfeiçoada pelo dom do conselho que nos
toma doceis à direção do Espírito Santo, sobretudo nas,
empresas difíceis.
Sem - esse dom, a alma torna-se precipitada em seus
juízos, irrefletida em suas palavras, inconsiderada em
seus passos, temerária nos perigos, falta-lhe então pre-

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caução e vigilância. em- seu proceder; o homem torna-se
ora apressado ora negligente em suas ações, peca por
inconstância, seguindo o gosto, o capricho, a impressão
do momento, mais do que a luz do espírito de Deus.
Com esse dom, ao contrário, foge-se dos perigos, evita­
se o pecado, escolhem-se os melhores meios de santifi­
cação (Prov 2, 11�12); age-se e fala-se não por capricho
ou paixão, mas sempre com calma, circunspecção, de­
pois de suficiente deliberação. - Testemunha é são Vi­
cente de Paulo: quando consultado não dava resposta
senão depois de haver orado e refletido muito tempo. Os
santos contam mais com a luz da graça do que com os
recursos naturais da nossa fraca razão.
Procedamos sempre assim nas decisões a tomar. Por
esse meio faremos tudo com paz, sem pressa desorde­
nada; cumpriremos nossos deveres com cuidado, sem agi­
tação, sem a febre de começar e acabar tudo de uma
vez. Por que é que vossas ocupações não vos deixam
tempo para orar? Não será pela falta de ordem e de
previdência que tendes em vossos negócio1;1 ! Ah! se fos­
seis recolhidÓs, submissos à conduta do Espirita Santo,
quantas impossibilidades aparentes não se esvairiam no
cumprimento dos vossos deveres! Meu Deus, dai-me a
graça de evitar todos os defeitos contrários ao dom do
conselho, isto é, a lentidão excessiva e a atividade de­
masiada, a multiplicidade dos pensamentos, desejos, a
preocupação e perturbação, numa palavra, tudo que im­
pede em mim a tranquilidade e serenidade necessárias à
deliberação. Dignai-vos esclarecer-me em meus caminhos,
afim de que eu cumpra em tudo a vossa adoravel von­
tade.
2º Meios de aumentar em nós o dom do conselho
Esse dom ·nós o recebemos no batismo. Para o aumen­
tarmos e aperfeiçoarmos em nós, não nos contentemos
de pedí-lo a Deus, mas cumpramos ainda certas condi­
ções que lhe favorecem o exercício. A primeira é de re­
nunciar às inclinações que impedem a calma, a madure-

79
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za de juizo. São Francisco de Sales fizera consigo mesmo
o pacto: "Quando meu coração se excitar, meus lábios
não proferirão palavras". Ele pensava, não sem motivo,
que, sob a impressão da cólera, impaciência ou outra
qualquer emoção violenta, ninguem se acha em estado
de falar com sabedoria nem de dar um bom conselho.
E' mister, para isso, acalmar-se ou subtrair-se à influên­
cia da paixão; esta é uma nu.vem que nos impede de ver
a verdade, enquanto que a paz interior nos dispõe à re­
flexão e à prece, afim de agirmos de acordo com a razão
e a fé!
Uma outra condição para a alma ser esclarecida nos
casos dificeis é consultar os que são animados do Espí­
rito de Deus. "Meu filho, diz o sábio, nada faças sem
conselho e não te arrependerás" (Ecli 32, 14). E, de
fato, assim se exerce a humildade e a docilidade, atrain­
do-se os raios da graça. Quando nos é impossível recorrer
a um conselheiro prudente, imploremos a assistência do
céu. Corramos, por exemplo, para perto do SS. Sacra­
mento e lá peçamos luz àquele que ilumina a todo ho­
mem que vem a este mundo. Seguiremos nisto o exem-
plo dos santos.
Não fazemos nós talvez o contrário, mostrando-nos
presunçosos nos juizos, teimosos nas decisões, ao ponto
de referirmos tudo a nós mesmos! não somos indiscre­
tos, se!D,pre prontos a falar e a responder, incapazes de
guardar um segredo! Quantos empreendimentos têm fra­
cassado devido a essa incontinência da língua, tão oposta
ao espírito de Deus! Seria um nunca terminar, se quisés­
semos pormenorizar as culpas que se podem cometer por
falta de prudência e de conselho.
Meu Deus, espírito de verdade, preservai-me da falsa
prudência. do mundo e da carne, que só visa os bens pas­
sageiros. Fazei que eu procure acima de tudo os tesouros
da graça e o cumprimento do vosso beneplácito. Pela in­
tercessão da Rainha do Bom Conselho, dignai-vos escla-·
recer-me, instruir-me nos meus deveres, dirigir-me, con­
duzir-me é governar-me nos caminhos que me levam a

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vós. Tomo a resoiução: 1 º cie desconfiar cie mim mesmà,
de orar e agir sempre com calma; 2º de pedir conselho
nas coisas importantes para não ter de me envergonhar
das minhas ações. Sine consilio nihil facias, et post fa­
ctum non poenitebis.

SEGUNDA-FEIRA ANTES DE PENTECOSTES.


DOM DA CIÊNCIA
PREPARAÇÃO. De Jesus foi dito: "e o espírito de
ciência repousará sobre ele" (Is 11, 2). Meditaremos o
que nos ensina o dom da ciência : 1º em relação às cria­
turas; 2º em relação a nós. - Procuraremos ver, no fu­
turo, o Criador em todas as coisas criadas, conservan­
do-nos bem humildes em sua presença. Essa prática é
um efeito da ciência que distingue os santos. Requiescet
super eum spiritus sciencire.

1 º O dom da ciência em relação às criaturas


Ele mostra-nos não só o que são as criaturas em si
mesmas, mas ainda e sobre tudo o que são em relação a
Deus; ensina-nos a usarmos deste mundo sem apego e
somente enquanto nos leve ao soberano Bem. As coisas
criadas são como as teclas dum orgão: mal tocadas pro­
duzem sons desagradaveis, isto é, ofendem ao Criador;
se, ao contrário, forem tocadas com arte, como o foram
pelos santos, produzem um acorde que eleva aos céus os
nossos pensamentos e sentimentos. "Toda a natureza,
diz são Lourenço Justiniano, forma um maravilhoso con­
certo, uma suave harmonia para a glória do seu autor".
Felizes as almas que a ouvem e por ela se entusiasmam.
Os santos mais ignorantes segundo o século conheceram
melhor que os sábios o divino segredo da criação. Santo
Antão, embora não tivesse estudado as letras, lia no uni­
verso, como num grande livro, as perfeições do criador.
Se tivéssemos uma tal ciência, diríamos com Daví: "Se­
nhor, quanta magnificência em vossas obras! Quanta sa­
bedoria em tudo o que fazeis" (SI 103, 24). O oceano é

B1·onchain II - 6 81
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admiravel quando eleva suas vagas até às nuvens; po­
rém mais admiravel ainda aquele que reina no mais al­
to dos céus (SI 92) .
.Tendes o santo hábito de considerar, aos olhos da fé
e da ciência sobrenatural, o que cai sob os vossos senti­
dos? Ah! Ã vista doo quadro de um grande mestre, pen­
sais no artista, e na presença das criaturas esqueceis o
seu autor! Entretanto todas as obras divinas são bene­
fícios da sua bondade, que reclamam o vosso reconheci­
mento. O sol que vos aquece, o ar que aspirais, o nutri­
mento que vos sustenta, a veste que vos cobre, as cria­
turas que vos circundam e vos prestam serviço, tudo
vos fala do poder, sabedoria e caridade do Senhor para
convosco. Por que permanecer insensível a tão tocante
linguagem? Em vez de vos servirdes do mundo exterior
para vos elevardes a Deus, não sois porventura daqueles
que dele abusam para o ofender? O' deploravel ingrati­
dão! Espírito santificador, dignai-vos alumiar-me e mos­
trai-me o Criador nas criaturas. Cada quadro ou espe­
táculo da natureza seja para mim como um espelho onde
se reflitam a meus olhos vossas adoraveis perfeições. No·
uso das coisas criadas, fazei-me mortificado e reconhe­
cido: mortificado, isto é, atento a vos sacrificar minhas
satisfações sensuais; reconhecido ou fiel a vos agrade­
cer os benefícios, referin'do tudo à vo13sa glória.

2º O dom da ciência em rel�ão a nós mesmos


Sem o dom da ciência, os conhecimentos naturais ser­
vem muitas vezes para tornar os homens mais orgulho­
sos. Ciencia inflat (1 Cor 8, 1). Os demônios são mais
sábios do que nós e nem por isso são menos amaldiçoa­
dos por Deus. Quantos sábios soberbos morrera,m _na im-
. piedade! A ciência sobrenatural preserva-nos dessa hor­
rivel desgraça, comunicando-nos o conhecimento de nós
mesmos. Por engenhosos que fossem os santos, jamais
se esqueceram do seu nada; referiram a Deus a glória
dos seus talentos, da _sua eloquência, das suas virtudes.

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Quem os ensinou a humilhar-se d.essa forma? ô Espírito
Santo pela ciência infusa a eles outorgada.
"A humildade, diz são Lourenço Justiniano aclara a
alma em todos os seus caminhos, deixa-lhe ver todas as
suas misérias e a faz sentí-las; comunica-lhe a verdadei­
ra ciência que consiste em conhecer que só Deus é tudo
e que nós nada somos". A humildade é, pois, a ciência de
nós mesmos em relação a Deus. Como é impossivel a uma
pedra raciocinar, a menos que não receba a razão, as­
sim a nossa alma não poderia produzir um ato de fé ou
de ciência sobrenatural sem à luz do Espírito Santo.
Convencidos desta verdade poderemos ainda gloriar-nos
e comprazer-nos em nossos sucessos? Não nos inclina­
remos de preferência para a vida oculta e esquecida,
mais favoravel à humildade, à perfeição e salvaçã_o?
O dom da ciência faz-nos ainda encarar todos os
acontecimentos como dirigidos por uma providência in­
finitamente sábia, que tem em vista unicamente o nos­
so bem; auxilia-nos a aceitar sem queixumes o que fere
o nosso orgulho, o nosso amor próprio, a nossa altivez
natural. São essas as vossas disposições? Preferis apa­
gar-vos a vos exibir? E, tJUando sois humilhados, - supor­
tais com paciência a humilhação? Por esses sinais po­
dereis verificar a que ponto o dom da ciência aclara a
vossa alma e a submete à direção divina.
Maria, esposa do Espírito Santo, ensinai-me a humi­
lhar-me, a confundir-me sob as vistas da majestade in­
finita que enche o universo. Fazei-me constantemente
fiel em viver na sua presença, em agradecer-lhe os be­
nefícios e em pedir-lhe sempre os socorros necessários ao
meu progresso. Estou resolvido: 1° a servir-me das cria­
turas como de degraus para sair de mim mesmo e ele­
var-me a Deus; 2º a receber dele, com calma e resigna­
ção·, as contradições e provações de todo gênero, como
dirigidas pela providência paternal que quer unicamente
a minha felicidade ou a minha santificação.

6* 83
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TERÇA-FEIRA ANTES DE PENTECOSTES
O DOM DO ENTENDIMENTO
PREPARAÇÃO. Esse dom, segundo santo Tomaz, é
um hábito ou qualidade que nos vem do Espírito San­
to e nos ajuda a penetrar as verdades sobrenaturais.
Consideremos: 1 º as vivas luzes que ele nos proporcio­
na; 2º os meios de merecê-lo. - Peçamos a Deus a gra­
ça de fazer todas as nossas ações à luz duma fé viva
e em espírito de oração, afim de obtermos um aumento
de dons do entendimento recebido no batismo. Da mlhi
intellectum, et scrutabor legem tuam.

1 º Luzes do dom do entendimento


Pertencemos à Igreja como os santos, e participamos
as mesmas crenças; entretanto estas nos impressionam
pouco, ao passo que arrebatavam aqueles verdadeiros
discípulos de Jesus. Como exphcar esse mistério? Ei-lo:
Como não podemos contemplar as magnificências dum
palácio ricamente mobiliado senão pelo grau de luz que
nos aclara, assim não podemos ver as verdades deposi­
tadas em nós pela graça e educação cristã, senão pela
clareza do dom do entendimento que nos ilumina. Ora
os santos o receberam em mais alto grau do que nós;
daí os efeitos maravilhosos em suas almas e em suas
obras.
Santo Antão depois de velar toda a noite em oração
queixava-se que o sol da manhã viesse tão cedo inter­
rompê-lo em seus piedosos exercícios. Mais aclarado que
nós, compreendia melhor tambem a sublimidade dos nos­
sos mistérios e o valor da contemplação. "Conheço um
homem, dizia o bem-aventurado Gilles de Assis, que, ao
recitar os salmos percebe cem interpretações diversas
de um só versículo". Esse homem era ele mesmo, simples
frade franciscano, que, sem estudo e instrução, sé apro­
fundava mais do que os teólogos nas verdades sobrena­
turais ensinadas pelas Escrituras.

84
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O Espírito Santo não ilumina apenas as almas fiéis
na esfera dos mistérios especulativos, mas revela-lhes
tambem o que mais contribue para a sua santificação.
Em seus últimos momentos, santa Maria Madalena de
Pazzi exclamava: "Morro sem ter compreendido corno
alguem possa jamais cometer um pecado mortal". E, com
efeito, se, como ela, compreendêssemos as grandezas de
Deus, suas perfeições infinitas, as riquezas da graça, a
importância da salvação, não poderíamos consentir nem
mesmo nas mais leves faltas. Santa Teresa achava im­
possível ser seduzida pela ,·anglória, tão grande era a
compreensão que tinha do seu nada e da mentira. De­
sejais, corno os santos, ter horror ilimitado mesmo das
menores faltas? Quereis conhecer os tesouros ocultos
na humildade, na vida obscura e na aceitação das cha­
gas abertas no vosso amor próprio? Pedí com instân­
cia a Deus o dom de que tratamos, afim de que ele le­
vante a vossa fé à altura da que iluminava os santos.
Senhor, quanta treva em meu espírito, treva que me
não permite compreender o nada dos bens terrenos e a
vaidade do mundo! Minha razão está cheia de precon­
ceitos terrenos e das máximas do século; estou ainda
longe de encarar antes de tudo a feliz eternidade e de
me submeter totalmente às verdades da religião. Espíri­
to Santo, dignai-vos manifestar-me sem véu: lº as vos­
sas grandezas, as vossas perfeições infinitas, os vossos
direitos inprescritiveis e os vossos benefícios sem núme­
ro; 2º as minhas obrigações para convosco, obrigações
que dimanam de vossos divinos atributos e dos sublimes
mistérios propostos à minha crença pela Igreja, vossa
esposa. Da mihi intellectum, et scrutabor fogem toam,
ct cust{ldiam iliam in t(lto cc;,rde meo.

� Meios �e c;,bter, como os santos, o dom


º

do entendimento
Dispor-nos-emos a receber esse dom precioso, em prla
meiro lugar por meio duma fé prática. "Crede, diz san­
to Agost�nho, e �e!"eC?e:reis C?ompreend,er" i "Se não credes,

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assevera Isaías, o vosso espírito não será aclarado pelo
alto" (Is 7, 9). O ato de submissão a Deus que faze­
mos, exercendo e praticando a fé, merece-nos luzes mais
vivas que nos m'ostrará, como em pleno dia, os mais ocul­
tos mistérios.
Mas é sobretudo nos nossos entretenimentos com o Se­
nhor que nossa fé se nutre e fortifica. O doutor angé­
lico afirmava haver recebido o conhecimento das verda­
des reveladas, muito menos pelo estudo do que pelas lu­
zes hauridas na oração. O mesmo se deu com são Boa­
ventura. Quantos santos iletrados se aprofundaram mais,
pela meditação, nos mais sublimes mistérios, do que sa­
pientíssimos teólogos por seu trabalho! - Quereis, pois,
obter o dom do entendimento? Esforçai-vos por agir
sempre.por princípios sobrenaturais e pedí ao Senhor que
vos aclare com suas luzes divinas.
Ao espírito de fé e oração acrescentai a pureza de co­
ração. Os raios solares exercem mais ação sobre um
cristal límpido e sobre uma atmosfera sem nuvens, do
que sobre um gelo sórdido e um céu nublado. Da mes­
ma· forma o Espírito Santo exerce mais facil influência
sobre corações inteiramente purificados. Daí a palavra
divina: "Bem-aventurados os corações puros, porque ve­
rão a Deus,'' e os mistérios que estão em Deus. Beati
mundi cordi quoniam ipsi Deum videbunt (Mt 5, 8).
Esmerai-vos em evitar até as imperfeições, em afastar
da vossa alma o pensamento e a afeição às criaturas;
em não viver senão da recordação do Senhor, como se
estivesseis só com ele sobre a terra? - Empregastes
todo o momento livre em orar e refletir nas verdades
da salvação, conformando com elas o vosso proceder?
Obedeceis à graça, quando ela de vós ped,e algum sacrifí­
cio? Temeis talvez perder, com a renúncia de vós mes­
mos, o repouso e a tranquilidade; desenganai-vos: quan­
to mais procurardes a Deus sem reserva, tanto mais par­
ticipareis das suas luzes e consolações.
Meu Deus, pelos méritos de Jesus e Maria, inspirai-me
a resolução: 1º de me dirigir em tudo pelos motivos

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duma fé viva; 2º de me conservar sempre sob as vistas
de vossa soberana majestade e de vos suplicar sem es­
morecimento; 3 º de me não apegar a coisa alguma, mas
de me elevar sem cessar à estima e à procura de vossa
beleza infinita que encanta os anjos e os eleitos.

QUARTA-FEIRA ANTES DE PENTECOSTES -


DOM DA SABEDORIA
PREPARAÇÃO. "Senhor, dizia Salomão, dai-me -aque­
la sabedoria que está sentada convosco em vosso trono"
(Sab 9, 4). O dom da sabedoria inspira-nos: l ° um
profundo desgosto dos bens passageiros; 2º o mais puro
gosto dos tesouros eternos. - Não temos algum apego
que impeça o nosso progresso? Renunciemos-lhe desde
já para garantirmos o efeito das nossas preces, quando
suplicarmos a Deus, como Salomão, a verdadeira sabe­
doria. Da mihi sedium tuarum assistricem sapientiam.

1º O dom da sabedoria causa-nos desgosto


dos bens passageiros
Desde a queda original perdemos o gosto da virtude,
e o jugo do Senhor nos parece triste e pesado. Mas o
dom da sabedoria, diz são Bernardo, abafa em nós os
instintos da carne, purifica o nosso entendimento e cura
o paladar de nosso coração enfermo; enche-nos de aver­
são a todos os bens passageiros, contrariamente à pre­
tensa sabedoria dó século, a qual c!onsiste em buscar
com ardor as riquezas, os prazeres e as honras. Esta úl­
tima sabedoria é denominada loucura pelo Espírito San­
to e os que dela são imbuidos são tratados por ele de in­
sensatos (1 Cor 3, 19; Sab 5, 4).
Quão longe estavam os santos dos sentimentos por
ela inspirados! Eles compreenderam os oráculos sagra­
dos: "a verdadeira sabedoria não se encontra entre os
que vivem em delícias (Jó ,28, 12); não entra naqueles
cujo corpo serve ao pecado (Sab 1, 4). A razão é, se­
gundo o apóstolo, porque o espírito e a carne sempre

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se opõem, e só os homens espirituais podem saborear o
que é do espírito de Deus (Cor 2, 14). Que segue daí?
Que é impossivel aliar Deus e os sentidos, unir a vida
perfeita à vida mole e sensual; que a primeira qualidade
da ver<ladeira sabedoria é de ser casta e mortificada.
Sapientia primum pudica est (Tg 3, 17). O dom da sa­
bedoria afasta-nos outrossim de tudo que cheira a orgu­
lho, presunção, vanglória, inveja, dureza, aversão ao
próximo; pois, segundo são Tiago, "a sabedoria que vem
de Deus é modesta, pacífica, sempre pronta a fazer o
bem, a exercer a misericórdia" (Tg 3, 17).
São essas as vossas disposições? Procurais esmagar
em vosso coração o amor próprio, o apego a vós mes­
mos, às vossas comodidades, · ao bem-estar, a tudo que
lisonjeia a carne? Tendes horror ao louvor, à paixão
de vos exibir, à ambição de ser grandes aos olhos dos
homens, tendências tão contrárias à humildade evangé­
lica? De hoje em diante aborrecei tudo que é espírito
mundano, espírito de orgulho, avareza e sensualidade.
Segundo o conselho de Jesus a são Francisco de Assis,
considerai como amargo o que é doce e como doce o
que é amargo à natureza.
Meu Deus, Espírito de amor, arrancai-me das satisfa­
ções dos sentidos, dos gozos passageiros, dos prazeres da
vida e de tudo que lisonjeia o amor próprio. Dai que eu
despreze como lama os bens terrenos e passageiros afim
de adquirir Jesus, o Bem supremo e eterno. Omnia ar­
bitror ut stercora, ut Christum lucrifaciam (Filip 3, 8).

�º O dom da sabedoria inspira-nos o gosto


dos bens eternos
Como o dom do entendimento, segundo santo Tomaz,
nos ajuda a penetrar os mistérios da fé, o da ciência,
a, julgar das coisas criadas, assim o dom da sabedoria,
dispõe-nos a fazer um juizo exato das coisas divinas e
nos dá a respeito delas um gosto suave que excede a
toda doçura. Ornada desse dom precioso, a alma sent�
tanto praze,r em amar a pe�s e a seu �itjno li'ilho, qu�


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pode exclamar com são Bernardo: Confesso que nenhum
livro me atrai e nenhum entretenimento me agrada se
nele não encontro o nome de Jesus; esse nome é mel na
minha boca, melodia a meus ouvidos, canto de alegria
ao meu coração. - Santo Agostinho e muitos outros
santos penitentes, longe de desejar as volúpias do sé­
culo, achavam mais prazer em chorar os seus pecados
do que os mundanos em gozar suas vãs satisfações. O
dom da sabedoria comunica, realmente, tanta suavidade
ao amor divino, que nos torna doce e agradavel a prá­
tica das virtudes. "Então, diz a Imitação, quem àma
corre, voa e se alegra; é livre e nada o detém; nenhum
trabalho lhe custa, jamais se excusa por impossibilida­
de; executa uma multidão de empreendimentos e condú­
los a bom êxito; enquanto que o homem carnal perde a
coragem e se deixa facilmente abater (L. 3, c. 5). - Os
que possuem nesse grau o dom da sabedoria exultam,
com são Paulo, no meio das tribulações.
Por que é que os exercícios de piedade e o serviço
de Deus vos parecem enfadonhos? é porque vos falta
esse dom que adoça todas as amarguras. Encontrais tan­
ta dificuldade em vencer-vos, em suportar os defeitos
do próximo, em sacrificar vossas idéias na submissão a
outrem, porqbe estais privados daquele sabor celeste
que balsamiza os corações doceis.
Meu Deus, Espírito consolador, descei em mim com a
plenitude dos vossos dons. Comunicai-me o conhecimen­
to saboroso das coisas divinas consideradas em vós, o
soberano bem. Vós disseste: se alguem precisa de sabe­
doria, obtê-la-á abundantemente por meio da prece (Tg
1, 5). Não rejeiteis, pois, minhas humildes súplicas, e,
pela intercessão da Virgem puríssima, trono da Sabedo­
ria incarnada, dai-me o gosto espiritual do que mortifi­
ca os meus sentidos, contraria minhas más inclinações e
me conduz à mais estreita união com vossa bondáde in­
finita.· Da mihi sedium tuarum a�!�trkem sa.pientlam,
�t mecum sit et meCUJD l11bp:ret1

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QUINTA-FEIRA ANTES DE PENTECOSTES -
DISPOSIÇÕES· PARA A FESTA
PREPARAÇÃO. Já que a festa de Pentecostes é tão
importante para as nossas almas, queremos celebrá-la
com fervor, considerando: 1 º as graças que o Espírito
Santo nos quer conceder; 2º os meios a empregar para
obtê-las. -- Tomaremos depois a resolução de repetir
a miudo com a Igreja ao divino Paráclito: "Vinde, Pai
dos pobres, vinde socorrer nossa miséria, enriquecer-nos
dos vossos dons, encher-nos de vossos esplendores!"
Veni, Pater pauperum, veni dator muncrum, veni lumen
cordium.
1" Gr�as que nos trará o Espírito Santo
"Quando vier o Paráclito, dizia Jesus a seus discípu­
los, esse Espírito da verdade que procede do Pai e que
eu vos enviarei, dará testemunho de mim" (Jo 15, 26).
Jesus promete o Espírito Santo a seus apóstolos, afim
de movê-los a·se prepararem para a sua vinda. Chama-o
Espirito da verdade que procede do Pai e que por isso
no-lo fará conhecer; dará testemunho ao Filho, isto é,
far-nos-á compreender sua grandeza e a excelência da
sua doutrina. Ora, conhecer o Pai, único verdadeiro Deus,
e Jesus Cristo por ele enviado é, diz o Mestre, a vida
eterna ou o que se requer para adquirí-la. Hmc est au­
tem vita mterna (Jo 17, 3).
Não contente de ensinar em geral o que é indispensavel
para a salvação, o Espírito da verdade sugerirá a cada
um de nós o que lhe concerne em particular; esclarecer­
nos-á sobre o nosso nada, mostrar-nos-á nossas más in­
clinações, o que é preciso corrigir e reformar em nós;
ampliará o horizonte da nossa alma e a fará ver mais
claramente a malícia do pecado, as perfeições imensas da­
quele a quem devemos amar de todo o coração; ajudar­
nos-á a penetrar mais os mistérios do presépio, da cruz,
do tabernáculo, a melhor compreender os benefícios da
fé, da graça, dos sacramentos, e a testemunhar ao Se­
nhor sincero reconhecimento; fortalecerá nossa esperan-

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ça nas promessaiii divinas feitas à oração, à boa vontade,
ao arrependimento e às santas obras para chegarmos à
salvaçãp.
Enfim nos descobrirá, novos caminhos a explorar, no­
rns progres,;os a fazer na dificil prática da humildade,
abnegação e sacrifício; no exercício do recolhimento, vi­
gilância e oração; na perfeição da mansidão, devotamen­
to, zelo e de tudo que a caridade sabe inspirar às almas
desejosas de santificação. Para facllitar-nos a fidelidade
à sua direção, o Espírito Santo nos comunicará sua doce
unção, destinada a t-0rnar a nossa vontade mais flexivel
e doei!; unir-lhe-á aquela força vitoriosa que provavam
os apóstolos e os primeiros fiéis, arrostando não só o res­
peito humano, mas tambem os tormentos e a morte para
a glória de Jesus.
Meu Deus, espírito de santidade, mostrai-me minha
profunda miséria e fazei-me desejar vossa presença em
mim com todo o ardor dos discípulos reunidos no ce­
náculo. E vós, ó Maria, pedí ao divino Paráclito que aper­
feiçoe minha inteligência e minha vontade: minha in­
teligência, pelos dons da sabedoria, entendimento, ciên:
eia e conselho; minha vontade, pelos dons de piedade,
fortaleza e temor de Deus.

2º Meios de dispor-nos à vinda do Espírito Santo


O Salvador dizia a seus apóstolos: "E' bom para vós
que eu vá, p-0rque, se eu não for, o Paráclito ou o Con­
solador não virá a vós" (Jo 16, 17). "Por essas palavras,
diz sij.o Bernal'do, Jesus nos ensina a não mesclar a vai­
dade com a verdade, qs bens passageiros com os bens
eternos, o material com o espiritual, as coisas inferiores
com as superiores, de maneira a querermos gozar a ter­
ra e o céu". Com outras palavras, o Salvador recomen­
da-nos o desapego, como disposição necessária à recepção
do Espírito Santo. E, realmente, que desejava ele de
seus discípulos, senão ser por eles amado de maneira
menos terrena? Ensinou-nos assim a desprender-nos ·de
tudo, mesmo dos gostos sensiveis da piedade, afim de

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possuirmos o Espírito Santo, seus dons, suas graças e seu
amor, de preferência a suas consolações.
Entremos ainda, como os apóstolos, numa profunda
solidão, num sério recolhimento. "Permanecei na cida­
de, disse-lhes o Senhor, até ao dia em que sereis reves­
tidos da força do alto" (Lc 24, 49). E, recolhidos no ce­
náculo, lá passaram dez dias em retiro, "perseverando
na oração com Maria, Mãe de Jesus" (At 1, 14). Sigamos
o seu exemplo, empregando os dias que precedem a festa
de Pentecostes no exercício da vigilância e da vida inte­
rior. Repitamos muitas vezes com a Igreja:
"Vinde, Espírito Santo, Pai dos pobres; vinde, autor
dos dons celestes e luz dos corações! Consolador por ex­
celência, ó doce hóspede das almas, sede-nos delicioso re­
frigério contra o fogo das nossas paixões. Sede nosso re­
pouso no trabalho, nossa paz na agitação, nosso conso­
lo nas lágrimas. O' luz bem-aventurada, enchei os cora­
ções de todos os verdadeiros fiéis; porque sem vós, sem
a vossa graça, o homem não passa de um puro nada e
·de corrupção.
Lavai as nossa manchas, regai o que é árido, curai o
que é enfermo. Humilhai os nossos espíritos soberbos
e tornai-os doceis; aquecei nossos corações frios, dirigí­
os nos extravias, afim de que procurem somente a vós.
Dai enfim a todos os fiéis que confiam em vossa bonda­
de os sete dons da vossa graça, o mérito das virtudes, a
perseverança final e a alegria eterna dos santos". - O'
Maria, esposa do Espírito do amor, preparai-me para a
grande festa de Pentecostes.

SEXTA-FEIRA ANTES DE PENTECOSTES


PISPOSIÇõES PARA ESSA FESTA
PREPARAÇÃO. Já que o Espírito Santo é o santifi­
cador elas almas, desejemos vivamente a sua vinda e,
p!l,ra. esse fim, meditaremos: 1 ° como ele nos atrai e une
a si; 2º em que corações ele �osta de morar. Ad9ta.r�;

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mos, a seguir, a prática de repetir a miudo nestes dias:
"Vinde, Espírito Criador, visitar os nossos corações que
vos pertencem". Veni, Creator Spiritus, mentes tuorum
visita.
l ° Como o Espírito Santo nos atrai
Antes da vinda do Messias, os homens,· afastados de
Deus, recusavam obedecer-lhe; fugiam em vez de o pro­
curar e voltavam-se para as criaturas. Que fez o Senhor?
Em vez de castigar-nos, resolveu ganhar-nos os cora­
ções por meio do amor. "Eu os atrairei, disse ele, pelas
cadeias da caridade" (Os 11, 4). E, com efeito, foram
esses laços sagrados, isto é, os prodígios da Incarnação,
da Redenção, da Igreja, da Eucaristia, da descida do Es­
pírito Santo sobre os apóstolos, que converteram o mun­
do e reconduziram as almas a Deus.
E não poderia ter escolhido melo melhor. A caridade,
segundo o apóstolo, é o vínculo da perfeição evangélica
(Col 3, 14). Ela desprende-nos da terra e de nós mes­
mos; faz-nos subir os degraus de todas as virtudes até à
mais estreita união com o soberano Bem. Quem recusaria
carregar a doce cadeia do amor, que produz em nós tais
efeitos? Sabemos que os laços do mundo são cadeias de
morte; mas os do Espírito Santo são cadeias de vida e
de salvação. Alligatura sa.lutaris (Ecli 6, 31). Como o
divino Paráclito une pelo amor o Pai e o Verbo eterno,
assim prende o nosso coração a Deus pelos laços da ca­
ridade divina que nos dá nova vida, vida superior à de
todos os seres que Deus· poderia criar, e que nos faz par­
ticipantes da natureza do ser supremo e incriado; bela
vida que nos faz participar do poder, da sabedoria, da
santidade do Senhor! Então Deus está em nós, e nós
nele; ele nos sustém, dirige e faz viver por seu Espírito.
Meu Deus, caridade por essência, fazei que a união
convosco seja o objeto contínuo dos meus pensamentos,
dos meus projetos e de todas as minhas aspirações. Até
agora, em vez de procurar unicamente a vós, andei em
busca dos interesses do meu amor próprio e das suas

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falsas satisfações. Quando uín cievét lne ê pesado e me
contraria, perturbo-me, queixo-me e me entristeço; é por­
que me amo mais do que a vós e prefiro o meu contenta­
mento à vossa vontade infinitamente amavel. Pelos mé­
ritos de Jesus e Maria, comunicai-me, Espírito divino,
vossos preciosos dons, dons que elevarão minha alma e a
abrasarão do desejo de imolar-se por vós. Dai-me as vi­
vas luzes com que iluminais os santos, afim de que, co­
nhecendo vossas perfeições infinitas e vossos inumera­
veis beneficias, cu me prenda a vós sem reserva até ao
meu derradeiro suspiro.

2º Em que corações o Espírito Santo quer morar


O estado de graça é condição absolutamente necessá­
ria à recepção do Espírito Santo. "Se me amardes, diz
o Salvador, se possuirdes minha graça ou minha ami­
zade, rogarei ao Pai e ele vos enviará o Espírito Conso­
lador". Et aliam Paracletum dabit vobis (Jo 14, 15). O
Espírito Santo, pois, desce à alma que o deseja, que o
atrai por piedosos afetos, mesmo que possuisse apenas
um fraco_ grau de graça santificante.
Elé prodigaliza os seus· dons àquele que o procura
no retiro. Por qUe é que a Escritura louva a alma, que,
semelhante à rola, se conserva oculta no mundo? (Cant
1, 9). E' porque a solidão e o recolhimento nos tornam
mais atentos à voz do Espírito de Deus, a seus atrativos
interiores, a suas inspirações. No deserto ele formou os
profetas, fez de João Batista um archote ardente e lu­
minoso. Não foi porventura no s�gredo do cenáculo que
os apóstolos se transformaram: em homens novos? O re­
tiro -tem sido sempre o paraíso dos santos neste mundo;
saboreavam por experiência as graças escolhidas e as
doces consolações que Deus lá comunica aos que o amam.
Ele exige sobretudo destes últimos um coração sub­
misso e docil. "Se me amais, diz-lhes o Salvador, guardai
os meus mandamentos e eu pedirei ao Pai, e ele vos en­
viará o Espírito Consolador, para que fique sempre con­
vosco" ( Jo 14, 15-16). E' como se dissesse : Possuireis o

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:Espírito Santo na medida que me amardes e vos sub­
meterdes aos meus preceitos, submissos à minha vontade,
doceis à minha graça, atentos a não contristá-lo por vos­
sas renitências às suas inspirações. "O Senhor comunica
o seu Espírito, acrescenta são Pedro, a todos que lhe
obedecem". Spiritus Sanctus quem dedit Deus omnibus
obedientibus sibi (At 5, 32).
Espírito divino, quero ter minha alma sempre pronta
para receber-vos. Por isso timbrarei em adorná-la com
as flores que vos são agradaveis e que se cultivam na
solidão, no silêncio e na oração. Balsamizá-la-ei de fé,
pureza, devoção. Banirei dela tudo que possa desagradar
vossos olhos divinos, mormente o defeito que for mais
prejudicial e que se repete mais vezes nas minhas con­
fissões. Auxiliado, enfim, pela vossa graça, propónho-me
em particular, até domingo: 1 º obedecer à voz de vossas
exprobrações e das vossas inspirações; 2" oferecer-vos
generosamente, apesar das minhas repugnâncias, os sa­
crifícios que me pedirdes. Coloco essas resoluções sob a
proteção da vossa esposa sempre fiel, a SS. Virgem
Maria.
VIGILIA - DE PENTECOSTES -
MARIA E O ESPIRITO SANTO
PREPARAÇÃO. A intercessão de Maria é um dos meios
mais eficazes para nos dispor à festa de Pentecostes.
Veremos, pois, quanto a Virgem imaculada foi repleta
do Espirita Santo: 1" em seu próprio favor; 2 º em nosso
favor. Suplicar-lhe-emas nos faça entrar sempre mais
nos senti�entos de humildade e confiança que a anima­
vam no dia de Pentecostes, em que recebeu a plenitude
perfeit-a do Espírito de amor. Spiritus Sa.nctus superve­
niet in te (Lc 1, 35).
1º Maria foi repleta do Espírito Santo
Já em sua imaculada Conceição, a SS. Virgem recebe­
ra a plenitude do Espírito divino, em grau superior à
que santificou todos os anjos e santos reunidos; ao che-

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gar, porém, o momento em que o Verbo eterno nela se
incarnou por obra do Espírito Santo, essa plenitude ex­
cedeu o imaginavel. A Virgem sem mancha tornou-se en­
tão Mãe de Deus, dignidade mais sublime do que toda a
grandeza criada, e que exigia perfeição indizivel, digna
de certo modo do Ser incriado. Maria recebeu ao mesmo
tempo a nobre e dificil missão de contribuir para a Re­
denção do mundo perdido; isso garantia-lhe luzes, dons,
privilégios proporcionados a tão importante vocação. Daí
a palavra dum santo: "Só Deus pode conceder o cabe­
dal de graças depositado na divina Mãe no dia feliz da
Incarnação" (S. Bernardino de Sena).
Entretanto, quem o creria? essa santidade incompreen­
sivel de Maria cresceu todos os instantes de sua pere­
grinação terrestre, sobretudo nas épocas dos principais
mistérios da vida e morte de Jesus. Quantas virtudes
não exerceu ela no tempo da paixão! Que coragem na
via dolorosa! que fortaleza e constância ao pé da cruz!
Esses atos, mais que heróicos, atrairam-lhe os mais pre­
ciosos favores até ao momento solene em que o Espírito
Santo, descendo sobre Olil apóstolos, se concentrou espe­
cialmente na alma de sua amavel Rainha.
Queremos, a seu exemplo, preparar em nossos cora­
ções habitação agradavel ao divino Paráclito? Trabalhe­
mos com ela para unir em nós a inocência à penitência,
o temor de Deus à confiança nele, a humildade à grandeza
dalma, e a delicadeza de conciência à generosidade do
sacrifício. Esforcemo-nos com Maria para subir a Deus
pelos diversos graus do recolhimento, da pureza de co­
ração e da oração contínua, degraus que nos farão chegar
à morte total de nós mesmos em união com Jesus cru­
cificado.
Espirita de graça e de verdade, sentis prazer nos co­
rações inteiramente purificados do velho fermento das
paixões; dignai-vos comunicar-me a coragem de comba­
ter a estima própria, o desejo de ser ciuerido, o amor

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das comodidades, do bem estar e da sensualidade, afim
de que possais reinar em mim, vós que reinastes com
perfeição na alma puríssima da augustíssima Mãe de
Jesus e minha.
2º Maria, canal das graças do Espírito Santo
No momento em que Maria foi elevada pelo Espírito
do amor à plenitude da santidade, tornando-se Mãe de
Deus e dos homens, recebeu de que nutrir seus filhos es­
pirituais e de que formá-los à semelhança de Jesus. Ma­
nifestou esse privilégio, quando sua palavra comunicou
o espírito profético a Isabel e santificou instantanea­
mente a alma de João Batista. Sempre e em todas as
circunstâncias percebemos sua intervenção quando se
trata de dispensar às almas os bens da Redenção.
No dia de Pentecostes, diz um grande servo de Deus,
o Espírito Santo desceu primeiro sobre a divina Mãe e
difundiu-se depois entre os apóstolos sob a forma de lín­
guas de fogo. O ministério apostólico de fato, destinado
a comunicar a graça, deveria receber seu último aperfei­
çoamento pelo canal daquela que é a sua dispenseira.
Seja como fôr, os apóstolos deveram sem dúvida às pre­
ces da sua amada soberana e às suas próprias disposi­
ções, a plenitude da sabedoria e santidade que receberam
nesse grande dia.
Tambem nós a ela deveremos os socorros abundantes
que o divino Paráclito nos prepara. "Todos os dons, vir­
tudes e graças, diz são Bernardino de Sena, são dispensa­
dos pelas mãos de Maria a quem ela quer, quando e co­
mo quer". Ora, ela quer cumular-nos de favores mais do
que nós poderíamos desejar receber. Outrossim, segundo
santo Ildefonso, como o fogo penetra o ferro e o abrasa
todo, assim o Espírito santificador se apoderou da alma
de Maria; basta-lhe pois inclinar-se a nós para encher­
nos do mesmo Espírito.
Vede se não há em vós certos obstáculos que vos tor­
nam indignos da sua benevolência maternal. Não estais
cheios do pensamento da vossa própria excelência, e em
Bronchain II - 7 97
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vez de vos humilhardes na oração, não nutris a opinião
vantajosa que tendes de vós mesmos? Não permaneceis
nela distraidos, frios, indiferentes, sem nenhum des�jo
da união com Deus?
Amavel soberana minha, pouco amor e confiança po­
nho às preces que vos ouso dirigir. Lembrai-vos das
vossas misericórdias; e já que as enfermeiras são feitas
para os doentes, vós, enfermeira régia do gênero huma­
no, dignai-vos pensar e curar as chagas da minha alma
e restituir-lhe a saude perfeita. Para esse fim chamai so­
bre mim o Espírito consolador, que é o remédio eficaz
para todas as enfermidades e chagas. Fazei que eu re­
pita hoje muitas vezes com a Igreja: "Espírito divino,
regai o que em mim é árido, curai o que é enfermo".
Riga quod est aridum, sana quod est saucium.

DOMINGO DE PENTECOSTES - MISTÉRIO DO DIA


PREPARAÇÃO. Nesta festa realizou-se o que deseja­
va o sábio quando dizia a Deus: "Senhor, renova os teus
prodígios -e faze novas maravilhas" (Ecli 36, 6). l° O
céu operou de fato nesse dia prodígios novos. 2º Esses
prodígios produziram maravilhosos efeitos nos apóstolos
e nos primeiros cristãos. - Tomemos a resolução de re­
dobrar de fervor e confiança pedindo ao divino Paráclito
nos transforme em homens novos. Innova signa - et Tm-
mÓta mirabilia.

1º Maravilhas operadas nesse dia


Lendo na Escritura os prodígios com que Deus tirou
seu povo do Egito, como o conduziu pelo deserto e o fez
entrar na terra da promissão; conhecendo o aniquilamen­
to do Verbo e vendo a Sabedoria incriada multiplicar os
milagres com profusão sem exemplo, perguntam-nos se
era ainda possível operar outras maravilhas e se era per­
mitido exclamar com o Eclesiástico: "Senhor, renova os
teus prodígios, faze novas maravilhas". Innova signa et
1mmüta miro.bilia.

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Parece, entretanto, que 0 Espírito Santo ouviu essa
espécie de provocação. Apareceu nesse dia, como nunca
o fizera, sob a forma de línguas de fogo, dando a enten­
der a todos que vinha difundir sobre a terra os divinos
ardores da caridade por meio da pregação. Anuncia-se
com estrépito para significar que sua ação não se limi­
tará, como a do Salvador, a um povo, a uma região; mas
que se estenderá, pelos apóstolos e seus sucessores, até
às extremidades do mundo. Assim se completa a estru­
tura admiravel da Igreja católica, Igreja simbolizada em
Eva desde a origem do mundo, Igreja em germe sob os
patriarcas, preconizada pelos profetas, preparada e fi­
gurada pela sinagoga, aperfeiçoada por Jesus Cristo seu
Chefe e coroada pelo Espírito Santo, que é como seu
centro, seu coração e sua vida divina até à consumação
dos séculos. Heri et hodie et ln smcula.
O' sublime coroamento de uma obra que abrange to­
das as idades, santifica todas as gerações e nos propor­
ciona todas as graças de salvação! Por ela, a verdadei­
ra doutrina, a oração, os sacramentos, o sacrifício vão
regenerar as almas. Por ela, o gênero humano vai pas­
sar das trevas à luz, da corrução à pureza dos anjos, do
egoismo à perfeita caridade, e de todos os vícios à san­
tidade evangélica. Vê-Ia-ão elevar-se e estender-se pelo
universo: e a jerarquia dos bispos e dos sacerdotes e
uma multidão de ordens religiosas e de instituições sem
número que aliviarão todas as misérias e consolarão to­
dos os infortúnios. Não é essa uma obra mil vezes mais
admiravel que a da criação? Nesta trata-se da nature­
za e das coisas do tempo; naquela, do reino da graça e
dos mistérios da eternidade!
Espírito de sabedoria e de fortaleza, excedestes toda
a nossa espectativa, completando a obra da Redenção;
dignai-vos iluminar-me e fazei que eu melhor compreenda
a imensa felicidade de ter nascido na Igreja católica,
coluna e base da verdade, reservatório inesgotavel das
graças santificadoras. ·Tornai-me sempre pronto a apro-

7• 99
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veitar os sacramentos, a santa missa, a oração e o ban­
quete eucaristico, para ser um homem novo transforma­
do pela fé viva e inflamado, dos puros ardores da cari­
dade. Innova signa et immiita mirabllla.

2º Efeitos particulares da. descida. do Espírito Santo


Apenas os apóstolos receberam o Espírito Santo, co­
nheceram todos os mistérios a revelar ao mundo. Igno­
rantes até então, encheram-se da ciência das Escrituras
e falaram diversas línguas sem as haver aprendido. A
lei da graça ficou como que inscrita em seus corações;
amavam-na e sentiam-se constrangidos a observá-Ia. O
ardor da caridade tornou-os capazes de sacrificar mil vi­
das para a glória e o serviço do caro Mestre. Daí o zelo
da salvação das almas, que os dispersava para todos os
países.
Aquela coragem intrépida contrastava singularmente
com a timidez de outrora. Eles, que fugiram no tempo da
paixão, abandonando o Salvador aos inimigos, e que des­
de aquela época se conservaram sempre ocultos por puro
medo, agora exprobram abertamente aos judeus o ha­
verem dado a morte ao Messias. Afrontando as perse­
guições, suportam toda sorte de torturas e acabam por
selar com seu sangue a doutrina que pregam pela autori­
dade de Jesus.
E esses efeitos maravilhosos não se limitam aos após­
tolos; comunicam-se aos primeiros cristãos, que se de­
dicam à oração, à mortificação, às obras de caridade e
de zelo; renunciam sem hesitar a seus bens e os põem
em comum; afastados dos prazeres do século, esmeram­
se em observar os divinos preceitos; e, desejando tor­
nar-se conformes a Jesus crucificado, chegam a entregar­
se ao martírio às centenas e aos milhares. O' maravilha
que excedeu a espectativa de todas as idades e realizou
as profecias além das esperanças.
Aproveitais, como os primeiros cristãos, as graças do
Espírito Santo? "Os que a receberam, diz são João Cri­
sóstomo, desprezam as riquezas temporais e se sentem

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obrigados a procurar os tesouros da eternidade". Com­
prazem-se em viver pobres e nas provações, isolados no
mundo, possuindo tão somente a Deus. Que fidelidade
em obedecer às inspirações divinas, quando elas reclamam
o silêncio, o recolhimento, o emprego da oração nos mo­
mentos livres, a renúncia a determinada afeição, a tal
leitura, falta -ou defeito! Tendes essas disposições de do­
cilidade ao beneplácito do Espírito Santo?
Meu Deus, quão longe estou delas, eu que tantas ve­
zes resisto aos impulsos da vossa graça! Pelos méritos
de Jesus e Maria, concedei-me: 1º a prontidão do enten­
dimento e da vontade para me submeter a vós; 2º a
coragem de vos obedecer nos desgostos, tristezas e en­
fadas bem como na paz, alegria e consolações.

SEGUNDA-FEIRA DE PENTECOSTES
SANTUÃRIO DO ESPIRITO SANTO
PREPARAÇÃO. "Não sabeis, diz o apóstolo, que sois
templo de Deus e que o Espírito Santo habita em vós?"
(1 Cor 3, 16). Consideremos amanhã: 1° a felicidade de
sermos habitação do Espírito Santo; .2º os deveres que
nos impõe tão glorioso privilégio. - O fruto desta me­
ditação será recordar-nos muitas vezes da presença da­
quele que estabeleceu em nós sua morada de predileção,
unicamente para nos beneficiar e ouvir as nossas pre­
ces. Nescitis quia templum Dei estis, et Spiritus Dei ha­
bitat in vobis?

1• Somos templos do Espírito Santo


Que sentimentos de júbilo deveriam encher-nos os co­
rações ·ao pensarmos que dentro em nós vive e reside
o Espírito santificador, aquele que renovou a face da
terra! Esse privilégio é tão insigne que Jesus dele fala
frequentemente a seus discípulos e parece indicar-lho
como o fim da sua vinda ao mundo, o complemento da
sua pregação, o fruto da sua morte, ressurreição e as­
censão ao céu.

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"Rogai ao Pai, diz-lhes, e ele vos dará um outro Pa­
ráclito, que ficará constantemente convosco; o Espirito
da verdade que vos sugerirá tudo o que vos tenho en­
sinado; se eu não for, esse Espírito consolador náo virá
a vós". Os profetas da antiga lei anunciaram-nos a vin­
da de Jesus, aquí o divino Mestre parece tornou-se o pro­
feta do Espírito Santo, certificando-nos da sua habitação
em nossas almas.
Com que reconhecimento e amor não devemos recebê­
lo como nosso hóspede adoravel e render-lhe nossas ho­
menagens ! Ele vem em pessoa construir-se em nós um
misterioso santuário por meio das virtudes teologais e
morais que formam o corpo do edifício, e dos sete dona
que são como as suas colunas, a sua riqueza e o seu aca­
bamento. Os atos de virtudes, inspirados pelo divino Pa­
ráclito, ornam sempre mais esse templo interior e o tor­
nam agradavel às tres Pessoas divinas, que, segundo o
oráculo do Salvador, nele fazem a sua morada. Mansio­
nem apud �um faciemus. Nada mais doce a pensar, nem
mais arrebatador a crer e meditar do que essa verdl!,de
dum Deus em tres Pessoas habitar em nossos corações
em estado de graça. Nada mais próprio para constran­
ger-nos a fugir do pecado e a santificar-nos.
Meu Deus, dir-vos-ei com Daví, convém que vossa casa
seja sa.nta (SI 92, 7). Convém que minha alma, em que
habitais, seja pura de toda falta, de todo apego huma­
no, de toda imperfeição. Adornai-a de humildade e re­
signação à vossa vontade. Perfumai-a de castidade, ino­
cência, docilidade, e fechai-lhe a entrada a toda criatura
pelo recolhimento e pela mortificação dos sentidos. Mas,
para vos garantirdes a posse dessa morada, sustentai-a
pelas colunas dos sete dons que tornem inabalaveis em
mim as virtudes teologais e cardiais, isto é, a fé, a es­
perança e a caridade, a prudência, a justiça, a fortale­
za e a temperança. Emitte spiritum tuum et crea.buntur.

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2º A que nos obriga a morada do Espírito Santo em nós
Em primeiro lugar a um profundo respeito e a uma
contínua confiança nesse Espírito santificador que na
vida traz consigo o Pai e o Filho dos quais é inseparavel.
Quem não viveria constantemente abnegado sob o olhar
dessa Trindade santíssima, que vê os nossos pensamen­
tos, intenções e desejos, e diante da qual tremem os po­
deres celestiais? Tremunt potestates. Mas, ao mesmo
tempo, que confiança não nos inspira a bondade do Se­
nhor! Está em nós para nos iluminar, fortalecer e con­
solar e para atender a todas as nossas preces. Seria ofen­
sa não esperar tudo da sua misericórdia, a exemplo duma
cri9:nça que tudo espera do pai que a ama com ternura.
Em segundo lugar, como o templo do Senhor é desti­
nado à prece e ao sacrifício, é necessário tambem que em
nosso santuário interior façamos sempre atos de reco­
nhecimento, amor e submissão ao Pai e ao Filho, e so­
bretudo ao Espírito Santo, a quem se atribue a obra da
nossa santificação. Digamos-lhe, pois, com Davi: "Senhor,
cantarei a vossa glória na presença dos anjos; eu vos
adorarei e louvarei no vosso santo templo" (SI 53, 8).
"Suba até vós a minha prece com as nuvens de incenso"
(SI 53, 8; 140, 2).
Unamos à prece a renúncia ou o sacrifício: 1º de todo
o sentimento de orgulho, vaidade, amor próprio, pela es­
pada da humildade; 2º de todo movimento de cólera, aze­
dume, impaciência, ressentimento pela força da abnega­
ção; 3º de toda a sensualidade e moleza, de todo o apego
às criaturas, e de toda a satisfação própria, pelo exer­
cício da mortificação e da completa fidelidade à graça.
Esses atos repetidos com frequência serão um perfume
do sacrifício perpétuo que deve honrar em nós a divinda­
de, como outrora o do templo de Jerusalém.
Meu Deus, inspirai-me esse espírito de oração, que me
obtenha de vós um profundo respeito para com vossa in­
finita majestade se:mpre presente em minha alma. Dai­
me o temor filial de desagravar-vos e uma confiança· ina-

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balavel em vossa divina misericórdia. Estou resolvido a
'f'encer-me, a triunfar do respeito humano e a aproveitar
das ocasiões de sofrer para progredir no vosso amor.
Pela intercessão da santíssima Virgem Maria, fazei-me vi­
ver estreitamente unido a vós no mais íntimo do meu
ser, onde estabelecestes a vossa morada. Et manslonem
aqud eum faciemus.

TERÇA-FEIRA DE PENTECOSTES
SúPLICAS AO ESPtRITO SANTO
PREPARAÇÃO. "Vosso Pai que está no céu, diz o
Salvador, dará o bom espírito aos que lho pedirem" (Lc
11, 13). Esse bom espírito consiste: 1 ° em ser humilde
e dependente do Espírito Santo; 2º em viver inteiramente
puro e desapegado. - Peçamos esse bom espírito com
instância e perseverança, persuadidos de que ele nos será
dado, segundo a promessa do divino Mestre: Pater ves­
ter de creio dabit spirltum bonum petentibus se.

1º Os humildes rem o bom espírito


Entregue a si próprio, o homem permanece no estado
da natureza viciada em que caiu desde o pecado original,
sem poder sair dele. E' impossivel elevar-nos corporal­
mente ao céu sem socorro estranho; assim tambem o é
a nossa alma fazer um ato sobrenatural ou elevar-se aci­
ma da natureza sem a graça divina. Temos de reconhe­
cer que de nós mesmos nada podemos na ordem da sal­
vação, nem sequer ter o pensamento e o desejo do bem
(2 Cor 3, 5). Entrar nessas idéias e sentimentos e agir
de acordo com elas é possuir o bom espírito, aquele es­
pírito de humildade que nos aniquila diante da majes­
tade divina e faz que nos consideremos como os últimos
de todos em virtude e em merecimento.
O primeiro e principal efeito dessa humildade é uma
inteira dependência a respeito de Deus. Nada posso, diz­
me a fé, na ordem sobrenatural; ora, é necessar10 que
me eleve a essà ordem para salvar-me; logo, devo re-

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correr ao Senhor, único autor da graça; necessito das
suas luzes e do seu concurso para avançar no caminho
do céu. Como uma criancinha não pode dar um passo
sem pegar na mão que lhe ensina a andar, assim, sem
o Pai celeste, que podemos nós? nem sequer mover-nos
no caminho da virtude, como afirma o apóstolo. Deus
est enim qui operatur in vobis et velle et perficere pro
hona voluntate (Filip 2, 13).
Agir de acordo com essa verdade, ou reclamar sempre
a assistência divina, é ainda o bom espírito, o espírito
daquele que disse: "Se não vos converterdes e não vos
tornardes como crianças, não entrareis no reino dos
céus". Ser como crianças quer dizer sentir a própria in­
capacidade para o bem, procurar apoio em Deus, pedir
sempre seu esclarecimento, direção e sustentáculo; é,
numa palavra, cumprir o preceito: "E' preciso orar sem­
pre e nunca deixar de o fazer" (Lc 18, 1).
Meu Deus, quem me dera possuir essas disposições em
vez da presunção funesta com que tenho enfrentado tan­
tas vezes o perigo, confiando em minhas próprias forças!
Tenho negligenciado a oração, a leitura, a comunhão e
outros exercícios de piedade, como se não foram neces­
sários à minha vida espiritual! Fazei-me compreender,
Senhor, que o orgulho é o princípio de todo o mal, e a
humildade a origem de todo o bem. Dai-me esta última
virtude, que me inspira a vigilância, o temor salutar,
a desconfiança em mim e a oração contínua. Que ela
me ensine a viver sempre sob o domínio do vosso santo
Espírito, que me torne em tudo submisso e docil à sua
direção.
2º O desapego . vem do bom espírito
O bom espírito acha-se nas almas que trabalham pa­
ra se purüicar e desapegar. As manchas espirituais não
são como as manchas materiais. Estas desaparecem fa­
cilmente sob a ação da água, ao passo que um dilúvio de
sangue humano seria insuficiente para apagar a man­
cha do pecado; para isso é necessário o sangue de um

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Deue, aplicado às nossas almas pelo Espírito santifica­
dor. E mesmo depois de sermos lavados no sacramento
da penitência, muito ainda nos resta a expiar nesta ou na
outra vida. E quantas trevas, fraqueza, más inclinações
não nos deixam as nossas faltas, mesmo depois do per­
dão! (Ecli 5, 5). Davi não deixava de exclamar: "Se­
nhor, lavai-me sempre mais de minhas iniquidades e
purificai-me dos meus pecados". Et a peccato meo mun­
da me.
O mundo exterior, segundo são Leão, faz-nos contrair
muitas manchas, rebaixando as nossas afeições às vai­
dades passageiras e terrenas. Aliás não somos nós mes­
mos como sentinelas de corrupção? Donde nos vêm as
paixões sempre alerta, o orgulho, a sensualidade, o amor
próprio, formigueiros de instintos maus que se aninham
em nós? e a concupiscência, sempre renascente, tende a
infetar todo o nosso ser. Sem a graça, como permane­
cer puro e ilibado no meio de tantos vícios e tendências
funestas? Digamos, pois, a miudo com a Igreja: "Espí­
rito Santo, lavai em nós o que é baixo e vergonhoso:
Lava quod est sordidum !" e com o profeta-rei: "Criai
em mim um coração puro", um coração desprendido não
só de toda falta, mas de todo apego estranho ao Bem
supremo e eterno. Renovai no meu interior o "espírito
de inocência e retidão" o espirito que de vós recebi no
batismo e que perdi por minha malícia; o espírito que
procura em tudo a santidade e só tem a ambição de amar
e possuir a vós que· sois meu último fim e eterna beati­
tude!
Jesus, que sondais todas as dobras do coração, fazei­
me conhecer a falta, o defeito, o apego ou inclinação que
mais prejudica meu progresso espiritual, e dai-me a for­
ça de empregar o remédio apropriado. Pelas preces da
Virgem imaculada, esposa do Espírito Santo, concedei­
me a graça de repetir hoje muitas vezes: "Senhor, criai
em mim um coração puro e renovai no meu interior o
espírito de inocência e retidão.

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QUARTA-FEIRA DE PENTECOSTES -
DONS DO ESPIRITO SANTO
PREPARAÇÃO. "Concedei vossos sete dons aos fiéis
que em vós confiam". Assim fala a Igreja dirigindo-se
ao Espírito Santo. Consideremos: 1° os maravilhosos efei­
tos dos dons do Espírito Santo; 2º como podemos au­
mentá-los em nós. - Tomaremos depois a resolução de
suplicar ao divino Paráclito queira comunicar-se a nós,
como outrora aos primeiros cristãos. Da tuls fidelibus
in te confldentibus sacrum septenarium.

1" Efeitos dos dons do Espírito Santo


Há homens que executam sem grande trabalho e em
pouco tempo empreendimentos difíceis, onde muitos fra­
cassariam mesmo empregando todo o cuidado durante a
vida inteira. Como explicar esse fato? E' que os primei­
ros receberam dons naturais, que foram recusados aos
outros: uma feliz tentativa, uma inteligência penetrante
e lúcida, uma imaginação viva e bem regrada, uma von­
tade firme, um gosto seguro e apurado. Daí os grandes
oradores, os ilustres escritores, os pintores, os arquite­
tos famosos, os hábeis políticos.
O· mesmo se dá na ordem sobrenatural. Os santos,
aclarados por Deus, compreenderam os mais altos mis­
térios, elevaram-se sem trabalho à contemplação da di­
vindade, ganharam sobre si mesmos vitórias assinaladas,
e levaram vida de tal forma superior às forças humanas,
que os admiramos sem poder imitá-los. Como é que con­
seguiram operar tantas maravilhas? Pelos dons do Es­
pírito Santo. Bastava a frei Gilles de Assis ouvir pro­
nunciar a palavra "paraisa" para entrar em êxtase, tão
facil era o seu arrebatamento pelas belezas do céu! os
mártires, fracos por si mesmos, tornaram-se heróis pela
força daquele que santificou os apóstolos e os primeiros
cristãos.
Se fôssemos, como os santos, enriquecidos dos dons do
divino Paráclito, seriamos, como eles, penetrados do·

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peneamento da!! grandeza!!! de Deue, do valor ineetima­
vel dos seus benefícios, e terismos, como eles, vivo de­
sejo de nos devotarmos ao serviço de tão bom Mestre.
Quão preciosos são esses dons e dignos de nossa ambi­
ção! Recebemo-los no batismo; a confirmação consoli­
dou-os em nossos. corações. Por que é então que 11omos
tão pouco aclarados nas orações, tão fracos no combate
espiritual, tão inimigos do sofrimento, da penitência e da
abnegação? Ah! por falta de disposição, não temos au­
mentado em nós os dons celestes, como o fizeram os ver­
dadeiros discípulos de Jesus; poderoso motivo para o
suplicarmos com fervor, confiança e perseverança.
Meu Deus, Espírito de santidade, não me deixeis sem­
pre rebelde aos impulsos da vossa graça, mas dignai-vos
inspirar-me mais submissão e dependência a vosso res­
peito, afim de que, sob a vossa direção, eu conheça mi­
nhas más inclinações, sua hediondez e malícia, e tenha
força para reprimi-las, abafando minhas aversões, per­
doando as injúrias e exercitando-me nas virtudes sólidas,
a exemplo dos santos.

2• Meios de aumentar em nó!'I os dons


do Espírito Santo
Emanando, de certo modo, os dons do Espírito San­
to da graça santificante e sendo a ela proporcionado,
crescerão no coração com a amizade divina, com o amor
que temos a Deus. Segundo são Francisco de Sales, eles
são, por assim dizer, propriedades do amor divino. A sa­
bedoria é o amor que nos auxilia a conhecer e a ter gos­
to de Deus. O entendimento é a chama luminosa que nos
aclara sobre a beleza das verdades da fé e dos mistérios
da religião. A ciência é o amor disposto a elevar-se ao
Criador por intermédio das criaturas; e o conselho, a
industriosa caridade que nos proporciona os melhores
meios de nos unirmos ao Senhor executando as suas von­
tades.
Que dizer do dom da fortaleza? E' o amor que, seme­
lhante à morte, rompe todos os laços, desfaz todos os

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obstáculos para nos unir ao Bem supremo. A piedade é
tambem o amor filial para com o Pai celeste, o amor fra­
ternal para com os seus filhos. O temor, enfim, é uma afe­
tuosa atenção a fugir da sombra de toda ofensa ao ob­
jeto amado. Quanto mais amarmos o Senhor, tanto mais
os dons do Espírito Santo se aperfeiçoarão em nossas
almas. Por isso proponde-vos fugir até das mais leves fal­
tas, arrancar do vosso coração os apegos demasiado sen­
siveis, os desejos ardentes, os sentimentos demasiado na­
turais para convosco e as criaturas. Todos esses obstá­
culos ao amor sagrado impedem o aumento dos dons ce­
lestes. Da mesma forma, a dissipação, o amor das como­
didades, dos prazeres da mesa, das vãs satisfações, e
aquela suscetibilidade orgulhosa que se ofende com tudo
e não sabe sofrer coisa alguma; todos esses defeitos
afastam o Espírito Santo. Ele tão pouco pode suportar
o apego que conservais aos vossos hábitos, modos de ver
e agir; pois que isso vos expõe muitas vezes a resistir
às suas luzes e a seus atrativos.
O' digna esposa do espírito de graça, Virgem puríssi­
ma, por vossas poderosas preces purificai o meu coração
e abrasai-o dos santos ardores da caridade. Proponho­
me dizer muitas vezes e com ardor e confiança: "Senhor,
concedei à minha alma e a todos os cristãos os dons de
sabedoria e entendimento, ciência e conselho, que nos
façam conhecer vossa amabilidade infinita. Comunicai­
nos a piedade, a fortaleza e o temor filial que nos tor­
nem fiéis ao vosso amor e ao vosso serviço até ao nos­
so derradeiro suspiro. Da tuis fidelibus ln te éonflden­
tlbus sacrum septenarlum.

QUINTA-FEIRA DE PENTECOSTES -
DOM DO TEMOR
PREPARAÇÃO. Depois de termos meditado, a sema­
na passada, os dons que aperfeiçoam a inteligência, ve­
jamos os que santificam a vontade. E em primeiro lugar
o dom do temor que, segundo o doutor angélico, tem dois

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atos principais: 1 º inspira-nos o respeito da rnaje11tade
divina; 2 º faz-nos temer ser separados de Deus. - Exa­
minemos se possuimos esse temor filial, que nos recorda
a presença de Deus e nos faz evitar todas as faltas deli­
beradas. Isso é, diz a Escritura, o começo da sabedoria.
Initlum sapientire, timor Domini ( Sl 110).

lº O dom do temor faz-nos respeitar a Deus


O temor casto e filial, dom do Espírito Santo, não é o
temor dum servo, nem dum mercenário, mas antes o res­
peito que a. seu pai testemunha o filho dum grande rei,
respeito que não destrói o amor, mas o aperfeiçoa. Esse
sentimento dirigia a vida de todos os santos. Daí a ati­
tude digna e modesta que em toda parte tinha o santo
bispo de Genebra; durante a oração parecia corno que
aniquilado diante da majestade suprema do Criador. O
mesmo se dava com santo Afonso, que jamais cobria a
fronte por respeito à presença de Deus.
Mas, dirá talvez alguern, essa disposição é de molde
a constranger o coração, a lançá-lo na pusilanimidade.
Não, responde são Bernardo, porque o temor é o início
da sabedoria. Sem abater-nos, inspira-nos reflexões sé­
rias sobre a grandeza, justiça e santidade de Deus e so­
bretudo sobre sua imensidade que enche o universo; e
assim nos premune contra a falta de atenção, a imodés­
tia, a negligência, a apatia na prática dos nossos deveres
e nas nossas relações com a infinita majestade.
Examinai se o temor opera em vós esses efeitos. O
pensamento da presença divina inspira-vos sentimentos
de adoração profunda, recolhimento, vigilância e fervor?
Quem poderia proceder com negligência, dizendo: "Estou
sob as vistas do Deus de santidade, cuja grandeza, se­
gundo a Escritura, faz fremir os mais elevados serafins
e tremer as colunas do céu?" (Jó 26). Entretanto, quan­
tas distrações, divagações de espírito, imortificação da
vista, faltas de moderação em vosso semblante, quando
meditais, orais, assistis à missa ou visitais o SS. Sacra­
mento!

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Meu Deus, dai-me sentimentos de humilda.de, temor e
respeito, mostràndo-me, dum lado, o meu nada, minha
corrução, ignorância e pecados, e de outro, o vosso Ser
infinito, sabedoria sem limites, pureza por essência e
santidade incriada. Recordai-me muitas vezes a vossa
soberana majestade que enche o universo, e concedei-me
a graça: 1 º de vos adorar de todo o coração, como o fa­
zem os anjos e os santos do céu; 2º de vos testemunhar
uma veneração especial nas igrejas onde repousa o SS.
Sacramento.
2º O dom do temor nos faz evitar o pecado
O segundo ato do dom do temor, segundo são Tomaz,
é o receio de perder a Deus ou de se separar dele pelo
pecado. • Timere separationem ah ipso. O pensamento de
Deus, de sua majestade, da sua justiça, da sua santida­
de, a recordação respeitosa da sua presença, deve pro­
duzir diretamente em nós o temor filial de ofendê-lo.
Quem jamais ousaria transgredir uma lei, um preceito
régio sob as vistas do príncipe que a deu? Se tememos
a Deus, como ousaremos ultrajá-lo em face, ou pecar
sob os seus divinos olhares?
Os infames anciãos que tentaram Susana voltaram os
olhos para não ver o céu e se recordar dos juízos divinos
(Dan 13, 9). A casta heroína, ao contrário, respondeu
aos criminosos: "E' preferível cair inocente em vossas
mãos a pecar na presença do Senhor". O temor de Deus
teve mais força sobre seu coração, do que as ameaças
homicidas dos que a queriam seduzir; ela preferiu a mor­
te ao pecado contra o seu Criador.
Essas deveriam ser as nossas disposições. Deveríamos
poder dizer com santo Afonso Rodriguez: "Senhor, an­
tes sofrer todas as penas do inferno, do que cometer um
só pecado venial". E, realmente, todo pecado venial, sen­
do uma ofensa à infinita majestade, é um mal maior do
que todos os suplícios da outra vida.
Segundo são Basílio, "todo cristão, que tem sentimen­
tos de filho e não de escravo, teme desagradar o Senhor,

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mesmo nas menores coisas"; e a Escritura acrescenta
que ele de na.da. descuida.. Nihil negliglt (Ecle 7, 15); não
negligencia nenhum dever de estado, nenhuma prática
de devoção, nenhuma precaução necessária ou util para
a sua perseverança. Modesto em seus olhares, frugal em
suas refeições, desconfiante de si mesmo, com cuidado
evita os perigos e tudo que possa manchar a pureza do
coração ou inquietar a delicadeza da conciência.
Meu Deus, quantas vezes me entrego à dissipação, à
confiança em mim mesmo, à paixão de tudo ver, ouvir
e dizer com perigo de ofender-vos frequentemente! Di­
gnai-vos inspirar-me mais vigilância, moderação, atenção
sobre mim mesmo, · afim de não multiplicar minhas fal­
tas com detrimento da vossa glória.

SEXTA-FEIRA DE PENTECOSTES
DOM DA FORTALEZA
PREPARAÇÃO. O dom da fortaleza, como o do te­
mor, aperfeiçoa a nossa vontade. Ele a fortalece: 1 º na
confiança para agir; 2º na paciência para sofrer. - Não
somos fracos e hesitantes nas ocasiões de nos vencer,
nos mortificar, repelir as tentações, enfrentar o respeito
humano? Ponhamos então nossa confiança em Deus e
peçamos-lhe nos revista do seu poder invencivel. Qui
sperant ln Domino, mutabunt fortitudinem (Is 40, 29).

lº O dom da. fortaleza robustece nossa confiança


para. agir
Antes de subir ao céu dissera o Senhor a seus após­
tolos: "Permanecei na cidade, até que sejais revestidos
de força do alto" (Lc 24, 49). Era a promessa do dom
que os tornou capazes de enfrentar todos os obstaculos
à difusão do Evangelho, e de converter o mundo, apesar
da oposição dos homens e dos demônios. - Que efeitos
preciosos não produz · ele tambem em nós! Segundo são
Gregório, ele nos faz vencer a carne, resistir à volúpia,
desprezar os prazeres da vida diferentemente da ener-

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gia naturai dos pecadores a qual os auxilia a satisfazer
suas paixões e a perverter as almas. Os bons não con­
tam consigo como os maus, mas haurem sua força, em
Deus pela ora.ção e pela confiança; exercem sua firme­
za não para satisfação própria, _mas para a prática da
abnegação e cumprimento dos seus deveres.
Nada maior, exclama ainda são Gregório, do que sub­
meter à razão todos os movimentos do coração; renun­
ciar aos seus gostos, juizo e vontade; desdenhar os bens
da terra pelos tesouros do céu! Santo Ambrósio acres­
centa: "Não é por ventura heróico domar-se a si próprio,
contra a cólera, privar-se das satisfações dos sentidos,
não se elevar nas honras, não se abater nas adversida­
des? Sempre ocupado do próprio aperfeiçoamento, con­
fiando em Deus, combate o homem com tenacidade os
seus defeitos, bane da sua conduta toda a leviandade e
moleza, contém a impetuosidade do seu carater, governa
a imaginação e não descansa antes de haver superado to­
dos os obstáculos à virtude.
Quão diferentes são aqueles a quem falta o dom da
fortaleza! Incapazes de vencer-se, de refrear a natu­
reza,_ as paixões e os vícios, em vez de levarem vida
austera, mortificada, laboriosa, são idólatras da sua
saude, fracos na tentação e dominados pelo respeito hu­
mano. Escravos das suas idéias e caprichos, prendem-se
a ninharias, e perdem a coragem diante da menor opo­
sição que encontram.
Meu Deus, quantos atos de fraqueza e inconstância
na minha vida! Desconfiado de mim mesmo, não tenho
confiado plenamente em vós. Concedei-me confiança ina­
balavel que me sustenha nas dificuldades, me dê vitória
nos esmorecimentos, e me garanta a perseverança no
vosso santo amor. Qui sperant in Domino, mutabunt for­
titudinem.

Bronchain II - 8 113
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2º O dom da fortaleza ajuda-nos a sofrer
A perfeição do dom da fortaleza consiste mais em
sofrer do que em agir. A natureza ama a ação, mas tem
horror ao sofrimento. Esse dom afasta a timidez e a las­
sidão; faz de uma criança um gigante, como sucedeu a
Jeremias, cuja fraqueza o Senhor encorajou com as pa­
lavras: "Eis que faço de ti como uma cidade fortifica­
da, como uma coluna de ferro, ou uma muralha de aço,
e os reis de Judá, os seus cortesãos, os seus sacerdotes
e todos os seus súbditos se voltarão contra ti, e não po­
derão abater-te porque sou eu que te sustento" (Jer 1,
12). E de fato quantas perseguições não teve o profeta
de sofrer durante quarenta anos sem ·que fosse abalada
a sua constância!
O mesmo se deu com os mártires. O exemplo do seu
Rei e Salvador Jesus Cristo, que desenvolveu tanta gran­
deza dalma no meio dos tormentos e ignomínias da pai­
xão, encorajava-os em suas torturas, ao ponto de mulhe­
res, crianças, anciãos se tornarem heróis por sua paciên­
cia. invencivel. Todos que possuem como eles o dom da
fortaleza têm as mesmas disposições; aguardam os ma­
les sem inquietação, recebem-nos com submissão e su­
portam-nos sem amargura ou depressão de ânimo. Como
o rochedo batido da tempestade, os santos permaneciam
t
calmos no meio das ondas da tribulação.[Que digo che­
garam até a comprazer-se no sofrimento, a desejar com
ardor os tormentos e a suportá-los com alegria.
Podemos nós dizer com o grande apóstolo: "Alegro-me
nas afrontas, perseguições e angústias por amor de Je­
sus Cristo" ( 2 Cor 12, 10) ?' Em vez de sermos firmes,
imoveis como o rochedo, não nos parecemos com o barco
fragil que o menor sopro agita e que o mais leve cho­
que expõe ao naufrágio? Não sabemos sofrer a contra­
dição, a contrariedade, nem a sombra duma censura, vi­
tupério ou observação; e invejamos ainda a sorte dos
mártires! Comecemos antes por conter, os nossos trans­
portes e impaciências, por abafar as nossas murmura-

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çôes e queixas, por suportar com caima o sermos humi­
lhados, contraditos, tratados sem atenção, numa pala­
vra, provados pela Providência na paciência, disposições
essas formadas em nós pela oração e pela repetição dos
atos.
Meu Deus, Espírito onipotente, não permitais que eu
me torne um membro fraco e delicado sob urna cabeça
coroada de espinhos. Pela intercessão de Maria, em pé
junto à cruz, fazei-me forte, corajoso, constante na afli­
ção, humilhação e suportação dos defeitos alheios.

SÃBADO DE PENTECOSTES - DOM DA PIEDADE


PREPARAÇÃO. Entre os dons que aperfeiçoam a
vontade, o dom da piedade é o mais elevado. Meditare­
mos os seus efeitos: 1º em relação a Deus; 2º em relação
ao próximo. - Examinaremos, a seguir, se considera­
mos e tratamos a Deus como Pai com amor e submissão;
se não somos ásperos, duros, incivis para com o próxi­
mo. Corrijamo-nos desses defeitos com auxílio do dom
da piedade, que é util a tudo. Pietas ad omnia utilis est,
promissionem ha.bens vltre, qua, nunc est, et futura, (1
Tim 4, 8).
1 º Efeitos da. piedade em relação a Deus
Segundo santo Tomaz, o dom da. piedade é uma dispo­
sição santa e habitual que nos faz honrar a Deus como
nosso Pai, nos inspira para com ele uma afeição filial e
nô-lo faz amar no próximo, criado como nós à sua ima­
gem e semelhança. Esse dom, pois, produz os sentimen­
tos dum amoroso respeito e duma suave ternura para
com o Senhor. Sentimos, por ele, a glória de tê-lo por Pai;
longe de nos envergonharmos de Deus diante dos homens,
dele falamos com prazer e felicidade, e nos alegramos
de vê-lo honrado e amado. As ofensas a ele feitas nos
afligem mais do que as nossas próprias injúrias; senti­
mos desgostá-lo, sem todavia perdermos a paz interjor,
porque sabemos que ele é Pai e perdoa ao arrependido.

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Quão nobres e desejaveis são esses sentimentos inspira­
dos pela piedade!
Quem os possue interessa-se por tudo que se refere
ao culto divino. As ceremônias da missa, a pompa das
festas, o canto dos salmos e hinos, tudo que enaltece a
majestade da religão, arrebata e eleva. Com que satis­
fação louvam-se e exaltam-se as grandezas de Deus, as
suas inefaveis e infinitas perfeições! Que contentamen­
to experimenta-se ao pensar nas homenagens que lhe
presta a côrte celeste! E essa mesma côrte celeste é
tambem objeto de veneração especial por parte das al­
mas piedosas; tudo que se acha perto do Senhor lhes é
sempre extremamente caro. Oram pela Igreja padecente
e pela Igreja militante; e nesta honram especialmente os
pontífices e os sacerdotes, e sentem afeição pelos sacra­
mentos, pela doutrina e preceitos divinos.
São esses os vossos sentimentos e tendências? Não
sois talvez insensíveis à glória de Deus, à honra da SS.
Virgem, dos anjos e dos santos, às dores da Igreja vossa
mãe? Sentís-vos tocados pela beleza do culto, pelas ho­
menagens prestadas ao SS. Sacramento? entristecei�vos
com as ofensas que Jesus lá recebe da parte de tantos
ímpios e maus cristãos?
Meu Deus, espírito de amor, dai-me o gosto e a un­
ção da prece, afim de que em tudo e em toda parte eu
vos preste homenagens dum filho para com seu Pai
querido. Inspirai-me, sobretudo na or�o: 1 º atos de
ador�ão e de amor para com vossas perfeições infini­
tas; 2º atos de reconhecimento por vossos contínuos be­
nefícios; 3º frequentes invocações para obter as luzes
e os socorros necessários à minha alma.

2 º Efeitos da piedade em rel�ão ao próximo


Quando encontramos os ministros do rei, validos dum
príncipe, testemunhamos-lhes estima, em atenção ao
príncipe. Qual a nossa atitude para com as imagens vivas
do Rei dos reis? Um dos efeitos do dom da piedade é de

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encher-nos de benc\'olência e de afeição para com todos
os homens; e por que? por serem não só os servos, mas
os amigos, os filhos do Pai celeste, os irmãos de Jesus
Cristo, Rei da glória. Revestidos da sua libré no batis­
mo, sustentados com uma carne sagrada na Eucaristia,
participam das suas grandezas e méritos e são destina­
dos a partilhar um dia o seu reino durante toda a eterni­
dade. Essas reflexões farão necessariamente nascer em
nós sentimentos de amor para com o próximo.
Daí aqueles frutos de bondade, benignidade, mansidão,
que o dom de piedade produz em nossas almas; daí aque­
las obras de misericórdia espiritual e temporal que Je­
sus recompensará no último dia, quando disser aos elei­
tos: "Tive fome e sede, fui estranho, sem veste, enfer­
mo e encarcerado e vós me socorrestes. Vinde, pois, ben­
ditos de meu Pai, possuí o reino a vós preparado desde a
origem do mundo" (Mt 25, 34-36).
Aquele a quem falta 0 dom de piedade é muitas vezes
áspero, deshumano, sem compaixão para com os outros;
os seus modos secos e desdenhosos contrastam viva­
mente com a humildade e a mansidão do Salvador e dos
santos; desprovido da abnegação que espezinha seus
gostos pessoais e más propensões do carater, ele não
sabe apresentar a todos um rosto aberto, maneiras po­
lidas, olhar benevolente; é um daqueles de que fala o
apóstolo: "Amadores de si mesmos, cobiçosos, vãos, so­
berbos, sem afeto e mansidão, sem previdência e carida­
de" ·(2 Tim 3, 2-4).
Vede se procedeis para com vossos pais e superiores,
corno um filho docil, cheio de deferência e submissão e
sempre pronto a obedecer. Vossas palavras, vosso modo
de proceder para· com o próximo não traem muitas ve­
zes vossa altivez natural, vossa inclinação à tristeza, ou
vossos hábitos de impaciência, contradição e murmu­
ração?
Meu Deus, .sinto-me tão pouco inclinado a perdoar, a
causar prazer, a compadecer-me dos sofrimentos alheios.

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Vós que conheceis minha m1sena, remediai-a: l° Curai­
me da aspereza, frieza e indiferença para com meus se­
melhantes. 2º Tornai-me manso, afavel, misericordioso
e condescendente para com todos.

DOMINGO DA SS. TRINDADE


MISTÉRIO DO DIA
PREPARAÇÃO. Jesus disse a seus apóstolos: "Ide,
ensinai todas as nações e batizai-as em nome do Padre
e do Filho e do Espírito Santo" (Mt 28, 19). Meditare­
mos amanhã: 1 º quanto a Igreja e os santos têm ama­
do o grande mistério da adoravel Trindade; 2º quanto
amor nós lhe devemos. Tomaremos depois a resolução
de louvar a De_us por suas grandezas e de agradecer-lhe
os benefícios, dizendo muitas vezes com a liturgia: Gló­
ria ao Padre, ao Filho, e ao Espirita Santo. Gloria Patri
et Filio et Spiritui Sancto.

lº Amor da Igreja e dos santos à adoravel Trindade


Recebendo do Redentor a missão de ensinar todas as
nações e de batizá-las em nome do Padre e do Filho e
do Espírito Santo, isto é, em nome de um Deus em tres
Pessoas, a Igreja tomou a peito fazer conhecido ao mun­
do esse grande dogma de fé, e defendê-lo contra todas
as heresias. O Símbolo dos Apóstolos, grande número de
concílios, fixaram-lhe a crença; inúmeros doutores escre­
veram páginas admiraveis sobre esse inefavel mistério.
Em nome de um Deus em tres Pessoas, a Igreja ca­
tólica batiza, absolve, confirma os fiéis, abençoa os es­
posos, administra a extrema-unção aos enfermos, e con­
vida a alma cristã a sair deste mundo para entrar na
habitação dos eleitos. Todas as bençãos do ritual fazem­
se em nome da SS. Trindade, e é ainda a ela que se ofe­
rece cada dia em milhares de altares o mais augusto
dos mistérios. Suscipe Sancta Trinitas.
Todos os pensamento$ e aspirações humanas deveriam
referir-se a ease incompreensivel mistério, termo :l;inal do

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nosso culto. Já os primeiros cristãos o cohfessavam
diante dos tiranos; os santos de_ todos os séculos o con­
templavam, e operavam milagres em seu nome como o
fez diversas vezes são Germano. Sta. Maria Francisca
das Cinco Chagas exclamava com frequência: "Quem
me dera dar a vida em testemunho de minha fé no gran­
de mistério da SS. Trindaáe ! oxalá pudesse a custo do
meu sangue fazê-lo conhecido e amado de todos os ho­
mens".
Essa santa não começava oração alguma sem recitar
o Gloria Patri com uma inclinação profunda. A adora­
ção de Deus em tres Pessoas era a sua primeira e a úl­
tima ação do dia, e anualmente se preparava para ce­
lebrar com a Igreja a festa de hoje, por uma novena
de orações, jejuns e mortificações. Imitemos essa fer­
vorosa franciscana em sua fé viva na verdade de Deus
tres vezes santo a habitar em nós, que ele criou, resga­
tou, santificou e destinou a uma recompensa eterna.
Trindade santíssima adorada pelos anjos, pelos san­
tos e por sua augusta Rainha, uno-me a eles para vos
louvar, bendizer, agradecer e exaltar para sempre. Dai�
me a força de combater, em vossa honra, as tres con­
cupiscências do mundo que em mim militam: 1º o orgu­
lho, por uma humildade sincera que me auxilie a glori­
ficar-vos e a suportar em paz as humilhações; 2º o amor
dos bens passageiros, pelo desapego das riquezas e pela
paciência nas privações; 3º a avidez dos prazeres sen­
suais, pela mortificação dos sentidos e de todas as in­
clinações viciosas. Fazei que triunfe sempre nessa luta
de cada dia, afim de que encontreis em mim habitação
agradavel a vossos olhos.

2º Amor que devemos à SS. Trindade


Adoremos, amemos e exaltemos o mistério adoravel
de um Deus em tres Pessoas, mistério que constitue a
visão beatífica no reino dos céus. Na terra prestamôs
homenagem a essa verdade pela submissão do nosso es­
pírito, crendo sem discutir o que ultrapassa as forças

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da nossa ·inteligência. Sim, Senhor, creio que sois um
em essência e trino em . pessoas, o Pai, o Filho e o Es­
pírito Santo; creio, só porque o revelastes, sem preten­
der absolutamente compreendê-lo.
Essa fé sincera conduz-me ao amor; porque nesse
mistério adoravel encontro um Deus criador, que me
adotou por filho, e ao qual cada dia dou o doce nome
de Pai; encontro um Deus Redentor, que se dignou ele­
var-me à sua semelhança e fazer-me seu irmão e co­
herdeiro; encontro um Deus santificador, que me dis­
pôs a essas duas primeiras prerrogativas, dando ao meu
coração um amor filial e um amor fraternal em relação
a esses preciosos favores.
Quem não amaria um Pai que é Deus todo-poderoso,
infinitamente nobre, rico e generoso? Quem não se de­
dicaria sem reserva ao Verbo eterno, à Sâbedoria incria­
da, menino em Belém, crucificado Ílo Calvário e prisio­
neiro em nossas igrejas? Quem não amaria o Espírito
do Amor, autor das grandes obras da caridade divina?
O' abrasados ardores dos serafins, avassalai os meus
afetos para que eu ame o Deus tres vezes santo. Falan­
ges celestiais, uno-me a vós para exaltá-lo eternamente.
A exemplo de santo Afonso e de tantos outros santos,
recitemos o Gloria Patri em todos os acontecimentos fe-­
lizes ou infelizes; lembremo-nos muitas vezes que esse
grande Deus, que enche o universo, se compraz em ha­
bitar em nós como no céu com todos os seus atributos
divinos. Podemos a cada instante entreter-nos com ele;
apoiar-nos em seu poder que sustentou os mártires, ser­
vir-nos da sua sabedoria que dirigiu os doutores, pedir
graças à sua bondade que santificou todos os eleitos.
. Meu Deus, Padre, Filho e Espírito Santo, que fazeis
felizes os que vos amam, iluminai-me quanto a vossas
grandezas e amabilidade infinita. Fazei-me conhecer a
extensão da vossa caridade e a multidão inumeravel dos

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vossos benefícios. Quem poderia conhecer-vos e não vos
amar? Pelos méritos de Jesus e Maria, conservai-me
unido a vós no íntimo do meu coração, para aí vos ado­
rar, amar, suplicar, e me dirigir segundo a vossa luz e
o vosso beneplácito.

DOMINGO DA SS. TRINDADE -


MISTÉRIO DO DIA (bis)
PREPARAÇÃO. "Bendigamos ao Pai, ao Filho e ao
Espírito Santo'.', faz-nos cantar a Igreja. Meditaremos: l°
o mistério de um Deus em tres Pessoas, que devemos
adorar e amar; 2º o modo como podemos participar �a
felicidade dessas tres divinas Pessoas. - Propor-nos­
emos combater em nós as tres concupiscências, e sem­
pre que encontrarmos a ocasião de mortificá-las, bendi­
remos a SS. Trindade. Benedicamus Patrem, et Filium
com Sancto Spiritu.

1º Mistério de um Deus em tres Pessoas


O mistério da SS. Trindade, o mais sublime de todos,
é o eterno objeto da contemplação dos anjos e dos bem­
aventurados. A Igreja da terra, celebrando-o, quer ex­
citar em nós o desejo de louvá-lo um dia na assembléa
dos eleitos. A primeira vista, esse grande mistério choca
a razão humana, que pergunta como é possível que Deus,
uno na essência, seja trino em pessoas. Mas, responde­
mos, pode-se acaso- supor que nossa alma seja um ser
espiritual sem entendimento e vontade? Da mesma for­
ma será possível que Deus não tenha inteligência nem
amor?
Ora, a inteligência em Deus é o Verbo ou o seu Fi­
lho, porque, sendo infinita a divindade, seu pensamento
eterno deve necessariamente ser infinito. Mas quem diz
infinito diz substancial, diz pessoa. O pensamento com
que Deus se conhece é o seu Verbo ou o seu Filho, a se­
gunda Pessoa da SS. Trindade. Dá-se o mesmo com o
amor que o Pai e o Filho se dedicam mutuamente; esse

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amor é infinito, por isso, substancial, formando uma
pessoa, isto é, o Espírito Santo. Em nossa alma, a inte­
ligência e a vontade, sendo limitadas, não podem nun­
ca· formar pessoas. Somos fracas imagens da altíssima
e adorabilíssima Trindade.
Adoremo-la, pois, com os mais humildes sentimentos
do nosso nada, da nossa ignorância e baixeza. Submeta­
mo-nos com . respeitosa devoção ao poder do Pai para
obedecer-lhe; à sabedoria do Filho para receber os seus
ensinamentos; à graça e ao amor do Espírito Santo
para não mais viver vida terrestre, mas a vida dos ver­
dadeiros filhos de Deus.
Pai celeste, que me adotastes por filho, não só vos
adoro e me submeto a vós, mas tambem vos amo, e con­
vosco amo o vosso Filho unigênito, igual a vós, o qual
se fez homem para resgatar-me. E como não amar tam­
bem o Espírito Santo, esse Espírito de amor, que me en­
viastes · para minha santificação? Amo-vos,· pois, ó meu
Deus, e quero amar-vos de ·todo o meu entendimento pen­
sando sempre em vós; de todo o meu coração, reservan­
do-vos todos os meus desejos e afetos; de toda a minha
alma e de todas as minhas forças, vivendo só para cum­
prir os vossos preceitos a custo dos maiores sacrifícios.

2º Como participar da felicidade. da SS. Trindade


A felicidade de Deus consiste em se conhecer, se amar
e executar suas vontades santas e perfeitas; com outras
palavras, a felicidade divina é a união do Pai, do Filho e
do Espírito Santo em uma só e mesma natureza. Deus.
é feliz por ser trino em Pessoas. Supor um Deus que
não tenha senão o ser ou uma só pessoa, é inventar um
Deus sem felicidade ou um Deus imaginário. Esta refle­
xão deve tornar-nos ainda mais caro o mistério da SS.
Trindade, que é a fonte de toda a alegria e de todos os
verdªd�i.rQll ççmteJJctameµ.to� no cêu e na terrª,

1-22
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Afim de participarmos dela, procuremos trabalhar para
conhecer, amar e servir a Deus infinitamente perfeito
em si mesmo, isto é, feliz na sociedade do Pai, do Filho
e do Espírito Santo. Ora, tres obstáculos opõem-se-nos
à participação da sua beatitude: o orgulho, o amor das
riquezas, e a cobiça dos prazeres. O orgulho cega o nos­
so espírito e impede-nos de conhecer a Deus por uma fé
humilde e viva; o apego aos bens efêmeros, tornando­
nos terrenos, tira-nos a esperança dos bens do céu. Os
prazeres sensuais enervam o nosso coração e afastam­
no da vontade divina. Para sermos felizes temos de com­
bater em nós essas tres concupiscências, afim de melhor
podermos crer, esperar e amar: crer no Pai e em todas
as verdades por ele reveladas; _esperar no Filho e aguar­
dar dele todos os bens da graça; amar o Espírito Santo
e deixar-nos dirigir por ele em todos os nossos desejos
e afeições.
Assim a nossa inteligência será elevada, esclarecida e
enobrecida; a contemplação dos mistérios da caridade
divina dilatará o nosso coração, que, olvidando as vai­
dades terrenas, se prenderá sem reserva ao soberano
Bem. Ora, essa adesão plena e completa do nosso cora­
ção a Deus, é a verdadeira fonte da felicidade já nesta
vida. O exemplo dos santos atesta esta verdade. Quanto
mais se sacrificavam, tanto mais o Senhor os inundava
de delícias inefaveis, a ponto de exclamarem: "Basta,
Senhor, basta". Quereis, pois, ser felizes neste mundo,
onde tantas almas gemem, se amesquinham e desani­
mam? Entregai-vos a Deus sem reserva e ele saciará
todos os vossos desejos. Delectare ln Domino et dabit
tibl petitlon_es cordis tul (SI 36, 4).
O' Pai, Filho e Espírito Santo, plenitude de todos os
bens, atraí-me todo a vós como atraístes a divina Mãe,
afim de que a seu exemplo eu procure neste mundo uni­
camente a vossa graça, a vossa glória e o vosso bene­
plácito,

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SEGUNDA-FEIRA DA TRINDADE -
A NOSSA ALMA, IMAGEM DE DEUS.

PREPARAÇÃO. A nossa alma é, neste mundo, a mais


perfeita imagem da SS. Trindade. Consideremo-la: 1 º
segundo a natureza; 2º segundo à graça. Tomaremos de­
pois a resolução de a purificar e santificar por atos de
arrependimento repetidos, afim de a transformarmos em
morada digna da Majestade divina. Domum tuam, Do­
mine, decet sanctitildo ( SI 92, 5).

1 º A alma humana segundo a natureza


Deus a formou, não simplesmente por suas mãos oni­
potentes, mas do sopro -da sua boca, isto é, querendo
que fosse ela a sua imagem, fê-la como ele, espiritual e
imortal, dotada de inteligência, vontade e liberdade, ten­
do, como ele, pensamentos elevados, grandeza de vista
que tudo abrange, atividade sem repouso, desejo de fe­
licidade e de gozo, que nunca diz: basta. Se se estima um
quadro pelo talento de quem o fez, que idéia devemos
ter da nossa alma, que é· obra de um grande Deus, Cria­
dor do universo. Respeitamos o painel que nos repre­
senta algum augusto personagem; quanto mais devemos
venerar as almas que são as imagens do Altíssimo!
A sua beleza natural sobrepuja todas as belezas da
terra. Nem o firmamento com seus milhões de estrelas
coruscantes, nem o. sol em seu maior esplendor, nem o
palácio dos monarcas, nem sua côrte esplêndida, nem
seus soberbos jardins, nada pode dar-nos uma idéia do
encantador retrato divino, que é a nossa alma, que leva
em si os traços da adoravel Trindade. Semelhante ao
Pai celeste, tem o ser; semelhante ao Filho, tem a in­
teligência; semelhante ao Espírito Santo, tem o amor.
O nosso espírito concebe o pensamento como o Pai gera
seu Filho. Do amor mútuo entre a nossa razão e a idéia
que concebe, forma-se o ato de nossa vontade, como o
Espírito Santo, amor substancial, procede do Pai e do

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Fiiho. Ô' grandeza ta.o pouco conhecida e muitas vezes
esquecida!
Como intérpretes das criaturas privadas de razão, de­
vemos, em seu lugar, louvar a Deus que as criou, e pro­
curar não as desviar do seu fim que é ajudar-nos a co­
nhecer e amar o nosso Criador. Mas, ah! não temos nós
feito muitas vezes o contrário, usando deles para ofén­
der a Deus e satisfazer nossas inclinações? E' uma in­
justiça e uma ingratidão que nos degradam e nos tornam
dignos de castigos eternos, se pecamos mortalmente.
Meu Deus, arrependo-me de ter feito servir à minha
vaidade, ao meu amor próprio tantos objetos criados
para elevar-me a vós. Dai-me a coragem de retomar o
meu lugar acima do mundo sensivel: 1º mortificando o
meu corpo, meus sentidos e paixões; 2º desprendendo­
me dos bens passageiros; 3º vivendo constantemente sub­
misso à vossa direção sempre sábia e sempre amavel.

2º A alma humana segundo a graça


A alma humana não se assemelha a Deus só segundo
a natureza, mas sobretudo· segundo a graça. Pela gra­
ça habitual ou santificante, ela recebe, por assim dizer,
um novo ser, que pode perder sem ser destruída, um
ser de ordem infinitamente superior à primeira, chama­
da sobrenatural ou acima de toda a natureza criada, mes­
mo da dos anjos. Privilégio estupendo que eleva a nos­
sa alma até à divindade!
A fé que dela emana, mais sublime que os esplendo­
res dos maiores gênios, diviniza de certo modo a nos­
sa inteligência, manifestando-nos os mistérios divinos por
meio das luzes com que Deus os conhece; é a razão do
Criador como que unida à nossa. O Senhor enobrece ain­
da a nossa vontade, comunicando-lhe o horror do mal e
o amor do bem; chega até a fazer-nos participar, por ana­
logia ou semelhança, do seu ser divino ou de sua divin­
dade; o que é para nós, como diz santo Tomaz, o auge
da verdadeira grandeza. O' bondade, 6 caridade do nos�
so Deus!

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O pecado de Adão degradara-nos profundamente; _ õ
Altíssimo exaltou-nos em Jesus Cristo, ao ponto de nos
tomar por filhos adotivos ao lado de Jesus. Toda a SS.
Trindade contribue para essa filiação generosa: Deus
Padre adotando-nos; Deus Filho unindo-nos e constituin­
do-nos seus irmãos e coherdeiros; Deus Espírito Santo
comunicando-nos o amor do Pai e do Filho, pelos dons
e graças que em nós difunde, e cujo menor grau excede
eni valor a todo o universo.
Quem nos dirá quanto devemos à liberalidade das tres
divinas Pessoas? Com o fim de lhes testemunhar o nos­
so reconhecimento, honremos: 1º a Deus Padre por nossa
obediência e submissão completa a sua santa vontade;
2º a Deus Filho pelo aniquilamento da estima própria
em sua presença; 3º ao Espirito Santo por inteiro des­
apego da terra e em constante amor do soberano Bem.
Trindade una, imutavel e eterna, eu vos adoro dentro
de minha alma; eu vos amo e me submeto ao vosso be­
neplácito. Pelos méritos de Jesus e Maria, fazei que eu
respeite nas almas a vossa imagem segundo a nature­
za, e a vossa semelhança segundo a graça. Tornai-me
docll aos vossos preceitos, paciente nas penas e carido­
so para com todos.

TERÇA-FEIRA DA TRINDADE :..._ ADOPÇÃO DIVINA

PREPARAÇÃO. "Admira, diz são João, a infinita ca­


ridade do Pai celeste que se digna conceder-nos. a graça
de nos chamar e nos fazer seus filhos" (1 Jo 3, 1). Vere­
mos amanhã: 1º Em que consiste a adopção divina; 2º seus
preciosos efeitos em nós. Disso dimanam poderosos mo­
tivos de fugirmos do que desagrada a Deus nosso Pai, e
de nos submetermos inteiramente à sua vontade como
convém a filhos doceis e submissos. Ut fllll !}el nomlne­
mur et simus.

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1º Em que consiste a adopção divina
A adopção, segundo santo Tomaz, é a aceitação gratui­
ta de um estranho por filho e herdeiro. Quem adota al­
guem não o forma à sua imagem; toma-o simplesmente
com suas qualidades e defeitos. Deus procede de outra
forma; torna capazes de adopção aos que escolhe, e pa­
ra isso purifica-os da lepra do pecado, reveste-os da gra­
ça santificante, comunica-lhes sua sabedoria, sua san­
tidade, sua própria natureza, afim de elevá-los e torná­
los dignos dele. Esses tornam-se assim irmãos de Jesus,
animados do mesmo espírito, e podem então dizer com
certeza e verdadeiro amor: "Padre nosso que estais no
céu". O' grandeza, ó sublime elevação da alma que pos­
sue a adopção divina!
O mundo considera como glória ser alguem filho dum
rei, dum imperador, dum príncipe da terra; entretanto
imensamente mais sublime é a dignidade de filho do So­
berano do universo. "Quem o compreende, diz são Ci­
priano, não admira nada mais no mundo. Por isso, acres­
centa o santo, quando a carne vos solicitar ao mal, res­
pondei-lhe: "Sou filho de Deus; nascí para .grandes coi­
sas e não para satisfazer os meus sentidos corrompi­
dos". Quando o mundo vos tentar com seus prazeres, ri­
quezas ou honras, -dizei-lhe: "Sou filho do Altíssimo, e
chamado aos prazeres, às riquezas e honras do reino
dos céus". Se o demônio procurar seduzir-vos, repeli-o
dizendo: "Retira-te, Satanaz! para longe de mim a des­
graça horrorosa de tornar-me teu escravo, já que sou
filho do Rei dos reis".
Senhor, a quem posso dar o doce nome de pai, não
permitais que vos ofenda mortalmente e perca a augus­
ta prerrogativa da filiação divina. Arrependo-me de a
não haver apreciado bastante até agora e de ter incor�
rido tantas vezes em vosso desagrado pelo pecado; tor­
nei�me indigno de ser chamado vosso filho: Perdoai-me
agora · e recebei minha alma no seio da vossa familia.

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Confirmai em mim as resoiuçêies seguintes: 1º de veiar
sobre mim mesmo para evitar até as menores faltas; 2º
de orar sempre para obter a fidelidade aos meus deve­
res para convosco e a perseverança final.

2º Preciosos efeitos da adopção divina


O apóstolo afirma que desde a eternidade o Criador
nos predestinou à filiação em Jesus Cristo (Ef 1, 5), e
acrescenta: por isso enviou seu dileto Filho em quem
devemos crer para tornar-nos filhos do Pai celeste; em
consequência foi-nos dado o Espírito do Pai e do Filho,
o qual habita em nós e nos dá testemunho de que so­
mos filhos de Deus, fazendo-nos clamar ao Senhor: Pai,
Pai. . . ó graça infinitamente preciosa!
Ela produz em nós tres grandes efeitos: O primeiro
é de fazer-nos participar, como já o dissemos, da gran­
deza, sabedoria, santidade e natureza do Pai que noa
adota. O segundo é de dar-nos o Espírito Santo. Esse
Espírito, vive em nós, comunica-nos os pensamentos, de­
sejos e sentimentos de Jesus; inspira-nos todos os nos­
sos atos sobrenaturais, dirige-os, continua-os e acabaaos
em nós e conosco, de sorte que são divinizados e dignos
das maiores recompensas. Admiravel prerrogativa que
nos proporciona a inapreciavel vantagem de multiplicar
indefinidamente os nossos méritos até ao nosso derra­
deiro suspiro.
Um terceiro efeito da nossa inestimavel adopção é a
indicada pelo apóstolo: "Se sois filhos, sois tambem
herdeiros, herdeiros de Deus e coherdeiros de Jesus Cris­
to" (Rom 8, 29); herdeiros de Deus porque ele é vos­
so pai e aos filhos pertence a herança de seus pais; co­
herdeiros de Jesus Cristo, vosso Redentor e vosso ir­
mão, o primogênito entre seus irmãos, que são os ho­
mens resgatados. Esses tres frutos da adopção divina
elevam à mais sublime grandeza a nossa alma e a nos­
sa vida; garantem-nos uma eternidade de delícias: mo­
tivos aptos a inspirar-nos, para com Deus nosso Pai, os

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sentimentos de reconhecimento, confiança e amor q1:1,e
animavam Jesus, nosso adoravel modelo.
Meu Deus, Pai de minha alma, pelos méritos de Jesus
e Maria, baixai sobre mim os vossos doces olhares e
dignai-vos conceder-me o amor filial que me mova a
prestar-vos muitas humildes homenagens. Proponho-me:
1º observar com exatidão os vossos preceitos e submeter­
me inteiramente à vossa vontade; 2º agradecer muitas
vezes os vossos benefícios. e referir à vossa glória todo
o bem que há em mim, e que é o fruto da vossa graça,
sem a qual nada posso na ordem sobrenatural.

TERÇA-FEIRA DA TRINDADE (bis).


DEUS RESIDE EM NõS
PREPARAÇÃO. "Sois o templo do Deus vivo", diz o
apóstolo (2 Cor 6, 16). Consideremos: l" como o Espí­
rito Santo habita em nós; 2º que ele em nós está com
Deus Padre e Deus Filho. Após estas reflexões, faremos
o sincero propósito de entrar muitas vezes em nós mes­
mos para adorar a majestade divina e oferecer-lhe atos
de amor, reconhecimento e súplica, como o faríamos em
seu santuário. Vos enim estis templum Dei vivi.

l° Como o Espírito Santo habita em nós


São Cirilo de Alexandria diz: "Os profetas receberam
com a Redenção a luz do Espírito da verdade; mas de­
pois da vinda de Jesus Cristo, recebemos a própria pes­
soa desse Espírito santificador; somos chamados tem­
plos seus, expressão jamais empregada para os santos
da antiga lei". De acordo com essa doutrina de são Ci­
rilo, abraçada por santo Tomaz, não só se difundem os
dons do divino Paráclito nas almas em estado de graça,
mas ele mesmo em pessoa nelas habita, como nos após­
tolos após o dia de Pentecostes, embora talvez com me­
nores· efeitos. "Ele está em nós, diz santo Agostinho,
não só por uma graça de simples visita ou de operação,

Bronchain II - 9 120
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mas ainda pela presença real e permanente de sua infi­
nita majestade. Não é o perfume do bálsamo, mas a sua
essência, que enche e santifica os nossos corações". Vos
enim estis templum Dei vivi.
Daí segue que devemos fazer o possivel para não
manchar a nossa inteligência, a nossa vontade, o nosso
corpo e sentidos com nenhuma falta venial deliberada,
e muito menos ainda com o pecado mortal. "Não sabeís,
pergunta o apóstolo, que sois o templo de Deus e que
o Espírito Santo habita em vos? Quem ousar profanar
esse templo será punido sem misericórdia. Disperdet il­
lum Deus, pois que santo deve ser o santuário divino
que sois vós". "Convem, de fato, que seja santa, exclama
Daví, a casa do Deus de santidade" (Sl 92, 7).
Examinai por isso: l" se estais disposto a evitar as
menores faltas, a corrigir-vos dos vossos defeitos, a pu­
rificar-vps de vossas imperfeições por atos de contrição
e de amor para com Deus; 2º não viveis dissipados, de­
masiadamente entregues aos negócios seculares, não en­
trando quasi nunca em vós mesmos, para implorar o
hóspede divino que reside em vosso coração?
Meu Deus! vós me falais tantas vezes e eu mal es­
cuto a vossa voz; vossa graça convida-me a viver mais
recolhido, mais fervoroso, mais fiel, e eu conservo em
muitas práticas de piedade um espírito distraido e um
coração ressequido. Remediai, quanto antes, esse deplo­
ravel estado, concedendo-me o hábito da fé, do recolhi­
mento e da oração, que me conservem unido sempre a
vós nc:i meu interior.

2º As tres divinas Pessoas habitam em nós


Verdade ainda mais consoladora é esta: Deus Padre e
Deus Filho habitam em nós com o Espírito Santo. "Se
alguem me ama, diz o Salvador, guardará minha pala­
vra, e meu Pai o amará, e virenfos a ele e faremos nele
a nossa mora.da." (Jo 14, 23). Toda alma que possue a

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amizade divina, embora em ínfimo grau, torna-se a ha­
bitação da SS. Trindade qúe nela reside pessoal e subs­
tancialmente. E' para Deus morada mais cara do que
todos os palácios dos reis.
Com razão pôde dizer são João Crisóstomo: "Elevar
ao Senhor basílicas esplêndidas é obra menos meritória
do que fazer voltar um coração à graça divina". E san­
to Agostinho : "E' mais grandioso ganhar para Deus
uma alma, do que criar o céu e a terra". E, com efeito,
sendo a ordem da graça infinitamente superior à da na­
tureza, nada no universo pode comparar-se à riqueza, à
beleza interior duma alma que possue a amizade divina
e que se tornou o santuário da adoravel e indivisivel
Trindade.
Esses pensamentos inspiram-nos sentimentos de res­
peito a nós mesmos e aos outros. Com que veneração
não devemos nós adorar dentro em nós o Pai que nos
criou, nos conserva e sustenta; o Filho que nos resga�
tou, iluminou e colocou em sua Igreja; e o Espírito San­
to, que, depois de nos santificar no batismo, nos faz usar
os sacramentos e orar com gemidos inefaveis!
Tomemos a resolução: lº de seguir o conselho de são
Paulo da Cruz: "Não tenhamos sobre a terra senão tres
lugares de predileção: o oratório, ·a cela e o santuário
de nossa. alma., que é o principal"; 2º de recolher-nos mui­
tas vezes em nós mesmos para entreter-nos com as tres
Pessoas divinas sobre os nossos interesses espirituais e
temporais.
Meu Deus, Trindade santíssima, a vossa voz se faz ou­
vir ao meu coração, ora por remorsos, ora por inspira­
ções. Em nome de Jesus e de sua divina Mãe, disponde­
me sempre a conversar convosco, a implorar o vosso so­
corro e a conformar-me em tudo ao vosso ·beneplácito.

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QUARTA-FEIRA DA TRINDADE.
TRES PEDIDOS DO PADRE NOSSO

PREPARAÇÃO. Já que somos filhos de Deus, deve­


mos procurar os interesses do nosso Pai celeste, como
o indicam os tres primeiros pedidos da oração domini­
cal. Meditemos-lhe: 1 º a excelência; 2º o proveito espi­
ritual que dela podemos tirar. A seguir propor-nos-emos
procurar em todas as nossas açõ_es: a glória para Deus,
a graça para nós, e a vontade divina que santificará a
nossa vida. Fiat voluntas tua sicut in cmlo et in terra.

1 º Excelência das tres primeiras súplicas


do Padre nosso
Nada· mais nobre para o nosso espírito, mais santifi­
cante para o nosso coração, mais tranquilizador para a
nossa vida do que a glória, a graça e a vontade de Deus.
A glória divina é a mais sublime das intenções; o próprio
Deus no-la propõe em primeiro plano em todas as suas
obras. E nós pedimos a graça de poder fazer o mesmo,
dizendo: "Padre nosso, que estais no céu, santificado seja
o vosso nome!" isto é, o vosso nome seja conhecido, hon­
rado, glorificado em tudo e por todos os homens, espe­
cialmente por nós que vo-lo suplicamos. Sanctificetur
nomen tuum!
"Venha a nós o vosso reino". Que o reino da vossa
graça se estabeleça em nós! Pela graça santificante, vi­
vemos a vida de Deus, e pela fidelidade à graça atual
nós aumentamos em nós, cada dia, essa vida divina, que
nos faz particip_ar das grandezas e das riquezas do Altís­
simo. Vindo a nós o seu reino, virão tambem todos os
seus bens. Adveniat regnum tuum.
"Seja feita a vossa vontade assim na terra como no
céu", isto é, em nosso coração e em nossa vida, como nos
anjos e santos! O' vontade toda sábia, perfeita e ama­
vel ! és tu o dom mais precioso e desejavel no céu e so­
bre a terra; reinas sobre toda a criação e sobre a côrte
celeste; executando-te, presto a meu Deus, meu Pai ce-

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leste, uma glória mais pura e aumento em mim o impé­
rio da sua graça; unindo-me a ti encontro a paz, a san­
tificação, a salvação.
O' glória, ó graça, ó vontade de Deus, sois em ver­
dade de uma excelência infinita! Glorificando ao Criador,
renuncio a toda a vaidade, a toda a complacência pró­
pria, e abraço, com santo Inácio e santo Afonso, a mais
digna intenção dos corações generosos. Esforçando-me
por aumentar em mim a graça habitual, santifico a es­
sência da minha alma, aperfeiçoo a sua fé, esperança e
caridade; multiplico diariamente nela os dons e as vir­
tudes que fazem os santos, e estabeleço em mim o reino
do Padre, do Filho e do Espírito Santo.
Mas que dizer da vontade divina? Cumprindo-a perfei­
tamente em todas as coisas, morro a mim mesmo, a mi­
nhas idéias e gostos particulares ; todos os meus pensa­
mentos, palaVI1as e ações são regrados segundo o seu di­
vino beneplácito e não há pena que eu não queira ou
não aceite para a ela me conformar inteiramente. O'
santas disposições! vinde e ficai comigo para sempre.
Tornado assim filho docil do Senhor, viverei sempre sub­
misso e unido ao meu Pai adotivo, que é o rei do uni­
verso.
2º Proveito espiritual a tirar das tres primeiras
súplicas do Padre nosso
Meditando seriamente e apreciando o valor dos tres
grandes bens: a glória, a graça e a vontade de Deus, -·
bens s1,1.plicados na oração dominical, - consagrar-lhe­
emos o nosso coração, o que será para nós fonte de san­
tos pensamentos e de _sentimentos nobres e desinteres­
sados. Em vez de procurarmos a nós mesmos e sermos
sensiveis ao que lisonjeia o amor próprio e os sentidos,
anelamos, como os anjos e santos, a inestimavel vanta­
gem de glorificar o Pai celeste, de viver em sua intimi­
dade e de curvar-nos alegremente ao seu beneplácito.
Tendo sempre a alma élevada pelo amor de tão subli­
mes bens, seremos menos alterados, menos agitados ao

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sopro dos acontecimentos. Nós os veremos todos na or­
dem da glória, da graça e da vontade do Senhor, e com
esses últimos bens guardaremos facilmente a paz em
todas as ocasiões, mesmo nas mais sensiveis privações.
Assim consolavam-se os santos quando provados pela
humilhação, enfermidade, desnudamento e adversidade.
Que recursos não teríamos, se como eles amássemos so­
bre todas as coisas a Deus nosso Pai e a seus interes­
ses infinitamente preciosos! A vaidade não se apoderaria
de nós, a confusão não nos turbaria, se todos os nos­
sos desejos se concentrassem num só: glorificar ao Se­
nhor nosso Deus. Reveses, aflições, desgraças, aridez es­
piritual não nos abateria jamais, se soubessemos apre­
ciar e amar as riquezas e a felicidade inestimavel en­
cerradas na graça santificante que é a vida, o amor e o
reino de Deus em nós. Não nos impacientaríamos tão
depressa nas contradições e nas contrariedades, se o be­
neplácito do Senhor fosse ,o único objeto dos nossos pen­
samentos e afeições. "Quem procura submeter-se a Deus
em todas as coisas, diz são Vicente de Paulo, pode ter
certeza de que tudo o que disserem ou fizerem contra
ele reverterá sempre em seu proveito"; a conformi­
dade com a vontade de Deus transforma o mal em bem
ou tira o bem do mal.
Meu Deus e meu Pai, a exemplo de vosso filho Jesus
e de Maria, vossa dileta filha, quero trabalhar para glo­
rificar vosso santo nome, para vos fazer reinar nas al­
mas e executar pontualmente para convosco todos os
meus deveres de obediência e submissão. Inspirai-me a
resolução sincera: 1 º de evitar com cuidado as faltas de­
liberadas e as intenções menos retas; 2º de abafar em
meu coração toda afeição estranha ao vosso amor; 3 º de
combater as repugnâncias da minha vontade própria,
afim de executar o vosso beneplácito em toda a minha
vida.

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QUINTA-FEIRA. FESTA DO CORPO DE DEUS.
MARAVILHAS DA EUCARISTIA
PREPARAÇÃO. Para reanimar nossa devoção ao
grande mistério cj.e amanhã, consideraremos: 1º quão ad­
miraveis são os mistérios eucarísticos; 2º quão pouco
os admiramos. Nosso ramalhete espiritual será repetir
muitas vezes as palavras do profeta: "Que há de melhor
no poder do Onipotente e que possue ele de mais belo,
senão o trigo dos eleitos e o vinho que faz germinar os
lírios da virgindade?" Quid enim bonum ejus est et quid
pulchrum ejus, nisi frumentum electorum et vinum ger­
mina�s virgines? (Zac 9, 17).

1 º Admiração devida aos mistél'ios da eucaristia


Nada é tão sublime na religião como o sacrifício: Por
ele Deus é honrado com mais perfeição do que pelas
mais ricas oferendas; sacrifício é imolar-se, aniquilar-se,
destruir-se; impossível ir além. Ora, o domínio divino é
tão absoluto, tão infinito; o reconhecimento que seus be­
nefício_s tle nós exigem, e a expiação reclamada por nos­
sas faltas são de tal forma acima de nossas forças, que,
se todo o gênero humano se imolasse a cada instante,
esse sacrifício seria uma parte mínima do que devemos
ao Senhor.
Todavia consolemo-nos: uma Vítima tomou o nosso
lugar, Vítima augusta sem precedentes. Segundo sua
humanidade ela sacrifica-se, e por sua divindade dá ao
sacrifício valor infinito. Assim são pagas todas as nos­
sas dívidas e prestadas a Deus de maneira digna dele
todas as nossas homenagens de gratidão e submissão.
Onde é que se realizam esses prodígios? no céu ou em
alguma região longínqua? Não, é no meio de nós. Cada
dia sobre os nossos altares, urna Vítima sem mancha, ja­
mais vista sobre a terra, se imola pelos homens pecado-
1·es; os mistérios da criação, da incarnação e da reden­
çio renovam-se em um só, e Deus, que fez sair .do nada

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o universo, aniquila-se, destruindo-se, por assim dizer,
pelas palavras da consagração.
Não é tudo; o Homem-Deus imolado permanece nos
tabernáculos, sobrevivendo a si próprio, ocultando-se sob
as mais humildes espécies, não em um só lugar, mas em
milhares de santuárjos ao mesmo tempo, multiplicando­
se sob milhões de parcelas de hóstias consagradas, afim
de tornar-se nosso prisioneiro, o companheiro do nosso
exílio. Ainda mais, chega ao ponto de tornar-se nosso
alimento e, para isso, quantos novos prodígios. Ele en­
tra em nós, e, em vez de passar à nossa substância, nos
transforma nele, age diretamente sobre as nossas almas
e indiretamente sobre o nosso corpo; as espécies sagradas,
permanecendo aparências, nutrem por milagre, como se
foram substâncias ou realidades. O' inefaveis maravilhas
dignas de enlevar um coração cristão!
Jesus, foi a vossa caridade infinita que vo-las inspi­
rou. Uno-me aos anjos que louvam vossa divina majes­
tade, às Doininações que a veneram humildemente pros­
tradras, e às Potestades que tremem de respeito em vos­
sa divina presença; uno-me a eles e a toda a côrte ce­
leste para vos adorar, amar, servir, glorificar no vosso
augusto Sacramento. Dai-me: 1 º fé viva nesse mistério
adoravel, 2º a ardente devoção que ele inspira a todos
os corações doceis e fiéis.

2º Indiferença dos homens para com a Eucaristia


Admiram-se no mundo os progressos da indústria,
das ciências e das artes; admiram-se as grandes_ fortu­
nas, os belos palác_ios e jardins soberbos; poucas almas,
porém, pensam no grande prodígio da Eucaristia! E nós
mesmos não nos sentimos acaso arrebatados ante os en- ·
cantos da natureza, o esplendor do firmamento, o espe­
táculo do mundo criado? E entretanto quantas vezes 'fi­
camo,s insensiveis e indiferentes nos santuários habitados
pela grandeza incriada!
O Todo-poderoso, que fez o universo, poderia com uma
só palavra tirar do nada milhões de outros mundos mais

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ricos e mais belos; mas, diz santo Agostinho, embora oni­
potente, não poderia fazer nada mais admiravel do que
o Sacramento do altar. Sendo a sabedoria, a bondade por
natureza, poderia multiplicar ao infinito os bens imen­
sos que nos prodigalizou, mas, diz o mesmo doutor, não
nos poderia legar outro dom igual ao da Eucaristia. O'
inefavel mistério!
Quem não pasmaria ao ver os homens tão insensiveis
para com ela? Corre-se, alvoroça-se à chegada de um rei
a uma cidade; e eis que cada dia o Rei dos reis baixa
dos céus à terra com sua côrte, estabelece-se entre nós
rodeado dos príncipes da milícia angélica, e ninguem
nele pensa, não o vai adorar, a não ser um reduzido nú­
mero de pessoas piedosas e fiéis!
Procuremos ser desse pequeno número; nada admi­
remos e estimemos no nosso exílio como o milagre euca­
rístico, milagre permanente a eclipsar todos os que fo­
ram operados e os que o forem ainda até ao fim dos sé­
culos. Se compreendêssemos essas verdades, como um
santo Tomaz de Aquino, uma santa Teresa, um santo
Afonso, um são Boaventura, um são Luiz de Gonzaga,
não esqueceríamos um só instante o Deus da Eucaristia.
Com respeito e amor pensaríamos nele, em ·suas grande­
zas, e perfeições infinitas; seríamos assíduos em visitá­
lo, em suplicar-lhe e em prestar-lhe nossas homenagens!
e com zelo incansavel propagaríamos o seu culto.
Jesus, fazei-vos conhecer, fazei-vos amar. Tendes ope­
rado tantos prodígios em favor da vossa doutrina; não
deixeis na sombra vossa Pessoa sagrada que reside tão
perto de nós.

SEXTA-FEIRA DO CORPO DE DEU,S.


A EUCARISTIA, FONTE DE GRAÇAS
PREPARAÇJ\O. "Naqueles dias, diz a Escritura, ha­
verá uma fonte aberta para a casa de Daví e para os
habitantes de Jerusalém". 1 ° Jesus, no SS. Sacramen­
to, acrescenta santo Afonso, é essa fonte predita pelo
profeta. 2º Suas . águas misteriosas dessedentam as ai-

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mas até às extremidades do mundo. Proponhamo-nos ·ir
muitas vezes haurir lá as graças que nos ·purificam, sus­
têm e consolam neste vale de lágrimas. Fons patens do­
mui David et habitantibus Jerusalem (Zac 13, 1).

1 º A Eucaristia. fonte de graças


A grande tortura do coração humano é a sede de vida,
gozo, glória, repouso, riquezas e imortalidade. Em vão
procura o mundo saciar-nos; oferece-nos apenas cisternas
dessecadas que excitam a sede_ em vez de apagá-la. Nossa·
alma criada para o céu não perdeu, apesar da queda,
a conciência dos seus destinos; a terra é sempre incapaz
de contentá-la plenamente; por isso o Verbo incarnado
teve de trazer-nos do céu bens proporcionados às nos­
sas aspirações.
Representemo-nos, pois, esse divino Salvador sentado
junto ao poço de Jacó e dizendo à samaritana: "Oh! se
co�hecesses o dom de Deus, e quem é que te fala!" (Jo
4, 10). Esse dom de Deus é a graça; aquele que nos
fala é Jesus na Eucaristia. E que nos diz ele? "Se al­
guem tem sede de sabedoria, santidade, contentamento,
venha a mim e beba! Quem crê em mim, verá sair do
seu coração torrentes de água viva (Jo 7, 37), as quais
formarão nele fontes que jorram para a vida eterna"
(Jo 4, 13).
Na santa comunhão, com efeito, a alma, im.bulda da
divindade, não quer e não deseja senão a Deus; tudo
nela a_spira à vida celeste. Seus atos interiores elevam­
na à altura dos anjos e fazem-na merecer viver um dia
com eles na beatitude sem fim. Jesus compara a graça
à água porque: 1º ela nos purifica das nossas faltas; 2º
modera em nós o fogo da concupiscência; 3º nos faz cres­
cer em virtudes e méritos; 4 ° nos refresca de certo modo
por suas consolações; 5º satisfaz nossa sede de paz in­
terior e de felicidade. São esses os preciosos efeitos da
graça e da Eucaristia que é a sua fonte.
Desse novo poço de Jacó e com um ardor igual ao da
sama,ritana, procuremos haurir as águas vivüicantes que

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extinguem o fogo das pa1xoes e acalmam os desejos dos
nossos corações. Entretanto, não o esqueçamos, a graça_
exige sacrifícios, reclama vigilância e fidelidade. . . Exa�
minemos, pois, se, após a visita a Jesus Sacramentado
ou depois da comunhão, nos tornamos sérios, recolhidos,
desejosos do nosso progresso, prontos a dominar nossas
más inclinações e praticar a docilidade, a mansidão e a
condescendência para com todos. Meu Deus, muito long1;i ·
estou de aproveitar desta forma o culto eucarístico.
Transformai-me e inspirai-me mais fervor nas. muitas co­
munhões, mais espírito de fé durante a santa missa e
mais devoção nos meus entretenimentos convosco. Fazei­
me vigilante e fiel: vigilante para melhor regrar o meu
interior e ficar unido convosco; fiel para evitar o _que.
vos desagradar e obedecer em tudo aos convites da vos­
sa graça.
2º A Eucaristia, fonte universal
Figura admiravel de Jesus Sacramentado é a fonte de
Siloé (Is 8, 6), cujas águas, partindo da montanha de
Sião, correm tranquilamente pela planície, regando O!'J.
jardins e os campos. O monte Sião, donde sai a fonte,
representa a Igreja, sem a qual não teríamos a Eucaris�
tia. As águas que correm pela terra, fecundando os cam­
pos, recordam-nos os efeitos maravilhosos desse magis­
tério oculto. Embora opere sem ruido e brilho, a sua ação
sobre os homens é imensa, universal e eficaz.
"Coloquei fontes no deserto, diz o Senhor, e fiz correr
mananciais em lugares quasi inacessiveis, afim de dar
de beber ao meu povo, ao meu povo elei_to" (Is 43, 19).
Multiplicando sua presença em milhares de igrejas, Je­
sus colocou fontes de água viva no deserto desta vida;
fá-las correr até às extremidades do universo em regiões
inacessiveis onde só pode penetrar o zelo dos misssio­
nários.
No paraiso terrestre elevava-se do solo uma fonte tão
abundante que bastava para regar toda a terra; assim,
no seio da Igreja de Jesus Cristo, jorra uma fonte de
graças que dos nossos altares leva a todas as almas a

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esperança, a força e a vida. Que ventura para nós se,
semelhantes às palmeiras plantadas ao longo das águas,
de folhas sempre virentes, permanecermos sempre, ao
menos em espirito e de coração, junto dos mananciais eu­
carísticos! A nossa folhagem será sempre verde, isto é,
as nossas disposições serão sempre fervorosas; haurire­
mos sem cessar do coração do Homem-Deus a seiva espi­
ritual que alimentará os nossos pensamentos, purificará
as nossas afeições, fortificará a nossa vontade na procura
do soberano Bem.
Examinai se aproveitais' da vantagem inapreciavel de
possuir, tão perto de vós, o Deus da Eucaristia. Não ficais
indiferentes ao pensar em tão grande privilégio, invejado
de certo modo pelos próprios anjos? Na hora suprema
arrepender-vos-ei de haver passado tantos anos junto
das fontes do Senhor, sem crescerdes cada dia nas vir­
tudes e merecimentos!
Mãe de misericórdia, obtende-me o perdão da minha
frieza e negligência no serviço de Jesus; fazei-me docil
à sua voz que me chama do fundo dos tabernáculos : "Se
alguem tem sede, venha a mim e beba". Se alguem tem
sede de sabedoria, conselho e tranquilidade de espírito;
se alguem deseja as graças que fazem os santos, venha
a mim na oração, na comunhão, na santa missa, e beba
a largos tragos tudo o que é necessário à sua felicidade,
à sua perfeição e à sua salvação. SI quis sitlt, veniat ad
me et bibat.
SÃBADO DO CORPO DE DEUS.
MARIA SANTISSIM:A E A · EUCARISTIA
PREPARAÇÃO. "Ela é semelhante à nau do ne�ocian­
te que traz de longe o seu pão" (Prov 31, 14). Esse tex­
to dos Provérbios é aplicavel à divina Mãe: l° a ela, de­
pois de Jesus, devemos o pão eucarístico; 2º os nossos
santos mistérios recordam-nos essa verdade tão conso­
ladora. Tomaremos a resolução de pedir à santíssima
Virgem nos disponha, em nossas comunhões, a receber
o pão de vida que ela nos proporcionou pela Incarnação.
Quàsl navis in�tltoris de longe po�s panem suum.
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l º Devemos a Eucaristia à divina Mãe
Maria é comparada na Escritura a uma nau, pprque
traz à terra todos os bens do céu; a uma nau de mer­
cador pela sua solicitude em procurar a nossa felicida­
de. Quasi na.vis institoris. Ela deu-nos sobretudo o pão
de vida, chamado "seu pão" pelo texto sagrado, por ser
formado da sua substância. "A carne de Jesus, diz san­
to Agostinho, é a carne de Maria".
Ela no-lo trouxe · de longe, fazendo-o descer do mais
alto dos céus. De longe portans panem suum. O Verbo
divino era na glória o alimento dos espíritos bem-aven­
turados, alimento demasiado forte para a nossa fraque­
za. Ora, consentindo na Incarnação desse Verbo incria­
do, a Virgem Mãe colocou-o ao nosso alcance, dando-lhe
o corpo e o sangue que nos alimentou sob as espécies
eucarísticas. Assim. se cumpriu a palavra do salmista:
"O homem comeu o pão dos anjos" (Sl 77, 25), e a de
Isaías: "Sereis amamentados como os filhos dos reis"
(Is 60, 16).
Não é, com efeito, a Mãe do Rei do universo que se
torna a nossa nutriz na santa comunhão? sob as espé­
cies sagradas recebemos o Filho que ela nos deu na gruta
de Belém. Que gratidão não deveria ter sido a de santo
Antônio de Pádua, de santo Estanislau Kostka, por aper­
tarem em seus braços o Menino Jesus a eles apresenta­
do por Maria! Grande deve ser tambem a nossa grati­
dão para com Maria santíssima, quandcr recebemos esae
mesmo Salvador, não só em nossos braços, mas no co­
ração e sob a forma de alimento. O' ternura da Mãe de
nossas almas! como vos poderemos agradecer? São Pe­
dro Damião exclama: "Que língua poderia Iouvaravos e
que coração amar-vos suficientemente a vós, que dais à
nossa fraqueza um alimento tão substancial e divino?"
Não será, pois, justo que de hoje em diante, recebendo
o Filho, nos recordemos de sua Mãe? e que em cada co­
munhão tenhamos a intenção de crescer no amor de um
e de outra? Unamo-tos, pois, aos nossos pensamentos,

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afetos e devoções; imitemos-lhes sobretudo as virtudes,
nas nossas relações com Deus e o próximo.
Jesus, meu Salvador, pela intercessão de vossa terna
Mãe, comunicai-me a força de traduzir em minha vida
os exemplos de abnegação, de paciência, de vida interior
e oculta, que me destes durante a vossa vida mortal e
cuja edificante lembrança a Eucaristia me recorda sem
cessar, e renova cada dia sua consoladora realidade.

2 º Ma.ria. é recordada. nos nossos santos mistérios


A santa missa traz-nos diariamente à memória os mis­
térios da vida e morte de Jesus, aos quais se associou a
santíssima Virgem. A incarnação do Verbo, com efeito,
revela-se à nossa piedade sempre que o sacerdote faz a
consagração no altar. A sua palavra é de certo modo
criadora como a de Maria: muda à. substância do pão e
do vinho no corpo e sangue do Homem-Deus. O' prodi­
gio tocante! Jesus torna a nascer, por assim dizer, em
nossas igrejas; o altar é como que o presépio em que re­
pousa; os panos sagrados figuram os seus paninhos, e
o fiéis que o adoram representam os pastoreá e os reis,
que foram outrora a Belém prestar-lhe homenagens.
O sacerdote, na missa, oferece-o ao Pai celestial, como
Maria o fez outrora no templo e especialmente no Cal­
vário, onde participou largamente da nossa Redenção.
O sacrifício dos nossos altares é intrinsecamente o mes­
mo da cruz, diferindo somente na forma. Recorda-nos,
pois, o que se passou no Gólgota, onde a voz do Unigênito
de Deus proclama a Virgem .nossa mãe. O' deliciosa re­
cordação, que faz exultar os corações cristãos. Jesus,
trigo sagrado, foi moído nos tormentos para tornar-se
nosso pão de vida; e isso sob os olhos e com o consenti­
mento da sua Mãe. Seu corpo ensanguentado, descido
dà cruz, foi entregue a Maria, que o ofereceu aos ho­
mens, como a vítima puríssima, da qual se devem nutrir
para a conquista da imortalidade. Mistérios inefaveis es­
ses, que nos são recordados na missa e na comunhão.

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Cuidemos em não os perder de vista. 1º Assistindo ao
augusto sacrifício, tenhamos os sentimentos da Mãe das
Dores ao pé da cruz; sentimentos de horror ao pecado
que causa a morte de um Deus; sentimentos de reconhe­
cimento e confiança e amor para com Jesus crucificado
a renovar sua imolação sobre os altares. 2º Recebendo-o
na sagrada mesa, façamo-lo com as disposições de Maria
no Calvário, apertando ao seu coração maternal o -corpo
sacrossanto de Jesus. A seu exemplo, animemo-nos do
desejo .de devotar-nos por Jesus, como ela o fez por nós.
Virgem -santíssima, sabeis que, após a morte do vosso
divino Filho, colocaram o seu corpo num sepulcro novo,
talhado no rochedo, embalsamaram-no de perfumes e
envolveram-no num lençol branco para a sepultura. Não
permitais que meu coração, que o recebe tantas vezes,
seja manchado de faltas e repleto de apegos mundanos;
tornai-o puro, renovado e fortalecido no serviço de Deus.
Embalsamai-o de piedade, de pureza, de devoção, para
que assim se torne habitação agradavel a Jesus, que se
digna visitá-lo com tànto amor.

DOMINGO DURANTE A OITAVA DO CORPO


DE D�US - A COMUNHÃO
PREPARAÇÃO. O Evangelho do dia fala-nos do gran­
de banquete, ao qual Jesus· nos convida, e que não é ou­
tro senão a santa comunhão. Consideremos-lhe os pre­
ciosos efeitos: 1º para a nossa alma; 2º para o nosso cor­
po. Animemo-nos do desejo de permanecer sempre uni­
dos a Jesus, afim de em nós se realizar a promessa sai­
da de seus lábios: "Quem me come, viverá por mim",
isto é, por meu espírito, meus sentimentos, minha dou­
trina e minha graça. Et qui rnanducat me et ipse vivet
propter me (Jo 6, 58).
1º O que a comunhão opera em nossas almas
"Se o grão de trigo não cair em terra e não morrer,
ficará só; se morrer, produzirá muitos frutos" (Jo 12,
24-25). Esse grão de trigo, de que fala o Evangelho, é

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o divino Salvador, que, por sua morte, se tornou o tri­
go dos eleitos; e que abundantes frutos não produz ele
na adoravel Eucaristia! O pão material, o pão do corpo
passa para a substância de quem o come; isso não se
dá com o pão eucarístico. Mais poderoso do que nós,
transforma-nos nele por maravilha inaudita; sendo ele
nobre, celeste, divino, eleva-nos, desprende-nos de tudo e
faz-nos até participantes da nobreza, sabedoria e santi­
dade de ·Jesus. Os seus pensamentos, intenções, luzes e
sentimentos penetram-nos como os -raios do sol atraves­
sam o cristal. Suas santas inclinações comunicadas ao
nosso coração fazem-nos amar, como ele, a vida interior,
vida de fé e de graça, que santifica nossas intenções, di­
rige nossos empreendimentos, regra nossas palavras e
nossa vida, torna-nos modestos em nosso porte, respei­
tosos para com Deus, mansos e caridosos para com o
próximo.
Esse é o perfume celeste que trescalam as almas boas
após as suas comunhões, e de que ficam longo tempo im­
pregnadas ainda depois de desapaPecerem as sagradas
espécies. Santa Maria Madalena de Pazzi, menina ainda,
nos dias em que sua mãe comungava, seguia-a em toda
parte, a dizer-lhe: "Minha mãe, tenq.es o perfume de
Jesus".
Nada de estranho nisso; pois, se existe entre os amigos
unidos pelo afeto uma harmonia, uma simpatia misteriosa
que os aproxima apesar da distância, quanto mais entre
o Redentor e as almas que o receberam sob as espécies
sacramentais, contraindo com ele laços de amizade e
parentesco espiritual, laços muito mais fortes que os da
natureza! "Quem comunga fica no coração de Jesus, diz
santo Afonso, e Jesus em seu coração; essa união não é
de puro afeto, mas real e verdadeira".
E que fonte de bens não é para nós, adoravel Salva­
dor, essa união mística! Com que solicitude nos prote­
geis, defendeis, cumulais de graças, mormente nos dias
em que tomamos parte em vosso divino banquete! Vós
o dissestes; a alma que vos recebe deve viver pelo im-

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puiso cio vosso espírito; não permitais que domine em
mim a vida dos sentidos, a vida natural, isto é, das pai­
xões e dos instintos; fazei-me sempre agir por princípio
de fé, por motivo de virtude, mormente no exercício da
obediência a meus superiores, que são os vossos repre­
sentantes, da caridade para com o próximo, vossa ima­
gem viva, e da conformidade às vossas vontades, inclui­
das nos meus deveres e em todos os acontecimentos que
me atingem e me exercitam na paciência. Et qoi ma.n­
docat me, et ipse vivet propter me.

2º O que a comunhão opera em nossos corpos


O alimento eucarístico, segundo santo Tomaz, rião age
só sobre as nossas almas, mas tambem sobre os nossos
corpos, e de duas maneiras: indiretamente, aumentan­
do em nós a caridade e diminuindo assim a concupiscên­
cia; diretamente, entrando nossa carne em contato com
as espécies sacramentais, que .nutrem por milagre, à ma­
neira das substâncias. São Cirilo de Alexandria diz que
às vezes cura os enfermos e os preserva da morte cor­
poral. ó pai de são Gregório Nazianzeno, esgotado por
febres prolongadas e penosas, estando já para expirar,
foi curado subitamente ao receber no dia de Páscoa a
santa comunhão. Muitos outros fatos semelhantes são
referidos por autores fidedignos.
"Graça maravilhosa e oculta! exclama a Imitação; por
vezes é tão forte nesse sacramento, que, pela plenitude
da devoção que produz, não só o espírito, mas o próprio
corpo lá encontra, quando fraco, novo vigor e alento".
Quantos santos viveram miraculosamente, unicamente
pelo alimento eucarístico! O bem-aventurado Nicolau de
Flue ·passou vinte e dois anos sem nenhum outro ali­
mento.
Esses fatos milagrosos são de molde a reanimar a nos­
sa confiança na virtude onipotente desse sacramento,
mormente contra as revoltas da carne e a rebeldia dos
sentidos. Com que fervor não o deveríamos invocar em
todos os perigos! Se já não sentís, diz são Bernardo, os

Bronchain II - 10 145
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acessos da cólera, da inveja, luxúria e outros vícios, agra­
decei-o ao corpo de Jesus Cristo.
Outrossim, q�ando o recebemos, deposita ele em nós·
germes da imortalidade. "Aquele que me come, diz o Sal­
vador, eu o ressuscitarei no último dia" (Jo 6, 75). E,
com efeito, a união contraida com o corpo glorioso do
Homem-Deus na Eucaristia nos merecerá a ventura de
ressuscitar com ele como os eleitos. Se compreendêsse­
mos o valor do banquete eucarístico, iríamos a Jesus, co­
mo o enfermo ao seu médico, como cervo. sedento à fon­
te de água viva; como o mendigo faminto, a uma mesa
abundantemente servida; pedir-lhe-íamos a esmola, co­
mo o pobre ao seu Rei, o escravo ao seu Senhor, a cria­
tura ao seu Criador, a alma indigente e desolada a seu
soberano Benfeitor e ao seu Consolador amoroso.
Jesus hóstia, "sois remédio aos enfermos, •dir-yos-ei
com são Bernardo, fortaleceis os fracos e alegrais os
fortes; curais nossos langores e nos conservais a saude.
Por vós aquele que vos recebe, torna-se manso, paciente
nas aflições, corajoso no trabalho, ardente no vosso
amor,· vigilante sobre si mesmo, pronto a obedecer, e re­
conhecido aos vossos benefícios". Maria, minha Mãe, tor­
nai-me. apto para receber e saborear esses frutos precio­
sos na santa comunhão, afim de santificar por ela a
minha vida.

SEGUNDA-FEIRA DEPOIS DA FESTA DE CORPO


DE DEUS - COMUNHÃO ESPIRITUAL
PREPARAÇÃO. "Encheu de bens aos que têm fome",
assim fala a Virgem Mãe no seu admiravel canto. Consi­
deremos: l° as vantagens da comunhão de desejo·; 2º o
meio excelente para tirar dela o maior fruto. - Donde a
nossa indiferença em receber a Jesus? sem dúvida o nos­
so coração está cheio de afeições terrenas e de pouco·
amor ao divino Salvador. Essa frieza nos é prejudicial e
priva-nos de graças preciosas. Esurien�mplevit bonis
(Lc 1, 53).

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l° Vantagens da comunhão espiritual
"Come-se espiritualmente o corpo de Jesus Cristo, diz
o doutor angélico, quando se crê em sua presença real
sob as espécies eucarísticas e se deseja com ardor rece­
bê-lo sacramentalmente". O santo Concílio de Trento diz:
"As almas que desejam comer esse Pão celeste com fé
viva animada pela caridade, ressentem-lhe os frutos e as
preciosas vantagens". E:' ela uma das práticas mais uteis,
acrescenta santa Teresa; pois que por ela se imprime
mai_s profundamente em nós o amor .de Deus. Um dia
santa Margarida Maria desejava ardentemente comun­
gar. Jesus lhe disse: "Minha filha, o teu desejo alegrou­
me tanto o coração, que, se eu não tivesse instituido
esse sacramento de amor, fa-lo-ia agora só por teu
amor; é-me tão agradavel es_se desejo, que, cada vez
que um coração o 'tem, eu o olho com ternura para atraí­
lo a mim" .
. A comunhão espiritual faz-nos praticar inúmeras vir0
tudes: a fé na presença real, a confiança que nos move
à oração, o amor que inflama os nossos desejos; . comu­
nica-nos o gosto das coisas divinas; recolhe-nos na pre­
sença de Deus, aumenta o nosso fervor, torna-nos mais
fiéis à graça, fortifica nossa vontade na prática do bem,
e produz às vezes mais efeitos em nossa alma do que
a comunhão sacramental feita com menos amor.
Ela tem ainda a vantagem de poder• ser renovada a
qualquer hora, a todo instante, de dia e de noite; pode
ser feita em todo lugar sem ser notada, a não ser por
Jesus, que responde ao nosso ardor com graças inume­
raveis. Digamos-lhe pois muitas vezes com o profeta­
rei: "Senhor, minha alma tem sede de vós" ( SI 62, 2),
quando virei e participarei dos vossos tabernáculos, pa­
ra receber-vos em mim? Quem me dera, Jesus, o amor
de um são Francisco de Assis, duma santa Teresa, dum
santo Afonso, afim de transformar toda a minha vida
em uma comunhão de desejo! Mas, ah! a frieza, a lassi­
dão, a dissipação e os apegos terrenos impedem-me mui-

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tas vezes de suspirar por vós. '.Entretanto, na Eucaristia
sois o mesmo que dissestes aos leprosos: "Quero, ficai
curados", e à viuva de Naim: "Não choreis"; e a Lá­
zaro: "Saí do túmulo". Não deveria eu desejar vossa
presença em mim para ser curado das minhas enfermi­
dades espirituais, consolado em minhas aflições, levan­
tado das minhas quedas e fortalecido no vosso amor? ·
Abrasai-me, pois, dos santos ardores que consumiam vos­
sa divina Mãe e vossos fiéis servidores.

2º Meio de tirar proveito da comunhão espiritual


Santa Catarina de Sena desejava tão vivamente re­
ceber Jesus sob as espécies sacramentáis, que sentia des­
falecimentos. Um dia suplicou a seu confessor lhe le­
vasse muito de manhã o Pão dos anjos, por medo de
sucumbir à impetuosidade dos seus desejos. Jesus, en­
ternecido por tão boas disposições, recompensou-a gene­
rosamente. Estando ela assistindo, em outra ocasião, à
missa, a parcela da hóstia, quebrada pelo sacerdote, es­
capou-lhe das mãos e voou para a língua de Catarina,
querendo assim Jesus saciar a fervorosa avidez de sua
esposa.
A melhor disposição para tirar proveito da comunhão
espiritual é, pois, suspirar por Jesus, como o cervo se­
dento pela fonte de água viva; cumpriremos essa con­
dição por meio da leitura, da meditação e da prece. Len­
do os livros que nos falam da amabilidade de Jesus,
admirando-lhe as perfeições divinas e os bens imensos
que ele nos reserva na adoravel Eucaristia, sentir-nos­
emas constrangidos a amá-lo e a aproximar-nos dele
muitas vezes, ao menos por desejos e afetos. A prece aca­
bará o que foi começado pela leitura e reflexão; por ela
obteremos do céu os sentimentos de fervor dos verda­
deiros servos de Deus.
Santo Afonso, em sua velhice, recebia diariamente a
santa comunhão; esperava-a com tanto ardor, que a me­
nor tardança lhe era duro martírio: "Dai-me o meu Je­
sus, exclamava ele, dai-me o meu Jesus". A seu exemplo

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suspiremos pelo Pão de vida, na véspera e na manhã dos
dias em que vamos comungar. A comunhão espiritual
não opera como o sacramento, por própria virtude, mas
só de acordo com a fé e o amor de quem quer unir-se
a Jesus. Para ser bem aproveitada, ela deve ser fervo­
rosa, e vir a nós pela graça do Espírito Santo.
Jesus, delícia da minha vida, quem me dará o ardor
dos serafins, para me aproximar de vós com todos os
afetos da minha alma? Quero pérmanecer sempre em
espírito nas igrejas em que residís, sentar-me à vossa
mesa, não só uma vez por dia, mas a todas as horas, pelo
ardor e constância do meu amor. Vinde agora mesmo
a mim, meu Salvador, vinrle renovar no meu coração
os prodígios de graça que operastes em vossos santos,
e, pela intercessão da santíssima Virgem Maria, dai que
eu faça a comunhão espiritual durante a oração, a santa
missa, e muitas vezes ao dia, mesmo no meio das minhas
ocupações.

TERÇA-FEIRA .DEPOIS DE CORPO DE DEUS.


O SOL EUCARISTICO
PREPARAÇÃO. A Igreja chama Jesus "o sol de jus­
tiça". Consideremos: 1 º como ele realiza esse título na
adoravel Eucaristia; 2º como receberemos melhor seus
influxos salutares. - Aproveitemos esta meditação para
obter do Salvador uma fé viva e uma caridade arden­
te, afim de lhe prest3.:rmos no SS. Sacramento o culto
de adoração e amor que lhe é devido. Para isso diga­
mos-lhe muitas vezes: Jesus, sol de justiça, tende pie­
dade de nós. Jesu, sol justitire, miserere nobis.

l° Jesus, sol de justiça, na Eucaristia


O sol aclara, aquece e fecunda a terra; o mesmo faz
Jesus na Eucaristia em relação a nossas almas. "Eu
sou a luz do mundo, diz ele; quem me segue não anda
em trevas" (Jo 8, 12). E' sobretudo na Eucaristia que
�e realiza est!l palavra, ;l<\>çQ dos diviQOS �splendores,

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irradia-se dos tabernáculos a toda a Igreja católica, co­
meçando por seu representante, o soberano Pontífice,
a quem faz infalivel, e continuando pelos bispos e sa­
cerdotes até ao último dos fiéis. Dele e do seu Espírito
Santo vêm-nos todas as luzes sobrenaturais da fé, os
dons de entendimento, ciência, conselho, e as boas ins­
pirações que nos movem ao bem.
Todos esses esplendores deveriam exercer grande in­
fluência sobre a nossa vontade; despertados, reanima­
dos e aquecidos por esses raios da graça, deveríamos as­
pirar com ardor à união com Deus. Santa Catarina de
Sena viu uma vez Jesus na hóstia consagrada, como nu­
ma fornalha de amor. Como é possível, perguntava-se
ela, não se abrasarem de amor divino todos os corações,
sendo o nosso Deus um fogo consumidor? Ignis consu.
mens est (Hb 12, 29). E' porque a nossa alma é- dema­
siado terrena, sensual, sensível ao que lisonjeia o seu
amor ·próprio. Daí, sem dúvida, a aridez, as distrações
nas orações e na comunhão; daí o pouco progresso em
sólidas virtudes.
Em vão o divino sol dardeja sobre nós os seus raios
para nos fecundar o coração e fazer crescer em santida­
de e mérito; em vão mostra-nos defeitos a· corrigir, in­
clinações per1igosas a reprimir, humildade profunda e re­
colhimento contínuo a adquirir; pouco tocados somos por
essas luzes, por estar o nosso coração apegado a qual­
quer objeto terreno.
· Jesus, fogo sagrado, que ardeis por nós em caridade
sem limites, disponde-me a receber-vos na santa ·comu­
nhão. Tr·emo ao pensar nos poderosos meios de 'Santífi0
cação encerrados na Eucaristia, que eu não aprovéito
como deveria. Concedei-me fé mais viva para conhecer
vossas grandezas e humilhações nesses augustos misté­
rios. Inspirai-me mais confiança e devoção quando de
vós me aproximo. Fazei que combata minhas más incli­
naçQes e mortifique meus sentidos na intenção de obter
de .v� com mais abundância: as luzes, o fervor. e a for­
ça de exercer as virtudes,

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2º . Como aproveitar o Sol eucarístico
O melhor meio de receber os influxos do astro do dia
é expor-se aos seus raios; assim nossas almas participa­
rão mais das luzes e calor da fornalha, que é Jesus, na
medida que lhe prestarmos culto mais assíduo. Tomemos
pois o santo costume i:..e orar a miudo diante dos taber­
náculos em que Jesus reside. Segundo santo Afonso, mui­
tas vezes lucra-se mais em um quarto de hora de entre­
tenimento com Jesus sacramentado do que em todos os
outros exercícios do dia. Deus ouve, ·sem dúvida em todo
tempo e lugar aos que o suplicam; entretanto, diz o bem­
aventurado Henrique Suso, Jesus dispensa mais larga­
mente as suas graças a quem o visita no SS. Sacramen­
to, pois que na Eucaristia reuniu num só todos os prodí­
gios da sua caridade por nós; de lá ele nos· clama, como
dum . trono de amor e misericórdia: "vinde
,
todos a mim
e eu, vos aliviarei".
Os fiéis que rod,�avam no Calvário a cruz do Redentor,
sentiram sem dúvida de maneira especial as impressões
divinas. Assim os cristãos presentes nas igrejas à imo­
lÍl.ção do Cordeiro imaculado, participam com mais abun­
dância do ·que alhures dos frutos da Redenção. Isso vale
ainda mais em se tratando da santa comunhão. Como as
trevas se dissipam diante do astro do dia, assim a es­
curidão . e as . penas das alm_as fervorosas muitas vezes
se esvaem quando se nutrem de Jest�s. Confil,'ll1a-o santa
Teresa que declara ter feito repetidas experiências nes-
se sentido.
, O sol é o centro de todos os astros do sistema solar-;
t1:1-mbem Jesus deve ser o centro dos . nossos corações.
Por isso: 1" dirijamos-lhe sempre os nossos pensamen­
tos, desejos e af_etos; 2º na véspera da comunhão leia­
mos algum livro que trate da excelência desse ato, e nqs
disponha a fazê-lo com mais fé, fervor, confiança e cui­
dado. Sta. Rosa !'.le Lima, após a comunhão, tornava-se
respla;ndecente como o astro do dia. Se nós tambem es­
tivéssemos preparados, como OfVSantos, para .receber a

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Jesus, os raios desse sol de justiça nos transformariam
em outros homens.
Isso dar-se-ia comigo, adoravel Mestre, se eu fosse do­
cil às vossas luzes, desapegado da terra e dos meus inte­
resses, fiel em obedecer-vos em tudo. Pelas preces de
vossa divina Mãe, fazei-me tirar frutos sólidos e abun­
dantes das minhas comunhões, da santa missa e das vi­
sitas que vos faço em vosso sacramento de amor.

QUARTA-FEIRA DEPOIS DA FESTA


DE CORPO DE DEUS.
HOMENAGENS DEVIDAS Ã EUCARISTIA
PREPARAÇÃO. Jesus em seu adoravel sacramento me­
rece todas as homenagens de que somos capazes. Me­
ditaremos, pois, 1 º o respeito; 2º a confiança que lhe são
devidos a tantos títulos. - Examinemos se, fazendo- a
genuflexão diante dos tabernáculos, observamos a práti­
ca de avivar a nossa fé por um ato interior de adoração
e amor como, este : "Meu Jesus, eu vos adoro e vos amo
de todo o coração". "Tantum ergo Sacramentum vene­
remur cernui".

1º Respeito devido ao SS. Sacramento


A Igreja nos faz dizer: "Creio em Jesus Cristo· Filho
unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os sé­
culos, e verdadeiro Deus como ele". Querendo salvar os
homens, ele incarnou-se, morreu sobre a cruz, e embora
ressuscitado, elevado ao céu e sentado à dextra do Pai
onipotente, permaneceu ainda em nossas igrejas sob as
espécies eucarísticas. Aí opera prodígíos assombrosos e
numerosos, que os homens nunca poderão compreender;
·os próprios'.anjos, diz santo Tomaz, não os podem con­
templar senão à luz da glóriã que os aclara nos céus.
J!;sses espíritos bem-aventurados rodeiam a seu Senhor
nos nossos santuários e prosternam-se �Dl ��a, prei:,en1a.
coni respeit<;i sepi Jipijtef1.

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Que religião sincera não nos deveria penetrar, quando
adoramos esse mesmo Deus que criou o universo? Dele
temos a existência e por ele tudo vive, tudo subsiste no
céu e na terra. Um dia ele citará ao seu tribunal os po­
tentados do mundo, julgará todos os povos e todos os
monarcas. Como ousamos aparecer então em sua presen­
ça com ar dissipado, olhar tudo o que se passa na igre­
ja e lá permanecer sem piedade, sem modéstia? Entre
nós e Deus a distância é sem limites; se o Senhor se di­
gna transpô-la em nosso favor, poderemos com isso es­
quecer o nosso nada e desconhecer a sua infinita gran­
deza? Como a tremer entrava santo Afonso em alguma
igreja; tomava respeitosamente a água benta, benzia-se
com fé e recolhimento, e depois dirigia-se humilde e len­
tamente para o altar. Que contas não teremos de prestar
a Deus, se, por nosso porte e procedimento, damos a en­
tender que não achamos quasi diferença entre as nossas
igrejas e as habitações profanas!
Jesus, quantas vezes perco de vista vossas divinas per­
feições e vossa majestade soberana, mesmo quando me
disponho a adorar-vos em vosso santo templo! Todos os
homens reunidos, diz Isaías, são menos que um átomo em
comparação convosco. Quem sou eu pois, vil escravo e
ingrato pecador? Como me atrevo a faltar-vos tantas
vezes ao respeito, e isso sob as vossas vistas? Dai-me a
graça de aparecer em vossa presença sempre com humil­
dade profunda e temor salutar. Inspirai-me a resolução:
1 ° · de venerar-vos publicamente e sem respeito humano,
quando vos levam em viático ou nas procissões; 2º de
conservar-me modestamente recolhido em todas as igre­
jas em que habitais; 3º de lá genufletir, não por mera
ceremônia, mas pausadamente e acompanhando-o de um
ato interior de fé, adoração e �PWr, Ta.ntum ergo sacra­
mentum ye�e!'«'mur �epiaj,

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2º Confiança qüe merece o SS. Sacramento
' O respeito exigido pelas grandezas de Jesus não deve
absolutamente alterar a nossa confiança em sua infinita
bondade. Os israelitas de · caminho para a terra prome­
tida, não tendo no deserto rota determim:.cJ.a, receberam
de De11s uma coluna luminosa que os guia1·a durante a
noite. ·Essa coluna representa-nos a· Eucaristia. Jesus
nela desenvolve um excesso de poder e ternura, capaz de
tranquilizar-nós de todas as dúvidas e incertezas. Sabe­
doria incriada e incarnada, multiplica-se em nosso favor,
de maneira espantosa, afim de se achar em toda parte
conosco nos caminhos dificeis desta vida; aclara os nos­
sos. passos rumo à feliz eternidade, no meio das trevas
do nosso exílio, _:çmm mundo coberto de ciladas e cheio,
�o no deserto, de serpentes venenosas.
.Os israelitas, diz ·Orígenes, não fizeram- nenhuma fa.
wmha- bélica ant�s de receber o maná e ver correr a
água do rochedo. O maná representa-nos a Eucaristia
que é o pão vivo descido do céu. A água do rochedo re­
córáasnos a morte do Redentor, renovada mistica·mente
Sóóre os altares. Sem os socorros hauridos desses misté­
rios; serémos sempre fracos contra os inimigos. Eis por
que, segundo são Cipriano, é perigoso expor-se ao com­
bate, sem haver recebido o J:>ão dos fortes. A santa co­
:rnunhão é, com efeito, um dos principais meios para tri­
unfarmos nas lutas contra o mundo, o inferno e as pai­
xões. De volta, da mesa da comunhão, diz são João Cri­
sóstomo, somos temiveis aos demônios, como leões a ru­
gir. Tenhamos, pois, sempre, confiança nos recursos ines­
gotaveis que a Eucaristía nos fornece.
· Jesus lá nos dispõe não só a vencermos as inclinações
pecaminosas, mas tambem a exercermos todas as virtu­
des; tenhamos nele confiança, que é a chave de todos os
seus tesouros. Vendo a bondade com que �ica por nosso
8JDOr. nos tabernáculos, senipre atento às nossas neces­
idades, sempre pronto a atender-nos, poderíamos ter re­
ceio de aproximar-nos dele e pedir-lhe as suas graças?

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Ele se dá a cada um de nós como ao gênero humano em
geral; como, pois, temer que ele nos abandone? Não, não
ponhamos termos à nossa esperança em Jesus, porque
o seu amor para conosco não os tem.
O' melhor amigo da minha alma, pela intercessão de
vossa duléíssima Mãe, Maria, fazei que· a vós recorrá
em nossas igrejas com inteira segurança: 1 º quando eú
precisar de luz, conselho, direção contra as máximas e
preconceitos do mundo; 2º nas minhas lutas interiores
contra mim mesmo e minhas paixões; 3º nas dificuldades
inerentes ao cumprimento dos meus deveres. Fazei que
eu alie o respeito à confian!;a, prestan'do-vos o culto que
vos é devido sob as espécies eucarísticas.

QUINTA-FEIRA. OITAVA DA FESTA DE CORPO


DE DEUS - A. MISSA
PREPARAÇÃO, Jesus, nossa vítima na Eucaristia, não
cessa de imolar-se por nós. Meditaremos: 1º a sublimi­
dade desse sacrifício; 2º seu mérito junto de Deus. -:­
Tiraremos a conclusão de que é necessário ouvir a mis­
sa, com todo o respeito e devoção de que somos ,capazes,
unindo_-nos a todas as missas que se celebram no univer­
so e às disposições. dos santos que ofereceram o divino
sacrifício. Im omnl loco sacrificatur nomini meo oblatiQ
monda (Mal 1, 11).

lº Subllmldade do sacrif�cio euca�ístico


O sacrifício é a destruição . da v,itima .. para confessar
o nada da criatura diante da excelência infinita do Cria­
dor. E' o ato ma.is importante da religiãai e o que· me­
lhor glorifica o soberano domínio de Deus sobre nós. Na
antiga lei imolavam-se animais, e o Senhor aceitava es­
ses holocaustos pouco dignos da sua grandeza, por pre­
nunciarem a vítima, · que ele anunciava aos judeus com
as palavras: "Dentro em breve já não aceitarei as vos­
sas oferendas, porque. em todas as regiões sacrificam,.'e
oferecem em minha· glória 1,1ma hóstia inteiramente pura".

155
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Ora, essa hóstia pura, predita com tanta antecedên­
cia, é a de nossas igrejas. Depois de se imolar na cruz, o
Filho unigênito de Deus, o Rei dos anjos, imola-se ainda
sobre os nossos altares. Por um prodígio maior, em seus
efeitos, do que a criação do mundo, diz santo Tomaz, a
substância do pão a consagrar converte-se inteiramente
no corpo de Jesus, e a substância do vinho em seu sangue
infinitamente precioso; isso realiza-se pelas palavras do
sacerdote revestido, então, de certo modo, da onipotência
de Deus. Jesus morre misticamente sobre o altar, ani­
quila-se, e por que? para confessar que só Deus é o ser
por excelência, a grandeza soberana e essencial, o bem
supremo e eterno; daí a glória infinita ao Pai celestial.
Já não são os animais que se imolam, não um homem
ou um anjo, mas o próprio Deus. Na medida que Deus
excede à criatura, a santa missa ultrapassa em digni­
dade a imolação de todo o gênero humano e de todas as
legiões angélicas. Que honra para a divindade poderia ser
mais sublime? E dizer que esse sacrifício se renova não
um dia ou uma vez, mas núlha.res de vezes ao dia até à
consumação dos séculos; não é isso o auge do "laus pe­
rene", devido ao Ser supremo e a seu ilimitado domínio
sobre todo o universo?
Meu Deus, se outrora aceitaveis o sangue dos animais
na previsão do sangue de Jesus, quanto mais receberet_s
hoje com amor as nossas orações e os nossos corações,
tão estreitamente unidos à hóstia de nossas igrejas!
Consagro-vos, pois, em união com Jesus e por intermé­
dio de Mà.ria, todos os meus pensamentos, palavras, afe­
tos, ocupações e sofrimentos, na intenção de vos glorifi­
car e comprazer. Fazei-me viver no mundo como vítima,
imolada, com meu Salvador, à vossa santí�sima e ama­
bilíssima vontade.

2 º Mérito do sacrifício eucarístico


O sacrifício de nossos altares é tão meritório quanto
elevado. O mérito da oferenda depende do dom em si
µiesmo, da pessoa d.Q d,qa,dor � <la inten�ão que o anima,·

156'
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ô doin, já o 11.cabamõ� de ver, excede tudo quanto se po­
eta oferecer ao Senhor desde o começo do mundo, e se
possa apresentar-lhe até ao fim dos séculos, mesmo que
fosse a vida de todas as criatura-a.
E esse dom divinamente magnífico, por quem é ele
oferecido? por um doador tão excelso como o dom, por
Jesus, Sacerdote e vítima em nossa igrejas. Quando um
príncipe oferece uma flor ao rei, este a recebe menos pelo
valor do presente, do que em atenção ao príncipe. Aqui
não é só o doador, mas tambem o dom que, de concerto,
reclamam a benevolência divina. E que benevolência,
grande Deus! pois que o doador e o dom são o próprio
Deus.
O que acrescenta valor à oferta é a intenção que a
acompanha. Dar por interesse ou outro motivo baixo, é
tirar ao presente o seu valor, e torná-lo até digno de des­
prezo. Mas dar por motivos nobres e desinteressados é
duplicar de certo modo a dádiva aos olhos de quem a
aceita. Ora, o Salvador, imolando-se sobre os altares, tem
como fins principais: glorificar seu divino Pai, agradecer­
lhe por nós os seus benefícios, obter-nos o perdão das
nossas faltas e todas· as graças da salvação. Haverá in­
tenção mais elevada, santa, generosa e meritória? ... Fa­
zei-a em união com Jesus, sempre que por vós ou pelas
mãos do sacerdote, ofereceis o divino sacrifício.
Jesus, vítima sacrossanta, inspirai-me as disposições
que vos ·animam sobre o altar. Quero, por vós, de hoje
em diante glorificar, agradecer ao Pai celestial, e obter
da sua misericórdia, com o perdão dos meus pecados, to­
das as graças necessárias à minha preseverança. E vós,
Virgem puríssima, fazei que todas as manhãs eu ouça a
santa missa com os sentimentos que tinheis ao pé da
cruz, na qual expirou Jesus.

1ú7
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,.SEXTA-FEffiA DEPOIS DA OITAVA DE CORPO
. J;)E DEUS - O SAGRADO CORAÇÃO
PREPARAÇÃO. Para celebrarmos dignamente a fes­
ta do sagrado Coração de Jesus, consideremos : 1º os
motivos de amá-lo e de nele confiar; 2º as graças a tirar
desse oceano de todos os bens. - Propor-nos-emos depois
formar o nosso coração pelo de Jesus, amando o que ele
ama ._e imitando sua humildade e manl;)idão. Disclte a
me quis mitis su_m et humilis corde.

l° Motivos de amor e confiança no sagrado Coração


q Coração de Jesus é o coração do Verbo incarnado,
da segunda Pessoa da SS. Trindade. Imagem consubs­
tancial do Pai segundo a divindade, o Salvador possue
em si todas as pérfeições; é· mans_o, paciente, generoso,
caridoso, não Só à máneira . dos santos, mas em grau in­
finito; Diz o apóstolo: "A riqueza incriada nele criou tódà
a plenitude":
Um tal coração rião merecerá todo o nosso amor! Ama­
niós as criaturas em que encontramos reunidas a nobre­
za.; a' grandeza, a bondade, a fortuna, a generosidade;
quanto ,mais devemos amar o Criador, que possue infi­
nitamente toda_s essas qualidades e é delas fonte inesgo­
tavel ! Amando o que é terreno, ligamos os nossos afetos
a uma sombra vã e passageira; unamo-nos antes à beleza
incriada que permanece eternamente e nos quer fazer fe­
lizes pua sempre. Extasiemo-nos com os anjos e ossan­
tos, ante os encantos inefaveis do Coração do nosso
Deus.
Quanta confiança não nos inspira ele? E' o coração do
Crist� ou do chefe da humanidade regenerada; dele pro­
cecte a vida da Igreja e das almas, e nele se acham todos
os bens da redenção; ele é a sua causa meritória, e de
seu seio jorram rios benfazejos que levam às almas es­
perança e vida. CoÍn que mísericórdia purifica ospeca­
dos! com que ternura aclara, fortifica, consola os justos
e lhes outorga os socorros necessários ao seu progres-

158
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so! Terá sido em vão que Jesus se chamou nossó irmão.?
Ora, um irmão interessa-se por ver os seus honrosamente
providos. Quando José foi colocado à frente do Egito, deu
a seus parentes a mais fertil região do país. Mais gene•
roso ainda, Jesus prometeu suas graças aos que. a supli­
cam, mesmo aos maiores pecadores (Lc 11, 10); quanto
mais as prodigalizará aos seus amigos?
Vamos pois com confiança ao coração desse bom• Se­
nhor. Se tend� precisões, exponde-lhas; se tendes chagas
a curar, mostrai-lhas; ele as lavará em seu sangue. s•ois
pobres, desnudados de todo o bem espiritual? Sois ári�
dos e distraidos na oração, apesar de vossos esforços?
Implorai humildemente o seu socorro e dizei-lhe: "Jesus,
ressurreição e vida, aclarai-me o espírito, purificai-me o
coração, levantai-me o ânimo abatido·; fazei-me · viver
sempre convosco, em vós e para vós.

2" Graças a haurir do sagrado Coração ·


No Coração de Jesus encontramos o conhecimento de
Deus, o qual vale mais do que todos os bens deste mundo,
por ser a raiz da eternidade bem-aventurada (Jo 17, 3}.
"O sábio não se gloria da sabedoria; diz o Senhor pela
boca de Jeremias; o bravo não se gaba da sua bravura,
nem o rico de suas riquezas; mas quem quiser glorificar­
se, glorie-se em me conhecer" (Jer 9, 23-24). Ora, no
Coração de Jesus estão encerrados todos os tesouros da
sabedoria e ciência de Deus (Col 2, 3). Esses tesouros,
Jesus os comunica com alegria aos que lhe pertencem,
mormente aos pequenos e humildes de coração. Revelas­
ti ea parvtilis (Mt 11, 25). Quereis ser mais esclarecidos
do que os sãbios da terra? Sede devotos do Coração· de
Jesus; mas que essa devoção vos mova a amar a vida hu­
milde e oculta, a vida de recolhimento· e de óração.
Assim chegareis pouco a pouco à perfeição do sagra­
do amor. O Coração de Jesus é a sua fornalha, .como in­
carnação da caridade incriada. Deus caritas (Jo 4,. 8).
"Vim trazer o fogo à _terra, diz ele, e só .quero que ele

·159
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,
se acenda; (Lc 12, Ü)). ô Saivador acende esse fogo di­
vino na comunhão e nas visitas que lhe fazemos ao pé
dos altares em que ele se imola, e dos tabernáculos em
que reside dia e noite para nossa salvação.
Em vão, porém, pretendeis arder em santo amor, se vos­
so coração continua impregnado de afetos às coisas ter­
renas e de amor próprio. Tomai pois a firme resolução:
1º de mortificar os sentidos, mormente os olhos para vi­
verdes sempre sob as vistas de Jesus; 2º de reprimir a
imaginação e de submeter as paixões ao jugo do Sal­
vador. Assim chegareis à perfeição do amor divino.
Coração adoravel, tão pouco amais os bens da terra
que os deixais aos vossos inimigos, mas reservais aos vos­
sos amigos os tesouros do céu. Pela intercessão da di­
vina Mãe, comunicai-me a vossa sabedoria e santidade:
a vossa sabedoria que me faça compreender melhor a
vossa grandeza e o meu nada; a vossa santidade que me
desprenda de mim mesmo e do mundo, e me faça con­
forme aos vossos desejos, sentimentos e virtudes. Fac
nos, Domine Jesu, sa.nctisslme Cordis tui virtutibus in­
dul et affectibus lnflammari.

MEDITAÇõES SUPLEMENTARES

PARA OS DIAS QUE SEGUEM A FESTA


DO SAGRADO CORAÇÃO, AT� 1º DE JULHO
EXCLUSIVE
I. EMBLEMAS DO CORAÇÃO DE JESUS
PREPARAÇÃO. Jesus mostrou a santa Margarida
Maria o seu Coração rodeado de emblemas. 1° Uns re­
presentam os mistérios de seus sofrimentos; 2 º os outros,
os prodígios de seu amor. Contemplemos muitas vezes
ao menos em espírito, a imagem do sag'rado Coração;
peçamos a Jesus nos faça compadecer das suas dores e
nos dê paciência nos males da vida. Vobis rellnquens
exemplum ut sequamlni vestigia _ ejus (1 Ped 2, 21-24).

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1º Os emblemas do sofrimento
O Coração de Jesus é representado como uma chaga.
Essa chaga recorda-nos a morte dolorosa do Redentor
e os bens que dela dimanam. Mal expirara Jesus, um
soldado, brandindo a lança, abriu-lhe o lado. "Essa feri­
da sagrada, diz santo Agostinho, foi para nós a porta
da vida". A água que dela saiu é o símbolo do batismo,
pelo qual nascemos à graça e nos tornamos filhos da
Igreja. O sangue que dele jorrou figura a Eucaristia,
nutrimento e força de nossas almas. Esses emblemas re­
cordam-nos os benefícios do Salvador, e são de nature­
za a recordar-nos as dores que nós lhe causamos.
Os espinhos que circundam o sagrado Coração trazem­
nos à lembrança a horrivel coroa cravada na fronte de
Jesus. Orígenes assevera que a coroa só lhe foi tirada
após à sua morte cru,el. O Senhor dissera a Adão: "A
terra será amaldiçoada por tua causa; ela te produzirá
espinhos e cardos". Terrivel maldição, que nos anuncia
as tribulações merecidas por nossos pecados. Convença­
mo-nos, porém: Jesus o novo Adão, arrancou-lhe o amar­
gor pelas penas interiores que o atormentaram toda a
sua vida e que nos são recordadas pelos espinhos que
cercam seu sagrado Coração.
E a cruz, que encima o Coração amante, é o símbolo
do sofrimento que acompanhou a vida do Redentor.
Quantas angústias não sofreu durante trinta anos pela
previsão das nossas ingratidões e dos tormentos que o
esperavam! Se as vossas penas são diárias como as do
Salvador, de que modo as suportais? Não vos queixais
delas com tristeza e impaciência? Assim procedendo, as
aumentai e perdeis muitas vezes o merecimento. A re­
signação, ao contrário, as adoçará e tornará uteis; ob­
ter-vos-á a unção da graça, que ajuda a carregar a cruz;
preservar-vos-á do purgatório e proporcionar-vos-á lu­
gar escolhido entre os eleitos.
Meu divino Redentor, ensinai-me a mortificar minha
suscetibilidade e as pequenas paixões que me impedem

Dronchain II - 11 161
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a resignação. Inspirai-me a resolução: 1 º de unir minhas
dores às vossas e de oferecê-las a De.us sempre que mi­
nha paciência seja posta à prova; 2" de calar-me, então,
e pedir o vosso socorro para abafar em mim as impres­
sões de queixa e de murmuração.

2" Os emblemas do amor


O fogo que brota do coração do Homem-Deus repre­
senta-nos o amor imenso e incompreensivel em que se
abrasava para com o Pai celeste, e que é pois sobrenatural
a todo outro amor. E' ardente essa fornalha em Jesus. A
caridade dos anjos, dos serafins, da santíssima Virgem
não podem dar-nos dela idéia adequada. Nas criaturas
são faiscas; no Verbo incarnado é a fornalha do amor
divino. Mas essa dileção não tem por objeto somente a
Deus; estende-se tambem a todas as almas, suas imagens
vivas. Daí essas chamas ao redor do sagrado Coração a
figurar a ardente caridade do Salvador para conosco. O
fogo devora o que cai sob sua ação; assim o amor de Je­
sus por nós superou todas as dificuldades em benefício
da nossa salvação; não recuou jamais diante de nenhum
sacrifício. Os opróbrios, a tortura, a morte mais cruel,
nada o deteve na grande obra da redenção.
E a que amor do sofrimento não o impelá a sua dedi­
cação por nós! E' isso que nos recorda a cruz, devorada
pelas chamas da sua caridade. Jesus amou a dor porque
amou as nossas almas. "Devo ser batizado, dizia ele,
com WÍl batismo de sangue, e desejo ardentemente que
ele se realize" (Lc 12, 50). Esse é o grito dum coração
que suspira pela cruz; toda a sua vida foi um tormento
contínuo, tormento sobretudo interior, sofrido por nos­
sa causa.
Jesus, quem nos dirá da vossa caridade sem limite?
Quem, senão vós, nos tornará capazes de imitá-la? Dai­
me uma centelha do fogo que devora vosso sagrado Co­
ração para com o Pai celeste e para com as almas res­
gatadas por vosso sangue. Mas, como disposições a esse
amor, dai-me coragem de sacrificar-vos todas as minhas

162
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inclinações e, para isso, consagro-vos: 1º o meu espí­
rito, afim de que se encha das vossas máximas e do des­
prezo dos bens terrenos; 2º o meu coração, que de hoje
em diante não mais se prenderá a coisa alguma fora de
vós; 3º a minha vontade, cujo único desejo e preocupa­
ção será obedecer-vos e servir-vos na pessoa do próxi­
mo, a despeito de todas as antipatias e repugnâncias.

II. CORAÇÃO DE JESUS, MODELO DE RENúNCIA


PREPARAÇAO. A coroa .de espinhos ao redor do sa­
grado Coração pode significar: 1 º a mortificação de J e­
sus ou o seu amor ao sacrifício; 2º a abnegação que de­
vemos praticar a seu exemplo. Tomaremos a resolução
generosa de não passar dia algum, sem renúncia de nós
mesmos e de nossas inclinações, afim de cumprirmos exa­
tamente os nossos deveres e de suportarmos com paciên­
cia todas as penas. Abneget semetipsum et tollat crucem
suam quotidie (Lc 9, 23).

1º Coração de Jesus, modelo de sacrifício


Ao entrar neste mundo, escreve o apóstolo, o Reden­
tor disse ao todo-poderoso: "Meu Pai, eis o corpo que
de vós recebí; quero imolá-lo para vossa glória, expian­
do assim os crimes da terra" (Hb 10, 5-7). Jesus ofe­
receu-se a pagar as nossas dívidas à justiça divina e o
Pai celeste aceitou a oferta, inspirando a seu Filho por
seu amorosíssimo Coração. Desde então viveu o adora­
vel Salvador em contínua Imolação. As privações da sua
infância, as fadigas do seu apostolado, os cruéis suplí­
cios da sua paixão transformaram-no em vítima perpé­
tua da nossa salvação. E' isso que nos recorda a coroa
de espinhos que circunda o Coração, como o vemos em
suas imagens:
Não contente de imolar o seu corpo, Jesus quis tam­
bem sacrificar a sua vonta.de: "Eis-me, diz ainda ao
Criador, eis-me pronto a executar em tudo a vossa von­
tade". E, de fato, nenhum ouu;o desejo teve sobre a

n• 163
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terra, senão o beneplácito divino, permanecendo-lhe sem­
pre inteiramente submisso; e quando, no jardim das Oli­
veiras, sua alma se torna presa de mortais angústias,
um grito de obediência sai ainda do seu Coração: "Meu
Pai, não se faça a minha vontade, mas a vossa. Non mea
voluntas, sed tua fiat" (Lc 22, 42).
O Espírito Santo diz: "Ele foi obediente até à morte,
até à morte de cruz" (Filip 2, 8). E' essa, declara Je­
sus, a maior pro\'a de caridade que se possa dar aos ami­
gos (Jo 15, 13). Essa prova o Salvador não a recusou
nem a seus inimigos. Insaciavel de amor, foi ele insacia­
vel de imolação e só se satisfez depois de se entregar sem
reserva para a salvação de todos. O' prodígio de dedica­
ção!
Vendo um Deus sacrificar-se tão generosamente por
vós, poderíeis ainda hesitar em mortificar tal defeito,�tal
inclinação, fonte de tantas. faltas e imperfeições? pode­
ríeis recusar a Jesus os sacrifícios que ele vos pede,
e continuar preso à satisfação dos sentidos, aos desejos
do amor próprio e a mil bagatelas que impedem o vosso
progresso?
Não, divino Mestre, nada mais quero recusar ao vosso
Coração sagrado. Queimai, cortai, quebrai tudo o que
é meu e não vosso, e fazei-me docil aos atrativos do vos­
so amor. Estou resolvido a não mais me queixar das cru­
zes de cada dia, dos desgostos e das penas que me con­
trariam o orgulho e as más inclinações.

2º Motivos de imitar a abnegação de Jesus


O "feliz hábito da renúncia própria, dos nossos gostos
particulares .e da sujeição ao beneplácito divino, produz
em nós vários efeitos salutares: Facilita-nos as vistas
• sobrenaturais afastando-nos do coração os obstáculos à
luz divina, que são as nossas tendências más e as nos­
sas faltas diárias. Abate a nossa vontade, tornando-a
mais docil aos atrativos _do Espírito Santo. Como os pe-

164
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cadores se tornam escravos, obedecendo às pa1xoes, as­
sim a alma fiel, praticando a abnegação, se desprende de
si mesma e se submete inteiramente ao Salvador. Daí a
união íntima que contrai com o divino Coração. Nada
realmente ajuda mais para unir dois corações do que a
identidade de sentimentos, afetos e desejos. Ora, é pró­
pria da abnegação a renúncia às nossas inclinações
pessoais, para prendê-las a Jesus. Como é bela a união
de uma alma que morreu para si e vive unicamente para
Jesus Cristo! Mortificando os vícios, exerce as virtudes
contrárias; e quanto mais se renuncia a si própria, tanto
mais apta se torna para receber a graça e corresponder­
lhe fielmente. Concluamos disso, que a morte a nós mes­
mos é a medida da nossa vida sobrenatural e da nossa
união com Jesus Cristo.
Há tantos anos que afagais um defeito; que ganhastes
com isso? mágua, remorsos, aridez; perdestes tesouros
de graça; permanecestes estacionários no caminho da
santidade. Por que não fazer hoje a Jesus Ó sacrifício
da vossa propensão para a preguiça, dos vossos hábitos
de dissipação, de vossas relações mundanas, de vossas
leituras frívolas, de vossas tendências à crítica, à quei­
xa, ao desânimo nas dificuldades ? Todas essas misérias
espirituais além de prejudicarem o vosso progresso, per­
turbam a vossa paz interior e impedem a vossa verda­
deira felicidade.
Jesus, fazei-me triunfar de minhas repugnâncias no
cumprimento do déver e dai-me a coragem de abraçá-lo
generosamente. Pelos vossos méritos e pelos de vossa
divina Mãe, inspirai-me o espírito de renúncia, que cor­
te para mim as pontas dos espinhos deste vale de lágri­
mas e os transforme um dia em rosas perfumosas nos
átrios celestes, por efeito da vossa graça e da minha pa­
ciência nos sofrimentos.

165
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III. DEVOTAMENTO DO CORAÇÃO DE JESUS

PREPARAÇÃO. O espírito de sacrifício que meditamos


em Jesus, conduz ao perfeito devotamento. Considere­
mos: l ° quão grande é esse devotamento no coração do
Homem-Deus; 2º quão desejoso é ele de unir-se a nós
para transformar-nos nele. Imitemos a genero�idade do
Salvador consagrando-nos, como ele, ao serviço de Deus
e do próximo, mesmo que nos custe muito, até a própria
vida. Dilexit nos ct tradidit semetipsum pro nobls (Ef
5, 2).
1 º Devotamento do Coração de Jesus
O devotamento prova-se pela grandeza dos sacrifícios
feitos pelo próximo. O rico que dá os seus bens exerce
sem dúvida a caridade, porém mais a pratica se se con­
sagra ao serviço dos seus semelhantes. O Verbo eterno
não se contentou em mandar-nos suas luzes, suas graças,
seus profetas e servidores, mas veio em pessoa traba­
lhar para a nossa salvação. Infinitamente nobre e rico,
dignou-se descer até ao nosso nada e tornar-se o mais
pobre entre nós. Faltou-lhe até o necessário, em Belém
e no Egito. Em Nazaré ·ganhava o pão de cada dia no
suor de seu rosto, embora fosse ele o rei da glória e das
riquezas do céu.
Ainda mais, tomou sobre si as nossas iniquidades e
quis expiá-las. Toda a sua vida decorreu num martírio
contínuo: nós éramos os culpados. Seu Coração foi a ví­
tima sempre imolada para a nossa salvação. Bem depres­
sa ·chegou o tempo da sua paixão, e ele não hesita; en­
tréga-se por nós ao furor de seus inimigos. Ultrajado e
esbofeteado, flagelado, coroado de espinhos, abraça o
instrumento de seu suplício e carrega-o até ao Calvário;
deixa-se nele cravar para morrer a morte dos infames.
Eis como Deus se vi�gou das nossas ofensas e tomou
sobre si o castigo que nos era devido! O' devotamento
que nunca teve igual! Devotamento que supera tudo
quanto se possa imaginar.

166
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O amor do Coração de Jesus chegou ao auge, perpe­
tuando-se entre nós. Fundou a sua Igreja, fê-la depo­
sitária da sua doutrina, dos seus sacramentos, de seus
sacrifícios; prendeu-se ao nosso exílio pelo maior dos
prodígios. Cada dia, cada hora, cada instante, imola-se
em qualquer parte da terra; e não há momento nem re­
gião em que não renove em nosso favor o devotamento
de seu sacrifício sanguinolento, sacrificando-se mistica­
mente por nós. Caridade verdadeiramente inefavel, que
deveria quebrar o gelo dos nossos corações e aniqui­
lar o nosso frio egoismo tão avesso à renúncia. O' gene­
rosa renúncia do Coração do meu Jesus, destruí em mim
tudo que me impede de amar-vos sem partilha, mormen­
te o amor próprio, inimigo do sofrimento e da fadiga,
quando se trata de obedecer e de vos ajudar n� pessoa
do próximo. Fazei-me manso, obsequioso, sempre pronto
a consolar os aflitos, a compadecer-me das fraquezas
alheias, a esquecer as injúrias, a exercer a misericórdia
e a praticar a caridade. Tomo a resolução: l° de- abafar
as quePxas, a tristeza, as murmurações quando alguem
me reclame os meus serviços; 2º 'de mostrar-me tanto
mais feliz, quanto mais penoso e contrário aos meus gos­
tos for o ato de abnegação a praticar nessas circuns­
tâncias.
2º O devotamento do Coração de Jesus leva-o à união
conosco
_ Não contente de entregar-se aos suplícios da sua pai­
xão e de perpetuar o sacrifício do Calvário e,n benefício
das nossas almas, Jesus quis ainda dar-se a nós como ali­
mento. E por que? Afim de transformar-nos nele. A
generosidade do seu Coração não se satisfez com tantos
prodígios operados em nosso favor; atingiu o auge, tor­
nando-nos outros tantos Cristas. Imolar-se por nós, o Cria­
dor por sua criatura, é um devotamento capaz de fa­
zer pasmar o céu e a natureza; mas como poderemos lou­
var bastante esse grande Deus, por nos haver elevado,
comunicando-nos os seus bens? Não nos amou ele como

167
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a si próprio, a nós, vermes vís e abjetos? O' caridade
divina, mistério incompreensivel do amor incriado!
Mas como se realizam em nós esses mistérios? por
meio da santa comunhão, pela qual Jesus desce a nós,
dissipa as nossas trevas como o sol afugenta as sombras
da noite, aquece e fecunda os nossos corações, e, depois
de purificados pela graça, os santifica, os diviniza, lhes
comunica os seus sentimentos e os forma aos poucos à
sua imagem e semelhança. Se comungássemos sempre
com fervor realizar-se-ia rapidamente em nós a feliz
transformação da nossa alma em Jesus.
Meu Senhor, quem melhor do que vós me pode dis­
por a esse insigne favor? Se um ilustre monarca pre­
tendesse visitar solenemente uma choupana, mandaria
adorná-la das mais ricas tapeçarias, para ter uma rece­
pção digna. Fazei o mesmo, ó Jesus, rei amabilíssimo,
quando vierdes a mim: purificai de toda mancha o meu
coração; livrai-o da imundície dos vícios; enriquecei-o
de dons celestes, embalsamai-o de fé, esperança e carida­
de; colocai nele o adorno de todas as virtudes. Minha ter­
na Mãe pura e santa, emprestai-me o vosso coração, ou
antes, depositai no meu peito o Coração de meu Jesus,
afim de que, recebendo-o na sagrada mesa, eu me torne
um só com ele.
Meu Deus, confesso· conpungido, em vossa presença,
que tenho comungado muitas vezes quasi sem prepara­
ção: 1 º após um dia cheio de faltas leves e de infideli­
dades; 2º após uma confissão feita às pressas, rotineira­
mente, sem espírito de fé, arrependimento e fervor; 3 º
após uma meditação tíbia e cheia de distrações, que me
deixou frio e sem devoção junto à fornalha do amor di­
vino.
IV. JESUS, VIDEIRA MISTICA
PREPARAÇÃO. Para meditarmos o devotamento do
Salvador, devemos estar unidos a ele como _o ramo da
videira ao seu tronco. Veremos pois: l ° em que sentido
Jesus é a videira mística; 2º como é que somos os ·seus

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ramos. - Essas reflexões dar-nos-ão o desejo de· rezar
sempre, convencidos de que, sem o Salvador, nada pode­
mos na ordem da salvação, como ele mesmo o assevera.
Sine me nihil potestis facere (Jo 15, 5).

1º Jesus é a videira mística


Incarnando-se, o Verbo eterno toma um corpo mate­
rial como o nosso e reune as nossas almas num corpo
místico, do qual ele é a cabeça e nós os membros. Para
dar-nos uma idéia da influência divina que ele deve exer­
cer sobre nós, compara-se à videira cujo tronco comu­
nica aos ramos a seiva extraída do solo. Assim a sagrada
humanidade do Salvador tira da divindade a seiva da
graça a nós transmitida por diversos canais espirituais.
A videira, em si, é madeiro vil que tira o seu valor da
seiva e do vinho que produz; assim o Verbo divino, as­
sumindo a nossa natureza humilhou-se, aniquilou-se,
conservando a grandeza e experiência da sua divindade.
A videira deve ser podada para produzir abundantes fru­
tos; do mesmo modo o Redentor, por um excesso de amor,
quis sofrer as incisões da dor para operar _a nossa Re­
denção e no-la fazer frutuosa. Copiosa apud eum re­
demptio.
O fruto da videira, calcado ao lagar, torna-se o vinho
servido no altar e nas mesas dos reis; da mesma forma,
Jesus, triturado nos suplícios do Calvário, quis derramar
o seu sangue infinitamente precioso, o sangue adorado
em nossos altares durante o augusto sacrifício, e recebido,
como seu corpo, pelas almas que se animam a domar as
paixões, afim de viverem em estado de graça e assenta­
rem-se à sagrada mesa.
Jesus, videira mística, não permitais que eu seja sem­
pre ramo debil e esteril, eu, que desejo ficar unido a vós
pela graça habitual. Não recuastes diante das vilanias,
opróbrios e tormentos para curar as chagas de minha
alma; e eu, surpreendido no meu orgulho, sensualidade e
amor próprio, dou gritos e afasto a mão benfazeja que
emprega o ferro necessário-à minha santificação. Amavel

lGD
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Redentor, quando compreenderei o meti verdadeiro bem?
Dai-me a graça: 1 º de mortifiéar os meus sent-idos e to­
dos os meus instintos que me separam da vossa doutrina
e dos vossos exemplos; 2º de abraçar sem queixas as
contradições que me vêm do próximo, e as dificuldades
inerentes aos meus deveres de cada dia. O' videira mis­
teriosa, que dais à terra o vinho da salvação, inebriai
minha alma afim de que, esquecendo a criatura, procure
unicamente a vossa glória e prefira todos os suplícios à
desgraça· de ofender-vos.

2º Somos os ramos da videira mística


"Eu sou a videira, disse Jesus, e vós, os ramos. Como
estes não podem produzir frutos senão em união com o
tronco, assim não podereis fazer bem algum senão unidos
a mim" (Jo 15, 4). O' bondade' poderosa e fecunda do
Homem-Deus! ó .fraqueza estranha dos nossos corações,
que nada podem sem Jesus! Videira mística, o Salvador
faz circular a seiva da sua graça em todos os que se
acham em sua· amizade; comunica-lhes a força de pra­
ticar as virtudes e de merecer o céu. Mas - ó desgraça
infinitamente deploravel ! - quantas almas vivem em·
pecado mortal e são como ramos separados do tronco!
Não podendo fazer coisa alguma meritória, diante de
Deus, são como sarmentos ressequidos, destinados ao
fogo. Quem não teria pied'ade da sua desgraça e não pro­
curaria preservar-se dela?
Ao contrário, a felicidade de viver na amizade de Je­
sus deve ser o anseio da nossa alma. "Quem fica em mim
e eu nele, diz o Salvador, produz abundantes frutos de
santificação. Se permanecerdes unidos a mim e aceitardes
a minha doutrina, recebereis de mim tudo o que quiserdes
e me pedirdes (Jo 15, 4-6). Vivendo da vida da graça e
agindo segundo o espírito de Jesus, seremos amado do
Pai celeste que, vendo seu Filho em nós, nos atenderá
por causa dele. E', pois, vantajoso para nós, e até ab­
solutamente necessário, conservar-nos unidos ao nosso
amavel Salvador. Fora dele e sem ele somos réus dignos

170
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do inferno; com ele e nele, Deus nos considera como fi­
lhos, enche-nos de seus bens e promete-nos a herança
celeste.
Jesus, a quem irei para 'achar a felicidade e a salva­
ção? Consagro-vos os meus pensamentos e desejos, toda
a minha vida. Sede o único objeto de minhas preocupações
e do meu amor, Proponho-me: 1 º pensar muitas vezes
em vós e na vossa presença real na Eucaristia; 2º fazer
dos meus d;as de comunhão, dias de recolhimento espi­
ritual, afim de merecer guardar o meu coração e conser­
vá-lo unido a vós. Maria, obtende-me a graça de agir
sempre, não por natureza, inclinação e caprich_o, mas
por princípio de fé, para me conformar em tudo a Jesus.
Fazei-me praticar para esse fim o recolhimento, a abne­
gação e a oração contínua.

V. DA GRAÇA HABITUAL
PREPARAÇÃO. Jesus é a videira mística: nós o te­
mos meditado; é pela graça santificante que lhe somos
unidos. Importa pois considerar: l" as glórias; 2º as ri­
quezas dessa graça divina. - Estima-la-emas sobre todos
os bens, se a guardarmos cuidadosamente pela fugida a
toda falta e pela oração contínua; pois ela é de valor in­
finito. Inflnltus enim thesaurus est hominlbus.
1º Glórias da graça habitual
Aos olhos dos homens é honra estar no serviço dos
monarcas da terra. Que glória para nós servir ao Criador
do céu, Dominador dos povos e dos reis! Os santos con­
sideraram sempre como título de nobreza o belo nome
dê servos de Deus: Domestici Dei (Ef 2, 19). Santo Agos­
tinho chama-o uma realeza. Essa única vantagem, que
nasce da graça, bastaria para conservar-nos atentos em
guardá-la com cuidado contínuo e cioso.
Mas não se limitam a isso os privilégios que nos confe­
re: torna-nos não só servos, mas amigos de Deus. Ora, a
amizade requer uma certa igualdade entre os que se
amam. Para estabelecê-la entre nós e ele, que faz o Se-

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nhor? purifica-nos do pecado, o que só seu poder infinito
pode operar; comunica-nos o horror do mal e o amor do
bem, e nos faz participar da sua sabedoria e santidade.
Ainda mais, quem o creria? chega a elevar-nos à digni­
dade de seus filhos adotivos, e para isso, torna-nos par­
ticipantes da sua natureza divina (2 Ped 1, 4). O' prer­
rogativa inestimavel ! introduz-nos na família do Rei dos
reis, constitue-nos irmãos de Jesus, diviniza-nos pelo Es­
pírito Santo, e, seguindo a linguagem do apóstolo, faz­
nos pertencer à linhagem desse Deus a quem chamamos
"Pai nosso" e cuja herança esperamos na eternidade.
Quem reflete nesses gloriosos privilégios concedidos
às almas em estado de graça, enche-se de dor ao ver
tantos cristãos cairem em pecado mortal e tornarem-se
num instante escravos do demônio. O' deploravel tráns­
torno ! Em vez da beleza encantadora recebida no batis­
mo, a alma culpada contrai a horrivel fealdade dos ré­
probos. Longe de ser o santuário das tres Pessoas divi­
nas, como antes, torna-se hediondo antro de espíritos
maus que aguardam a permissão de precipitá-la no in-
ferno.
Adoravel Jesus, dai-me a estima e o amor à graça ha­
bitual, que proporciona à nossa alma tanta nobreza, res­
plendor e insignes prerrogativas. Por ela sou não só vos­
so servo e amigo, mas ajuda vosso filho, e santuário do
Espírito Santo. · Participando dessa forma da vossa rea­
leza divina, sinto-me obrigado a refrear as muitas pai­
xões, para ser semelhante a vós. Concedei-me a vitória
sobre o orgulho que nutre em mim os vícios do espírito,
e sobre a sensualidade que entretem os da carne. Estou
resolvido a antes morrer do que perder a vossa amiza­
de pelo pecado mortal; dai-me fidelidade à prática da
piedade fervorosa até ao derradeiro suspiro.

2º Riqueza da graça santificante


Essas riquezas são antes de tudo a própria graça ha­
bitual que é de valor infinito (Sab 7, 14). São ainda as
virtudes infusas, teologais e morais e os dons do Espí-

172
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rito Santo, virtudes e dons mais preciosos que todo o
universo e que sempre acompanham em nós a amizade
do Criador. E esses dons e essas virtudes dão-nos nume­
rosos títulos à recompensa eterna. Segundo o concílio
de Trento, a alma em estado de graça, agindo por Deus,
merece por justiça o aumento da amizade divina e um
grau de glória proporcionado á esse aumento, tão dignos
dos nossos desejos. Além disso ela atrai, a título de con­
veniência, graças atuais sempre mais abundantes e efi­
cazes. "Um ato de amor divino, por pequeno que seja,
diz o doutor angélico, vale para ele a vida eterna", isto
é, bens que a sobreelevam a todas as maravilhas do fir­
mamento.
Se os milhões de anjos e santos da côrte celeste se
unissem para recompensar a mais pequena obra meritó­
ria, v. g. uma prece ou um ato de virtude, jamais o
conseguiriam, mesmo que para - isso esgotassem todas
as suas forças durante milhões de anos. O próprio Deus,
consagrando o seu poder à criação de mundos infinitos
para nos recompensar dignamente, não o conseguiria, e
por que? Porque todos os bens naturais reunidos não igua­
lam em valor o menor grau de mérito sobrenatural. Eis
por que o Senhor promete dar-se todo a nós, ele o Bem
supremo e eterno, pelo que fazemos para a sua glória.
Ego merces tua magna nimis (Gen 15, 1).
Doutrina consoladora de molde a animar-nos a servir
a Deus sem reserva. Algumas polegadas de terra exci­
tam a cobiça dos conquistadores, fazendo-os afrontar os
perigos e as fadigas da guerra; e .nós, soldados da cruz,
hesitaremos em lutar contra nossas paixões, em se tra­
tando de conquistar o reino eterno do céu? Cegos sere­
mõs, se preferirmos as satisfações passageiras e os bens
efêmeros do mundo às alegrias puras e aos tesouros duma
eternidade feliz. Esforcemo-nos doravante para fugir de
todas as faltas, para reprimir as paixões, para purifi­
car nossas intenções e afeições, afim de tornarmos sem­
pre meritórias as nossas ações e a nossa vida.

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Jesus, sem vossa santa amizade sou um sarmento res­
sequido, incapaz de produzir frutos. Uni-me a vós como
o ramo ao tronco da videira e dai que eu produza abun­
dantes frutos de salvação. Pela intercessão da Virgem
fidelíssima preservai-me da negligência e relaxamento
no vosso serviço. Dai-me a graça: 1 º de nutrir habitual­
mente o meu espírito com o pensamento das verdades da
fé; 2º de fortalecer meu coração com preces frequentes
e com atos interiores que me unam a vós e me confir­
mem no vosso amor.

VI. DA GRAÇA ATUAL


PREPARAÇÃO. Já que a graça santificante ou ami­
zade divina elll nós Se conserva pela graça atual, medi­
temos: 1 º os motivos de correspondermos a ela; .2º os
diferentes efeitos que ela produz em nós. - Propor-nos­
emos depois viver bem recolhidos para ouvirmos a voz
de Deus; obedecer-lhe fielmente em tudo até à morte.
Esto fidelis usque ad mortem, et dabo tibi coronam vi­
tm (Apoc 2, 10).
1º Motivos de corresponder à graça atual
Uma alma em estado de graça, isto é, que não tem
pecado mortal na conciência, necessita ainda do socor­
ro divino para perseverar. Este, socorro chama-se graça
atual. Deus no-la dá em virtude dos méritos de Jesus
Cristo para remediar a nossa fraqueza e tornar-nos ca­
pazes de fugir do mal e praticar o bem. Conservar e au­
mentar em nós a vida sobrenatural ou a graça santifi­
cante, e executar obras meritórias da vida eterna são,
segundo santo Tomaz, os dois principais efeitos da gra­
ça atual.
A graça santificante eleva-nos a um gênero de vida
superior à condição das coisas criadas; assimila-nos à
santidade divina; tem por efeito imediato unir-nos ao
nosso último fim e fazer-nos participantes dos seus bens
e beatitude. Julguemos daí a sua ·excelência. Mas essa ex­
celência reflete-se sobre a graça atual, que tem por fim

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consolidar e aperfeiçoar aquela e fazer-nos assim parti­
cipar mais largamente das grandezas, riquezas, felici­
dade e natureza do Ser infinito que é Deus. Não é ainda
tudo: a graça atual põe-nos em condição de produzir
atos meritórios; por pequena que seja, tem ela mais va­
lor do que todos os bens criados. Podemos a cada. ins­
tante, com o auxílio da boa vontade, adquirir aumento
da graça santificante e da graça atual e um acréscimo
da glória para a eternidade. Ora, o menor grau de graça
e de glória é tão precioso aos olhos da fé, que os san­
tos, parn obtê-lo, teriam padecido até ao dia do juizo
final. Poderosos motivos: 1 º para estarmos sempre aten­
tos aos desejos do Espírito Santo; 2º para nunca lhe
resistirmos, mesmo nas coisas menos importantes; 3º
para estarmos sempre dispostos a obedecer-lhe; 4º para
correspondermos sempre eficazmente às suas inspirações,
apesar da repugnância. dá. natureza.
Meu Deus, reconheço que, sem o vosso socorro, nada
posso fazer na ordem da salvação. Dai-me, pois, uma gran­
de desconfiança de mim mesmo, um cuidado constante
de recorrer a -vós e de colocar em vós toda a minha es­
perança. Concedei-me o espírito de vigilância, recolhi­
mento e docilidade, que me faça ver as vossas luzes, os
vossos atrativos, a vossa ação santificadora, e me ins­
pire a coragem de corresponder-lhe fielmente.

2º Diversos efeitos da graça a.toai


Dissemos que os dois grandes efeitos da graça atual
são: manter em nós a vida espiritual e possibilitar-nos
obras meritórias. Mas esses dois efeitos principais diver­
sificam-se em muitos outros e mostram-nos assim as
atenções delicadas do Senhor para conosco. O profeta­
rei chama a graça atual um olhar fa.voravel da parte de
Deus. "Senhor, exclama ele, olhai-me para me socorrer
(Sl 85, 16). Olhai-me segundo a muitidão das vossas
misericórdias" (Sl 68, 17).
Em outro lugar a graça atual é comparada ao vinho
e ao leite. "Vós todos que tendes sede, exclama o profeta

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Isaías, vinde e comprai, sem dinheiro e sem troca, o vi­
nho e o leite" (55, 1). O vinho significa a força ou a vir­
tude da graça que cura as almas, as anima ao bem, as
inebria de amor na oração e lhes inspira o devotamen­
to para com Deus e o próximo. O leite, diz santo Agos­
tinho, é a admiravel imagem da graça porque sai em
abundância do seio materno, que o dá ao filho não só
com liberalidade gratuita, mas ainda com ternura e ale­
gria. Assim o Senhor comunica-nos as suas graças, como
uma mãe aos seus filhos, com profusão que excede to­
das as precisões e com um amor sem esmorecimentos.
Cada gota do leite da graça é de um valor infinito, e
Deus no-la prodigaliza com caridade divina. Ainda mais,
ele no-la concede mesmo quando a rejeitamos como coi­
sa vil e sem valor. Oh! que generosidade incompreen­
sivel!
Enfim a graça é comparada ao orvalho (Is 45, 87);
desce do céu sem ruido e vai até ao fundo dos corações.
Diminuindo em nós os ardores da concupiscência, facili­
ta-nos o desabrochar das flores dos santos desejos, e a
madureza _das virtudes. Preparemo-nos a receber esse or­
valho divino, conservando-nos calmos, vigilantes, reco­
lhidos em toda parte; tornemo-lo fecundo por uma doci­
lidade e fidelidade perfeitas.
Assim será, meu Deus, se me inspirardes a resolução:
1º de recordar-me habitualmente da vossa presença ado­
ravel; 2 de mortificar os meus sentidos e paixões, afim
º

de guardar a paz interior e a disposição de obedecer-vos


sem reserva.

VII. DA LEMBRANÇA QUE DEVEMOS TER DE DEUS


PREPARAÇÃO. O meio de correspondermos fielmente
à graça é: 1º olhar-nos sempre em Deus; 2 considerar
º

nele o próximo e todos os acontecimentos. - Tomemos


por ramalhete espiritual o belo texto do apóstolo: "Em
Deus temos a vida, o movimento e 'o sér". ln ipso enlm
vivimus, movemur et sumus (At 17, 28).

176
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fº E; preciso nos _considerarmos só em Deus
A alma que quer pertencer .deveras a Deus, deve ha­
bituar-se a viver nele, como.na luz do dia que nos aclara,
como no ar que respiramos. Deus é de fato o sol e a at­
mosfera das nossas almas; quem se subtrair a seu influ­
xo vivificante, encontra a morte do pecado. O peixe, ti­
rado da água, desfalece e morre; assim tambem a alma
quando não procura em Deus o alimento e a força. Só
dele, como do primeiro princípio, nos vêm a vida da na­
tureza e a vida da graça. Não será, pois, justo e util pen­
sar nele e em seus benefícios?
Ainda mais, isso é uma necessidade para nós. Meça­
mos, se possivel, o abismo de ignorância, fraqueza e mi­
sérias, em que somos imersos fora de Deus, e compreen­
deremos quanto é indispensavel à nossa perseverança
conservar-nos unidos a ele e jamais o perder de vista.
Somos como marinheiros sempre expostos à tempestade
e ao naufrágio, sobre um mar agitado na escurii:lão da
noite. Que será de nós, se não invocarmos aquele que é
o único que nos pode socorrer contra nossos inimigos
invisiveis? Sem a sua doce lembrança, como haveremos
de reanimar nossa coragem, fortalecer nossa esperança
e reprimir a concupiscência que nos arrasta ao mal?
Não estudemos pois nossa fraqueza e corrução fora
da luz divina e do olhar da bondade de Deus, porque o
conhecimento das nossas misérias, sem a recordação da
sua misericórdia, lançar-nos-ia ao desespero. Unamos
sempre a confiança em Deus à humilde opinião de nós
mesmos; assim nos virá toda sorte de bens. Em vez de
ficarmos tão facilmente perturbados, agitados e desani­
mados, apoiar-nos-emos no Todo-poderoso, e por ele se­
remos invencíveis aos ataques dos nossos inimigos; nada
poderá então abalar-nos porque contamos com o poder
daquele no qual, s�gundo o apóstolo, temos a vida, o
movimento e o ser, segundo a natureza e a graça. ln ipso
enim vlvimus, movemur, et sumos.

I3ronchain II - 12 177
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Meu soberano Senhor, recordai-me sempre vossa doce
lembrança: 1 º ela me fará conhecer-vos e confiar em
vós; 2º ela me mostrará quanto dependo da vossa sabe­
doria, poder, santidade, para agir em tudo conforme à
vossa vontade, regra suprema de minha vida.

2º Ver Deus nas criaturas e nos acontecimentos


Não basta que alguem se contemple em Deus; é pre­
ciso ver nele tudo que existe. O próximo que, visto fora
de Deus, nos parece caprichoso, extravagante, cheio de
defeitos, torna-se-nos outro quando considerado no co­
ração do Pai celeste, que o suporta, lhe perdoa e, cerca
de cuidados; fica sendo para nós a imagem viva do Cria­
dor, resgatado com o sangue de Jesus, filho adotivo do
Pai celeste, predestinado à glória dos eleitos. Visto em
Deus, parece mudar de natureza e carater, /torna-se-nos
amavel apesar de seus poucos talentos e virtudes; olha­
mos para ele com respeito qual santuário do Senhor e
semelhança criada do Ser incriado.
O mesmo se dá com os acontecimentos da vida. Enca­
rados em si mesmos e segundo _as nossas idéias, são-nos
desagradaveis quando contrariam a nossa vontade; mas,
considerados em Deus que os ordena ou dirige, levam
o cunho da sua sabedoria e bondade; e nesse caso, por
que criticá-los? Que somos nós para resistir ao Todo­
poderoso? Não tem ele o direito de punir-nos ou provar­
nos? E não é melhor sofrer nesta vida as incisões salu­
tares da sua misericórdia do que, na outra, cair sob os
golpes da sua justiça? Todas as contrariedades, aceitas
sob esse ponto de vista, perdem o seu amargor. Para
quem está assim decidido a sofrer, diz santa Teresa, já
não há pena. O que nos faz sofrer é sobretudo a nossa
repugnâncía em aceitar a aflição. Destruamos, com a
resignação, essa repugnância, e sentir-nos-emos logo ali­
viados. Tomemos pois a resolução de aceitar as cruzes
leves, com um coração bastante grande para sofrer o
martírio. Essa disposição gen_erosa mitigará todos os

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nossos fardos e cortará a ponta dos espinhos e cardos
disseminados no caminho da nossa miseravel vida.
Meu Deus e meu Pai, na medida que a vossa lembrança
se apaga em minha alma, sinto-me levado ao desconten­
tamento e à murmuração. Pelos méritos de Jesus e Ma­
ria, dominai os meus afetos e desejos; sede senhor de
minha imaginação, enchei a minha memória da lembrança
dos vossos benefícios, e a minha inteligência da luz be­
néfica da vossa presença. Assim me será mais facil: 1"
suportar os defeitos alheios e 2 º ter paciên_cia nas con­
tradições, enfermidades e enfadas.

VIII. A VIRTUDE SõLIDA


PREPARAÇÃO. Lembrar-se frequentemente do Se­
nhor é sem dúvida excelente meio para a união com Deus;
o mais eficaz, porém, de todos é trabalhar para adquirir
a perfeição verdadeira. Meditemos pois: 1º em que ela
consiste; 2º como adquirí-la. Tomaremos depois a resolu­
ção de exercer-nos na abnegação recomendada por Je­
sus. "Se alguem quiser vir após mim, abnegue-se a si
próprio e siga-me. Si quis vult post me ,•entre abneget
semetlpsum et sequatur me" (Lc 9, 23).
1" Em que consiste a sólida virtude
"A virtude sólida, diz um grande santo, consiste em
renunciar às satisfações dos sentidos, em afastar-nos do
mal, em praticar o bem, e em imitar o apóstolo que ser­
via a Deus em vigílias, jejuns e trabalhos". Dizem que
a saude é sólida quando resiste às fadigas, às intempé­
ries do ar e das estações. Assim· tambem com a virtude
duma alma. Se uma dificuldade a abate, se a mais leve
tentação a tortura, não é santidade verdadeira, mas só
sombra ou aparência.
Pode-se ter belos conceitos de Deus, ser animado de
bons sentimentos, saborear delícias de devoção, derra­
mar abundantes lágrimas na oração e ná comunhão, sem,
todavia, possuir a firmeza e a constância necessárias à
virtude sólida. Esta tem sua fonte mais nas -convicções

12• 179
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do que nos sentimentos; não se muda quando tudo se
muda ao redor dela. Crendo hoje o que cria ontem, per­
maneceu fiel ao dever, apesar dos obstáculos; mostra-se
a mesma sobre o cadafalso como na cela, sem variação
nem desfalecimento. Essa é a verdadeira piedade que
nos une a Deus.
Tem sido sempre essa a vossa compreensão prática a
respeito dela? Sois modesto, recolhido, quando nada atrai
a vossa curiosidade; caridoso com os que vos agradam;
obediente, q1:1anqo tudo se molda ao vosso natural, aos
vossos desejos e vontades; mas sois igualmente docil,
complacente, submisso a Deus quando vossas paixões vos
inspiram o contrário? Orais com ardor quando sentís
gosto na oração; mas não negligenciais a leitura, a me­
ditação, o exame quando vos causam tédio?
Será isso servir a Jesus com coragem generosa? Se
amais unicamente os que vos amam, diz ele, que recom­
pensa mereceis? os publicanos fazem outro tanto. Se
saudais somente os vossos irmãos, em que vos avanta­
jais aos pagãos? (Mt 5, 46)·. Se quiserdes o belo título
de servos de Deus "amai os vossos inimigos, fazei bem
aos que vos odeiam; orai pelos que vos perseguem e ca­
luniam". Assim fazendo dareis prova de virtude verda­
deira.
Meu Deus, até agora, tenho tido só a aparência e o
começo da piedade, mas não a realidade e a perfeição
possuídas pelos santos. Dignai-vos pois me aclarar, pu­
rificar, fortalecer e transformar, e fazer o meu coração
e o deles como o de Jesus crucificado, nosso modelo.

2º Como se adquire a virtude sólida


Toma o caminho da verdadeira perfeição, diz santo
Afonso, quem se aplica ao desprezo de si próprio, à mor­
tificação das suas inclinações e à conformidade em to­
das as coisas com a vontade de Deus.
Para chegarmos ao desprezo sincero de nós mesmos,
temos de estudar os defeitos da nossa natureza decaí­
da, sua incapacidade para o bem, sua tendêncla para o

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mal; considerar a malícia e a fealdade dos nossos pe­
cados e dos que podemos cometer sem a graça; conhe­
cer a nossa fragilidade, inconstância e miséria sempre
renascente apesar de tantos meios e socorros. Esse exa­
me reiterado, cada dia, inspirar-nos-á humildes senti­
mentos de nós mesmos.
Daí virá o desejo de reformar a nossa má natureza, de
combatê-la sem tréguas em seus desvios, tendências e
instintos pecaminosos; de reformá-la segundo o modelo
que nos foi dado em Jesus Cristo. A vida do Salvador
foi um sacrifício contínuo. Depois de ter imolado tudo,
entregou-se a nós na Eucaristia, mostrando-nos assim
a necessidade de sacrificar-lhe tudo se quisermos per­
tencer-lhe sem reserva e para sempre. Feito nossa víti­
ma perpétua nos tabernáculos, tem ele o direito de exi­
gir de nós, em retorno, uma contínua renúncia.
Dessa forma a nossa vontade ficará como que iden- ·
tificada com a sua, e nisso consiste a perfeição verda­
deira. Esta nos move a cumprir o que Deus deseja e pode
desejar de nós; inclina-nos a aceitar todas as penas que
a Providência nos destina. Uma tal disposição propor­
ciona-nos, a um tempo, o mérito das virtudes, cuja prá­
tica almejamos, e o mérito das provações que estamos
dispostos a aceitar.
E', ·pois, de vantagem que nos proponhamos: 1° obede­
cer ao Senhor em todas as nossas ações: por isso, me­
ditar, orar, trabalhar, tomar as refeições, repousar, com
:1 única intenção de glorificar e contentar o soberano
Bem; 2º suportar com coragem as contrariedades de cada
dia, decididos, ao mesmo tempo, a aceitar os maiores so­
frimentos, se esta for a vontade de Deus.
Jesus e Maria, baní do meu coração os vãos temores
e os desejos inuteis que me impedem de abandonar-me
à vossa vontade. Inspirai-me a lembrança habitual das
vossas dores, a qual me fortifique a coragem, confirme
a esperança e me faça praticar a obediência e a resigna­
ção, virtudes essas necessárias ao meu progresso e à mi­
nha perseverança no bem,

lSl
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IX. JESUS E MARIA
PREPARAÇÃO. Santa Isabel, na saudação angélica,
afirma que Jesus e Maria reunem em si todas as ben­
çãos divinas e humanas. Motivo poderoso: 1º de estimar­
mos e amarmos neste mundo unicamente o Salvador e
sua divina Mãe; 2º de os servirmos e imitarmos com
todo o fervor de que somos capazes. Proponhamo-nos in­
vocar a miudo Jesus e Maria, que possuem todos os bens
da graça. Benedicta. tu in mulieribus et benedictus fru­
ctus ventris tui, Jesus.

1 º Devemos estimar e a.mar Jesus e Maria


Percorrei a história, remontai aos mais afastado:;i sé­
culos, chamai à lembrança os nomes mais célebres, os
gênios mais encomiados, sempre encontrareis indivíduos
da espécie humana, manchados de qualquer vício ou de­
feito. Nem._ os maiores santos do cristianismo ficaram li­
vres de imperfeições. E não admira, porque todos con­
trairam a mancha e sofreram as consequências do pe­
cado original.
Isto, porém, não se deu com Jesus e Maria; entre to­
dos os filhos de Adão foram os únicos concebidos na san­
tidade, Jesus como Deus e Maria como Mãe de Deus;
por isso são em tudo irrepreensíveis e perfeitos aos olhos
do Criador. Imagem consubstancial do Pai e espelho
eterno da sua bondade, Jesus possue todas as riquezas
da natureza, da graça e da glória. Imitadora fiel de se.u
amavel Filho, Maria excede em santidade todos os san­
tos e todos os eleitos reunidos. Procurai, pois, no céu e
na terra, outro objeto mais digno de nosso espírito e de
nosso coração.
, Bem-aventurado José, que tivestes o privilégio de guar­
dar e contemplar em Nazaré, durante tantos anos, esses
dois preciosos tesouros! dizei-nos os sentimentos de ad­
miração e amor que vos animavam então. Todos os vos­
sos pensamentos, desejos e afetos concentravam-se em
Jesus e Mªria; a vossa alma liquefazia-se em sua pre-

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sença e tomava em tudo a forma de sua amabilíssima
santidade.
Ah! quem nos dará as luzes e as graças desse glorio­
so patriarca, para conhecermos e amarmos sem partilha
o Redentor e sua divina Mãe? Ao menos, a exemplo dos
santos, meditemos suas grandezas e suas virtudes. San­
to Afonso fazia-o dia e noite, e falava deles com tocante
ternura. São Felipe Neri chamava Jesus "o seu amor" e
a Maria "as suas delícias". E nós, tão facilmente arre­
batados pelas belezas da criação, não o seríamos pelas
duas maravilhas de Deus: Jesus, a beleza incarnada, e
Maria, a Virgem imaculada, a mais perfeita cópia de seu
amavel Filho?
Senhor, criastes-me para amar o que é grande, no­
bre e santo; atraí-me pois inteiramente a vós e às duas
obras primas de vosso poder, sabedoria e bondade. Para
esse fim, fazei-me conhecer os numerosos motivos que
me impelem a unir-me ao meu Redenfor e à sua terna
Mãe, que é tambem a minha. Proponho-me invocar mui­
tas vezes os seus sagrados nomes - fazer-me deles uma
armadura nos combates, um remédio nas minhas cha­
gas, um Qálsamo de conforto nas minhas. penas, um pre­
servativo contra todos os males desta vida.

2" Devemos servir e imitar Jesus e Maria


Nada é tão amavel no céu e na terra, nada reclama
tanto o nosso devotamento como o Redentor·- e sua santa
Mãe. Cabeça e modelo dos predestinados, Jesus merece,
em todos os sentidos, o nosso respeito, obediência e sub­
missão sem reserva.. O nosso dever é copiá-lo em nossas
intenções, em nossos sentimentos, em toda a nossa vida.
E essa Virgem sem mácula, essa Mãe do Salvador e nos­
sa, a mais perfeita imitadora de seu Filho, não é, depois
de Jesus, a mais digna das nossas homenagens e da nos­
sa devoção?
A alma de Jesus vivia recolhida, abismada em Deus;
todos os seus pensamentos e desejos concentravam-se no
Pa.i çele�te, cuja vçmtaqe e cuja glória eram o seu único

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anelo. Fiel em seguir em tudo o divino modelo, Maria ti­
nha as mesmas disposições que nutria por meio da oração
e de um ardente amor. O Filho e a Mãe eram como dois
espelhos que se refletiam mutuamente; Maria, recebendo
de Jesus, como de sua fonte, todas as graças e Jesus en­
contrando em sua Mãe todas as virtudes aprendidas dele.
Quão felizes e santos seríamos, se nossa única ambição
sobre a terra fosse servir a Jesus e a Maria, e ser como
eles. Vemos tantos que se esgotam ao serviço dos reis e
dos grandes do mundo pelo desejo duma recompensa efê­
mera; tantos que procuram imitar os homens célebres
para participar da sua fama. Seríamos nós menos ardo­
rosos no serviço do Rei e da Rainha dos anjos, que nos
prometem um reino eterno em troca da nossa obediên­
cia aos seus preceitos e da nossa fidelidade? Seríamos
menos desejosos de imitá�los para . participarmos da sua
glória e felicidade? E que socorros nos prometem eles
se nos resolvermos a seguir as suas pegadas!
O' santo patriarca de Nazaré, fiel imitador de Jesus e
Maria! ped.í ao Senhor me conceda o vosso espírito de
fé, recolhimento e oração, afim de me unir estreitamen­
te ao meu Salvador e à sua divina Mãe. Estou resol­
vido: 1 º a contemplá-los muitas vezes nos mistérios do
Rosário, recitando frequentemente o terço; 2 º de pedir­
lhes com instância o dom precioso do seu amor, que en­
cerra todos os bens e nos faz praticar todas as virtudes.

N. B. Se o número destas meditações suplementares não


basta para atingir o dia 1 º de julho, é preciso recorrer. às do
primeiro tomo, escolhendo entre as últimas até encher as la­
cunas (Vede tomo 1 ° , Meditações .suplementares). - Entre­
tanto não se deve perder de vista as meditações destinadas
a certas festas do' mês de junho. (Vide tomo 2 ° , índice da!!
matérias. Meditações para as testas. Mê!ll ele Junho),

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M:tS DE JULHO

(Virtude especial a exercer: a obediência)

1 DE JULHO.
O PRECIOStSSIMO SANGUE DE JESUS

PREPARAÇÃO. A Igreja liga tanta importância ·à de­


voção do preciosíssimo sangue, que no-la recorda duas
vezes ao ano. Meditaremos amanhã: 1° por que Jesus
derramou seu sangue; 2 º como nos aplica os seus frutos.
Consagraremos d_epois os corações ao Coração daquele
que os resgatou a tão alto preço, para reinar sobre eles
e possuir todos os seus afetos. Redemisti nos, Domine,
in sa.nguine tuo, et fecisti nos Deo nostro . regnum
(Apoc 5, 9, 10).

1º Por que Jesus derramou seu sangue


Caídos na escravidão de Lúcifer, tornámo-nos escra­
vos dos demônios. O Verbo eterno, que nos queria para
si, tomou um coração como o nosso, cração que pudesse
fornecer às suas veias sagradas o sangue com que nos
queria resgatar. Não operou a nossa Redenção a peso
de ouro e prata, diz o príncipe dos apóstolos, mas pelo
preço do seu sangue que é de valor infinito. Todas as
criaturas juntas são incapazes de pagar o que os nossos
corações custaram; motivo para nós de conservá-los para
aquele que, não contente de havê-los criado, os recon­
quistou após a queda, de modo que nenhum outro os pu­
desse possuir sem justiça.
Mas esses corações eram disformes, miseraveis, pro­
fundamente manchados. Um dilúvio de sangue humano
não poderia purificá-los nem torná-los agradaveis aos
olhos do Pai celeste. Que fez o bondoso Senhor? Não
se contentou de derramar por nós lágrimas, aliás pre­
ciosíssimas, que teriam bastado para santificar uma in­
finidade de mundos; o seu amor foi ainda ma,is longe:
_preparou-nos um banho de sangue. O' bondade prodigiosa

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e inefavel! quem o creria, se o próprio Espírito Santo
não no-lo tivesse afirmado! Rcdemlsti nos, Domine, ln
sangulne too. Sanguis Jesu Christl emundat nos ah ornni
peccato (1 Jo 1, 7).
Pelo mérito do seu sangue, Jesus nos dotou do dom
inestimavel da graça habitual, ornou de virtudes as nos­
sas almas e fez delas santuários interiores mais ricos do
que os palácios dos reis. Tornados assim filhos do Al­
tíssimo, nada temos a invejar aos anjos, a não ser talvez
o seu insigne privilégio de pertencerem a Deus sem temor
de perdê-lo jamais. Jesus tambem a isso remediou: seu
sangue abre-nos o céu, onde esperamos· ter um dia a sua
possessão e o seu reino sem fim. Et fecisti nos Deo noR­
tro regnum.
O' inestimavel caridade de Jesus, o que vos retribuirei
por tantos benefícios? Agradecer-vos e amar-vos é para
mim um dever não só de reconhecimento, mas tambem
de justiça, já que meu coração é propriedade vossa; Vós
o resgatastes, purificastes, santificastes e destinastes a
possuir-vos eternamente; é vosso, pois; é coisa vossa;
como vo-lo poderia disputar voltando-o para a criatura?
De hoje em diante quero recolher-me e orar sempre,
afim de me conservar puro de toda falta e livre de todo
afeto que não for só para vós.

2º l\lelos de aplicar-nos o sangue de Jesus


Nas igrejas renova-se diariamente a imol�ão de um
Deus. O seu sangue, que correu no Calvário, continua,
sobre os nossos altares, a pagar o nosso resgate. Qual
rio benfazejo que sai a flux da santa missa, difunde-se
pelo canal dos Sacramentos, em todos os corações bem
dispostos, levando às extremidades do mundo a força,
a esperança e a vida.
Mormente dois sacramentos operam em nós frequen­
temente esses preciosos efeitos: a Penitência e a Eucaris­
tia. O primeiro, qual novo batismo, restitu.e-nos, depois d()

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pecado, a graça perdida, a alvura da inocência e a be­
nevolência do Pai celeste. Por tres palavras do sacerdo­
te, de inimigos de Deus tornamo-nos seus servos, amigos
e filhos; passamos do estado de pecado e de reprovação
para a amizade de Deus e a predestinação eterna. Inu­
meraveis bens produz esse sacramento tambem nas al­
mas manchadas só de culpas veniais. Não somente as
purifica, mas dá-lhes a força de não recair, e aumenta­
lhes as graças, as virtudes, os dons sobrenaturais rece­
bidos no batismo. Por isso é importante que ·a ele nos
preparemos com cuidado.
Bem mais maravilhoso ainda é o sacramento da Euca­
ristia, no qual não nos são dados apenas os méritos do
Salvador, mas o seu próprio sangue, como o seu corpo
e sagrada pessoa. Sempre que comungamos, imaginemos
colocar os nossos lábios nas adoraveis chagas dos pés,
das mãos e do lado do Salvador, e bebamos a lar­
gos tragos o sangue que nos resgatou.
O' banquete inefavel, cinde o justo se abebera na fonte
da vida! Eu quisera, Senhor, receber-vos com a fé e a
pureza dos santos; com o respeito, humildade, confian-
ça e amor que vos testemunhavam um são Luiz de Gon­
zaga, um são Felipe Neri, um santo Afonso e tantas ou­
tras almas esclarecidas de vossas luzes e abrasadas do
fogo da vossa caridade. Perdoai minha frieza e indife­
rença para convosco. Inspirai-me a resolução: 1° de as­
sistir ao santo sacrifício recordando-me das vossas dores
e de vosso amor; 2º de preparar-me para a confissão
sacramental e receber a absolvição colocando-me ao pé
da vossa cruz para melhor participar dos méritos do
vosso sangue; 3º de comungar com desejo ardente de
unir-me a vós e de viver desprendido de tudo que me
não vem da vossa graça e da vossa santíssima vonta­
de. Redemisti nos, Domine, ln sangulne too, et fecisti
nos Deo nostro regnum,

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PRIMEIRA SEXTA-FEIRA.
OBEDIÊNCIA DO SAGRADO CORAÇÃO
PREPARAÇÃO. "Encontrei, diz o eterno, um homem
segundo o meu coração, o qual cumprirá todas as minhas
vontades". Essas palavras, ditas por Daví, aplicam-se·
perfeitamente ao Homem-Deus. Ele procura unicamente
a obediência: 1º durante sua vida mortal; 2º na sua vida
eucarística. A seu exemplo sejamos doceis às ordens dos
nossos superiores, condescendentes para com o próximo
e fiéis em obedecer às inspirações divinas. Inveni virum
secundum cor meum, qui faciet omnes voluntates meas
(At 13, 22).

1º Obediência do sagrado Coração


dura.nte sua vida morta.!
"Descí do céu, dizia Jesus, não para fazer a minha
vontade, mas a daquele que me enviou" (Jo 6, 38). Fiel
à sua missão, Jesus não contradiz em nada os desejos
do Pai celeste, muito embora manifestados pelos escribas
e pelos fariseus (Mt 23, 2-3). Em Belém, no Egito e
Nazaré não tinha vontade própria, entregando-se sem
reserva à vontade de Maria e José, que não encontra­
ram nele nem sombra de resistência. O Evangelho resu­
miu os seus primeiros trinta anos de vida nas admiraveis
palavras: "Era-lhes submisso. Erat subditus illis" (Lc
2, · 51). Assim quis ele curar-n9s da febre de liberdade
que nos atormenta sem cessar, e conceder ao nosso co­
ração indocil a sede de dependência, que consumia seu
coração divino e que é necessária à restauração das nos­
sas almas.
Em suas pregações Jesus declara que não veio para
ser servido, ma_s para servir aos outros, mesmo a custa
do seu repouso, da sua honra e da sua vida (Mt 20, 28).
Embora devorado de zelo indizível pela salvação das al­
mas, prega somente na Judéia, e por que? Enviado por
seu Pai somente· às ovelhas de Israel, não quer afas­
tar-se em nada das sua:;; divipas intençõ{)S,

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"Parã que o inundo sa1ba, disse i.lrn dia, que o amor
Q meu Pai me leva a executar o que me ordenou, levan­
tai-vos e saiamos" (Jo 14, 31). Para onde ir? à glória, ao
prazer? não, mas aonde a obediência o chamava, isto é,
à ignomínia, ao sofrimento e à morte. Não hesita: deixa­
se atar, arrastar, levar de tribunal a tribunal, sem resis­
tência. Submisso aos juízes, aos perseguidores, aos pró­
prios carrascos, oferece o rosto aos escarros, as faces às
bofetadas, suas costas à flagelação, sua sagrada cabeça
à coroa de espinhos. O seu sagrado Coração não cessa
de repetir: "Meu Pai, não se faça a minha vontade, mas a
vossa". Nessas disposições sobe ao _ Calvário, deixa-se
desnudar, crucificar e erguer na cruz; e sua última pala­
vra é um grito de abandono à vontade de seu Pai celeste.
Jesus, quem nos dirá qual foi a vossa obediência e
qual é a nossa? Um só ato dessa virtude pode elevar-nos
à mais alta perfeição. Dai-me, pois, a graça de obede­
cer de hoje em diante a todos os vossos representantes
sem raciocinar, sem replicar e sem me queixar, mas com
a prontidão, simplicidade e coragem, de que me destes
o exemplo até ao derradeiro suspiro.

2" Obediência do sagrado Coração na Eucaristia


O amor de Jesus à obediência parece ainda tê-lo cons­
trangido a instituir o sacramento do altar, afim de poder
nele continuai· a obedecer. Sim, mesmo depois da sua
morte e ressurreição, sente delícias em entregar-se in­
teiramente à vontade alheia. "Ele, o Rei do céu, diz san­
to Afonso, desce à terra, à voz do homem, deixa-se colo­
car onde o colocam, seja exposto no ostensório, seja en­
cerrado no cibório. Deixa-se levar aonde o quiserem le­
var, pelas ruas e nas ç:asas; deixa-se dar na comunhão
a quem o quiser, ao justo e ao pecador. Obedece a tantas
criaturas quantos são os padres, e isso até à consumação
dos séculos. Leva sua submissão ao ponto de se entre­
gar à vontade dos sacerdotes que esquecem os seus de­
veres. Que digo! Deixa-se arremessar a lugares imundos

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pelos ímpios e sacrílegos! O' prodígio de sujeição dum
Deus!"
"Diante disso, que há de extraordinário, exclama a
Imitação, se vós, pó e nada, vos submeteis ao homem por
amor a Deus, quando o Todo-poderoso, que tirou do nada
todas as coisas, se sujeita humildemente a todas as cria­
turas! Aprende pois a obedecer, vil pó da terra! Apren­
de a romper a tua vontade e a não fugir da dependência".
De manhã, ao toque de levantar, dizer: "eis o chama­
mento do grande Rei!" e obedecei prontamente. Procedei
tambem assim, sempre que conhecerdes as intenções dos
vossos superiores. Tende horror em preferir vossa von­
tade cega e depravada à do Senhor, sábia e santa.
Jesus, divino modelo de obediência, fazei-me compreen­
der que eu, vil escravo, devo• submeter-me a vossos re­
presentantes na terra, já que vós, a grandeza infinita,
obedeceis às vossas criaturas em nossas igrejas. Pela
intercessão da divina Mãe inspirai-me a prática: l" de
ver sempre a vossa sagrada pessoa nos que me gover­
nam em vosso nome; 2º de. obedecer-lhes pronta, exata
e generosamente mesmo nas coisas mais contrárias às
minhas idéias e inclinações.

1 DE JULHO (bis).
O HOMEM DEVE DEPENDER DE DEUS
PREPARAÇÃO. Antes de meditarmos a obediência,
virtude especial a praticar durante este mês, vejamos-lhe
os primeiros princípios: 1 º Devemos obedecer a Deus;
2º E' inutil e nocivo resistir-lhe. Como fruto desta medi­
tação faremos muitos atos de submissão completa ao do­
mínio do Altíssimo sobre nós, dizendo-lhe: "Senhor, dis­
ponde de mim como vos aprouver: Non mea voluntas,
sed tua fiat" (Lc 22, 42).

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1 º Devemos obedecer a Deus
Já que Deus tudo criou tanto na ordem da natureza
como na ordem da graça, nada nestas duas ordens pode
subsistir sem ele, consequentemente nada pode subtrair­
se ao seu impêrio. Ele governa os seres irracionais por
leis físicas; poderia governar-nos do mesmo modo, ou
forçar-nos a obedecer-lhe. Mas, para a nossa dignidade
e mérito, criou-nos livres e dá-nos preceitos, obrigando­
nos a submeter-nos a eles não por coação, mas por de­
ver. E como a grandeza do homem, segundo santo To­
maz, está na proporção de sua dependência de Deus, o
Senhor que a si nos quer elevar pela união da nossa von­
tade à sua, manifesta-nos os seus desejos até nas minú­
cias de nossa vida.
A terra é uma, e contudo produz uma multidão de
plantas de toda espécie; assim a vontade divina, una
na sua essência, se diversifica segundo os nossos dife­
rentes deveres. Semelhante ao sol que nos envia cada
dia os seus raios sem número, ele multiplica as suas or­
dens em todo o universo, conduzindo os homens a seu
último fim, cada qual segundo o seu estado, vocação e
emprego. O' bondade divina que a esse ponto se digna
baixar até nós!
Mas como é que o Senhor nos faz conhecer os .seus
desígnios ou os meios de a · ele nos unirmos? Fá-lo por
suas leis, mandamentos e preceitos, pelos acontecimentos
independentes da nossa ação, por nossos legítimos su­
periores, por suas luzes e inspirações. Disposição admi­
ravel com nenhuma outra, digna de nosso contínuo res­
peito!
Entretanto, quantas vezes ousamos ligar-lhe pouca im­
portância, e mesmo a fazer-lhe oposição por queixas e
murmurações nas provações da vida! Quando recebemos
ordem contrária às nossas idéias, caprichos e gostos
manifestamos nossa repugnância e obedecemos de má
vontade. E' isso compreender os direitos do Criador e
'
seu domínio absoluto sobre todas as criaturas?

Hll
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Deus onipotente, mostrai-me a minha verdadeira gràri­
deza que consiste em unir a minha vontade à vossa em
todas as coisas. Fazei-me brando e docil, sempre sub­
misso à vossa vontade, pois que assim encontro o repou­
so do espírito, a verdadeira virtude, o mérito real e a
felicidade perene.

2º E' inutll e nocivo resistir a Deus


Em um reino, todas as dignidades curvam-se diante de
um príncipe; assim no universo todas as vontades de­
vem ceder e inclinar-se diante da vontade soberana do
Criador. Diz santo Anselmo: "Só ao rei compete cingir
a coroa; assim tambem só Deus possue o direito de ter
uma vontade que domine todas as outras".
Quando Deus quer absolutamente uma coisa, em vão
se lhe resiste. Jonas fugiu para não ir a Nínive; que lu­
crou com isso? um acréscimo de penas, sem escapar à
obrigação de executar a ordem divina. Durante tres sé­
culos os imperadores pagãos, usando todo o seu poder,
procuraram impedir o estabelecimento da Igreja. Mas
Deus, que a queria sobre a terra, mofou de seus esforços
e a Igreja triunfou, como triunfa ainda todos os dias
porque o Senhor quer mantê-la até ao fim dos séculos.
"Rei onipotente, dir-vos-ei com a Escritura, todo o uni­
verso está sob o vosso império e não há nada que pos­
sa resistir à vossa vontade (Est 13, 8).
Não é somente inutil querer opor�se a Deus, mas tam­
bem nocivo à nossa paz e felicidade. Procurais, contra
a vontade divina, fugir de tal trabalho ou enfermidade,
e vos desembaraçais de tal emprego, esperando encontrar
o contentamento no cumprimento de vossos desejos, po­
rém' "quem jamais encontrou paz resistindo a Deus?"
pergunta o Espírito Santo (Jó 9, 4). Os nossos desejos,
uma vez satisfeitos, geram outros ainda mais tirânicos,
e sabei que, em punição das vossas infidelidades e ca­
prichos, sereis presa das paixões do coração, que vos
tornarão profun?amente infelizes.

l92
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Ao contrário, como é doce e consolador, Senhor, se­
guir em tudo a vossa luz, confiando em vossa sabedoria
e bondade! Dai que eu experimente essa felicidade, con­
cedendo-me um coração submisso. Pelos méritos de Je­
sus e Maria, inspirai-me a resignação nas penas e fazei­
me docil para com os que me governam em vosso nome.
Tomo a resolução sincera: 1 º de nada desejar no mundo,
guardando inteira indiferença para o que a mim se refe­
re; 2º de me oferecer muitas vezes a vós, suplicando dis­
ponhais em mim segundo a vossa vontade. Que vossa
vontade sempre santa, perfeita e amavel seja doravante
o objeto de todos os meus afetos e pesquisas.

2 DE JULHO - FESTA DA VISITAÇÃO


PREPARAÇÃO. "Naqueles dias, diz são Lucas, Maria
se dirigiu apressadamente às montanhas, a uma cidade
de Judá" (1, 39). Meditemos neste mistério: l° o ofício
importante desempenhado pela Mãe de nossa salvação;
2º as lições de virtude que ela nos dá. Pediremos depois
à Dispenseira das graças que nos visite com seus bene­
fícios, como outrora a Isabel, Zacarias e João Batista.
Repleta est Spiritu Sancto Elisabeth.

1º Ofício importante exercido por Maria nesse mistério


Apenas incarnado, o Verbo divino, e desejando dis­
pensar aos homens os primeiros frutos da Redenção, ins­
pira à Virgem-Mãe visitar sua prima Isabel. Sempre fiel
e obediente, Maria parte incontinenti para a casa da
sua parenta; mas que acontece? Ã voz de Maria, Isabel
se enche do Espírito Santo e seu filho João Batista se
santifiça antes do nascimento. Mistério consolador! Isa­
bel representa a Igreja, e João Batista, os fiéis incarna­
dos em seu seio. A Igreja recebe o divino Paráclito por
intermédio de Maria; e os fiéis se santificam igualmen­
te. E' a Mãe de nossas almas que nas suas dores nos deu
à luz para a graça e a glória; que nos não poderia ol­
vidar depois das tocantes recomendações de seu Filho, e
que recebeu a missão de dispensar-nos as graças divinas.

Bronchaln II - 13 193
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O' verdade deliciosa! não me atrevo a apresentar-me
ao meu juiz, embora morto por mim, e não obstante te­
nho de falar-lhe, suplicar-lhe, receber seus favores. Ven­
do o meu embaraço, enviou-me sua Mãe; e, à.fim de que
ela me inspirasse mais confiança, fê-la tambem minha
Mãe e tornou-a minha nutriz para transmitir à minha
alma o alimento espiritual necessário à salvâção. Minha
terna mãe, que me amais com ternura e constância in­
vencíveis, sois a Dispenseira das graças que me santifi­
cam. Tu dispensatrix omnium gratiaram. Posso, pois,
dirigir-me a vós sem temor de ser rejeitado. O' exc_es­
so de misericórdia que me facilita a confiança e me as­
segura o paraisa !
O' Mãe de minha alma, todos os tesouros da Reden­
ção estão em vossas mãos; ouví o vosso coração para
no-los distribuir. "Fostes feliz porque crestes" disse-vos
Isabel; felizes de nós se crermos no poder da vossa me­
diação, nas riquezas das graças em vós depos_itadas, no
amor generoso que vos move a no-los prodigalizar. Ob­
tende-nos o espírito de oração, que nos faça sempre re­
correr a vós, de manhã, à tarde, antes e depois da cada
ação, em toda parte, em todos os momentos, em todas
as circunstâncias e mormente nos sofrimentos e nes com­
bates. Por esse recurso frequente à vossa maternal bon­
dade, prestamos homenagem ao desejo contínuo que
tendes de socorrer-nos, damos-vos ocasião de nos bene­
ficiardes constantemente. Cercai-nos, pois, daquela es­
pecial proteção, reservada aos filhos que se não cansam
de invocar-vos com confiança .e amor.

2º Lições de virtudes dadas por Maria no mistério


de hoje
Maria, no mistério deste dia, pratica eminentemente
a humildade e a caridade. Embora muito superior à sua
prima, antecipa-se em cumprimentá-la apesar da distân­
cia e dificuldade da viagem. E' a primeira a saudar e
responde às palavras elogiosas de Isabel com aquele ad-

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miravel cântico que, segundo os santos doutores, é o
hino inspirado, o cântico extático da sua humilda.de. Es­
quece-se completamente para glorificar somente a Deus
que nela operou maravilhas, e cujo nome é santo, e cuja
misericórdia se estende de geração em geração aos que o
temem. Maria demora-se tres mese.s na casa de Isabel,
não governando como lhe competia por sua posição e
dignidade, mas obedecendo. como a mais humilde serva.
Serva caridosa como nenhuma outra, com que ardor
não teria corrido em auxílio de todas as criaturas e de
que frutos de boas obras não tc"l'á sido assinalada a sua
estada no Hebron! Como outrora a arca levara a pros­
peridade à casa de Obededom, onde permaneceu tres me­
ses, assim a presença de Maria em casa de Isabel atraiu
sobre a feliz família as mais preciosas e abundantes gra­
ças. A caridade, diz santo Ambrósio, foi o princípio de
todos esses bens, porque foi ela que inspirou a divina
Mãe a visitar a residência de Zacarias para fazê-la par­
ticipante das primícias da Redenção.
Nós que somos a conquista bendita do Redentor e de
sua santíssima Mãe, hesitaríamos em seguir as suas.
pega.das? Eles inauguram no dia de hoje a sua missão,
dando-nos o exemplo da humildade e da caridade; e nós
continuaremos sempre soberbos, sem afeto, cheios de
amor. próprio e de desprezo do próximo? Julgamos re­
baixar-nos, quando prestamos serviços ou nos humilha­
mos, como se não fôra para nós glorioso imitar a Rainha
dos anjos e o Rei dos céus. Estudemos o nosso nada ab­
jeto, e ponhamos a nossa grandeza em fazer-nos os ser­
vos de todos, na intenção de agradar a Deus.
Maria, Mãe da minha salvação, fazei-me compreender
quão digno é de uma alma resgatada prestar serviços ao
Redentor na pessoa do próximo. Os andrajos do pobre,
os defeitos do próximo não os impedem de ser os san­
tuários das tres divinas Pessoas. Inspirai-me, pois, o
desejo de fazer bem a todos sem alarde e sem egoisPno,
afim de que a humildade seja em mim a guarda da ca­
ridade.

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3 DE JULHO.·
OBRIGAÇÃO DE SUBMETER-SE A DEUS

PREPARAÇÃO. Já que o apego à nossa liberdade nos


torna tão dificil a submissão à lei divina, meditaremos
1º quão justo e equitativo é submeter-nos ao Senhor; 2º
quão sábia e razoavel é essa submissão. Concluiremos
pelo propósito sincero de jamais perdermos de vista
a ação da Providência, mas de a respeitarmos em todas
as minúcias da nossa vida. Bona et mala, vlta et mors,
paupertas et honestas a Deo sunt (Ecli 11, 14).

1º E' justo submeter-se a Deus


O escultor é dono da estátua talhada por seu cinzel;
o oleiro, do vaso formado por suas mãos; o pintor, do
quadro concebido por seu gênio e produzido por seu pin­
cel. Assim o Senhor é o dono do nosso corpo, da nossa
alma, da nossa vida. Tendo-nos dado tudo, tem o direito
de no-lo retomar. Ainda mais, o seu domínio sobre nós
ultrapassa in�initamente o do escultor, do oleiro e do
pintor sobre as obras das suas mãos; porque estes dão
ao objeto somente a forma, ao passo que a palavra do
Onipotente produziu, além da forma, a matéria de tudo
quanto existe.
O Criador tem, pois, sobre nós um poder soberano, isto
é, que precede e domina todos os outros, sem excetuar o
dos nossos pais; um poder essencial ou necessário, pois
que só ele tem o poder de criar. Outrossim, o seu impé­
rio sobre nós é absoluto, sem dependência de ninguem,
consequentemente sempre digno do nosso respeito e da
nossa irrestrita submissão.
Sendo ainda universal o seu domínio, possue direitos
sagrados sobre o nosso espírito, o nosso coração, os nos­
sos pensamentos, desejos, afetos, ações, sobre todos os
instantes da nossa vida. O seu poder sobre nós é, além
disso, irresistlvel, porque, a gosto ou contragosto, perma­
necemos sob o seu império, seja da sua bondade, seja

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da sua justiça, segundo o bem ou o mal de que formos
responsaveis. E como esse poder de Deus sobre nós é
ilimitado, seremos eterna.mente recompensados ou puni­
dos. A morte subtrai-nos ao arbítrio dos homens, mas
não apagará jamais os direitos de Deus sobre os eleitos
e os réprobos.
Soberano Senhor, reconheço vosso poder sem limites
sobre mim e o que me pertence, e submeto-me inteira­
mente ao vosso império. Estou, pois, resolvido: 1" a lu­
tar contra o meu orgulho, meu espírito de insubordina­
ção, contra o apego às minhas idéias, aos meus gostos
e vontades, mormente da prática da obediência; 2º a
viver sempre calmo, submisso e resignado, sem jamais
perder a calma no meio dos negócios, dos embaraços e
pE>nalidades· da vida. Aumentai cada dia a minha fé na
autoridade soberana, essencial, absoluta, universal, ir­
resistivel e eterna que . vos compete exercer sobre toda
a criação e em particular sobre o meu corpo e a minha
alma.
2º E' ra.zoa.vel submeter-se a Deus
A nossa vontade é cega e caprichosa: ela quer sem
razão e contra a razão, e teima em seus sentimentos;
age muitas vezes por instinto, por inclinação e, no caso
de seguir os verdadeiros princípios, é inconstante não
distinguindo claramente o seu verdadeiro bem. Bem di­
ferente é a vontade divina. que é a sabedoria personifi­
cada, eterna, infinita, onipotente, santa e amavel. Sol
das inteligências, Deus é a fonte de toda a luz, e fora
dele só há densas trevas. Omnis sapientia a bomino (Ecli
1, 1). Conhecendo o elo que une o passado ao presente
e ao futuro, com prudência e justeza ele combina os
acontecimentos, de modo a proporcionar-nos o nosso
maior bem. Por que então queixarmo-nos das disposições
da sua providência e hesitarmos em abandonar-nos à
sua bondade? Estimemos e amemos sempre a ação divi­
na sobre nós, porque nada é mais justo, mais bem regu­
lado, nem mais conforme à nossa salvação.

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São Francisco de Sales gravara profundamente. em
seu coração o respeito dessa verdade. Ninguem . jamais
o ouviu dizer: "Está fazendo calor ou frio demais" ou
quejandas expressões que lhe pareciam desaprovação do
governo da Providência. Uma serva de Deus, Maria Diaz,
queixou-se um dia, diante do santíssimo Sacramento, do
frio intenso que sofria num rigoroso inverno. "Como!
respondeu-lhe Jesus, fui eu quem fez isso e tu te quei­
xas?" Estas palavras recordam-nos as de Daví: "Calei­
me, Senhor, porque vós o fizestes", vós cujas obras são
irrepreensíveis. Obmutui, et non aperui os mcum, quo­
niam tu fecisti ( Sl 38, 10).
Tomemos o santo costume de submeter-nos sem dis­
cussão às disposições divinas em todos os acontecimen­
tos. Se um fio de cabelo não cai de nossa cabeça sem a
permissão divina, como ousaremos criticar, desaprovar
o que nos sucede, ou o que nos é. mandado contrariamente
às· nossas idéias, como se a sabedoria do Todo-poderoso
não estivesse em jogo nesses encontros? O que dizeis
contra alguma determinação ou decisão dos vossos su­
periores fere ao vivo o próprio Criador.
Adoravel Mestre, os Livros santos afirmam que nos­
sas murmurações contra os superiores legítimos se vol­
tam contra vós, fonte primeira de toda a autoridade. Pela
intercessão da Virgem sempre doei! e submissa, conce­
dei-me a vitória sobre as minhas repugnâncias em obede­
cer e resignar-me nas ocasiões difíceis. Nec contra nos·
est mnrmur yestrum, sed contra Dominum (Ex 16, 8) .

4 DE JULHO
DEVEMOS AMAR A VONTADE DIVINA
PREPARAÇÃO. Não basta submetermo-nos a Deus; é
preciso ainda que o façamos com amor. Por isso medita­
remos sobre a amabilidade da vontade divina: 1º em si
mesma; 2º em relação a nós. - Tiraremos daí a conclu-

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são prática de cumpri-la sempre com coragem, mesmo
quando contraria as nossas inclinações; ela merece de
fato ser preferida a todo o criado. Voluntas Dei hona, et
beneplacens, ct perfecta (Rom 12, 2).

l" A vontade divina. é amavel em si mesma


O nosso coração é naturalmente levado a amar o que
é bom, santo, puro e pel'feito. Ora, a vontade de Deus
reune em si todas as perfeições. Santidade por essência,
santificou os anjos, os santos, Maria, Rainha sua, tJ Je­
sus, seu Rei, pois que, segundo santo Afonso, a vontade
divina é o próprio Deus. Se, pois, não podemos deixar de
amar uma alma bela, inocente, sem mancha, a alma duma
criança adornada da graça, a alma de um jovem santo,
duma donzela pura, honrada sobre os altares, quanto
mais devemos amar a plenitude e a fonte de toda a san­
tidade, isto é, Deus ou a. sua vontade! Poderíamos acaso
prerider-nos ao raio sem subir ao foco? Não nos arreba­
taria a vontade de Deus, que fez os santos, q1iando já
estes nos encantam?
Amemos essa vontade sob todas as formas de que se
reveste para se apresentar a nós. Os acontecimentos e
os deveres de cada dia são como sombras em que ela se
Pnvolve ou as aparências sob as quais se oculta. Por que
não vermos esses acessórios sem indiferença, prendendo­
nos ao principal, à causa primária de tudo o que nos su­
cede ou é mandado? São Francisco de Sales diz : "Deve­
mos não as coisas que Deus quer, mas a sua vontade que
as quer!" Sempre resignado à vontade divina por um
amor cheio de confiança, esse santo doutor desempenhava
os seus trabalhos com espírito sempre igual, sem se per­
turbar, sem se precipitar, nem se inquietar pelo sucesso
nem se emocionar por qualquer acidente contrário.
Assim deveria ser o nosso modo de proceder. Apresen­
ta-se a nós a vontade divina sob a forma de cruzes, hu­
milhações, contrariedades ou privação? aceitemo-la sem
apreensão, mas com calma e mansidão. Amamos o Deus
do tabernáculo, pobre e abandonado em nossas igrejas

199
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e oculto sob as humildes espécies; por que então reJel­
taríamos a vontade divina ou o próprio Deus oferecendo­
se-nos sob aparências pouco favoraveis ao nosso orgu­
lho e ao nosso amor próprio?
Jesus, quantas vezes tenho preferido minhas inclina­
ções e caprichos à vossa vontade sábia, perfeita e amavel!
Arrependo-me e resolvo-me a obedecer-vos em tudo, e
submeter-me à vossa vontade, como os anjos e os santos
o fazem no céu. Fiat voluntas tua sicut in coelo et in
terra.
2º A vontade divina amavel para conosco
"Deus é caridade", escreve são João (1 Jo 1); é a "bon­
dade por essência", acrescenta são Leão; e, segundo a
expressão do apóstolo, é um fogo consumidor (Hb 12,
23), cujas centelhas ou vontades são benefícios para os
homens que as receberem com amor. E realmente, do co­
ração divino ou de sua vontade nos vêm todos os bens
naturais e sobrenaturais.
"Mas, dirá aiguem, como explicar as penas e as tribu­
lações da vida? são elas tambem benefícios?" Sim, nos
desígnios do Pai celeste são meios que convêm para a
nossa felicidade, santificando-nos, e nos conduzem à bea­
titude eterna. Não é tanto a adversidade que leva a q.es­
graça às almas, mas antes a sua vontade perversa opos­
ta à de Deus. Mesmo quando as cruzes, que sofremos,
parecem contrárias ao nosso bem espiritual, como as
tentações, desolações interiores, donde é que nos vem
o prejuízo? da provação? não, mas das más disposições
da nossa vontade. Querendo unicamente o que Deus quer,
tarnsformamos o mal em bem e o veneno em remédio.
Nessas condições nada nos pode prejudicar, nem a raiva
dos demônios, nem os projetos dos maus; menos ainda
as aflições permitidas pela Providência e as dificuldad�s
inerentes às ordens dos nossos superiores. Por que en­
tão lançar o odioso das nossas impaciências e desobediên­
cias sobre determinada pessoa, carater ou ordem rece­
bida? Não teríamos antes de exprobrar a nós mesmos

200
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o apego à nossas idéias e inclinações? O apóstolo diz:
"Para os que amam a Deus e sua santa vontade tudo
se converte em bens ou em meios de perfeição". Omnia
cooperantur in bonum (Rom 8, 28).
Se, pois, os acontecimentos vos contrariam, 08 defei­
tos do próximo vos tiram a paz e 08 trabalhos vos amar­
guram a vida, culpai disso a vossa vontade pouco flexí­
vel que se não identifica com a vontade santa e benfa­
zeja do Criador. O riacho é calmo quando segue a sinuo­
sidade das suas margens; mas, quando quer assoberbar
o rochedo que se lhe põe adiante, espuma, entumece, atrôa
e quebra-se. O mesmo se dá tambem com o vosso cora­
ção; enquanto não se curva à vontade divina, choca-se
com mil obstáculos, ficando muitas vezes ferido, confun­
dido, contristado, consternado e desanimado.
Meu Deus e meu Pai, que quereis sempre o meu maior
bem, dai-me a graça de pôr a minha felicidade no a�or
e no cumprimento perfeito de todos os vossos precei­
tos e na submissão à vossa providência paternal. Uno­
me a Jesus e Maria para conformar-me em tudo e sem­
pre à vo!fsa santa vontade.

5 DE JULHO - EXCEL:J!:NCIA DA OBEDil!:NCIA


PREPARAÇÃO. Sendo o mandamento a expresRão
certa da vontade divina, condição primária de toda per­
feição, segue-se que a obediência é duma excelência su­
perior: 1º em si mesma; 2 º em seus efeitos. -- Devemos,
pois, propôr-nos agir em tudo por obediência em união
com Jesus que disse: "Faço sempre o que agrada a meu
Pai". Qum placita sunt ei, facio semper (Jo 8, 29).

1" :Excelência da obediência em si mesma


Essa · excelência tem sua fonte na vontade divina, cujo
cumprimento é a obediência. Ora, a vontade divina, infi­
nitamente perfeita em si mesma, é a regra suprema de
todo o bem. As melhores práticas tornam-se defeituo­
sas afastando-se dela. Nada mais apreciavel, com efeito,

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do que a meditação, a missa, a comunhão e todos· os exer­
cícios de piedade; entretanto, quando praticados contra
a vontade de Deus ou contra a obediência não só perdem
o seu valor, mas tornam-se ainda ocasião de faltas dignas
de castigos.
Saul oforeceu a Deus um sacrifício que a lei proibia
aos. leigos. Ouví como Samuel o. repreendeu: "Rei, disse
ele, procedeste como um insensato; por isso o Senhor es­
colheu um outro rei, que execute a sua santa vontade"
(1 Rs 13, 14). E noutra ocasião em que o mesmo rei
Saul havia desobedecido, Deus mandou dizer-lhe: "Por­
ventura o Senhor quer holocaustos e vítimas é não quer
antes que se obedeça à sua voz? A obediência vale mais'
do que as vítimas; desobedecer é como um pecado de
magia; e não querer submeter-se é como um crime de
idolatria; porque, pois, tu rejeitaste a palavra do Senhor,
Deus te rejeitou a ti, para que não sejas rei" (1 Rs 15,
22). Assim falou Samuel sob a inspiração do Espírito
Santo.
A doutrina sagrada ensina-nos que o Senhor detesta
a desobediência; considera-a como homenagem prestada
ao demônio e à vontade própria, a expensas do culto
de adoração e submissão que lhe é devido. Ao contrário,
grande valor liga ele à obediência; prefere-a a todos os
holocaustos, por ser ela um sacrifício que sobrepuja o
da esmola, da penitência e da oração. Nestes damos ap�­
nas os nossos bens, o nosso corpo e as nosias obras;
mas pela obediência consagramos a Deus a nossa alma
e tudo o que é nosso, isto é, não só os frutos· da árvore,
mas a árvore com todos os seus frutos.
O' virtude sublime, que identüicas a nossa vontade vil
e abjeta com a vontade do Altíssimo! não quero mais
subtrair-me ao teu império! os teus pensamentos serão
os meus, os teus desejos os meus, e o meu livre arbítrio
não seguirá outra direção senão a tua, fonte da verda­
deira liberdade. Jesus, obediente até à morte da cruz,
penetrai-me do vosso espírito, espírito de humildade,
suômissão e dependência em todas as coisas.

202
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2º Excelência da obediência em seus eieitos
A Símtidade consiste na renúncia própria em segui­
mento de Jesus Cristo; na destruição dos nossos vícios
para o exercício das virtudes. Ora, ninguem melhor re­
nuncia a si próprio e às suas inclinações do que quando
combate a vontade própria, que é a fonte de todos os de­
feitos; ninguem segue melhor o �alvador na prática
das virtudes, do que quando obedece fielmente aos que
o dirigem em nome de Deus. "A obediência, dizia são
Felipe Neri, é o caminho mais curto para s_e chegar à
perfeição; os que em comunidade levam vida dirigida
por outrem, santificam-se mais depressa do que os que
de motu próprio praticam grandes macerações do corpo".
Todos os santos são unânimes nesses sentimentos.
A razão é simples: nenhuma virtude pode subsistir
fora da vontade divina, .que é a única regra da santida­
de; ora, o mandamento é a sua expressão mais certa e
fiel; por isso não podemos santificar-nos e_ unir-nos a
Deus de modo mais eficaz do que conformando-nos ein
tudo aos desejos e intenções dos nossos superiores. Per­
guntaram a são Basílio em que consiste o perfeito amor,
e ele respondeu: "Na união perfeita da nossa vontade
à de Deus pela obediência". Nada, pois, é melhor nem
mais importante para nós do que obedecer com perfei­
ção, mormente quanto à direção da nossa alma. Desper­
temos a miudo a nossa fé sobre essa verdade, e esteja­
mos sempre dispostos a executar prontamente todas as
vontades dos nossos superiores. Teremos assim o méri­
to de todas as virtudes, pois que estaremos sempre pron­
tos a praticá-las todas.
Meu Deus, renuncio desde já aos meus projetos, de­
sejos e apegos que não estiverem .de acordo com os vos­
sos desígnios a meu respeito. Baní do meu espírito os
pensamentos pouco conformes à perfeição da obediên­
cia, os sentimentos que obstarem à inteira submissão da
minha parte à vossa vontade. Pelos _ méritos de Jesus e
Maria, inspirai-me a resolução: 1° de ser sempre docil

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aos pareceres dos meus confessores, mormente nas per­
turbações da conciência, na luta contra mim mesmo - e
no exercício da vida interior; 2º de nunca me queixar
quando a autoridade legítima me priva de alguma satis­
fação, dalgum descanso, dalgum estudo predileto, tra­
balho preferido, para me impôr trabalhos contrários aos
meus gostos e inclinações. Qum placita sunt ei,-facio sem­
per.

6 DE JULHO --- O PODER DA OBEDI:1!:NCIA


PREP ARAÇAO. Para praticarmos essa virtude com
mais amor e confiança, meditaremos : 1 º o seu poder ir­
resistivel sobre o príncipe das trevas; 2 º as razões dessa
potência ilimitada. - Tomaremos a resolução sincera
de combater as tentações unindo-nos à vontade divina
pelos meios recomendados por nossos confessores e dire­
tores espirituais. Quoniarn non est nobis colluctatio ad­
vcrsus camem et sanguinem, sed adversos potestates
(Ef 6, 12).

1 • Poder da obediência sobre os demônios


Para lhe compreendermos a extensão, consideremos
quão temiveis são os espíritos das trevas que trabalham
na nossa perdição. D�sde o dia em que Satanaz se tor­
nou tres vezes homicida, causando-nos no paraiso terres­
tre a morte do corpo, a morte espiritual da alma, que
é o pecado, e a morte eterna que é o seu castigo, já não.
conhece tréguas a sua cólera contra nós. Invejoso por
ver-nos pela Redenção destinados a ocupar o seu lugar
no céu, não tem repouso. "Qual leão a rugir, diz são Pe­
dro, anda ao redor de nós procurando devorar-nos" (1
Ped 5). Não podendo vingar-se de Deus que o puniu,
exala o seu furor e volta os seus esforços contra as suas
imagens, que são as almas.
E muitas vantagens tem ele sobre a nossa fraca na­
tureza. Vendo-nos, sem ser visto, pode atacar-nos quando
menos o pensamos; independente da matéria e dos senti-

204
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dos, descobre mil meios de prejudicar-nos sem o saber­
mos. Tem ainda a seu lado o mundo, a carne e as pai­
xões, sem contar as legiões de espíritos infernais de que
dispõe para combater-nos. Em seu leito de morte, san­
to André Avelino, como relata santo Afonso, foi ataca­
do por dez mil demônios. Temiveis, pois, são os inimi­
gos da nossa salvação. Como poderemos vencê-los?
Por um só meio, a união da nossa fraqueza à onipo­
tência divina. Ora, essa união não se opera com tanta
certeza e eficácia, como pelo espírito da obediência. Essa
virtude, que tem para si a palavra de Deus, o ensino
da Igreja, a doutrina dos santos e a experiência dos sé­
culos, possue força maravilhosa que desconcerta e põe
em fuga todos os demônios. Os santos conseguiram por
ela assinalada� vitórias. A. seu· exemplo tenhamos o sa­
lutar costume de resistir aos ataques de Satanaz, empre­
gando, na Intenção de obedecer, os meios prescritos pelo
confessor para repelir as tentações e praticar as virtudes
contrárias.
Meu Deus, apoiado em vossa palavra, creio na impotên­
cia dos demônios quando em combate com almas que
sabem obedecer. Proponho-me: l ° não contar comigo e
não argumentar com as tentações do inferno; 2º orar
e combater então sob os auspícios e o estandarte da obe­
diência. Velut fillus Altissiml obediens (Ecli 4, 11).
2º Por que a obediência triunfa do Inferno
Por que é que a submissão da nossa vontade a Deus
e aos superiores é um meio tão poderoso para vencer
os demônios? Por tres motivos: 1º por essa virtude nós
exercemos a humildade de que são incapazes os príncipes
do orgulho, e à qual eles não podem resistir; 2º a sujei­
ção do nosso livre arbítrio, diz são Gregório, triunfa fa­
cilmente desses espíritos rebeldes, que estão sempre em
revolta contra Deus; 3 º a obediência, como dissemos, une
nossa fraca vontade à vontade do Todo-poderoso, e isso
nos torna fortes e invenciveis como o próprio Deus, con-

20G
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t.ra os inimigos. Volunta.ti enim ejus quis resistet (Rom
9, 19).
Mas, perguntará alguem, não é a oração um meio por
excelência de repelir os ataques do inferno? sim, con­
tanto que a prece reuna as condições sancionadas pela
autoridade divina, que 'nos foi transmitida pela Igreja
e pelos santos doutores. Daí são Gregório pôde dizer:
"As outras virtudes ajudam-nos a combater a Satanaz;
a obediência nos faz triunfar dele". São Paulo atribue
os efeitos da Redenção não às súplicas do Homem-Deus,
mas à suá obediência (Rom 5, 19). Alhures ele escre­
ve: "Quem combate na arena só será coroado se tiver
combatido legitimamente" (2 Tim 2, 5); isto significa:
segundo as regras prescritas, as leis estabelecidas, os
meios apresentad_os pela autoridade dos superiores, e em­
pregados fielmente em espírito de fé e submissão. Sem
estas condições não teremos nem vitória nem coroa.
Sondai o vosso coração: que fazeis da direção espiri­
tual? não a reduzís à simples absolvição dos vossos pe­
cados? São Pedro Claver, apóstolo dos pretos, prestava
diariamente a seus superiores conta exata das suas ora­
ções e penitências e dos menores movimentos da sua al­
ma; pedia-lhes o conduzissem e reformassem como jul­
gassem preciso. Ele grande mestre na vida espiritual,
não se cria seguro quando decidia por si mesmo; e vós,
tão atrasados, pretendeis dispensar um guia espiritual?
Jesus e Maria, modelos de obediência, fazei que eu en­
contre nos conselhos e decisões de meus superiores a
força que me falta: 1 º para. agir não por vontade pró­
pria, mas _na intenção de obedecer; 2º para. sofrer ou
suportar as penas diárias, não a contra gosto mas com
amor e alegria; 3 º para vencer todos os inimigos da mi­
nha alma, mormente os que me prendem às minhas idéias,
aos meus gostos particulares e me tornam escravos do
amor próprio, da concupiscência e do egoísmo.

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7 DE JULHO - DA VONTADE PRõPRIA
PREPARAÇÃO. O maior inimigo da obediência é a
vontade própria. Para dele triunfarmos, meditaremos:
1" o que ele é; 2 º o mal imenso que nos causa. "Afas­
tai-vos da vossa vontade", clama-nos o Espírito Santo
(Ecli 18, 30), isto é, renunciai-a em toda ocasião, mesmo
a respeito dos vossos iguáis, afim de melhor cumprir a
vontade de Deus que vos quer inteiramente. A volun­
tate tua avertere.

1 º A vontade própria em si mesma


Vontade própria é a que contraria a vontade divina.
"Não é a nossa vontade razoavel, diz são Bernardo, nem
a vontade alheia, mas unicamente a de nossa natureza
corrompida pelo pecado. Besta cruel, lobo voraz, leão ru­
gidor, continua o santo, com pérfida audácia atreve-se a
atacar .a majestade divina procurando suplantá-la e rei­
nar em seu lugar!"
E com efeito, de que não é capaz a nossa vontade de­
pravada? Presa de seus interesses e ávida de satisfa­
ções, é inconstante e voluvel, mudando-se da noite para
o dia. Teimosa em seus caprichos, quer às vezes sem moti­
vo e até contra o bom senso, obstinando-se quando contra­
ria.da. Sujeita ao jugo, deseja sacudi-lo e indeniza-se
com a maior licença e desvario. Quando enfrentada, con­
trista-se, queixa-se, impacienta-se e emprega todos os
meios para satisfazer-se. Ademais, leva em si todos os
instintos da fera e todas as malícias de Satanaz. Diz
santo Anselmo: "Como a vontade divina é o princípio
de todos os bens, a vontade do homem é a causa de to­
dos os males"; e santo Agostinho acrescenta: "Pela von­
tade própria os anjos prevaricadores tornaram-se demô­
nios"; e são Bernardo: "Se não houvesse· vontade pró­
pria, não haveria inferno". E, com efeito, sendo o peca­
do a primeira fonte dos males temporais e eternos, e
procedendo essa da vontade própria, deve ser considerada

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como causa única das desgraças da vida presente e da
futura.
Esses motivos são de molde: 1" a fazer-nos renunciar
às nossas repugnâncias e fantasias em oposição à von­
tade divina; 2º a abafar as nossas queixas nas contradi­
ções e contrariedades. Deveríamos antes agradecer aos
que nos afligem, porque nos prestam com isto insigne
serviço matando o mais cruel dos monstros, que é o nos­
so amor próprio.
Jesus, morto por obediência, destruí em mim o horror
instintivo do sofrimento e os desejos vãos de satisfazer­
me. Inspirai-me o amor da abnegação: fazei que ponha
a minha felicidade na renúncia aos meus gostos, às más
inclinações, e- à vontade própria para cumprir a vossa
em todas as coisas.

2º Males que nos acarretam a vontade própria


Haverá homens depois desta vida, como diz a Escri­
tura, que se atreverão a dizer ao soberano juiz: "Senhor,
jejuamos e fizemos penitência; humilhamo-nos diante de
vós, e não vos dignas!_es olhar para nós". Que respon­
derá o Salvador? "Nos dias dos vossos jejuns e boas
obras descobri a vossa vontade própria": esta corrom­
peu as vossas ações e tirou-lhes todo o valor. "Grande
nial é a vontade própria! exclama são Bernardo, faz-nos
perder todo o mérito e transforma nossas virtudes em
vícios".
Convencidos desta verdade, os santos procuravam co­
locar em suas obras o selo sagrado da obediência; san­
to Anselmo, santo Afonso, são Pedro Claver obedeciam
a seu inferiores por medo do veneno da vontade pró­
pria. Jesus, cujo livre arbítrio estava ao abrigo de toda
falha, quis antes submeter-se a suas criaturas, sem
cetuar os carrascos, do que mandar e fazer-se obedecer.
Diante disto não podemos ser tão ciosos da nossa liber­
dade. Exultamos quando nos dispensam de leis incômo­
das. Os verdadeiros servos de Deus, ao contrário, des-

208
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confiando sempre de si mesmo, não acham repouso neiri
segurança senão numa perfeita submissão.
Queremos, como eles, triunfar das nossas paixões e in­
clinações que tiram sua força e veneno da vontade pró­
prfa? Proponhamo-nos: 1º praticar obediência inteira
submetendo-nos sem reserva a todos os preceitos de Deus
e da Igreja; 2º observar pontualmente o nosso regula­
mento de vida; 3º cumprir todos os nossos deveres de
estado, de piedade, decência e caridade na intenção de
obedecer; tomar, nesse espírito, as nossas refeições e
recreios; trabalhar, escrever, ocupar-nos com o desejo
contínuo de executar a vontade divina. Assim sacudire­
mos o jugo do arbitrário e da fantasia; observaremos
a máxima de são Vicente de Paulo, que dizia: "Nada fa­
çamos por movimento natural, por interesse, inclinação,
humor e capricho; acostumemo-nos antes a fazer em
tudo a vontade de Deus".
Jesus e Maria, fazei que me habitue a repetir sempre:
"Senhor, não a minha satisfação, mas a vossa; não o
que me agrada, mas o que vos contenta, vós só em tudo".
Non mea. volunta.s na.t, sed tua.

8 DE JULHO
E' PRECISO MORTIFICAR AS PAIXOES
PREPARAÇÃO. Sendo a vontade própria o princípio
de todas as nossas más inclinações, devemos combater
estas para melhor reprimirmos aquela. Para esse fim,
meditaremos: l º os motivos de reprimirmos as paixões;
2º os efeitos dessa repressão necessária ao nosso progres­
so. - Tomaremos a resolução de velar sobre nós e de
extirpar pouco a pouco o nosso defeito dominante por
meio do exame particular. Contendite intrare per angus­
ta.m portam (Lc 13, 24).

Bronchain II - H 209
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1 º Motivos de mortificar as paixões
Os vapores obscurecem o sol e as paixões depravadas,
a razão. Segundo o apóstolo, elas são a raiz de todos os
males, e por elas muitos erraram na fé (1 Tim 6, 10).
Lede a história dos heresiarcas e vos convencereis de que
as suas perversas inclinações foram a causa da sua rui­
na. A paixão é como uma nuvem que se mete entre a
alma e Deus. O espírito é então aclarado só pelo vislum­
bre da razão natural e, nesse estado, de quantos erros
não se torna capaz?! Daví, cego pela concupiscência, co­
meteu dois grandes crimes, que lançaram a ele e a sua
família em desgraças extremas.
Sempre de acordo com o mundo e o demônio, as nos­
sas más inclinações tornam-se, em suas mãos, os instru­
mentos da nossa ruina. E quantas tristes vítimas não
conquistam elas todos os dias! Prometendo a felicidade
a quem as escuta, pervertem o coração humano, levan­
do-lhe a perturbação, a agitação, os remorsos. "Donde
nos vêm, pergunta são Tiago, essas resistências à razão,
e esses combates sempre renascentes? - e responde: -
Das concupiscências que militam em vós" (Tg 4, 1).
Se vos não acautelardes e não lhes resistirdes cons­
tantemente, a vossa vontade razoavel tornar-se-á vítima
delas; e, então, que desordem em vossa alma! A natu­
reza e seus instintos a dominarão e a reduzirão à escra­
vidão. Quantos desses vergonhosos cativos não se en­
contram no meio do mundo! O demônio os retem presos
pelos laços das suas paixões; condú-los, à sua vontade,
como um bando de escravos e deles se serve para cor­
romper e contagiar os outros. Captivi tenentur a.d lp­
sius voluntatem (2 Tim 2, 26).
Examinai: 1º se não há em vós algum vício ou incli­
nação não mortificada, causa ordinária dos vossos tran.s­
portes, maledicências, indiscrições e do hábito de vos
louvar e rebaixar os outros; 2º se estais sempre prontos
a reprimir e regrar os vossos sentidos e carater em to­
das as eventualidades, para não manchardes o vosso co-

210
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ração nem contrariardes o próximo. Combatei doravante
esses defeitos por meio da oração, da vigilância e da
prece no momento da luta.
Meu Deus, inspirai-me a coragem de me fazer violên­
cia, afim de me chegar a vós na medida que me afasto
de mim mesmo e do meu amor próprio. Tantum profi­
cies quantum tibi ipsi vim intuleris.

2" Efeitos salutares da mortificação das paixões


A mortificação interior deve produzir em nós efeitos
contrários aos nossos maus instintos; isto é, aclarar o
nosso espírito, fortalecer o nosso coração e santificar a
nossa vontade. Deve, pois, banir do nosso interior o tu­
multo dos pensamentos estranhos, das imagens perigosas
e inuteis, afim de nos pormos em profundo recolhimen­
to. Deve ajudar-nos a desenvolver em nós a viveza da
fé, tornado-nos facil a meditação das·verdades mais aptas
para nos unir a Deus. Estudemos piedosamente Jesus
crucificado; aprenderemos dele a ciência da renúncia
própria, dos erros e dos preconceitos.
Grande força teremos então contra as seduções do
mundo e do demônio, as quais atuam poderosamente so­
bre as nossas inclinações naturais. Triunfando delas, des­
fazemos a influência que sobre nós exercem o século e
o inferno. Que impressão, de fato, podem causar as ten­
tações do orgulho sobre um coração profundamente hu­
milhado diante de Deus? Que acesso terão as vaidades
mundanas numa alma que as despreza e vive longe de­
las? O mesmo se dará com as outras paixões: se as con­
servarmos presas por contínua mortificação, serão im­
potentes para impedir o nosso progresso.
Assim chegaremos mesmo à perfeição das virtudes.
Cada vitória alcançada sobre uma propensão má des­
envolve em nós a inclinação contrária. Renunciando à
nossa vontade própria tornamo-nos trataveis e <laceis pa­
ra com os nossos superiores, condescendentes e afaveis
para com os nossos iguais, sempre prontos a ouvir a

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graça e a submeter-nos à. vontade cie beus. Se a abne­
gação nos fosse habitual não sentiríamos tanta tristeza
pela afronta, exprobração, falta de atenção, censura ou
humilhação. Não ficaríamos desgostosos quando nos
confundem, molestam, contrariam e contradizem. Don­
de vêm então as nossas queixas, tristezas, murmura­
ções, senão do nosso amor próprio sempre vivo, embora
devesse estar morto ou mortificado há tantos anos?
Meu Deus, estou ainda bem longe da calma impertur�
bavel dos santos, que, despojados da vontade própria,
aspiravam unicamente à ventura de viver unidos a Je­
sus crucificado. Pela intercessão da Rainha dos márti­
res, inspirai-me a coragem de reprimir minhas inclina­
ções e de corrigir os meus defeitos mormente a minha
paixão dominante.

9 DE JULHO.
OITAVA DA VISITAÇÃO - OBEDIJ!:NCIA DE MARIA
PREPARAÇÃO. Obediente ao Espírito Santo, Maria
visitou sua prima Isabel. Desejando imitá-la, considera­
remos: 1 º a perfeição da sua obediência; 2 º como Deus
a recompensou. - Se quisermos tornar muito meritórias
as nossas ocupações diárias, tomemos a resolução de fa­
zê-las em espírito de humildade, submissão e dependên­
cia sem nenhum apego à nossa vontade. Mens justi me­
dlta.tur obedlentia.m (Prov 15, 28).

l° Perfeição da. obediência. de Ma.ria


Quando o arcanjo Gabriel foi oferecer à Virgem de
Nazaré a dignidade sublime de Mãe de Deus, ela creu
na palavra do embaixador celeste, e aquiesceu à sua pro­
posta como à vontade de Deus. Admiremos a sua fé viva
na autoridade divina, de que estava revestido o mensa­
geiro do Altíssimo; admiremos sobretudo o seu amor ex­
traordinário à virtude da obediência. Em circunstância

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tão solene, nada julgou melhor apresentar a Deus do que
uma alma inteiramente submissa à sua vontade.
Com que prontidão e fidelidade executa ela os meno­
res desejos do céu! O anjo insinua-lhe prestar serviços
a Isabel: parte incontinenti para Hebron e vai submeter­
se à vontade alheia. "Serva fiel, diz santo Tomaz de Vi­
lanova, jamais contradisse ao Criador". Semelhante ao
metal fundido, sua alma tomava sempre as formas que
Deus lhe dava. "Toda a sua vida, diz são Bernardino de
Sena, passou-a em procurar a vontade do Senhor e exe­
cutá-la em tudo sem a menor resistência".
Vejamo-la deixar Nazaré e dirigir-se a Belém por or­
dem dum imperador pagão. Sigamo-la ao templo onde
vai cumprir as ceremônias da lei, arriscándo-se a passar
por mulher vulgar, ela, a Virgem das virgens. Acompa­
nhemo-la até ao Egito, onde a desterra a vontade de
José advertido pelo anjo, e onde se demora todo o tem­
po determinado por seu casto esposo, intérprete para
ela das ordens de Deus. Sempre submissa a esse guarda
fiel, passa sua vida obedecendo-lhe na casa de Nazaré.
E, chegado o tempo da realização dos desígnios divinos
quanto à imolação do seu Filho, acompanhou Jesus ao
Calvário e permaneceu em pé junto à cruz ignominiosa,
afim de sacrificar-se com ele.
Quem nos dirá quão agradavel foi ao Senhor essa obe­
diência de Maria! Contribuiu, com a de Jesus, para li­
vrar-nos do inferno e -para abrir-nos a porta a nós fe­
chada pela desobediência dos primeiros pais.
Minha dulcíssima advogada, considerai minha extrema
miséria: em vez de imitar a vossa perfeita docilidade,
não posso receber ordem alguma sem examinar-lhe os
motivos e as dificuldades de execução; dai as repugnân­
cias, a lentidão em obedecer, e muitas vezes queixas e
descontentamentos. Virgem santíssima, obtende-me mais
fé, mais prontidão e generosidade no desempenho dos
meus ofícios e na prática dos meus deveres. Que meu
espírito e meu coração sejam sempre dirigidos e santi­
ficados pela intenção de obedecer. Mens jmtti meditatur
obedientiam,
213
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2º Como Deus recompensou a obediência de Maria
1

A aquiescência da Virgem imaculada à palavra do en­


viado celeste foi o princípio das suas glórias. Foi o mo­
mento em que o Verbo eterno se tornou Filho de Maria,
quando a Virgem fiel se submeteu à vontade do Altíssi­
mo, aceitando a maternidade divina. Ora, dessa dignida­
de inaudita, aceita por obediência, dimanam para a Vir­
gem todas as suas grandezas. "Eva, a primeira mulher,
diz santo Irineu, causara-nos a morte por sua desobediên­
cia; Maria, a nova Eva, deu-nos a vida por sua submissão
à vontade divina; o que ela fez sobretudo em duas cir­
cunstâncias decisivas: na incarnação do Verbo e na mor­
te de Jesus".
Entregando a Deus a sua vontade, Maria d�u-lhe tudo;
em recompensa o Senhor entregou-lhe todos os bens da
Redenção para a qual a sua submissão perfeita tanto ha­
via contribuido; fê-la dispenseira das graças. Desde en­
tão os peclil,dores se convertem por sua intercessão. "Pela
perfeição da minha obediência, disse Maria a santa Brí­
gida, merecí o perdão para todos os que a mim recorrem
com sentimentos de contrição". Esse poder de. Maria san­
tifica os justos e confirma no b,em todos que a suplicam.
Essa é a recompensa, Virgem santíssima, da vossa fide­

cum­
lidade à vontade divina. Por ela cumpriu-se em vós a
palavra do Mestre: "Se permanecerdes em mim e
prirdes .os meus preceitos,_· pedí o. que desejardes e rece­
bereis" (Jo 15, 7).
• Grande poder teríamos sobre o coração de Deus se, co­
mo Maria, fôssemos sempre prontos a obedecer-lhe. To­
memos a resolu�ão: lº de nunca resistirmos às or­
dens, desejos, ou intenções dos nossos superiores, mas
de. executar com amor e prontidão as suas vontades com
o intuito de agradarmos a Deus; 2º de sermos doceis
aos movimentos da graça, aproveitando as luzes e ins­
pirações que nos vêm do Espírito Santo que com elas
quer estabel.ecer o seu reino em nós e fazer-nos partici­
pantes dos seus bens.

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Maria, minha terna Mãe, avivai a minha fé quanto aos
motivos que devem animar a minha obediência. Fazei­
me docil e fiel como vós; dai-me a força de triunfar das
minhas repugnâncias e de cumprir todos os preceitos di­
vinos, mormente os que contrariam os meus gostos, fe­
rem o meu orgulho e fazem morrer o amor próprio.

10 DE JULHO - DO DEFEITO DOMINANTE

PREPARAÇÃO. Para combatermos com sucesso a


vontade própria, devemos dominar sobretudo a inclina­
ção que impera em nós. Meditaremos, pois: l° por que;
2 º como devemos dela triunfar. - Tomaremos depois a
resolução de não dar nunca tréguas aos nossos defeitos
e de pedir sempre a Jesus o espírito de abnegação que
ele nos prescreveu. Si quis vult post me venire, abneget
semetipsum (Lc 9, 23). ·

1" Por. que se deve combater o defeito dominante


O vício dominante é como o carater distintivo de cada
um; e é tambem a primeira fonte dos nossos pecados.
Por causa dele cometemos cada dia faltas e imperfei­
ções; conserva-nos numa como escravidão tanto mais
perigosa, quanto menos a percebemos devido ao hábito
de sermos governados por essa inclinação. Facilmente
nos iludimos, e procuramos sempre defender o defeito
que mais mancha o coração e o expõe. por vezes aos
maiores excessos.
E, com efeito, essa tendência é a causa ou o foco or­
dinário das nossas tentações. Despertada facilmente nas
ocasiões que a favorecem, suscita em nós lutas de que .o
demônio se se_rve para arruinar-nos, pois que ele sempre
observa as nossas disposições. · Perigos tão contínuos de,
veriam constranger-nos a velar e orar: ,·elar para aba­
farmos os primeiros movimentos da paixão; orar para
obtermos a assistência divina necessária contra. os noss
139!'1 inimi�:os. 'J;'riunfando dg defeit() qµe ampara os des

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mais, arrancamos a estes a sua força e principal apoio.
Eis o meio mais seguro de nos santificarmos em pouco
tempo.
Cada manhã, pois: 1 º Proponde-vos viver recolhidos
e possuir sempre a vós mesmos, para não perderdes a
paz, que outorga à alma o império sobre suas más incli­
nações. Nossa razão nunca é mais aclarad_a e capaz de
submeter as paixões do que evitando a perturbação quan­
do tudo ao redor dela se manifesta confuso aos sentidos
e à imaginação; 2º decidí-vos a resistir a toda má incli­
nação que durante o dia procurar seduzir-vos e vencer.
Diz a Imitação: "Se como os homens de coragem nos
conservarmos firmes no combate, veremos certamente o
socorro do céu baixar até nós e poderemos tudo executar
com facilidade".
Jesus crucificado, dai-me a força de domar o vício ou
a má propensão que me domina, seja o orgulho com suas
pretensões ou suscetibilidades; seja a cólera com suas
aversões, transportes e rudezas; seja a insubordinação
com suas fantasias, caprichos e descontentamentos; seja
enfim a sensualidade com suas lassidões, inércia, imor­
tificações e perigosos apegos. Inspirai-me o espírito de
oração, para que dela tire a coragem de renunciar-me
em toda ocasião segundo o vosso preceito: Si quis vult
post me venire, abneget semetlpsu.m.

2º Como triunfar do defeito dominante


Há pessoas que mortificam o corpo e os sentidos sem
lutar jamais seriamente contra sua inclinação principal;
é uma ilusão contrária ao progresso espiritual. Quem
quiser avançar na verdadeira perfeição, deve concentràr
os seus esfor<_:os sobre o lado fraco do seu coração, afim
de pô-lo ao abrigo dos ardís do inimigo; .dirija, pois, a
sua oração, as suas leituras espirituais, os seus exames
contra a inclinação má que mais o agita.
A seguir deve resistir ao ataque desde o com�o. A um
adyersário que se tornou forte e munido de meios de de­
fesa é facil vencer um inimigo fraco e desarmado. No prin•

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c1p10 a tentação é quasi sem força; 'mas uma vez cres­
cida e fortalecida pelo tempo, torna-se terrível e expõe­
nos a graves quedas. Alguem, por exemplo, sente-se le­
vado a responder com azedume quando contrariado, ou
a contemplar, em cada ocasião, uma pessoa que lhe
agrada; deve resistir imediatamente, "do contrário, diz
santo Efrém, essa pequena chaga, não fechada de iní­
cio, torna-se úlcera incuravel".
última condição da vitória final é nunca pactuarmos
com o defeito que nos domina. Quando o 'julgamos ador­
mecido, desperta m,uitas vezes e nos faz novos assaltos.
E' preciso repriníí-lo não só nas ocasiões importantes,
mas tambem na multidão dos pequenos encontros onde
a repressão parece menos necessária. E' até indispensa­
vel prevenir-lhe os ataques, conservando-o sempre pre­
so por meio de vigilância e mortificação contínuas.
E' esta a vossa tática? Não afagais, em vez de com­
bater, essa má inclinação que vos é tão cara? e tão cara
porque vos é natural, ou mais conforme ao vosso tem­
peramento, ao vosso carater, à estima e ao amor que
vos tendes? Acautelai-vos: ela poderá trair-vos e érive­
nenar-vos quando .a acariciais.
Jesus, fazei que me vença por meio da oração e da
vl.gilância. Dai que sempre recorra a vós e a Maria na
luta contra os meus defeitos, mormente contra aquele
que fornece mais matéria às minhas acusações no tri­
bunal da penitência.

11 DE JULHO - MORTIFICAÇÃO DO JUIZO PRôPRIO


PREPARAÇÃO. Não contentes de mortificarmos a
nossa vontade, devemos ainda renunciar ao nosso juizo
próprio, mormente na prática da obediência. Veremos,
pois, amanhã: 1º os motivos que a isso nos obrigam; 2º
os meios de conseguí-lo. - Habituar:nos-emos a ver só
a Deus em nossos superiores legítimos, afim de lhes obe­
decermos em toda a simplicidade," como a Jesus Cristo.
Jf!. simplicita.te cordis ve5tri, sicut Christó (Ef 6, 5).

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1 º Motiyos de obedecer cegamente
A perfeição da obediência exige a sujeição de toda.
a nossa alma, isto é, do nosso juizo e da nossa vontade.
Ora, controlando e censurando as disposições dos supe­
riores, tiramos ou retemos parte do holocausto de nós
mesmos, sacrüício exigido pela autoridade do Criador,
autoridade absoluta e universal. Com isso, em vez de lhe
rendermos a glória que lhe é devida, deshonramos a sua
sabedoria, dando preferência às nossas idéias. Injustiça
clamorosa e presunção ruinosa!
Jesus recomendou aos apóstolos, príncipes da Igreja,
fossem simples como as crianças, que executavam as or­
dens sem exame. São Felipe Neri formava os seus discí­
pulos nessa obediência cega; "nada é tão perigoso, dizia
ele, como o hábito de alguem se conduzir por suas pró­
prias luzes". "Fazei todo o possivel, acrescenta o vene­
ravel João de Ávila, para destruir a vossa vontade, es­
pecialmente o vosso juizo próprio e o vosso modo de
sentir, que é a ruina da consolação celeste, o inimigo da
paz interior, o pai da divisão, censor dos superiores, re­
voltoso contra a obediência, ídolo .no_ templo de Deus.
Não provará a árvore da vida quem comer com excesso
da árvore da ciência". Essa linguagem de tão grande
Mestre condena os nossos arrazoados, murmurações e
repugnâncias no cumprimento dos nossos deveres.
E por que temeríamos confiar-nos à direção dos nossos
legítimos superiores? não têm eles a graça de estado pa­
ra nos governar? A sabedoria de Jesus, cujo lugar eles
ocupam, não saberá desviar ou remediar os inconvenien­
tes que se oferecem ao nosso espírito murmurador? fa­
lo-á se soubermos submeter-nos humildemente. Nume­
rosos exemplos provam esta asserção.
Meu Deus, é bom que nos abandonemos sem exame,
sem inquietação a vossos representantes sobre a terra.
Submetemos assim a razão à fé e agimos por luzes mais
fortes do que as da ciência. Preservai,me do funesto cps­
tume de julgar, ÇJ;'!ticar, desaprovar 9 que. me mandam,

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ou de replicar e objetar aos que me dão ordens em vosso
nome. Comunicai-me o espírito de fé e a coragem de obe­
decer prontamente, de bom coração e sem discutir, a to­
dos que me governam. ln simplicitate cordÍs vestri, sicut
Christo.
2º Meios de conseguir a obediência
O primeiro meio é considerar a miudo o mal causado
à nossa alma pela insubordinação de nosso juizo; torna­
mos assim a obediência extremamente dificil e sem mé­
rito. Quando o demônio quis tentar os nossos primeiros
pais, começou perguntando a Eva por que Deus lhes ha­
via proibido de comer de todos os frutos do paraisa. Em
vez de evitar a discussão, a infeliz arrazoou com o ini­
migo: o que foi a causa da sua ruina e da nossa. Quan­
tas vezes, por reflexões críticas, provocamos em nós mil
dificuldades e repugnâncias que nos tornam penoso o
jugo tão doce da obediência!
Outro -meio de formar o nosso espírito e submeter-se
com simplicidade é ter sempre sob os olhos o exemplo
de Jesus Cristo. Poderá alguem recusar ol;>edecer com
o abandono duma criança, contemplando o Verbo in­
carnado a praticar a obediência em Belém, no Egito e
em Nazaré, no pretório,. no Calvário e na Eucaristia?
Jamais contradiz à legítima autoridade, mas mostra-se
constantemente nosso modelo no exercício duma obediên­
cia cega, simples e sem reserva. Ego autem non contra­
dico (Is 50, 5).
Vós que vos julgais mais aclarados do que os vossos
superiores, credes ter aprovações de Jesus Cristo quan­
do, em oposição à su_a doutrina e vontade, ousais des­
aprovar antes de executardes o que vos foi prescrito?
Por mim, diz o Salvador, "julgo COJDO ouço" (Jo 5, 30)
cumpre as ordens sem fazê-las passar pelo crivo do exa­
me. Procedei assim, obedecei sem incomodar�vos com as
objeções do vosso espírito criticador. Sicut audio, judico.
Jesus obediente, as ordens dadas em vosso nome são
COJilO a lâmpada que açlara 911 nossos passos (Prov 6,

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23). Nada, pois, é sábio, perfeito ou meritório como a sua
execução. Dai-me a força de obedecer doravante sem es­
cutar as repugnâncias da prudência humana, pois que a
prudência que jamais ilude está encerrada na obediên­
cia. Prudentem me fecisti mandato tuo (SI 118, 98).

1.2 DE JULHO - O SERVIÇO DE DEUS


PREPARAÇÃO. Afim de apreciarmos sempre mais a
obediência, meditaremos amanhã: l" quão glorioso é obe­
decer a Deus e servi-lo; 2º quanta paz e felicidade en­
contramos nesse serviço. - Convencer-nos-emos assim
da verdade: de que a sólida grandeza e a verdadeira bea­
titude consistem para nós em vencer as paixões e sub­
meter-nos a Deus. Gloria magna est seqoi Deum (Ecli
23, 38).
1º Glorioso é o serviço de Deus
A nobreza da pessoa a quem se serve realça o servi­
ço aos olho� dos mundanos; se é opulenta, honrada, afa­
mada; se é príncipe ou monarca; estes títulos tornam
o serviço glorioso. Que dizer do Rei do céu, do Rei da
glória? Ele não é rico, nobre, elevado, mas é o S�nhor
por excelência a quem tudo pertence; é a nobreza in­
finita segundo a divindaàe; é a granqeza por excelên­
cia, e diante dele desaparecem todas as majestades e as
dignidades criadas. Nada mais honroso do que servi-lo.
Não nos trata como servos, mas como amigos. "De hoje
em diante, disse ele a seus apóstolos, dar-vos-ei o nome
de amigos" (Jo 15, 14). Ainda mais: faz-nos participan­
t�s da filiação divina: "Considerai, exclama são João a
imensa caridade do nosso Deus: quer chamar-nos e fa­
zer-nos seus filhos adotivos" (1 Jo 3, 1).
Tal prerrogativa, garantida a todos os servos de Deus,
rodeia-os de uma auréola mais brilhante do que todas as
glórias do mundo. Servir a um Deus tão grande e per­
feito, é elevar-se acima da terra, acima dos céus. 0$

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mundanos são escravos cio orguiho, eia avareza, dos pra•
z�res sensuais que matam as almas; os verdadeiros cren­
tes, porém, gozam da liberdade dos filhos do Pai celes­
te, liberdade santa e sublime, que dilata o cora-ção, o en­
volve, o faz superior às paixões e o une estreitamente à
infinita majestade. Não vos achais presos por algum de­
feito, algum laço terreno ou pequeno fio de afeição que
vos impede de serdes somente de Deus? São Vicente de
Paulo dizia: "O amor próprio muitas vezes nos faz crer
que servimos a Deus naquilo em que procuramos apenas
a nossa satisfaçãot'.
Jesus, quantas vezes dou ouvidos às minhas inclinações
ou repugnâncias no cumprimento dos vossos preceitOB !
Fujo horrorizado da humilhação em vez de aceitá-la por
vosso amor; comprazo-me em mim mesmo e nas minhas
ações em vez de glorificar-vos em tudo. Dai que marche
sobre as pegadas dos apóstolos, dos mártires e dos san­
tos que se aniquilaram e vos serviram sem interease,
sem respeito humano, sem procurar a estima própria,
mas unicamente para glorificar vossas infinitas perfei­
ções. Inspirai-me os seus sentimentos e a sua fidelida­
de em obedecer-vos em tudo; pois que nisso consistem
a grandeza. sólida e a verdadeira realeza. Servire Deo re­
gna.re est.
2 º Felicidade de servir a. Deus
A felicidade de um servo está na vontade do seu se­
nhor. Mas que senhor é comparavel a Deus, que nos per­
mite dizer-lhe "Pai nosso", e que o é de fato. Nada igua­
la a sua caridade para conosco. Toda a sua atividade
neste mundo e a ação da sua providência procura sem
cessar o nosso bem.
Proibe-nos o peca.do, por ver nele o maior de todos os
males, o mais contrário à nossa paz interior. Manda-nos
exercer as virtudes por serem, a seus olhos, meios efica­
zes de nos fazer felizes não só na outra vida mas tam­
bem nesta. Exige de nós a paciência. nos sofrimentos, por­
que a resignação os adoça _e os torna meritórios. Reco­
menda-nos a oração e os sa.cramento11, porque são para

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nós fontes inesgotaveis de luzes, força e consolações.
E', pois, verdadeira a palavra do divino Mestre: "O meu
jugo é suave e o meu peso é leve" (Mt 11, 29).
Sem dúvida o serviço de Deus tem aparências auste­
ras; é sério, exige o recolhimento, a fuga dos prazeres
perigosos e a prática da mortificação dos sentidos e das
paixões; mas essas aparências, espantosas para o mun­
dano, ocultam alegrias e suavidades inefaveis. Para com­
preendermos esse mistério é necessário que entremos na
piedade sólida; Deus se nos comunica e nos faz participar
da sua felicidade na medida da nossa fidelidade. Quem
dá pouco recebe pouco; mas a beatitude e os favores
abundam nos corações dos que amam a Deus sem parti­
lha. Gosta.te et videte.
Examinai o que vos impede de serdes inteiramente de
Jesus: será a vaidade, a dissipação, o amor do século, o
desejo da estima? ou talvez o apego às satisfações pas­
sageiras, à vida mole, ociosa e sensual? Para servirdes
a Deus com fervor, exercitai-vos na oração, na vigilân­
cia, na abnegação, sob a direção da graça e dos que di­
rigem a vossa ahna.
Jesus, sou feliz no vosso serviço, porém não tanto
quanto o seria, se vos fosse inteiramente fiel e cons­
tantemente desapegado. Pela intercessão de vossa san­
tíssima Mãe, desprendei-me de mim mesmo e de tudo
que é criado. E se ainda não amar o sofrimento e a mor­
tificação, e.amo os santos, dai que ao menos não fuja sem­
pre dos incômodos e do trabalho, da fadiga e sofrimen­
tos no cumprimento dos meus deveres.

13 DE JULHO
FIDELIDADE AOS NOSSOS DEVERES
PREPARAÇÃO. O serviço de Deus, ou a obediência
devida ao Senhor, impõe-nos deveres a cumprir. Quais
os motivos para desempenharmos com cuidado: l° os
deveres de piedade ; 2º os deveres de estado? - Como ra-

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malhete espiritual recordemo-nos da palavra do após­
tolo: "A piedade é util para tudo. Cumprí os deveres do
vosso cargo" (2 Tim 4, 5). Unamos, pois, a oração às
ocupações quotidianas, afim de santificarmos todos os
nossos instantes. Pietas ad omnia utilis est. Ministeriurn
tuum irnple.
l" Motivos de cumprir os deveres de piedade
Deus exige com razão as nossas homenagens por cau­
sa das suas grandezas, do seu domínio soberano, da sua
excelência essencial. Prestamos-lhas pelo exercício de pie­
dade. Durante a oração humilhamos o nosso espírito em
sua divina presença; confessamos a nossa indigência e
miséria, glorificando assim a santidade do Altíssimo.
Pelo sacrifício da Missa prestamos-lhe honra infinita,
louvor e ação de graças ilimitados; oferecemos-lhe a ho­
menagem de adoração, submissão e reconhecimento, de­
vida a seus divinos atributos e inumeraveis benefícios.
Outrossim é isso um excelente meio de enriquecer-nos
dos bens do céu. "Quem pede, recebe, disse o Salvador;
qu�m procura achá, e a quem bate será aberta a porta".
Et pulsanti aperietur (Lc 11, 10). Ora, pela oração, mis­
sa, comunhão e outras práticas piedosas, pedimos, pro­
curamos, batemos. Reclamamos de Jesus os socorros
necessários à nossa alma; procuramo-lo como Pão de vi­
ela, Bem supremo e eterno; batemos à porta do seu co­
ração, afim de obtermos as graças de salvação. Se, pois,
multiplicarmos os atos de súplica nos exercícios de cada
dia, o nosso progresso acentuar-se-á cada vez mais.
Sendo os nossos deveres de piedade o cimento da nos­
sa união com Deus, na medida que lhes formos fiéis, au­
mentarão a luz, a força, a coragem e a confiança nos
nossos corações e ajudar-nos-ão a conformar-nos à von­
tade divina. Daí a constância dos santos em entreter-se
com o Senhor para apertar os laços que a ele os uniam.
Sois· exatos, como eles, em fazer todas as manhãs a
vossa meditação com religião sincera e atenção firme,
como um ato da mais alta importância? Não negligen-

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cials a prãtica cio exàtrie, da ieitura espirituai, eia boa
intenção e das orações jaculatórias?
Meu Deus, que contas vos tereis de dar por não ha­
ver aproveitado 'tantas ocasiões de meditar, orar, ouvir
missa, confessar-me e comungar! Fazei-me conhecer que
exercícios eu tenho praticado com menos cuidado. Au­
mentai em mim o fervor do espírito e do coração e dai­
me a graça de seguir pontualmente até à morte o meu
regulamento de vida, afim de que dele tire cada dia a
vontade sincera de prestar-vos minhas homenagens, de
obter a vossa assistência e de unir-me estreitamente a
vós. Picta.s ad · omnia. utilis est, promissionem ha.bens vi­
tre, qure nunc est, et futurre.

2º Motivos de fidelidade a.os deveres de esta.do


Chamando-nos a um estado de vida, a uma função, a
um ministério qualquer, o Senhor impõe-nos deveres a
cumprir com exatidão e fidelidade. Executando-os, obede­
cemos-lhe e glorificamos a sua autoridade divina. Além
disso fazemos inúmeros atos de diversas virtudes, cum­
prindo nossas obrigações quotidianas. Ora, esses atos
contribuem ao mesmo tempo para a honra. divina e para
a nossa. santificação.
A nossa pontualidade é -ainda um exemplo edificante
para o próximo. Nada mais atraente do que uma alma
sempre calma, exata, recolhida, cuidadosa em não perder
o tempo em futilidades e conversações inuteis ! ninguem
a encontrará jamais lassa, descurada, mal humorada ou
caprichosa. Desejosa de obedecer e agradar só a Deus,
a conciência guia-a em tudo, e, sem ferir as leis da ca­
ridade, não se preocupa com o respeito humano. A sua
vida ocupada e bem regulada inspira ainda a todos a es­
tima e o amor da virtude.
Como é a.gra.da.vel a Jesus essa alma! "Sereis meus
amigos, disse ele· a seus discípulos, se fizerdes o que vos
mandei" (Jo 15, 14). "Quem faz a minha vontade, é que
me ama deveras" (Jo 14, 21). Ora, a vontade do Senhor

224
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é que harmonizemos os nossos deveres de estado com os
nossos deveres de piedade.
Examinai, pois: lº Se não sois imprevidentes, indolen­
tes, negligentes nas funções, empregos c trabalhos que
vos são confiados, ou nas obrigações do vosso estado,
da vossa vocação; 2º fazeis tudo com ordem e cuidado,
sem deixar para mais tarde o que pode e deve ser feito
no momento? 3º evitais sempre a precipitação natural?
Não é o número, mas a perfeição das ações que santifi­
ca; fazei-as, pois, com calma, em espírito de oração, sob
a dependência de Deus e com a única intenção de confor­
mar-vos à sua santa vontade. "Essa prática encerra, emi­
nentemente, dizia são Vicente de Paulo, a mortificação,
a submissão sem reserva, a abnegação própria, a imi­
tação de Jesus Cristo e a união com o soberano Bem".
Meu Deus, pelos méritos de Jesus e Maria, dai-me a
graça de unir a oração à ação, o espírito de fé às ocupa­
ções e acontecimentos de cada dia, afim de cumprir to­
dos os meus deveres de maneira a vos glorificar, a me
santificar, a edificar o próximo, e a vos testemunhar o
mais sincero amor.

14 DE JULHO
SÃO BOAVENTURA, DOUTOR DA IGREJA

PREPARAÇÃO. "Quão grande, exclama o Espírito


Santo, é aquele que encontrou a sabedoria e a ciência!"
São Boaventura foi verdadeiramente grande: l ° por sua
ciêp.cia e mais ainda por sua virtude; 2º por sua estreita
união com o Verbo incarnado. - A seu exemplo habitue­
mo-nos a estudar e a l,er com a intenção especial de ad­
quirir conhecimentos uteis e de tornar-nos melhores, por­
que essas são as fontes da verdadeira grandeza. Quam
magnos qui invenit sapientiam et scientiam (Ecli 25, 13).

Bronchain II - 15 225
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1º Ciência e virtude de são Boaventura

Segtindo o papa Sixto V, o nosso santo, denominado


"doutor seráfico", possuia um dom todo particular de es­
crever; encontra-se em suas obras profunda erudição,
argumentação subtil, discursos fortes e enérgicos, mas
sobretudo um que admiravel que conquista os mais obs­
tinados espíritos e toca os mais endurecidos corações.
Nele o fervor e a piedade são inseparaveis da ciência;
e o autor parece ter servido de instrumento ao Espírito
Santo.
Esse encômio do soberano Pontífice mostra que os co­
nhecimentos adquiridos por nosso santo doutor, longe
de diminuir a unção da graça, tornaram-na mais firme
e profunda. Desde a infância aprendera de sua mãe a
praticar a obediência, o recolhimento e a umao com
Deus; e ele cresceu nessas belas disposições.
A modéstia acompanhava todos os seus atos. Julgan­
do-se o último dos seus irmãos, abraçava com ânsia os
mais abjetos empregos. Ora; os Livros santos asseveram:
onde se encontra a humildade, lá está tambem a sabe­
doria (Prov 11, 2). Não admira, pois, que um sábio tão
humilde haja recebido do céu tantas luzes especiais. Ao
humilde sentimento de si mesmo unia o espírito de ora­
ção, novo foco dos esplendores celestes. O seu coração
abria-se ao influxo da graça; inflamava-se do amor di­
vino, e, nesses sentimentos sempre fecundos, compunha
os seus admiraveis escritos.
A seu exemplo, sejam-nos a humildade e a oração
uma dupla fonte, donde vamos haurir a sabedoria e o
conselho nas dúvidas, a coragem e a força nas prova­
ções, a paz e a alegria espirituais no meio das misérias
da vida. A humildade ensina-nos a desconfiar do nosso
espírito e a ceder aos sábios avisos dos outros. A ora­
ção põe-nos em contato com Deua, no qual estão todos
os recursos da inteligência e do coração. Não comeceis
jamais · as vossas meditações sem reconhecer o vosso na­
da; e não vos humilheis diante de Deus sem depositar

226
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nele a vossa confiança, implorando o seu socorro. Diz san­
to Agostinho: "Sede como os mendigos que pedem es­
mola e importunam a caridade dos ricos até a conse­
guirem".
Meu Deus, a minha tão grande e contínua miséria de­
veria forçar-me a recorrer sempre a vós e com fervor.
Dai-me o mais vivo desejo de santificarame, -uma grande
desconfiança de inim mesmo e uma sede ardente da
oração mesmo no meio das ocupações. Ego autem men­
dicus sum et .pauper; Dominus sollicitus est mel (Sl
39, 18).
2º União de são Boaventura com Jesus Cristo
Jesus é o Verbo ,divino que ilumina todo homem que
vem a este mundo. O mais seguro meio de ser aclarado e
santificado é unir-se a ele, como o fez são Boaventura.
Esse amavel santo afirmava haver haurido todos os seus
conhecimentos das chagas do Crucificado; meditar a pai­
xão era a seus olhos a mais alta sabedoria. Lá encontrou
ele a perfeição da justiça, a plenitude da ciência, a abun­
dâ�cia dos méritos, as riquezas da salvação. As ocupa­
ções exteriores não conseguiam afastá-lo da presença do
seu Mestre; tinha-o sempre diante do seu espírito para
se conformar com seus exemplos.
Ordenado sacerdote, oferecia com amor a augusta ví­
tima e permanecia sempre unido a ela. "A comunhão, di­
zia ele, dá-nos imensas vantagens: a remissão dos pe­
cados, o enfraquecimento da concupiscência, a ilumina­
ção do espírito, a refeição interior, a incorporação a Je­
sus Crisfo, e a seu. corpo místico, a confirmação na vir­
tude, a força contra o demônio, a certeza inabalavel da
fé, o aumento da esperança, o ardor da caridade".
A sua devoção ao celebrar os santos mistérios mani­
festava-se por lágrimas abundantes e conservava-lhe a
impressão durante o dia inteiro. Em seu leito de morte,
docemente aflito por não poder comungar em viático, de­
vido à enfermidade, pediu lhe aproximassem do peito a
sagrada hóstia, para lhe sentir os salutares efeitos. Mas,

15* 227
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ó prodígio ! a hóstia, evadindo-se da mão do sacerdote,
colocou-se sobre o coração do moribundo, e penetrou
nele, imprimindo por um instante o traço sensivel da sua
passagem. O santo enfermo prorrompeu em transportes
de ação de graças. e expirou no ósculo do Senhor.
Oxalá possamos morrer assim! Tornemo-nos dignos
dessa graça por uma devoção terna e ardente para com
Jesus padecente e Jesus imolado sobre os altares.
Salvador meu, luz do mundo e fornalha do divino amor,
aclarai-me e inflamai-me à recordação da vossa paixão e
da vossa imolação nas igrejas. Pelas preces da . Media­
neira da nossa salvação e de são Boaventura, seu servo,
dai-me fé viva nesses mistérios e o cuidado de_ meditá-los
assiduamente, afim de haurir os seus abundantes frutos
de santificação para mim e para o próximo.

TERCEIRO DOMINGO.
O SANTISSIMO REDENTOR
PREPARAÇÃO. "Que seria de nós, pergunta santo
Afonso, se não tivéssemos Jesus Cristo?" Meditaremos
amanhã: l ° quem é Jesus, nosso amavel Redentor; 2º
quais os seus benefícios para conosco. - Tenhamos pa­
ra com ele sentimentos de amor, reconhecimento e con­
fiança; somos-lhe infinitamente obrigados pelos benefí­
cios imensos da Redenção. Copiosa apud eum Redemptio
(SI 129, 7).
l° Quem é Jesus, nosso Redentor
Aquele que nos resgatou do inferno é o Messias es­
perado por todos os povos e todas as gerações, durante
quatro mil anos. E' o Verbo eterno pelo qual foram cria­
das todas as coisas. "Esplendor da glória do Pai, é a
imagem consubstancial de sua essência divina, e sustém
todas as coisas pelo poder .da sua p�lavra (Col 1, 15-17).
Incarnando-se, é o "Admiravel conselheiro, Deus forte,
Pai do século futuro" como fala Isaías (Is 9, 6). Pro­
metido a Adão no paraíso terreal, suspirado pelos pa-

228
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triarcas e predito pelos profetas, foi a espectação das
nações e o desejado das colinas eternas.
Brilho intenso lançou ao mundo por sua doutrina, vir­
tudes e milagres. O Pai celeste dá-lhe testemunho públi­
co; os anjos gloriam-se em serví-lo; toda a natureza se
apresta a se lhe submeter. O seu poder cura os enfer­
mos, expulsa os demônios, acalma as tempestades e res­
suscita �s mortos. Com uma só palavra lança por terra
a coorte de soldados que o iam prender no jardim das.
Oliveiras. Embora cravado na cruz e nas vascas da ago­
nia, manda ao sol negar a sua luz aos homens deicidas.
Em sua morte, a terra treme, os sepulcros abrem-se, os
rochedos fendem-se, os inimigos do bem confundem-se e
o inferno tremebundo é constrangido a largar a presa,
isto é, o gênero humano resgatado. O' grandeza e poder
daquele que nos eleva pelo aniquilamento e pela fraque­
za! Se a sua fraqueza opera tais prodígios, que não fará
a sua força divina? se manifesta tanto brilho ao mor­
rer e perdoar, que sucederá quando, triunfador e juiz,
vier pedir-nos contas do emprego da nossa vida e das
graças recebidas?
Divino Redentor, ressuscitado dentre. os mortos por
vossa própria virtude e elevado por vossos méritos às al­
turas do céu, não contente de restaurardes a humanidade
perdida,. vós a fizestes sentar-se, em vossa pessoa sagra­
da, à dextra do Padre eterno, acima dos querubins e dos .
serafins: Quem não bendirá a vossa bondade generosa,
e, sobretudo, quem não se entregará a vós sem reserva?
Eu, mísero pecador, vejo-me amado por vós até à lou­
cura da cruz, loucura renovada e perpetuada no altar,
no tabernáculo e na santa mesa; e eu vos não amaria?
Vejo-vos vítima, prisioneiro e alimento da minha alma
e não viveria unicamente para vós? Jesus, prometestes
que, uma vez elevado da terra, atrairíeis a vós todos os
corações; atraí, pois, o meu, afim de uní-lo ao vosso e
fazer dele vítima do vosso amor pelo exercício das vir­
.tudes, mormente da obediência, do desapego e da pa­
ciência.

229
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2º Benefícios de Jesus, nosso Redentor
Para apreciarmos os benefícios feitos ao gênero hu­
mano por nosso amavel Salv:;,.dor, deveríamos compreen­
der os males que nos vêm do pecado original, os crimes
por ele causados há seis mil anos, e os. flagelos do gê­
nero humano por ele ocasionados, sem excetuar os tor­
mentos eternos. Por sua morte o nosso Redentor reme­
diou a tudo. Não contente de apagar as nossas iniqui­
dades, tomando sobre si os castigos que nos eram devi­
dos, lavou em seu sangue as nossas almas, tornou-as be­
las a seus olhos, adornou-as de virtudes e forneceu-lhes
todos os meios de se aproveitar da redenção. Os seus
méritos, qual oceano sem margem, não só bastam às al­
mas redimidas, mas seriam até superabundantes para
uma infinidade de mundos.
Mas como é que Jesus nos envia as águas vivificantes
da sua graça? Por numerosos canais que são: o batis­
mo, a penitência, a Eucaristia e os outros sacramentos,
o sacrifício dos nossos altares, a oração sob todas as suas
formas, a intercessão de Maria, dos anjos, dos santos,
dos piedosos fiéis e mesmo das almas do purgatório. Se
todas as gerações passadas pudessem dirigir-nos a pa­
lavra, que testemunho glorioso não dariam dos benefí­
cios inumeraveis do nosso divino Reparador. Há dezeno­
ve séculos a Igreja os menciona, os perpetua cada dia
dum polo ao outro, e não há no céu e na terra uma al­
ma que não sinta os seus preciosos efeitos. Nós, que tão
largamente participamos desses bens, somos-lhe reco•
nhecidos? Não pretendemos acaso obter o fim sem os
meios, isto é, _ os socorros celestes sem a oração e os sa­
cramentos, a fé viva sem a meditação das verdades re­
veladas, a humildade, a paciência sem humilhação ou
contrariedade, a caridade, a mansidão sem suportar os
defeitos alheios; numa palavra, todas as virtudes sem
o exercício da abnegação, de que Jesus nos deu o exem­
plo, e que ele tantas vezes nos recomenda no Evangelho?

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Amavel Salvador meu, tudo em mim vos pertence;
disponde de mim como vos aprouver. Consagro-vos a
minha vontade, afim de que seja toda vossa; tornai-a ge­
nerosa, docil, sempre pronta a sacrificar-se para agradar­
vos. Tomo a resolução: 1 º de agradecer-vos cada dia por
me terdes resgatado, purificado, santificado com vosso
precioso sangue; ,2º de meditar muitas vezes vossa dolo­
rosa paixão, afim de aprender as virtudes contrárias aos
meus defeitos. Pela intercessão de Maria, vos�a divina
Mãe, estabelecei em mim o vosso reino, como o fizestes
nos corações dos santos, vossos fiéis discípulos. Rl:de­
misti nos, Domine, in sanguine tuo, et fecisti nos Deo
nostro regnum.

OUTRA MEDITAÇÃO PARA A MESMA FESTA

VOTOS DE BATISMO E VOTOS DE RELIGIÃO

(Esta meditação pode servir 11.os religiosos no dia em que


renovam solenemente os votos).

PREPARAÇÃO. "Pagarei, Senhor, dizia Daví, os vo­


tos pronunciados por meus lábios" ( Sl 65, 13). Medita­
remos as obrigações que temos para com o divino Re­
dentor: 1 º pelos votos do batismo; 2 º pelos voto·s da pro­
fissão religiosa. - Renovaremos a seguir as nossas pro­
messas e examinaremos minuciosamente se os observa­
mos com fidelidade. Reddam tibi vota mea qum distin­
xerunt labia mea.
l° Votos do nosso batismo
O Redentor instituiu o batismo para aplicar-nos os mé­
ritos das suas dores, quebrar os laços que nos prendiam
a Satanaz e estabelecer em nós o reino de Deus. Et fe­
cisti nos Deo nostro regnum. Para esse fim a Igreja na
fonte batismal nos fez renunciar ao demônio, às suas
pompas e obras; isto é, ao pecado e ao que ele nos con­
duz. Disse-nos pela boca do sacerdote: "Accipe vestem

231
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candidam. Recebei a veste cândida e levai-a sem man­
cha até ao tribunal de · Jesus Cristo". Depois acrescen­
tou: Accipe lampadem ardentem: "Recebei a lâmpada
ardente e guardai o vosso batismo por conduta irrepreen­
sível. Só assim o Senhor, entrando na sala das núpcias
eternas, vos encoI_1tr3:.rá entre os santos que virão adiante
dele" (Ritual Romano).
Essas recomendações feitas por Jesus e sua Igreja,
temo-las observado sempre? Satanaz, o pecado, o mun­
do, banidos então do nosso coração, não se apossaram
dele novamente? Nós prometemos e juramos e não de­
vemos mais relacionar-nos com eles. Mas, ai! que acon­
teceu? Mal saidos da infância e de posse da razão, tal­
vez já tenhamos manchado e rasgado a veste cândida
da inocência batismal; filhos adotivos de Deus, nos re­
voltamos contra o nosso Pai. Quão poucos são os que
escapam a esta regra? Se, por um benefício especial da
Providência, sois desse pequeno número, dai glória ao
Senhor; se não, chorai e gemei para lavar essa veste
preciosa nas lágrimas da penitência, e restituir-lhe sua
primeira alvura.
Meu Deus, não me deixeis viver jamais na negligên­
cia e lassidão, afim de que me· não torne como as virgens
loucas que chegaram tarde às nupcias do esposo. Fazei­
me como- as virgens sábias e prudentes, que, pela vigi­
lância, pela prática da piedade e da virtude, pelo bom
emprego dos seus momentos, estão sempre preparadas
para seguir o Cordeiro imaculado. Renovo de todo o co­
ração as promessas do meu batismo, resolvido a romper
com todos os laços de pecado e a fazer-vos reinar em
minha alma. Estabelecei em mim o vosso império sub­
metendo-me aos vossos desejos e vontades. Redemisti
nos, Domine, in sanguine tuo et fecisti nos Deo nostro
regnum.
2 º Votos de religião
Para aperfeiçoar em nós os votos do batismo e for­
talecer mais em nós o reino de Deus, o nosso amavel
Redentor revelou-nos os conselhos evangélicos, isto é,

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a pobreza voluntária, a castidade perpétua e a obediên­
cia inteira. Os religiosos empenhados pelos votos a ob­
servar esses conselhos, renunciam de livre vontade à pos­
se das riquezas, aos prazeres sensuais e à sua própria
vontade. Deus, a sua graça, o seu amor, a perfeição e a
salvação, eis os seus tesouros. E esses tesouros ele os
comunica aos outros de acordo com o espírito do seu
instituto.
Tem sido sempre essa a vossa compreensão da vida
religiosa? Não a considerais apenas como uma vida tran­
quila e feliz, onde é facil a salvação? Todos os homens
são obrigados a trabalhar para a sua salvação, porém,·
os vossos votos exigem ainda uma tendência contínua
à santidade, um desejo constante de morrer ao mundo
e aos prazeres, cumprindo sempre a vontade divina, ma­
nifestada por vossos superiores e pelas regras. Os .vos­
sos votos são, em suma, meios eficacíssimos de tirar os
obstáculos à vossa união com o soberano Bem, de melhor
· assegurar o vosso progresso, de vos proporcionar mais
perfeição e méritos, e, por conseguinte, uma recompensa
eterna e duplamente rica, a das virtudes e a dos votos.
Todos esses motivos deveriam animar-vos a viver na re­
ligião com sempre novo fervor.
E' assim que o fazeis? Observais o silêncio, a solidão,
o recolhimento e as práticas de piedade prescritas pe­
las regras? A vossa obediência aos superiores é sempre
generosa, pontual e sem réplica? Examinai a vossa con­
duta em seus pormenores a respeito da caridade, da mo­
déstia, da humildade, paciêncja, mansidão, sem esquecer
o espírito de fé, a oração, que deve acompanhar todas
as nossas ações para se tornarem meritórias.
Meu divino Redentor, humildemente prostrado em vos­
sa presença no Calvário, renovo os meus votos: 1 º de
pobreza, nas chagas de vossos sagrados pés; 2º de castida­
de, em vossas mãos traspassadas; 3º de obediência, em
vosso Coração aberto. Comprometo-me assim a desprezar
os bens do mundo, os prazeres dos sentidos e a abnegar

233
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a minha vontade própria. Por vossa constância em su­
portar os tormentos e a morte,- e pela fidelidade de Ma­
ria em partilhar as vossas dores, concedei-me a perse­
verança na observância exata das regras, que são a
fiel expressão dos meus votos. Et fecisti nos Deo nostro
regnum.

15 DE JULHO - DOIS GRANDES DEVERES

PREPARAÇÃO. Para santificarmos os deveres de pie­


dade e de estado, como temos meditado, devemos cum­
prir duas condições: J,.º glorificar a Deus em tudo; 2º
imitar Jesus, seu divino Filho. - Faremos, pois, o pro­
pósito sincero de renovar a miudo a intenção de agir
sempre_ só para Deus e em união com Jesus Cristo, nos­
so adoravel modelo. Inspice et fac secundum exemplar,
quod tibi monstratum est (Ex 25, 40).

l º Obrigação de glorificar Dens em tudo


A Escritura diz: "Deus tudo criou para si" (Prov 16,
4), isto é, para a sua glória ou para a manifestação das
suas divinas perfeições. Tirou do nada o firmamento, os
astros, todo o universo, afim de obrigar-nos a louvá-lo
por suas obras. No mesmo intuito sustenta, governa o
'mundo e nos conserva a existência. Não é, pois, justo
que prestemos ao Autor do universo a honra que lhe
compete? Se o esplendor duma obra de arte redunda
sobre o artista que- a produziu, quanto mais se deverá
referir ao Senhor a glória de haver criado por sua pala­
vra todo este mundo de prodígios, admirados até pelos
ateus! Ao dono da árvore pertencem os frutos; assim
todos os nossos pensamentos, desejos, palavras e ações
devem ser daquele a quem pertencemos e cuja glória te­
mos de procurar. Daí a primeira petição da oração do­
minical: "Santificado seja o vosso nome!" isto é, seja
conhecido, louvado, bendito, exaltado.

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Fazer o contrário seria da nossa parte uma injustiça
clamorosa, um roubo e uma rapina. O Senhor mesmo
declara não ceder a outrem a sua glória (Lc 42, 8), e isso
com razão, pois que ela lhe pertence essencialmente e
lhe seria impossível atribuí-la a outrem. E nós ousamos
tantas vezes arrebatar-lhe esse precioso tesouro-, que é
propriedade exclusiva dele. Esforcemo-nos antes para·
purificar-nos em tudo, repetindo sem cessar com o pro­
feta-rei: "Não para nós, Senhor, não para nós, mas só
para vós a glória de todo o bem" (SI 113, 9).
Essa intenção é outrossim um meio de santificar to­
das as nossas ações, mesmo as mais indiferentes. "Quer
comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa,
diz o apóstolo, fazei tudo para a glória de Deus". Omnia
in gloriam Dei facite (1 Cor 10, 31).
Estais sempre atento a cumprir este preceito? E' este
o mais nobre fim, de que é capaz uma criatura, pois que
o próprio .Criador não se propôs outro. Examinai, pois :
1º se em vez de procurardes a glória divina, não procurais
a vossa, comprazendo-vos em vós mesmos, ou na esti­
ma, atenções e louvores; 2º se não vos esqueceis muitas
vezes de renovar a boa intenção e sobretudo de expur­
gar-vos de todo amálgama de amor próprio e respeito
humano?
MeJI- Deus, quantas vezes procuro a mim mesmo em
meus pensamentos, palavras e ações em vez de me pro­
por somente a vossa honra e vontade! Concedei-me o
conhecimento do meu nada, da minha incapacidade para
o bem; fazei que a vós me submeta e vos renda graças
em tudo, pois que só a vós, Rei dos séculos, Rei imor­
tal e invisível, só a vós que sois Deus, pertencem a hon­
ra e a glória para sempre._ Honor et gloria in srecula sre­
culorum. Amen.

2º Obrigação de imitar a Jesus


O segundo fim da criação foi a nossa perfeição e sal­
vação. Ora, a nossa salvação e santidade dependem da
nossa semelhança com o divino modelo dos predestina-

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dos, que é Jesus Cristo. Do alto do céu o Pai celeste cla­
ma a todos: "Eis o meu Filho dileto, no qual pus as mi­
nhas complacências: ouví-o" (Mt 17, 5). "Ouvi os seus
ensinamentos, seguí seus conselhos e exemplos".
O Redentor é, com efeito, o nosso exemplar em todos
os estados. Criança, ensina-nos a humildade, a simplici­
dade, a inocência; adolescente, prega-nos a modéstia, .o
recato, a vida oculta, laboriosa e submissa; homem fei­
to, mostra-nos o caminho que conduz às virtudes sóli­
das, isto é, o caminho da renúncia, da paciência, do de­
votamento. Quando o brilho dos seus milagres e de sua
doutrina lhe ocasiona louvores, ensina-nos a referí-los a
Deus.
Mas como os espinhos e cardos bordam ordinariamen­
te as veredas da vida, quis ele ser pobre, humilhado e
triturado de dores; apenas nascido, sofre a perseguição
e o exílio, depois trabalha, ganha o pão de cada· dia com
0
o suor de seu rosto. "Em Nazaré, diz são Boaventura.
ele passa por ignorante; mais tarde tratam-no de mago,
possesso do demônio; enfim morre nos tormentos e num
patibulo de ignomínia. Quer assim servir-nos de modelo
mesmo nas posições mais difíceis. Dá-nos o exemplo do
silêncio e do abandono a Deus, entre as penas e as hu­
milhações; o exemplo da generosidade na renúncia e nos
sacrifícios; o exemplo da caridade e do devotamento ao
exercício do zelo para com as almas, afim de salvá-Ias,
e com os infelizes, afim de socorrê-los. Jesus, comunicai
ao meu coração as vossas virtudes; transfundi-as na mi­
nha conduta e em todas as circunstâncias da minha vida.
São Vicente de Paulo imitava o divino Mestre em seus
pensamentos, palavras e ações. Quando tiverdes de fa.
la.r ou agir, dizia ele, refletí é perguntai-vos: "Como fa­
laria ou agiria nossr;i. Senhor nestas conjunturas? Jesus,
inspirai-me porque nada posso sem vós". Apliquemo-nos
este conselho: ajamos e soframos como Jesus, isto é,
por espírito de oração e de graça, em paz, retidão e sua­
vidade de córação_

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Meu amavel Mestre, ensinai-me a imitar-vos como o
ensinastes a Maria e José, na casa de Nazaré. Uno-me
a eles para vos suplicar e contemplar, e obter de vós
a força de caminhar sobre as vossas pegadas. Fazei que
procure, a vosso exemplo, a glória do Pai celeste e o
cumprimento de todos os seus desejos.

16 DE JULHO - DEVOÇÃO DO ESCAPULÃRIO

PREPARAÇÃO. A festa de nossa Senhora do Carmo


recorda-nos a devoção do escapulário desse nome e de
outros escapulários aprovados pela Igreja. Meditaremos:
l ° as vantagens; 2º os benefícios que. nos presta para
a nossa vida espiritual. - Despertaremos assim a nos­
sa fé e reanimaremos a nossa confiança na santa libré
da Rainha do céu, a qual nos atesta as bençãos da sua
proteção. Scapulis sois obumbrabit tibi, et sub pennis
ejus sperabis (SI 90, 4).

lº Vantagens em usar os escapulários


Poucas devoções oferecem garantias tão seguras. O
escapulário do Carmo, entre outros, foi aprovado por vin­
te e dois papas e tem a seu favor os testemunhos duma
infinidade de milagres. Ao lado desse célebre escapulário,
quatro outros estão em uso entre os fiéis: os da santís­
sima Trindade, da Paixão, das Sete Dores e da Imacula­
da Conceição.
Esses cinco escapulários aprovados pela Igreja dão a
quem os leva o direito de participar de todas as boas
obras dos cinco institutos religiosos a que pertencem.
Além disso, ricas indulgências foram concedidas pelos
Pontífices romanos aos que praticam essa bela devoção.
Tomam parte na comunhão dos sant�s, nos su�'rágios dos
seus confrades e na proteção da divina Mãe, da qual são
os filhos privilegiados.
Quando a Rainha dos anjos apareceu a 16 de julho
de .1251 ao superior geral dos Carmelitas, disse-lhe as

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palavras: "Recebe, caro filho, este escapulário da tua ·or­
dem: é o sinal do privilégio que obtive para ti e teus con­
frades do Carmo". Que privilégio é esse, de que fala a
santíssima Virgem? Ouçamos a continuação do discur­
so: "Quem morrer revestido piedosamente deste hábito,
será preservado do fogo eterno". O' graça das graças!
ser preservado do inferno e receber o céu em partilha! ...
A santíssima Virgem acrescentou: "Este escapulário é
um sinal de salvação, salvaguarda nos perigos, penhor
de paz e proteção especiais até ao fim dos séculos". Cada
uma dessas palavras deveria ser pesada e meditada.
Uns cincoenta anos mais tarde, Maria apareceu ao
papa João XXII e prometeu-lhe livrar do purgatório os
confrades do Carmo, no sábado após a sua morte. Onde
encontrar alhures tais promessas e vantagens? podero­
sos motivos para usarmos os escapulários ou- as insígnias
da Rainha dos céus, com um respeito, uma piedade, uma
segurança que se não desmentem jamais.
Minha augusta soberana, feliz e altivo por ser reves­
tido do vosso hábito, quero invocar-vos sempre com a
confiança dum vassalo a sua rainha e dum filho a sua.
mãe querida. Obtende-me a estima e o amor da devoção
aos escapulários, e a graça de torná-la util ao meu pro­
gresso espiritual. Fazei-me esperar a salvação em virtu­
de das promessas saídas dos vossos lábios benevolentes
em favor dos confrades do Carmo.

2º A devoção do escapulários deve santificar-nos


Nada é tão capaz de nos fazer viver santamente, como
estes salutares pensamentos: Estou ao serviço da mais
poderosa das rainhas, eu que levo as suas insignias, o
seu escapulário. Satanaz treme diante de mim, ao ver
um servidor daquela que lhe esmagou a cabeça. Como
te�er ainda o mundo e deixar-me escravizar pelo respei�
to humano? Como permanecer sob o domínio das incli­
nações da carne, eu que sou vassalo duma Rainha ima­
culada? O escapulário, hábito seu, faz-me seu filho. O

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filho de tão santa Mãe não deve porventura tornar-se
santo?
O escapulário da Ss. Trindade, cobrindo-me o peito,
recorda-me as palavras do apóstolo: "Sois o templo de
Deus". As tres divinas Pessoas habitam, pois, em mim,
velam sobre a minha alma e ouvem as minhas preces:
poderoso motivo de recolhimento e confiança· filial! O
da paixão traz-me à memória os tormentos e os opróbrios
do Homem-Deus; razã.o tocante de amá-lo e de sofrer
com paciência! A Mãe das dores, por sua vez, reveRtin­
do-me da sua libré, assegura-me a sua proteção em to­
das as minhas angústias; ora, mãe alguma soube ja­
mais consolar como ela. Que dizer da santa veste da sua
Imaculada Conceição que me move a viver na castida­
de, recato, modéstia? é apelo incessante à mortificação,
vigilância, oração, meios tão necessários à pureza per­
feita.
Mas detenhamo-nos ainda no escapulário do Carmo.
Pelas promessas assinaladas que o recomendam, faz-me
esperar, se eu for fiel a Maria, obter os favores de que
é penhor: 1º a preservação do inferno; 2º a libertação
pronta das chamas expiatórias; 3 º uma proteção especial
da Rainha dos anjos, nos perigos, com a paz que dela
emana. Quão próprias são estas recordações para excitar
em meu coração vivos sentimentos de fé, confiança, re­
conhecimento e amor!.
Meu Deus, fazei que eu veja em cada um dos escapu­
lários um sinal sensivel da benevolência de Maria e, de
certo modo, uma das velas do navio da graça que deve
conduzir-me ao porto. Dignai-vos enfunar essas velas
com o sopro do vosso espírito, aumentando em mim as
graças atuais necessárias à minha perseverança. Tomo
a resolução: l" de usar sempre o escapulário com pro­
fundo respeito; 2º de reanimar a minha esperança em
Maria, sobretudo nas tentações, pela lembrança de es­
tar revestido, como de armadura, de suas insignias ou
da sua libré. Scapulis suis obumbravit tibi et sub pennis
ejus sperabis.

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17 DE JULHO - HUMILDADE DE MARIA

PREPARAÇÃO. Alguns institutos têm o privilégio de


celebrar neste dia a humildade da divina Mãe. Veremos,
pois: l" Quais os sentimentos de humildade que Maria
tinha de si mesma; 2º como se deixava guiar por eles.
- Diz são Bernardo: "Aplicai-vos a imitar a humildade
da �ainha dos santos, e essa virtude, constantemente
praticada em vossas relações com Deus e com o próximo,
bastará para santificar-vos. Stude humilitatem Marlre
imitari, et sufficit tibi.

1º Humildes sentimentos da. divina Mãe


"A humildade, dizia santa Teresa, é a verda.de". Ma­
ria não se julgava pecadora : tinha a certeza de nunca
ter ofendido o seu Criador; não deixava tambem de re­
conhecer as graças de que estava repleta; o seu Magni­
flcat é a prova disso : glorifica o Senhor pelas grandes
coisas nela operadas. Como poc'.Ja então nutrir humildes
sentimento_s de sua pessoa? Ei-lo: as vivas luzes, que
lhe vinham do Espírito Santo, faziam-na compreender
em grau eminente as grandezas infinitas de Deus e o
abismo incomensuravel do seu próprio nada.
Ora, como a gota d'água se perde no oceano e o áto­
mo no espaço sem limites, Maria desaparecia a seus olhos
ao comparar-se à majestade, à santidade do Onipotente
que criou o universo. Daí o olvido total de si mesma e
de seu mérito, o qual lhe fazia referir ao Altíssimo todo
o bem de que estava adornada. Convencida da sua in­
dignidade e fraqueza, sem a graça, conserva-se ante o
Senhor qual mendiga coberta de hábitos magníficos, que
a fazem sentir tanto mais a sua pobreza pessoal; humi­
lha-se, pois, na proporção dos dons, das virtudes subli­
mes, dos privilégios raros que embelezavam o seu tem­
plo interior em que só Deus habitava. Considerando-se
a última das criaturas, como foi revelado a santa Mectil­
des, humilhava-se e em espírito colocava-se abaixo de
todos.

240
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Quão diferentes dos vossos são esses sentimentos!
Tendes tão alta opinião de vós mesmos, das vossas qua­
lidades, talentos e aparentes virtudes! A menor obser­
vação, a mais ligeira censura vos perturba e irrita, por­
que vos julgais irrepreensiveis. Donde vos vêm _ essas
pretensões senão da demasiada estima que tendes de
vós mesmos? Julgais ser alguma coisa; mas a razão e
a fé vos clamam o contrário : nada sois, e· menos· ainda
do que o nada, porque sois pecadores.
Rainha de humildade, obtende-me o conhecimento de
Deus e de mim mesmo. Despojai-me das mentiras do
meu orgulho, para eu me revestir das luzes da verda­
de, que me mostrem o meu nada, a minha ignorância,
fraqueza e indigência sob as vistas da misericórdia do
vosso divino Filho. Comunicai-me a coragem de despre­
zar-me a mim mesmo, estimar os outros, recorrer sem­
pre a vós e submeter-me em tudo à vontade de Deus.

2º Como Maria praticava a humildade


Vejamos primeiro essa Virgem fiel no grande misté­
rio da Incarnação do Verbo! Perturba-se não pelas hu­
milhações, como sucede às outras criaturas, mas pelos
louvores a ela. feitos pelo enviado celeste. Embaixador
da verdade incriada, Gabriel fala em nome do seu Se­
nhor, e, entretanto, - santos pavores, tocantes angús­
tias! - a Virgem humílima perturba-se com as suas pa­
lavras. Turbata est in sermone ejus.
Após haver concebido o Verbo incarnado, o Deus ani­
quilado, põe-se de caminho ao Hebron, rebaixando-se a
servir à sua prima, que lhe era inferior. Eis o primeiro
efeito da humildade q_ue nos faz· amar o rebaixamento,
mesmo a respeito dos que nos devem atenções. Para
uma Virgem tão humilde seria pouco declarar-se a ser­
va do Criador, se não fôra tambem de todas as criaturas.
Com cuidado ocultava ainda as graças, os dons, os pri­
vilégios de que se achava enriquecida. Contente de ser
vista só por Deus, passou sua vida no esquecimento e na

Bronchain II - 16 241
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abjeção. "Em parte alguma se lê, diz santo Afonso,
tivesse ela aparecido em Jerusalém quando seu Filho lá
entrou, triunfante; mas não receou acompanhá-lo . ao
Calvário, fazendo-se conhecida como a Mãe de um conde­
. nado à morte infamante".
Viram-na partilhar os ultrajes, as derisões, os sarcas­
mos irrogados a seu Filho. Longe de recuar diante das
humilhações, expôs-se corajosa aos gritos da populaça,
às zombarias dos fariseus, aos maus tratos dos solda­
dos e dos carrascos. O' prodígio de humildade! A Rai­
nha do santos impunha-se como uma lei acompanhar ao
suplício aquele que os príncipes da nação chamavam de
sedutor, blasfemo, possesso do demônio; compraz-se em
ser desprezada, injuriada, esbofeteada com ele e como
ele.
Tal procedimento é de molde a confundir o nosso or­
gulho, a nossa vaidade! Desejamos por vezes ser humil­
des, porém somente em vista das honras que acompa­
nham frequentemente a sincera humildade, e não pelo
desejo das humilhações que a formam e conservam em
nós. Supliquemos à Rainha desta virtude nos obtenha
a coragem de abraçar o que nos humilha. Recitemos até
o Gloria Patri quando aplicarem rem�dio à úlcera do
nosso orgulho e amor próprio.
O' Maria, a mais humilde das criaturas, apesar dos
meus numerosos pecados, sinto-me tão cheio de vaida­
de e amor próprio. Vós, ao contrário, toda inocente,
aspirais ao desprezo e à confusão. Boa Mãe, dignai-vos
obter-me: 1 º o amor à vida oculta, ignorada e esqueci­
da; 2º a força de guardar humilde silêncio quando for
censurado, contrariado, rejeitado, vilipendiado e ridi­
cularizado.

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18 DE JULHO - DA COMPUNÇÃO DE CORAÇÃO

PREPARAÇÃO. Um grande meio de conservar a hu­


mildade, a exemplo da santíssima Virgem, é a compun­
ção de coração. Meditaremos amanhã: 1º os efeitos sa­
lutares da humildade; 2º os motivos que a devem ex­
citar em nós. - Propor-nos-emos, a seguir, fazer atos
de amor e contrição: na meditação, no exame à noite,
antes da confissão e depois de qualquer falta. Recogi­
tabo tibi omnes annos rneos in arnaritudine anhme rnem
(Is 38, 15).
1 • Efeitos da cofllpunção
A compunção ou a contrição habitual nasce-nos do
horror do pecado e da dor de o haver cometido. Esse
horror da ofensa divina é essencial à perfeição; é o
alimento ordinário da humildade. Esta última virtude,
com efeito, nutre-se do conhecimento de nós mesmos co­
mo pecadores e inclinados ao pecado. Ora, esse conheci­
mento produz a compunção; e esta, por sua vez, a hu­
mildade, conservando-nos o sentimento da contrição,
que abate o nosso orgulho. Tambem Davi não separa o
coração contrito do coração humilhado. Cor contriturn
et humiliatum (SI 50). A humildade dos santos foi sem­
pre uma humildade contrita.
Daí nascia aquela pureza de c�ração que lhes não ad­
mitia nenhuma mancha, nenhuma sombra de imperfeição
sem a deplorarem e expiarem; impunham-se grandes pe­
nitências pelas mais leves faltas; o seu coração, sempre
lavado pelas doces lágrimas da compunção, não era so­
mente puro aos olhos de Deus, mas tambem premunido
contra a recaída. Esse arrependimento habitual extinguia
neles até o gosto das satisfações dos sentidos como se
nota nos santos penitentes que povoavam outrora os
desertos. Tambem nós seríamos desapegados da terra,
e puros de toda falta, se a santa tristeza do arrependi­
mento embalsamasse a nossa alma.

l8* 243
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Ela seria para nós uma ·fonte contínua de devoção;
pois que não se trata aquí duma contrição melancólica
que produz a desconfian�a e s abatimento, mas dum ar­
rependimento cheio de amor, denominado pelos santos:
amor doloroso. Assim compreendida, a compunção cau­
sa às almas imenso benefício; entretem nelas a piedade
humilde e reconhecida, que dispõe às doces lágrimas du­
rante a oração, a santa missa e a comunhão; ajuda-nos
a viver recolhidos e a haurir sempre de Deus as graças
que fazem os santos. Quão vantajoso é, pois, enterne­
cermos o coração, naturalmente duro, pela dor contínua
das nossas faltas !
Meu Deus, dai-me a graça de gemer interiormente à
recordação dos meus pecados, afim de entreter em mim
a humildade, o desapego, a pureza de coração, e de au­
mentar assim todos os dias a sólida piedade e a verda­
deira devoção. Amo-vos, soberano Bem; arrependo-me
de vos haver ofendido. Dai-me a contrição habitual ou
o espírito de compunção, que vos é agradavel por nos ser
tão salutar. Sacrificiom Deo spirltus contrlbulatus.

2º Motivos de compunção
Os santos, mesmo os mais inocentes, choraram a vida
inteira suas leves faltas e imperfeições, e nós não ge­
meríamos por nossos pecados tão graves e numerosos?
Um único pecado é injúria às perfeições de Deus e ul­
traje flagrante à sua s11,nta majestade. Mal mais deplo­
ravel do que a destruição do universo, merece suplícios
eternos. Como poderá esquecê-lo quem o cometeu? Adão
chorou sua desobediência mais de novecentos anos; e
não foi demais: "Pecar uma só vez, diz Tertuliano, é
bastante para chorar eternamente". Satis est ad fletas
reternos. Quantos motivos para nós, que talvez tenhamos
pecado muitas vezes!
Mas, se o pensamento de havermos ofendido o Criador
e merecido o inferno é capaz de provocar os nossos ge­
midos, o_uanto mais o de havermos feito sofrer e morrer

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o nosso amavel Redentor! Esta consideração desolava
santa Margarida de Cortona. Suponde que, num ímpeto
de cólera, tivesseis apunhalado os autores dos vossos
dias; poderieis jamais esquecer tão grande crime e per­
versidade? E tivestes o atrevimento de calcar aos pés
o Unigênito de Deus, talvez de sangue frio e apesar dos
remorsos da conciência, e de renovar a crucifixão da­
quele que, depois de vos dar a vida da alma, vos nutre
ainda com sua carne sacrossanta! O' monstruosa ingra­
tidão! Tal atentado não merece acaso ser chorado toda
a eternidade com lágrimas de sangue ?
A nossa dor deve ainda acrescer pelo triste estado a
que reduzimos a nossa alma pelo pecado. Embora te­
nhamos recuperado a vida da graça e os méritos pEr­
didos, não sentimos ainda nos nossos membros, como
diz o apóstolo, uma lei contrária à do nosso espírito?
As tres concupiscências, de que fala são João, não mi­
litam sem cessar em nós? E depois, quantas trevas em
nosso espírito, quanta fraqueza e malícia em nosso co­
ração! Não nos parecemos com um formigueiro de ví­
cios repugnantes, e venenosos como o escorpião? eles
nos expõem à morte do pecado e à morte eterna. O' fu­
nestos frutos da queda original e das nossas próprias
faltas!
Jesus, triste até à morte no jardim das Oliveiras, dai
ao meu coração uma contrição viva, animada dos mais
puros motivos. Fazei-me chorar: l° o últraje infligido
a . vossas divinas perfeições por minhas revoltas crimi­
nosas contra vós, e a desgraça de haver assim mereci­
do o inferno; .2º a ingratidão com que, por meus peca­
dos, renovei a vossa amarga e dolorosa paixão; 3º o mal
imenso causado à minha alma pelo pecado, que me des­
pojou da graça e de todo o merecimento e me fez escra­
vo das mais vís e tirânicas paixões. O' Maria, Mãe das
dores, obtende-me as lágrimas do mais sincero arrepen­
dimento, mormente no e;x:ame da tarde e na confissão.

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19 DE JULHO - SÃO VICENTE DE PAULO

PREPARAÇÃO. "A caridade é a plenitude da lei", diz


o apóstolo. Ora, a caridade tem dois preceitos pratica­
dos por nos!lo santo até ao heroismo: 1" o amor de Deus;
2º o amor do próximo. Tiraremos proveito desta medi­
tação se tomarmos nela a resolução de amar a Deus em
si tnesmo e nas almas, suas imagens vivas; prática esta
que encerra toda a lei evangélica. Plenitudo legis est
dilectio.
l" São Vicente, modelo de amor di\'ino
O nos110 santo punha o amor do seu Criador numa in­
teira conformidade do seu espírito, do seu cor3ção, dos
seus sentimentos, da sua conduta com a vontade divina.
Essa conformidade era a alma da sua vida; falava dela
frequentemente e sempre com expressões que tocavam
os seus ouvintes. Afim de praticá-la com perfeição, con­
servava-se sempre desapegado da vontade própria e de
tudo o que não agradava a Deus, dando a isso o nome
de santa indiferença.
"Uma alma indiferente, dizia ele, assemelha-se de tres
maneiras aos anjos: 1º caminha na presença de Deus;
2" está sempre pronta a fazer a vontade divina; 3 º pre­
fere os oficios mais humildes aos mais elevados". Essas
eram as tres disposições do nosso santo; cumpria todos
os seus deveres com espírito recolhido, proêurando uni­
camente o agrado de Deus sob cujas vistas agia com
respeito, confiança e amor. Considerando-se o último de
todos, esforçava-se para prestar a outrem os mais hu­
milhantes serviços, fazendo-se, segundo a sua expres9ão,
de burro de · carga que se presta a tudo o que querem,
quando querem e da maneira que querem. Eis como Vi­
cente testemunhava a Deus o seu amor.
E que melhor prova podemos ter do nosso amor do
que a morte a nós mesmos e a tudo que não é o sobera­
no Bem? Ouçamos o ensinamento do nosso santo: "Um
nada, diz ele, uma imaginação, uma palavra brusca, uma

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falta de acolhimento gracioso, uma pequena recusa o
só pensar que não se faz caso de nós, tudo isso nos fere
ao ponto de o não podermos esquecer. Ora, a santa- in­
diferença, necessária ao sagrado amor, tira-nos todo
desejo, -todo ressentimento, desapega-rios de nós mes­
mos e das criaturas".
Tendes tais disposições que vos prendem a Deus? Uma
palavra, uma leve pena, um desgosto na oração, uma
impressão de tristeza e de desânimo, não basta às vezes
para roubar-vos a paz, a devoção, a submissão ao Se­
nhor, e o que requer o verdadeiro amor?
Meu Deus, quão longe estou da perfeição, que, no di­
zer de são Vicente, despoja o homem de toda a vontade
própria e o faz encontrar a felicidade, como os anjos,
no vosso beneplácito. Dai-me a força de morrer, dora­
vante, a mim mesmo, a minhas satisfações, e de pôr mi­
nha alegria no cumprimento dos meus deveres afim de
glorificar vosso santo nome e de contentar plenamente o
vosso coração. Qum pia.cita. sunt ei fa.cio semper.

2 º São · Vicente, modelo de caridade


para com o próximo
O nome de Vicente de Paulo é como sinônimo de ca­
ridade. Manso, bom, cordial estava sempre pronto a aco­
lher a todos e a fazer o bem a todo o mundo. "Nada
ganha tanto os corações dos homens, dizia ele, como o
amor e a afabilidade". Escreveu uma vez a um bispo:
"Outrora o Senhor armou céu e terra contra o homem;
mas o converteu? não teve de abaixar-se e humilhar-se
diante dele para o fazer aceitar o seu jugo? O que um
Deus não pode obter apesar da sua onipotência, como o
obteríamos nós a não ser pela doçura?" Fiel a essas
máximas, o santo não podia suportar a dureza nos seus
missionários. Confessou ter dado em sua vida tres re­
preensões severas, porém sem resultado, ao passo que
as correções feitas com mansidão foram sempre coroa­
das de -pleno êxito.

247
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. Admiravel era a sua compaixão para com os indigen­
tes; via neles o Verbo incarnado feito pobre por nossa
causa. Todas as necessidades temporais e espirituais en­
contraram nele um pai cheio de ternura e ilimitado de­
votamento. Quem poderia contar as obras e instituições
inspiradas e realizadas por sua ardente caridade? Quan­
tos mendigos vestidos e providos do necessário por seus
cuidados! Quantas regiões nutridas em tempo de cares­
tia por sua liberalidade! Fundou hospícios e hospitais,
creches e asilos, instituições para os doentes de toda ida­
de e condição.
"E' o próprio Deus que recebe, dizia ele, os dons da
nossa caridade; grande ventura é para nós poder dar­
Jhe o que lhe pertence e que recebemos da sua bondade".
Imitador fiel de Jesus Cristo, o santo levou a perfeição
da caridade ao ponto de amar os seus i�imigos. Quem
mais o ofendia, maiores benefícios recebia de suas mãos.
E' esse o vosso procedimento? Que repugnância não
sentis em perdoar uma injúria, uma injustiça,- em su­
portar os defeitos alheios, os caracteres antipáticos, em
não falar mal dos que vos maldizem, perseguem e ca­
luniam?
Jesus e Maria, formai em mim um coração como o de
são Vicente de Paulo, isto é: 1 º um coração bondoso,
manso, afavel, sempre pronto a esquecer as afrontas,
as indelicadezas, as faltas de atenção; 2º um coração
compassivo para todas as misérias� disposto a aliviar
e a servir, generoso nas esmolas, nos sacrifícios e no
devotamento; pois que tais disposições abrangem toda
a lei evangélica. Plenitudo lcgis est dilectio.

20 DE JULHO - DA PRUDENCIA OU DISCRIÇÃO

PREPARAÇÃO. São Vicente de Paulo, cuja caridade


admiramos, distinguia-se tambem na discrição e pru­
dência. Meditaremos, pois: 1° a necessidade da prudên­
cia cristã; 2º os defeitos que lhe são contrários. - To-

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maremos a resolução de reprimir a leviandade, a irre­
flexão, a imprevidência, lembrados da palavra do Espí­
rito Santo: Bem-aventurado o homem cheio de prudên­
cia. Beatus homo, qui affluit pruclentia (Prov 3, 13).

l º Necessidade da discrição para a santificação


A virtude mais indispensavel aos que tendem à perfei­
ção, segundo os padres da Tebaida, é sem contestação
a prudência ou a discrição. E realmente essa virtude
nos é necessária nas nossas relações com o mundo, afim
· de nos esquivarmos à sua influência; com o próximo, pa­
ra não o ofendermos, indispormos e escandalizarmos; co­
nosco mesmos, se quisermos evitar o que pode excitar
ou nutrir as nossas más inclinações. Todos os pecados
procedem de alguma falta de discernimento, que nos im­
pede de compreender e de escolher o nosso verdadeiro
bem.
Sem a discrição, as virtudes são defeituosas: pecam
por excesso ou por defeito, não sendo dirigidas sabiamen­
te. Segundo são Ba�ílio "a prudência é o piloto do na­
vio da perfeição". Sem ela · vai-se ao encontro de mil
dificuldades com riscO" de naufragar; com ela, ao contrá­
rio, conserva-se o ju_sto meio reclamado pela verdadei­
ra santidade. "Por ela julgam-se as coisas, diz são Vi­
cente de Paulo, como Jesus as julgava; age-se como ele
agia; escolhem-se os meios mais próprios, o caminho
mais. seguro para se chegar a Deus". Tem-se cuidado
em moderar o temor pela confiança, de temperar a jus­
tiça pela clemência, de formar as intenções, de regular
as afeições, estabelecer a harmonia entre todas as vir­
tudes; de maneira a nunca se lesar_ uma pelo excesso
da outra.
E; a prudência que nos ensine. a vivermos recolhidos
sem. esCJ_uecermos os nosso deveres de estado; a - pensar­
mos em Deus sem faltarmos à atenção devida ao pró­
ximo; a amarmos a solidão sem deixarmos de satisfazer
às exigências da -obediência, da caridade e da decência
cristã. A$ almas--prudentes, segundo Deµs, aplicam�se às

249
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obras de zelo, mas sem se descuidar do seu interior: re­
temperam-se muitas vezes em práticas piedosas; acaute­
lam-se sobretudo da extrema imprudência de viver na
tibieza e inconciência com risco de escorregar aos poucos -
no abismo do pecado mortal e de nele perecer misera­
velmente.
Meu Deus, quão imprevidente tenho sido nas coisas
da salvação! Entretanto a minha honra, a minha sau­
de, os meus interesses temporais têm sido o objeto' de
minhas solicitudes. Dignai-vos - inspirar-me o mais vivo
desejo da minha santificação e a coragem de mortificar
os meus sentidos e más inclinações. Dai-me a graça de
agir sempre em espírito de fé, de vigilância e de oração,
persuadido, com são Bernardo, que nenhuma segurança
é demasiada quando se trata da eternidade. Nulla nimia
securitas, ubi periclitatur mtemitas.

2º Defeitos contrários à prudência


Afim de melhor praticarmos essa indispensavel virtu­
de, devemos evitar com cuidado, primeiro a precipita­
ção natural que perturba a razão, agitando-nos o cora­
ç5.o. A febre de satisfazer a um desejo ou de obedecer
a um temor, a uma apreensão, tira-nos a calma necea-.
sária ao raciocínio; impede-nos de discernir o verdadei­
ro do falso, os instintos da natureza, das inspirações da
graça, o util do prejudicial a nós ou ao próximo. Daí
muitas vezes as indiscrições da linguagem e da ação,
que lesam a caridade, sem malevolência da nossa parte;
daí a perda de tempo, causada por uma atividade pouco
regrada que nos faz agir inutilmente ou sem proveito
para a nossa alma.
Este defeito oposto à prudência produz um outro cha­
mado por santo Tomaz: a irreflexão. Deixando-se in­
fluenciar pelos sentidos, pela imaginação, sentimento,
desejos e temores, pelas alegrias e penas, a ·alma irre­
fletida segue esse primeiro impulso e cai frequentemen­
te em erros e exageros que têm funestas consequências
para ela e para outros. Abala-sé a sua vida interior, por-

2õO
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que essa má disposição impede o recolhimento do espí­
rito, e, nesse estado, a alma não penetra nas coisas de.
salvação.
Daí nasce um terceiro defeito, assinalado pelo doutor
angélico: a inconstância. Esta não nos impede certamen­
te de fazer bons propósitos, mas nos faz deplorar depois
a leviandade com que os esquecemos ou transgredimos.
Assim não procederam os santos: "Quando tomo seria­
mente uma resolução, dizia santo Afonso, não volto
atrás". Não fazeis o contrário? Fazeis facilmente os
mais generosos projetos e com a mesma facilidade os
abandonais.
Remediaremos a esse defeito e aos outros dois mencio­
nados acima, servindo-nos do instinto natural que nos
faz agir com cuidado, reflexão e atenção quando nos
julgamos vigiados. Ora, a fé nos mostra o olhar divino
fixo sempre sobre nós. Esta verdade é de molde a for­
çar-nos a desempenhar os nossos deveres pausadamen­
te, com circunspeção e constância. Cada manhã, pois, e
de tempo em tempo durante o · dia, dizei convosco: "O
Deus de majestade, de santidade, o meu Juiz e meu Pai
está aquí presente: ele me vê e observa sem cessar; devo,
pois, tornar irrepreensíveis a minha intenção, as minhas
palavras, toda a minha conduta".
Meu amado Senhor, tomo desde já a resolução de vi­
ver sempre calm,o, recolhido, fiel à vossa graça em to­
das as minhas ações, afim de em tudo ser dirigido e go­
vernado por vossa sabedoria e conselho, e de agir sem­
pre sem esmorecimento segundo as regras da prudência
cristã. Peço-vos esse favor pelos méritos do Verbo in­
carnado e de sua divina Mãe.

21 DE JULHO - SIMPLICIDADE CRISTA


PREPARAÇÃO. Após haver recomendado a seus dis­
cípulos que fossem prudentes como serpentes, disse-lhes
o Salvador: "Sede simples como pombas" (Mt 10, 16).
Meditaremos amanhã: 1 º a excelência da simplicidade;

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2º os efeitos preciosos que dela se or1gmam. - Como
fruto desta meditação suplicaremos ao Senhor, com o pro­
feta-rei, queira renovar em nós o espírito de inocência
e retidão que nos desapegará de tudo e nos fará procurar
unicamente a glória e o beneplácito divino. Spiritum
rectum innova. in visceribus meis ( SI 50) .

l º Excelência da simplicidade cristã


A simplicidade, segundo santo Tomaz, é assim cha­
mada por oposição à duplifidade, que consiste em fazer
aparecer exteriormente outra coisa do que os sentimen­
tos do coração. Ela significa retidão; vai diretamente ao
alvo, e não por dois caminhos. Essa virtude, diz o car­
dial Bona, é pouco conhecida dos homens, tem grande
valor em si mesma e agrada a Deus mais do que tudo.
E, com efeito, a Escritura o declara: o Senhor ama-a, ela
arrebata-lhe o coração (1 Par 19, 27); e não admira:
verdade personificada, inimiga de toda mentira, não pode
deixar de amar uma alma que ignora a dissimulação;
por isso defende-a, como o pastor defende a ovelha con­
tra os lobos que querem arrebatar-lha. Cobre-a de sua,
proteção· divina, aclara-a, guia-a, manifesta-lhe os seus
desejos e põe nela as suas complacências, como um pai
em seu filho. Voluntas ejus in iis qui simpliciter ambu­
lant (Prov 11, 10). Daí as recomendações dos Livros
santos, de se unir a simplicidade às outras vlrtodes:
"Obedecei, diz o apóstolo, em toda simplicidade como a
Jesus mesmo (Ef 6, 5); a retidão, continua ele alhures,
deve santificar as vossas relações mútuas, as vossas
ações e todos os deveres indispensaveis para se chegar
à salvação". O Evangelho ensina-nos a ter sempre o
olho simples ou a intenção pura, e a ocultar à nossa mão
esquerda o bem que operamos com a direita. Nescia.t si­
nistra tua. quid faciat dextera tua (Mt 6, 3)-.
Desta doutrina podemos deduzir as seguintes conclu­
sões: 1º A simplicidade cristã desprende-nos de nós mes­
mos e. das coisas cria.das; eleva-nos açima do amor pró-

252
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prio e de toda consideração humana. 2º Coloca somente
a Deus no nosso espírito, purificando nossas intenç:ões,
e no nosso coração, santificando-lhe os desejos e afei­
ções. Daí a excelência dessa virtude, que nos despoja do
que é baixo e terreno para revestir-nos dos esplendores
da verdade e santidade divinas. Dessa forma- as almas
simples servem a Deus no meio do mundo como na so­
lidão; na adversidade como na prosperidade. São essas
as vossas disposições? Aceitais as penas e as alegrias
com igual indiferença? Em um e outro lugar, com efei­
to, achareis o Bem supremo, que deve bastar-vos em
tudo, se fordes simples e tementes a Deus como o santo
Jó, do qual fala a Escritura.
Jesus, fazei-me compreender a excelência da simplici­
dade, inimiga da astúcia e do fingimento. Vós protegeis
os que a praticam e tomais a sua defesa. Quero exercê-la
para com meus superiores e meus semelhantes. Dai-me
a graça de ser todo vosso nos meus pensamentos e in­
tenções, nos meus desejos e projetos, nas minhas pala­
vras e ações.

2" Efeitos da simplicidade cristã


"A simplicidade, diz são Gregório, tempera a astúcia
da serpente" e sem ela a prudência corre grande risco
de ser imoderada e de pecar por excesso, como o afir­
ma são Remígio. Ela nunca antepõe o próprio interesse
à glória de Deus e ao bem do próximo; ignora os ro­
deios, detesta a mentira e ama a verdade; não sabe ne­
gar os seus erros, nem disfarçar as faltas, mas confes­
sa-as ingenuamente quando se apresenta ocasião. Pouco
preocupada com o que dizem e pensam dela, a alma ver­
dadeiramente simples não se inquieta com a opinião pú­
blica, não liga à estima nem às faltas de atenção; o seu
único pensamento, a sua única solicitude é de agradar
a Deus.
Da mesma forma a paz não se afasta jamais do seu
coração. Sempre a mesma em toda parte, vive no seu
interior como se só ela existisse. com Deus sobre a ter-

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ra, sem se preocupar com o que agita tanto os munda­
nos, os orgulhosos, os ambiciosos, os homens cheios de
si. Estes se conduzem por vistas baixas e interessada!;
empregam mil habilidades para chegar a seus fins. A
alma simples, ao contrário, ignora a cabala, o cálculo, o
disfarce; a sua política é de não ter nenhuma e de con­
fiar em Deus, de esperar em sua sabedoria e de aban­
donar-se à sua divina direção.
Eis por que caminha confiada e segura, segundo a ex­
pressão do Espírito Santo. Qui ambulat simpllclter, am­
bulat confidenter (Prov 10, 9). E não poderia ser de
outra forma; não se fadiga em ponderar e medir as pala­
vras, ações e passos ; polida, discreta, caridosa sem afe­
tação, tem o coração sempre tranquilo. Evitando retros­
petos inquietos que só servem para diminuir a paz da
conciência, . sem torná-la mais fervorosa nem mais pura,
vive como uma criança bem intencionada que, confian­
do na obediência, deixa a seus diretores espirituais, se­
gundo a palavra do apóstolo, o cuidado de responder
por ela diante de Deus (Hb 13, 17). Ninguem a vê tris­
te nem dissipada, mas sempre feliz e contente, serviçal
a todos, e esquecida de si própria para ocupar-se dos seus
deveres.
Jesus e Maria, fazei-me participar dos felizes efeitos da
retidão e simplicidade evangélicas, concedendo-me as se­
guintes disposições: 1º uma franqueza cândida que afas­
te de mim toda dissimulação e malícia, e me ajude a
confessar ingenuamente as minhas faltas; 2º uma paz
profunda, que nasce da sinceridade do coração que só
procura a Deus; 3º uma inteira confiança e um perfeito
abandono à Providência divina, fontes da alegria espiri­
tual, que é o apanágio dos filhos do Pai celeste e o fru­
to do' seu amor filial para com ele.

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QUARTO DOMINGO - A REDENÇÃO

PREPARAÇÃO. Para celebrarmos a oitava da festa


do santíssimo Redentor consideraremos: l° o que Jesus
fez em nosso favor; 2º como os homens lhe têm corres­
pondido. - Consagrar-nos-emos sem reserva ao serviço
do nosso Rei, do nosso Deus, do nosso Salvador, supli­
cando-lhe nos torne doceis· à sua voz, obedientes a seus
preceitos, afim de que reine sobre nós sem obstáculo e
para sempre. Intende, prospere procede et regna (SI
44, 5).
1º O que o Redentor fez por nós
Lúcifer caiu do céu e o Redentor não o reergueu. Mi­
lhões de anjos foram arrastados à mesma ruina e nin­
guem os livrou; após o seu primeiro pecado foram pre­
cipitados, como o relâmpago, na profundeza do abismo
sem terem tempo de arrepender-se. Nós temos pecado
muitas vezes e Deus não só nos poupou, mas incumbiu
seu· Filho de preservar-nos dos golpes da sua justiça. E
esse Filho adoravel desceu dos céus, incarnou-se para
nós. Ele não derramou nem uma lágrima em favor dos
anjos rebeldes, mas por nós, ingratos, deu todo o seu
sangue, a ponto de derramá-lo até a última gota.
Ainda mais; depois de pregar na cruz a sentença da
nossa condenação, · triunfou dos poderes infernais e des­
pojou-os de todo o poder sobre nós (Col 2, 14-15). Para
completar sua vitória, deu-nõs armas e inúmeros socor­
ros, isto é, a oração, os sacramentos, a Igreja divina­
mente inspirada, a verdade conservada por um Pontífice
infalivel, o sacrifício oferecido sempre em todos os pon­
tos do globo, o perdão jamais recusado aos corações ar­
rependidos, e, por cúmulo de misericórdia, a si mesmo a
residir conosco até ao fim dos séculos e a tornar-nos in­
venciveis contra os inimigos da nossa alma. Que pode­
riam ainda excogitar a sua sabedoria e bondade para
reparar as nossas ruinas? Não bastam tantos remédios
à nossa cura espiritual?

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Somos ainda chamados a substituir no céu os anjos
decaídos, os quais trabalham para perder-nos. Afim de
preparar-nos para tão alto destino, o Salvador enviou­
nos o Espírito Santo. Esse divino Paráclito faz-nos tirar
proveito dos sacramentos; purifica-nos do pecado no ba­
tismo e na penitência; nos quais nos confere ou aumenta
a vida sobrenatural com as virtudes, os dons e os pri­
vilégios que a acompanham. Pouco a pouco na oração
e na comunhão sacramental talha-nos à semelhança de
Jesus, movendo-nos a renunciar aos vícios para imitar­
mos a santa vida do Chefe dos predestinados.
São esses os preciosos frutos da Redenção; abrangem
todos os tesouros espirituais da Igreja, todos os bens da
graça e da glória; fornecem-nos os meios de adquirí-los
apesar· da fúria e da inveja dos príncipes das trevas, aos
quais fomos preferidos, e que se esfqrçam para arrastar­
nos à sua desgraça.
Jesus, como reconhecer o vosso amor e os vossos be­
nefícios? Os demônios penam no inferno sem esperança
de libertação. Dai-me a graça de pensar dia e noite em
vossas infinitas misericórdias. Recordai-me sem cessar
os vossos sofrimentos, as vossas ignomínias e sobretudo
a vossa morte na cruz, a qual é para todo o gênero hu­
mano a fonte inesgotavel da vida e da salvação.

2º Como os homens têm correspondido à Reden�ão


Há vinte séculos, Jesus nos resgatou e difundiu sobre
a terra ondas de luz e de graças; como se têm os homens
aproveitado delas? Uns voltaram-se para ele afim de o
bendizer e amar, porém quantos outrces se têm enfurecido
contra a sua pessoa e contra os seus ensinamentos! For­
maram-se dois campos entre as nações: um dos partidá­
rios de Satanaz, da mentira · e dos vícios, e o outro dos
filhos da luz, amigos de Jesus e da doutrina evangélica.
Adversários implacaveis do Homem-Deus, os primeiros
não querem nem os dogmas, nem os preceitos, nem a
graça divina. Os outros, seus discípulos fiéis, dedicam-se
à fé, seguind·o a sua palavra, à prática dos seus exem-

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pios, à esperança em suas promessas. Esta é a realização
da profecia do santo velho Simeão: "Este menino está
posto para ruína e para salvação de muitos" (Lc 2, 34).
E:x;aminai a que grupo pertenceis. Imitais a conduta
da Igreja, que marcha através dos séculos sem se des­
viar jamais da sua rota? Ouve os inimigos de Jesus, seu
esposo, a blasfemá-lo, maldizê-lo, renegá-lo; vê-os coli­
gados COJ?-tra ela afim de atacarem ora o seu ensino ora
o seu poder, ora as suas mais santas instituições. Batida
de todos os lados ao mesmo tempo, dá-nos os mais be­
los exemplos da constância invencível no bem. Em vez
de temer e ceder, afirma sempre mais as suas crenças,
exerce sem desfalecimento o seu ministério, e continua
a difundir sobre a terra os seus inumeraveis benefícios.
Não deveríamos tambem nós assim proceder contra
os nossos inimigos invisíveis? Eles trabalham para per­
dermos a fé, ou a inocência ou o fervor no serviço de
Deus. Como resistir-lhes? imitando a Igreja nossa Mãe,
auxiliados pelas práticas seguintes: 1 º Consolidemos sem­
pre a nossa crença lendo livros piedosos e exercendo a
nossa fé..2º Não omitamos nenhum dos nossos deveres
por negligência ou respeito humano. 3 º Sejamos humil­
des, castos, confiantes, na proporção da violência dos
combates que nos fazem o orgulho, a concupiscência e
o desânimo. Não é porventura justo que meçamos a nos­
sa resistência em prol da nossa salvação, pelos esforços
dos inimigos que trabalham para perder-nos?
Jesus e Maria, fazei que sempre recorra a vós na luta
encarniçada e incessante, de que depende a minha eter­
nidade.

22 DE JULHO
SANTA MARIA MADALENA, PENITENTE

PREPARAÇÃO. "Muitos pecados lhe foram perdoa­


dos, porque muito amou" (Lc 7, 38). Essas palavras do
divino Mestre mostram-nos, em nossa santa penitente,
o poder do amor: 1º O amor purificou-a de suas manchas

Bronchain II - l'7 257


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e separou-a de tudo que não é Deus; 2º o amor santifi­
cou-a e transformou-a em seu dileto Senhor. - A seu
exemplo choremos as nossas faltas e dediquemo-nos ao
amor de Jesus, que tanto temos ofendido. Remittuntur
ei peccata multa, quoniam dilexit multum.

1º O amor purificou santa Maria Madalena


Estando Jesus à mesa em casa do fariseu Simão, uma
pecadora pública, empunhando um vaso de alabastro,
põe-se a regar-lhe os sagrados pés com suas lágrimas,
enxuga-os com seus cabelos, beija-os humildemente e
unge-os com precioso perfume. Donde teve essa mulher
tantos sinais de arrependimento e de devoção? Jesus no­
lo indica: "Muitos pecados lhe foram perdoados, porque
muito amou". E', pois, o amor divino que inspira a Ma­
dalena suas dores e o seu devotamento ao Deus-Salva­
dor.
O amor, com efeito, faz-nos conceber extremo horror
às menores faltas e move-nos a reparar nossos erros
para com Jesus, contrariamente ao frio egoísmo do sé­
culo. "Vede essa: mulher, disse o divino Mestre ao fari­
seu: vim à vossa casa e não me destes água para lavar
os pés; ela, porém, regou-os com suas lágrimas e enxu­
gou-os com os seus cabelos. Não me destes o ósculo e
ela, desde que entrou, não cessou de me beijar os pés.
Não me ungistes com óleo a cabeça, e ela ungiu-me os
pés com unguento precioso!"
Admiremos esses efeitos do amor doloroso: 1º faz-nos
chorar amargamente as ofensas, e dá-nos para com Je­
sus afeição humilde e devotada, figurada pela constância
de Madalena em abraçar os seus sagrados pés e a en­
xugá-los com seus cabelos; 2º comunica-nos devoção ter­
na e perseverante, que exala de nossa alma, como per­
fume agradavel a deleitar o coração divino.
Tendes esta santa afeição capaz de vos fazer deplorar
as faltas ao pé do crucifixo e de vos abrasar de zelo
no serviço daquele que tantas vezes vos tem perdoado?

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Estais prontos a testemunhar-lhe o vosso amor a custo
dos maiores sacrifícios?
Jesus, inspirai-me sentimentos semelhantes aos de Ma­
dalena. Dai-me, como ela, um coração contrito e humi­
lhado, um coração animado do desejo da peniwncia e
da mortificação, numa palavra, um coração que queira
destruir em si todos os obstáculos ao vosso santo amor.

2º O amor santificou santa Maria Madalena


O mesmo amor que santifica Madalena prende-a para
sempre a Jesus. Ela segue-o em suas pregações, provê-o
do necessário a ele e a seus discípulos. Quanto não so­
fre o seu coração durante a sagrada paixão? Longe de
abandonar o seu bom Mestre segue-lhe os passos; mais
corajosa do que os apóstolos, haure do seu amor a for­
ça de arrostar as ameaças dos soldados e carrascos. Co­
mo a-Virgem�Mãe e o discípulo amado, sobe ao Calvário
e lá fica, sustentada por sua caridade, durante a agonia
cruel do Salvador. Com que compaixão ouve-o queixar­
se de sede, sem poder aliviá-lo! Com que dor e amar­
gura o vê expirar ! ...
Santa Madalena, quem nos dirá dos nobres sentimen­
tos formados em vossa alma pelo amor divino! Domin­
go de Páscoa, levantando-vos antes da aurora, sois con­
duzida pelo amor ao túmulo do Homem-Deus. Absorta no
pensamento do .vosso Jesus, perguntais a todos: "Onde
está ele, onde o pusestes?" como se todo o mundo, a vos­
so exemplo, só pensasse em Jesus. Ah! avivai sempre em
mim a lembrança deste terno Salvador: no trabalho,
nos negócios, no meio das conversações. Que tudo no
mundo me fale dele; que nenhuma conversa me satisfa­
ça sem que nela ouça o doce nome de Jesus! Que toda
a minha vida se consuma em seu amor e serviço!
A exemplo de santa Maria Madalena dediquemo-nos
muito à oráção, fornalha onde a santa se abrasou da
caridade divina, mormente depois da Ascensão. Sete ve­
zes por dia era arrebatada em êxtase e inebriava-se· no

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exílio, antegozando as alegrias da pátria celeste. A ora­
ção, feita séria e constantemente, aumenta o nosso amor
a Jesus. Meditando com Madalena o Salvador a pregar,
a instruir os pobres, a curar os enfermos, ·a fatigar-se
por suas viagens e a passar noites em oração por nosso
amor, poderíamos acaso hesitar em consagrar-nos a ele
sem reserva? Contemplando-o coberto de chagas cruen­
tas,- coroado de espinhos e suspenso na cruz para a nos­
sa salvação, não nos sentiríamos tocados ao ponto de
nada recusar a tão amante Redentor e de tudo sacrifi­
car para permanecermos fü�,is para sempre?
Jesus e Maria, fazei que minha oração produza esses
efeitos capazes de santificar a minha alma. Inspirai-me
o espírito de compunção e de fervor, o amor do recolhi­
mento e da prece, a constância no devotamento a Deus
e na fidelidade à graça.

23 DE JULHO - DO DESEJO DA PERFEIÇÃO

PREPARAÇÃO. Maria Madalena de pecadora tornou­


se santa em pouco tempo. Santificar-nos-emos como ela,
se o desejarmos com ardor. Meditaremos pois: l ° os mo­
tivos de desejarmos a nossa santificação; 2" quão arden­
tes e eficazes devem ser esses desejos. - Comecemos por
estudar a nossa miséria e estimar os bens do céu e ve­
remos logo crescer em nós os santos desejos que nos
atraem as graças divinas. Esurientes implevit bonis;
(Lc 1, 53).
l º Motivos para desejar a perfeição
O amor da glória e da elevação é natural a todos; mas
há poucos que procuram a grandeza real e duravel. A
verdadeira grandeza consiste em nos tornarmos seme­
lhantes à grandeza infinita que é Deus, em copiar suas
divinas perfeições, em referir-lhe a glória de todo o bem.
Ora, só a santidade nos conduz a esse estado sublime;
eleva-nos acima da terra para unir-nos ao Cr-iador. Nada
mais nobre do que estar unido a Deus, participar, por se-

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melhança, da sua essência adoravel, tornar-se seu filho
adotivo e herdeiro de seu reino! Nada mais capaz de in­
flamar os nossos desejos. Esta dignidade é superior à
realeza e até à natureza angélica.
Há tantos no mundo que ambicionam as riquezas pe­
reciveis, riquezas desprezadas por Jesus Cristo e pelos
santos. Por que é que esses corações cobiçosos não vol­
tam o seu ardor aos tesouros da graça? A menor par­
cela destes vale mais do que todo o ouro do universo;
e, não obstante, nós os desejamos com pouco ardor. Po­
demos obtê-los pela oração e boas obras, e pouco fervor
mostramos na procura dos bens sólidos e duraveis, pro­
metidos pela rnunüicência divina!
:€-nos tambem natural o desejo da felicidade; mas onde
colocamos a nossa? muitas vezes nos prazeres, nas sa­
tisfações sensíveis., O homem julga-se feliz quando não
sofre e experimenta alegrias. Mas de que valem as de-_
lícias da vida sem a paz interior? A verdadeira beatitu­
de é inseparavel da santidade; por que procurá-la alhu­
res? E' encontrada pelos desejos eficazes, que dão força
para a emenda das faltas e a prática das virtudes. Não
nos falta esse fervor de espírito que distingue as almas
fiéis? Esforcemo-nos por adquiri-lo por meio da leitura,
da meditação e da súplica, afim de formarmos em nós
as resoluções que animavam os santos.
Jesus, vós dissestes: "Bem-aventurados os que têm
fome e sede de justiça, porque serão saciados". Que
vossa glória, divino Mestre, seja de hoje em diante, a
minha; a vossa graça, a minha riqueza; a vossa von­
tade, a minha felicidade! Só em vós posso achar o que
sacia e satisfaz plenamente a minha alma. Fazei pois que
eu sempre suspire por vós e por vosso amor, como os
mundanos suspiram pelas dignidades, pelos tesouros e
pelos prazeres da terra.

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2• · Como !'le deve desejar a perfeição
Devemos desejar a santificação da nossa alma, como
um enfermo a sua cura: ora, ele a deseja na medida. em
que compreende a gravidade do seu mal e o valor da
saude perdida. Assim, devemos aspirar à santidade com
ardor igual ao sentimento que nos é dado da nossa mi­
séria e a fé viva que nos aclara sobre o bem inestimavel
da perfeição. Quanto mais virmos, de um lado, a grandeza
dos bens celestes perdidos pelo pecado, e, do outro, a ig­
norância, a concupiscência, a fraqueza, a malícia, os pe­
rigos da queda, provenientes da culpa original, tanto
mais desejaremos a nossa restauração espiritual e os
bens que dela emanam. Aspiraremos então à perfeição
corno o doente à saude.
· Desejemo-la como o esfaimado que quer sentar-se a
uma mesa· abundantemente servida. A mesa do Senhor é
de molde a provocar a nossa fome. Nela encontramos ali­
mentos espirituais de valor infinito e de duração eterna;
alimento em relação com a natureza, a dignidade, as exi­
gências, à. imortal.idade da nossa alma e seus gloriosos
destinos. Quanto mais alguern se nutre deles, tanto mais
fome sente; e essa fome, sempre satisfeita, aumenta cada
vez mais os desejos a ponto de fazer nascer nos amigos
de Deus resoluções heróicas. Santo André Avelino fez
voto de crescer em virtude cada dia; santa Teresa e
santo Afonso, de escolher sempre o mais perfeito na prá­
tica do bem.
Quereis santificar-vos como eles? Sede como eles se­
melhantes ao cervo sedento que suspira pela fonte de
água viva; aspira constantemente à união perfeita com
Deus. Essa união efetua-se sobretudo pelo amor. A alma
que ama o seu Criador, deseja amá-lo sempre mais; tem
sede de pertencer-lhe mesmo a custo dos maiores sacri­
fícios.
Meu Deus, preservai-me da desgraça de apegar-me à
criatura e de comprazer os meus afetos à vida mundana,
sensual e terrena. Fazei-me compreender o valor da gra-

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ça, que é a saude de minha alma. Inspirai-me a estima e
o amor dos bens celestes que são como as colunas, a for­
ça e o adorno do edifício interior, no qual quereis unir­
vos a mim e tornar-me semelhante a vós. Pelos méritos
de Jesus e Maria, acendei em mim os santos desejos, que,
segundo a vossa palavra, nos merecem a vossa proteção
e a abundância dos vossos favores. Esurientes implevit
bonis.

24 DE JULHO - ESPlRITO DE OBEDI�NCIA


PREPARAÇAO. O melhor meio de vencer o amor pró­
prio e atingir a santidade é a prática do espírito de obe­
diência, e consiste: l ° em fazer todas as coisas na in­
tenção de obedecer; 2º em suportar todas as penas com
inteira submissão. - Representemo-nos Jesus, nosso
Mestre, dizendo a todos: "Minha comida é fazer a von­
tade daquele que me enviou". Meus cibus est, ut faciam
voluntatem eius qui misit me (Jo 4, 34).

1 º Agir em espírito de obediência


O apego à nossa vontade é um mal tanto mais funes­
to quanto menos o percebemos, nós obcecados como so­
mos pelo amor próprio. E, entretanto, muitos erros co­
metemos por causa dele: ele impede o nosso progresso,
rouba-nos os méritos, e expõe-nos a um juizo severo da
parte de Jesus Cristo.
O melhoI" remédio a opor-lhe é o espírito de obediên­
cia, que nos faz agir sempre sob a direção dos nossos
superiores e diretores espirituais. Forçados a renunciar
ao capricho e à fantasia, reprimimos o amor excessivo
da nossa liberdade e entramos na via dos perfeitos, que
é contentar exclusivamente· a Deus. Esse é tambem o
meio legítimo de atrair sobre nossas ações a: benção di­
vina. Um dia Simão Pedro, convidado pelo Salvador a
pescar em pleno mar, respondeu-lhe: Mestre, trabalha­
mos a noite toda e nada apanhamos; mas, sobre a vossa
palavra, lançarei as redes. Fê-lo e a pesca foi tão abun-

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dante que se encheram duas barca!!!, que quaei se afun­
daram (Lc 5).
Uma outra vez, aos apóstolos que se afadigavam no
mar com um trabalho inutil, disse o Salvador: "Lançai
as redes à direita do barco". Obedeceram e apanham iine­
diatamente uma multidão de peixes (Jo 21). Assim a
nossa obediência nos enriquecerá de méritos e virtudes
se a praticarmos· constantemente e em espírito de fé.
Fazei, pois, cada manhã a intenção de agir em tudo e
sempre, não pelo desejo de vos contentar e satisfazer,
mas unicamente para obedecer a Deus e aos que o re­
presentam. Renovai muitas vezes durante o dia essa in­
tenção; almejai consagrar a Deus todos os vossos pen­
samentos, palavras, ações, todas as pulsações do vos­
so coração e todos os instantes de vossa vida, por uma
completa abnegação de vós mesmos e perfeita sujeição
à autoridade divina.
Jesus, meu divino Mestre, inspirai-me o amor da obe­
diência, o espírito de submissão e docilidade. Dai-me a
força de cumprir os meus deveres, não murmurando,
mas com alegria, afim de poder dizer a vosso exemplo:
"O meu alimento é fazer a vontade daquele que me en­
viou e cumprir seus designios sobre a minha alma. Sem­
pre faço o que_ lhe apraz. Qure placita sunt ei facio sem­
per. (Jo 8, 29).

2º Sofrer em espírito de submissão


Glória perfeita rendemos ao Senhor, resignando-nos sem
reserva às penas e provações da vida. Com isso reconhe­
cemos, não só de boca, mas em verdade, o seu soberano
domínio sobre o nosso corpo e a nossa alma. Realmente
nada é tão dificil como sofrer com paciência. Aceitar a
dor, a enfermidade, a humilhação com espírito docil, é
dizer sinceramente: "Senhor, respeito e adoro o vosso
poder soberano; não quero resistir-lhe nem queixar-me
dos seus golpes". Obmutul et non aperui os meum quo­
nia.m tu fecisti (SI 38, 10). Santa Maria Madalena de
Pazzi diz que assim se faz um holocausto de si mesmo e

264
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!e i1atisfaz sem reserva à vontade divina, sacrifício esse
que honra sobremaneira todas as obras empreendidas
para sua glória.
Que outro contentamento verdadeiro poderíamos, aliás,
procurar, senão a conformidade sem reserva aos desejos
do Deus supremo, da bondade incriada, daquele cuja pro­
vidência nos quer fazer sempre felizes? A nossa felici­
dade real e duradoura não consiste no gozo, mas na paz
duma conciência que cumpre o seu dever resignando-se:
"Eu quisera ver os meus eleitos mais persuadidos de que
as suas preces e ações me são agrada,·eis quando eles me
servem à custa de si mesmos, isto é, quando, privados
de toda a doçura sensível na oração, continuam a cum­
prir os seus deveres de piedade, confiando em minha bon­
dade, que toma em consideração a sua reta intenção e
retribue suas homenagens com benevolência".
Quando, pois, o enfado, os desgostos, as distrações, os
ataques do inferno vos atormentarem na oração, resi­
gnai-vos em vez de vos abaterdes e cairdes no desânimo;
submetei-vos humildemente à vontade divina! e oferecei�
lhe o vosso sofrimento; ele aceitará a vossa paciência, e
os bons desejos do coração subirão até ele qual fervoro­
sa prece.
Meu Deus, a quem os anjos e santos obedecem, a quem
estão sujeitos, embora contra a vontade, os próprios de­
mônios! pela intercessão da Virgem sempre fiel, conce­
dei-me o espírito de obediência e da conformidade a vos­
so beneplácito. Que os meus pensamentos, gostos e in­
clinações naturais não me afastem em nada da vossa
vontade sempre sábia, sempre santa, sempre perfeita,
sempre infinitamente amavel.

25 DE JULHO
OBEDIÊNCIA DO VERBO INCARNADO
PREPARAÇÃO. "Desci do céu, disse o Salvador, para
fazer a vontade daquele que me enviou". Meditaremos
amanhã a obediência de Jesus: r na sua incarnação . e

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nascimento; 2" na sua vida oculta. - Considerando um
Deus que obedeceu a suas criaturas, tomaremos a reso­
lução de sujeitar-nos plenamente e sem réplica à autori­
dade legítima; pois que estamos no mundo antes de tudo
para obedecer a Deus. Descendi de creio ut faciam vo­
luntatem ejus qui misit me ( Jo 6, 38).

1 º Jesus obediente na sua incarnação e em seu


nascimento
Soberanamente independente, o Verbo eterno quis
incarnar-se para obedecer a seu Pai. Incarnar-se era-lhe
um opróbrio, mas incarnar-se para obedecer pareceu-lhe
glória imortal. Veio, pois, segundo o apóstolo, enviado
por seu Pai na plenitude dos tempos, isto é, no tempo
ma.reado pelos divinos decretos (Gal 4, 4). O embaixador
celeste anuncia a Maria este mistério inefavel. A Virgem
imaculada delibera antes de aceitar a maternidade glo­
riosa a ela oferecida. Admiremos aquí o Verbo eterno
que espera em silêncio a decisão da sua criatura. O' su­
blime sujeição! O Verbo incarnado só. se faz carne no
momento em .:jüe a Virgem de Nazaré pronuncia o seu
humilde fiat: "faça-se em mim segundo a vossa pala­
vra". Fiat mihi secundum verbum tuum.
Desde então toda a vida de Jesus foi consagrada à
obediência. Nasce na época indicada pela Providência
de seu divino Pai, no lugar predito pelos profetas e sob
a influência dum decreto de Cesar que obrigou seus pais
a se dirigirem a Belém. Desde sua entrada neste mundo
exclama: "Meu Pai, os sacrifícios dos judeus já não vos
agradam, e destes-me um corpo para sofrer; mas eu vos
apresento o que vale ainda mais, a minha vontade; eis­
me pronto a fazer o que desejais". Ecce venlo, ut faciam
Deus, voluntatem toam (Hb 10, 6-7).
Após essa doação de si próprio, Jesus põe-se inteira­
mente à disposição de Maria e José. Deixa-se enfaixar,
colocar sobre a palha num presépio de animais. Não dis­
se: "Este estábulo, este berço, este leito incômodo não
convem à, minha grandeza; tal rebaixamento é indigno

266
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de mim". Não, Jesul!! não uaa esta linguagem; o seu úni­
co pensamento é obedecer, submeter-se sem reserva à
autoridade divina nas pessoas dela revestidas. Poderieis
ainda hesitar em submeter-vos cegamente aos que vos
governam? Não é porventura uma glória para a çria­
tura marchar sobre os traços do seu Criador?
O' Verbo incarnado, vós o dissestes: Não descestes do
céu para seguir a vossa vontade. Dai que eu o compreen­
da: tambem eu não estou no mundo para viver segun­
do os meus caprichos, mas para praticar, todos os dias
da minha vida, uma obediência pronta, cega e genero­
sa para com aqueles que me dirigem para vós. Propo­
nho-me: 1 º considerá-los com respeito como represen­
tantes vossos; 2º aceitar com reconhecimento, as suas
correções, censuras, avisos, mesmo quando imerecidos;
3º reprimir em mim toda réplica e toda repugnância ao
receber suas ordens. Descendi de creio, non ut faclam
volunta.tem meam, sed voluntatem ejus qui misit me.

2º Jesus obediente em sua vida. oculta


Tendo chegado o tempo da purificação de Maria, o
divino Infante deixa-se levar ao templo e oferecer como
vítima ao Padre eterno. Logo Herodes o procura afim
de imolá-lo à _sua cólera ciosa; em vez de resistir-lhe ou
de enviar-lhe a morte, Jesus cede e retira-se para o Egi­
to. Lá aprende a falar, a caminhar e a servir sob a di­
reção de seus felizes pais, testemunhas maravilhadas da
sua perfeita docilidade. Deixa o Egito, mas quando? após
sete anos de exílio e por ordem expressa do céu; e em
vez de escolher, ele mesmo, a sua residência na Judéia,
acompanha José a Nazaré.
O' sagrada casa, verdadeiro santuário, onde o Verbo
incarnado se submeteu durante tantos anos às suas pró­
prias criaturas! Sagrada casa de Nazaré, eu te saudo;
és a imagem das casas religiosas onde se tem em· grande
conta a obediência; a imagem das famílias cristãs onde
os filhos se alegram em obedecer a seus pais; a imagem

267
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dos santos tabernáculos, onde Jesus se oferece como exem­
plo de sujeição a todas as almas doceis e fiéis!
O- Espírito Santo resumiu a vida oculta do Salvador
nas palavras: "Era submisso a Maria e a José". Erat
subditus illis. Obedecia-lhes em tudo sem replicar, sem
fazer observações; abraçava os ofícios mais baixos, como
trabalhar, varrer a casa, desbastar a madeira. Um Deus
que serve, exclama santo Afonso, um Deus que traba­
lha, um Deus que se fatiga e se humilha! Como esse
procedimento condena energicamente as nossas repu­
gnâncias em obedecer, as nossas resistências às ordens
que nos são dadas, e a tendência contínua em seguirmos
em tudo as nossas idéias e a nossa vontade própria!
Jesus Menino obedece pontualmente a Maria; motivo
para obedecermos à Igreja nossa Mãe, em· seus ensina­
mentos e preceitos! Jesus cumpriu exatamente os dese­
jos de José; não deveremos nós executar tambem as
vontades dos nossos superiores? · Eles ocupam para nós
o lugar de Deus, como José representava o Pai celeste
aos olhos de Jesus.
O' santo Infante, preservai-me da desgraça de obede­
cer de maneira meramente natural, sem espírito de fé
e de graça. A execução puramente natural duma ordem
recebida é como um corpo sem alma, úma ação sem vida
e sem mérito. Ponde-me sempre diante dos olhos o prin­
cípio divino que deve animar a minha obediência e tor­
ná-la sobrenatural, universal, e perseverante até à morte.

25 DE JULHO (bis).
DEVOTAMENTO DO VERBO INCARNADO

PREPARAÇÃO. O devotamento a Deus é a alma da


verdadeira obediência. Meditá-lo-emas em Jesus: l" na
sua incarnação e nascimento; 2º na maneira em que o
exerceu. Concluiremos, em seguiqa, com o propósito sin­
cero de oferecer muitas vezes ao Senhor pequenos sacri•

268
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flcios, mormente na prática da nossa suJe1çao à legíti­
ma autoridade, afim de imitarmos assim o nosso divino
modelo imolado por nós. Tradidit semetipsum pro nobis
oblationem et hostiam Deo (Ef 5, 2).

1º O Verbo diviao devota-se na sua incarnação


e nascimento
Que devotamento poderá jamais igualar ao do Verbo
eterno que deixou os esplendores do céu e veio à terra
abismar-se, transpondo a distância incomensuravel que
separa a natureza divina da natureza humana. Entran­
do no mundo, disse, segundo o apóstolo: "Senhor, não
aceitastes as hóstias e as oblações; mas formastes-me
um corpo. Os holocaustos e as vítimas pelo pecado não
vos agradaram. Eis-me aquí: venho fazer a vossa santa
vontade" (Hb 10, 5-7).
Por este ato generoso, Jesus reconhece o soberano do­
mínio do seu Pai celeste: 1º sobre a sua sagrada. pessoa
em geral e sobre o que lhe pertence; 2º sobre o seu cor­
po em particular, tornado vítima de expiação para pagar
a dívida enorme dos nossos pecados; 3º sobre a sua von­
tade, submetendo-se sem reserva à vontade divina des­
de o primeiro instante da sua incarnação; o que ele aliás
renova todos os momentos da sua vida mortal, e mes­
mo da sua vida eucarística. Ato admiravel e inteira­
mente livre, que nos mostra a imensa liberalidade do
Coração de Jesus. Não nos dá apenas os seus bens pre­
ciosos, mas entrega-se todo em nosso favor, dom para
nós de infinito valor.
Esse devotaménto abrange ainda várias virtudes su­
blimes: 1 º uma humildade sem limites ou o aniquila­
mento do Verbo incarnado, que adora profundamente a
majestade incriada, e lhe presta uma honra digna dele;
2º uma submissão ou dependência completa da vontade
divina, a qual leva Jesus a entregar-se inteiramente nas
mãos do Pai celeste como vítima destinada ao sacrificio;
3º um amor absolutamente desinteressado, o mais puro

26!il
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que jamais existiu e verdadeiramente digno da excelên­
cia do Pai celeste, a quem se consagra e se dá sem res­
trição e para sempre.
Meu Deus, considerai o devotamento de vosso divino
Filho, e, por seus méritos, concedei-me a vitória sobre o
orgulho e a insubordinação, vícios tão contrários ao res­
peito da vossa: grandeza e à obediência devida à vossa
suprema autoridade. Comunicai-me o espírito de humil­
dade e dependência, o qual é tão conforme ao Verbo in­
carnado, que se aniquilou e me deu o exemplo da mais
perfeita docilidade desde a sua incarnação até à morte.

2º Qualidades do devotamento do Menino Jesus


O devotamento do Verbo incarnado distinguiu-se por
sua prontidão. No primeiro momento da sua conceição,
como dá a entender Isaías, Jesus aceitou a missão de
Salvador; conheceu então claramente tudo o que o es­
perava como Redentor do gênero humano culpado, co­
mo vítima duma justiça inflexivel; e, não obstante isso,
não hesitou um só momento. Ego autem non- contradico
(Is 50, 4). Longe de atender à repugnância natural dos
sentidos, não se permitiu nenhuma observação, mas sub­
meteu-se logo a seu divino Pai, aceitando o cálice de suas
dores. Conduta admiravel que condena a nossa demora
em obedecer, em abraçar as contrariedades que crucifi­
cam o nosso amor próprio!
O devotamento de Jesus foi ainda de uma generosi­
dade incompreensível. Ofereceu-se sem :restrição ao Pa­
dre eterno, para sofrer em seu corpo e em sua alma, em
todos os seus membros, sentidos e faculdades, em sua
honra e em sua reputação. Ainda mais, não esperando
o tempo da sua paixão, para sofrer o seu martírio, co­
meçou-o desde a sua incarnação, representando-se des­
de então os tormentos exteriores da sua vida e morte,
e sobretudo as penas interiores da sua agonia, a qual
ultrapassa tudo quanto os homens reunidos possam ter
sofrido sobre a terra. O' generosa coragem do Verbo

270
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incarnado! Uma só lágrima vossa, Jesus, bastava. para
resgatar-nos, e vós vos entregais a trinta e tres anos
de privações, trabalhos, fadigas, humilhações e tortu­
ras até derramardes o vosso sangue infinitamente pre­
cioso!
Esse devotamento do Verbo incarnado terá cessado
com a sua vida? Não, perpetua-se até à consumação dos
séculos. Enquanto o gênero humano subsistir sobre a
terra, Jesus se imolará; todos os dias os seus méritos
infinitos clamarão por misericórdia em nosso favor. O
mesmo corpo que sofreu no Gólgota reconfortará nos­
sas almas purificadas em seu sangue, e a morte mística
do nosso amante Redentor será a fonte da nossa vida
divina. Mais ainda: mesmo no céu, o Cordeiro sacrificado
desde a origem do mundo ofereceu ainda as suas cha­
gas ao Padre eterno para expiar os nossos pecados; elas
nos são penhor de perdão, título legítimo à herança dos
santos, e durante a eternidade gozaremos de seus bene­
fícios inumeraveis e incompreensiveis.
Meu Deus, pouco reconhecido e devotado vos sou, eu
que me procuro a mim mesmo· nos exercícios de pieda­
de! Dai-me a verdadeira devoção que consiste em cur­
var-me às vossas vontades. Pelos méritos de Jesus e
Maria, criai em mim a piedade generosa pronta a todos
os sacrifícios; fortalecei-a em meu coração mesmo em
tempo da aridez, dos desgostos, das tristezas e das de­
solações. Que nada no mundo me impeça de vos obede­
cer e agradar pelo cumprimento dos meus deveres.

25 DE JULHO (ter) - SÃO TIAGO MAIOR


PREPARAÇÃO. Para nos excitarmos a honrar, supli­
car e imitar- esse apóstolo tão célebre, meditaremos: 1 º
as suas grandezas; 2 º os seus méritos. Propor-nos-emos
depois praticar, a seu exemplo, a coragem de beber o
cálice do Salvador ou de sofrer pacientemente com ele.
Potestis bibere calicem quem ego bibiturus sum? Possu­
mus (Mt 20, 22).

271.
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1• São Tiago foi grande diante de Deu■
A estima com que Deus nos honra é a medida da
nossa grandeza. Ora, Tiago Maior foi um dos tres após­
tolos queridos especialmente do Salvador. Tomava-o mui­
tas vezes consigo bem como a Pedro e a João, em cir­
cunstâncias honrosas para o feliz discípulo de tão gran­
de Mestre. Quando Jesus escolheu os doze foi ele o ter­
ceiro e, por uma prerrogativa especial, recebeu, como
João, o nome significativo de Boanerges, ou filho do tro­
vão. Era declará-lo solenemente um trovão pela força,
pelo brilho e prontidão de sua futura pregação; como
João o seria pela luz de seu Evangelho e pelo vigor de
seu Apocalipse, composto entre trovões e relâmpagos.
Nosso santo teve ainda o insigne privilégio de ver no
Tabor a transfiguração de Jesus; de contemplar o seu
rosto resplandecente como o sol e suas vestes brancas
como a neve; de ouví-lo palestrar com Elias e Moisés,
esses dois grandes profetas da lei antiga; e· de receber
a respeito do Homem-Deus o irrefragavel testemunho do
Pai celeste: "Eis o meu dileto filho, no qual pus .as mi­
nhas complacências; ouví-o!". (Mt 17, 5). Feliz apósto­
lo, por ver tão de perto a glória do Redentor antes da
sua paixão! Mais feliz ainda, por· haver recebido dele
a certeza de beber um dia o seu cálice e de partilhar as
suas dores pelo martirio. Calicem quidem meum bibetis.
No século tem-se em conta de grande glória, ser al­
guem amigo dos reis e acompanhá-los em toda parte.
Que honra para nós ser, como são Tiago, amigo de Je­
sus, Rei imortal; fazer-lhe companhia em nossas Igre­
jas, visitá-lo nos pobres, partilhar os seus trabalhos e
privações, levar a Hbré das suas ignomínias, seritir as
punções dos espinhos da sua coroa, e vergar com ele e
como ele sob o madeiro da cruz! O' grandeza pouco
compreendida e que foi a do nosso santo!
Doce Jesus, inspirai tambem a mim o amor das penas
e das humilhações, afim de parecer-me convosco e de
pertencer-vos sem reserva. Dai-me a força: lº de per-

272
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manecer sempre calmo e resignado, apesar dos sofrimen­
tos do corpo e das angústias da alma; 2º de ter santa­
mente por honra o ser ignorado, esquecido, desprezado,
como vós sempre o fostes neste mundo passageiro.

2• Méritos de são Tiago


A vida desse apóstolo, narra santo Epifânio, era aus­
tera, e seu zelo pela conversão dos judeus e infiéis não
conhecia limites. Depois de haver pregado durante al­
gum tempo na Judéia, Samaria e Síria, foi para a Espa­
nha, onde a santíssima Virgem, ainda em vida, lhe apa­
receu, segundo a tradição, e o incumbiu de pregar o
Evangelho naquelas regiões. O santo obedeceu e mandou
construir um templo em honra da Mãe de Deus no qual
se operaram depois inúmeros milagres. A peregrinação
de são Tiago pela Galícia se tornou tambem célebre,
embora o santo apóstolo logo depois voltasse à Judéia
para lá continuar o seu apostolado.
Com força e ardor provava aos judeus, pelas Escri­
turas, a divindade de Jesus. Os inimigos serviram-se de
dois magos pará deter o sucesso das suas pregações, mas
o santo os converteu. Maduro, enfim, para o céu, depois
de sofrer as ciladas dos adversários, foi entregue a He­
rodes Agripa, que o condenou à pena capital. Caminhan­
do para o suplício, o santo curou um paralítico e con­
verteu Josias, que o havia entregue ao juiz. O' morte
preciosa e fecunda em frutos de salvação! tu condenas
o pouco ardor que temos em crescer em graça, em mé­
ritos e em virtudes.
Não o esqueçamos:· a vida santa é a melhor prepara­
,;ão para a morte, e esta é o eco fiel daquela. Não nos
iludamos com a esperança de ver um dia a nossa lassi­
dão habitual dissipar-se na nossa última enfermidade ce­
dendo lugar ao fervor, ao horror das menores faltas, à
oração frequente, ao desejo de sermos todos de Deus.
Acabrunhados pela enfermidade, como poderemos apren­
der, em tão pouco tempo, o que durante tantos anos de

Bl'Onchain II - 18 273
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saude não soubemos praticar?- Para isso seria necessâ­
ria uma graça especial, que Deus não concede às almas
negligentes e infiéis que não querem servir. Dir-lhes-á:
"Mal vos conheço" ou então: "Não vos conheço". Nes­
cio vobis.
Jesus e Maria, preservai-me dessa desgraça; fazei-me
docil à graça e fiel aos meus deveres, mormente aos de­
veres reclamados pela piedade, pela obediência, pela pa­
ciência e pela caridade.

.26 DE JULHO
SANTA ANA, MÃE DA SANTlSSIMA VIRGEM
PREPARAÇÃO. "A glória e as riquezas, diz o Espírito
Santo, estão em sua· casa". 1° E' uma glória para santa
Ana haver dado à luz a Virgem sem mancha, a Mãe
de nosso Deus. 2º E' uma felicidade para ela ter corres­
pondido fielmente a esse insigne favor. - A seu exem­
plo temamos ser infiéis à graça, pois que de nossa fide­
lidade dependem a nossa glória diante de Deus e as nos­
sas riquezas eternas. Gloria et divifüe in domo ejus, et
justitia ejus mauet in sreculum sreculi (SI 111, 3).

1 º Santa Ana é honrada por ser mãe de Ma.ria


Que glória para uma mãe dar à luz uma filha, que
fará a felicidade duma nação ilustre! Maior, porém, é
a glória de santa Ana por haver dado ao mundo a úni­
ca criatura humana isenta de pecado original e destinada
a apresentar-nos o Redentor. Comunicando a vida à fu­
tura Mãe de Deus, santa Ana fez surgir sobre o gênero
humano decaido a aurora do sol de justiça, que iria dis­
sipar todos os erros; enriquecia a terra da haste sagrada
_ que iria produzir a flor de J"essé, cujos perfumes santi­
ficariam as almas ,de boa vontade.
Mas, · antes de aparecer às outras criaturas, essa ben­
fazeja aurora, essa haste imaculada comunicou a santa

274
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Anà., sua mãe, as luzes e virtudes que o céu lhe conce­
dera. Essa bem-aventurada mãe da Rainha dos anjos
participou, em grau sublime, da santidade de sua dileta
filha. Deus já lhe fizera a graça de suportar sem quei­
xa o opróbrio de longa esterilidade, e de obter por suas
penitências e preces essa filha privilegiada, a honra e a
glória de todo o gênero humano. Ela soube abaixar-se
tão profundamente, orar com tantas lágrimas, que me­
receu, segundo são João Damasceno, ser exaltada como
Mãe da Rainha dos santos. A sua oração, palpitante de
fervor, subiu aos céus e fez de lá descer o orvalho, don­
de saiu o justo que salvou o universo.
O' gloriosa santa Ana, que destes à luz a Mãe de nos­
so Deus, congratulo-me com a vossa felicidade, elevação
e poder junto ao Altíssimo. Mas a dignidade e a san­
tidade que vos distinguem, fazem-me sentir a minha bai­
xeza e a minha miséria. Minha alma esteril é como ter­
ra árida, não orvalhada pela chuva do céu. Longe de
imitar-vos em vossa paciência e espírito de oração, aba­
to-me à menor pena e me descuido de recorrer à oração·
tão necessária à salvação. Ah! pelo amor de vossa ben­
dita filha, obtende-me a coragem de vencer-me, de evi­
tar as faltas leves, de invocar sempre aquele que vos
fez mãe de sua Mãe, afim de dar-vos maior império so­
bre o vosso coração. Tomo a resolução de orar, a vosso
exemplo, com humildade e persc\"eran�a. Fazei-me me­
recer, por vossa intercessão, a abundância das graças
que santificarão a minha alma.

2º Santa Ana. tomou-se digna de sua dileta filha


Santa Ana correspondeu fielmente ao glorioso privilé­
gio de que Deus a favoreceu, tornando-a mãe da Virgem
imaculada. Apesar do seu amor a Maria, consentiu em
separar-se dela. para corresponder aos desígnios de Deus.
Segundo a promessa feita a Deus antes do nascimento
da augusta Virgem, levou sua filha ao templo de Jeru­
salém. Grande foi então a angústia do seu coração aq

·275
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pensar que, dentro em breve, não mais teria consigo
aquela abençoada filha.
·Ela ·tinha poderosos motivos de diferir aquela doloro­
sa separação. A amavel menina achava-se na tenra ida­
de de apenas tres anos, segundo santo Epifânio; e seus
pais pouco haviam gozado da doce companhia que con­
solava a todos. A longa esterilidade de santa Ana tor­
nava-a ainda mais querida. Não obstante, essa mãe ad­
miravel, digna de sua dileta filha, consentiu em levá-la,
apesar da dor viva e aguda de sua alma, ao doce retiro
aonde o Senhor a chamava. Facilmente alguem renun­
cia ao que tem pouco a peito; mas quão doloroso não
foi a uma mãe tão amante separar-se daquela encanta­
dora menina que arrebatava os anjos e o próprio Deus!
O' generosa abnegação capaz de fazer-nos corar a nós,
que costumamos oferecer a Deus somente o que para nós
não tem atrativos nem valor. Diante de um sacrifício
que custa, hesitamos; às vezes lesamos a conciência para
não contrariarmos o nosso amor próprio, e assim nos
privamos de uma multidão de graças, pois que, quanto
menos fiel alguem é, tanto menos Deus lhe prodigaliza
favores.
Examinai se nó fundo do vosso cora!,)ão não há algum
apego, alguma afeição demasiado natural, de cujos la­
ços não vos queirais desfazer. Não acariciais certos de­
feitos, certos hábitos nocivos ao vosso progresso espi­
ritual? Talvez tenhais por virtudes o que não passa de
um efeito da vossa boa índole ou talvez de vossa apatia
ou insensibilidade. O .carater da verdadeira santidade
está na renúncia que nos faz sacrificar tudo, quando se
trata de agradar a Deus.
O' gloriosa santa Ana, pedí a Jesus e Maria me comu­
niquem a coragem de servir fielmente ao Senhor nas
amarguras, tentações e reveses, como na alegria, na paz
e nos sucessos. Fazei que eu conheça as tendências e as
faltas que mais impedem o meu progresso nas sólidas
virtudes.

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26 DE JULHO (bis)
SANTIDADE DE SANTA ANA

PREPARAÇÃO. A mãe da Virgem imaculada santifi­


cou-se de maneira particular: 1 º por seu contato com a
Rainha da santidade; 2º consagrando a Deus no templo
sua dileta filha. - A seu exemplo pratiquemos a devoção
a Maria e o espírito de abnegação, afim de nos tornarmos
dignos da nossa vocação à vida perfeita. Ut digne a.m­
buletis voca.tione (!Ua vocati estis.

1º Santa Ana santificada pela Virgem imaculada


E' um princípio aceito pelos doutores da Igreja que o
Senhor concede a cada um graças proporcionadas à vo­
ca!;ão a que o destina. Ora, santa Ana, sendo por Deus
escolhida para dar à luz a mais �anta das criaturas, re­
cebeu dô céu dons sobrenaturais em proporção à sua alta
dignidade. Ademais, a união estreita contraida com sua
filha privllegiada foi-lhe uma fonte abundante de favo­
res e bençãos do céu.
E realmente Maria, desde a sua conceição, recebeu um
cabedal incompreensivel de graças, que ela fez constante­
mente frutificar. Amou desde então o Bem supremo em
proporção à sua santidade sublime e de acordo com a ca­
pacidade da sua bendita alma. Que não deveria, pois,
sentir santa Ana ao contato com essa fornalha de virtu­
des? Diz o Espírito Santo: "Quem poderá ocultar fogo
em seu seio sem queimar as vestes?'' (Prov 6, 27). E
santa Ana deveria ser o palácio, o santuário da Rainha
da caridade sem ficar toda inflamada de amor para com
Deus? Absolutamente não: o espírito da filha, dotada
já então do uso da razão, atuava sobre o de sua mãe;
as graças e bençãos de que Maria é a um tempo reser­
vatório e canal, os seus atos de obediência e submissão a
Deus, o seu recolhimento, a sua oração contínua, numa
palavra, tudo ci que ela possuia de santo e divino, exer­
cia influência sobre a criatura mais amada e mais pró­
xima dela, isto é, sobre sua mãe.

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E como se aproveitou disso santa Ana? pqr uma fi­
delidade que a tornou uma daquelas almas nas quais
Deus põe as suas complacências especiais e cujas virtu­
des glorifica através dos séculos por numerosos e bri­
lhantes milagres, como o provam os fatos prodigiosos
operados por nossa santa em seus principais santuários.
Examinai se correspondeis como ela às graças que
vos são concedidas. Sois 1·ecolhidos, atentos à voz de
Deus que vos fala interiormente? e, quando ouvís essa
voz e compreendeis o que Deus de vós exige, sois fiéis
em obedecer-lhe? quantas resistências, imperfeições e
infidelidades em vossa vida!
Meu Deus, peço-vos humildemente perdão. Fazei-me
de hoje em diante mais fervoroso em minhas orações,
mais doei! aos vossos atrativos e mais generoso nas pe­
nas inerentes aos meus deveres quotidianos.

2º Santa Ana santificada pelo sacrifício que fez de Maria


Santa Ana atingiu o auge do heroismo de sua virtu­
de, quando. Maria aos tres anos lhe pediu permissão de
retirar-se ao templo de Jerusalém para lá se consagrar
a Deus. Grande foi a violência que se fez sua mãe, con­
denada a sofrer tão dolorosa separação. Muitos motivos
pareciam eximí-la de tão penoso sacrifício; ao menos não
lhe seria permitido retardar esse dia? Não deveria ser
tomada em consideração a sua longa esterilidade? Após
haver dado ao mundo tão grande tesouro, em idade já
avançada, estaria obrigada a privar-se dele tão depressa,
no momento em que apenas começara a gozá-lo? Todas
essas razões, ditadas pela ternura maternal, não im­
pediram a nossa. santa de ser fiel e exata no cumpri­
mento do seu dever.
Em vez de diferir a realização de sua promessa, ela
mesma levou, sem detença e sem queixa, a sua dileta
Virgenzinha ao lugar do retiro, despediu-se dela terna­
mente e voltou corajosa para casa, que ficou sendo para
ela com um qese:rto, pel!l, !l,t1sência qa st1a cara fUha, A,d,.

27ij
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miremos a sua generosidade em abafar os sentimentos
da natureza. Oferecendo a Deus a dor interior, consa­
gra-se com sua dileta filha unicamente à vontade e à
posse do Bem supremo e infinito.
Não vos aconteceu ainda terdes de sacrificar a Deus
um parente, um amigo, arrebatado aos vossos afetos
por morte imprevista? Como tendes suportado essa afli­
ção apunhalante e dura? Sois tambem resignados quan­
do perdeis a saude, o repouso, quando contrariam os
vossos gostos, idéias e vontades, quando humilham o vos­
so orgulho, contradizem as vossas opiniões, ferem o vos­
so amor próprio e suscetibilidade? Se nessas contrarie­
dades exerceis a paciência e conservais a paz, tendes
nisso sinal de virtude firme e duradoura.
O' mãe da Virgem sem mancha, obtende-me a força
de fazer a Deus o dom total de mim mesmo, consagran­
do-lhe o meu espírito, o meu coração, a minha liberda­
de e a minha vida. Auxiliado por vossas preces e sob
a vossa proteção, estou resolvido: 1 º a imitar a vossa
resignação e o vosso espírito de sacrifício, evitando toda
queixa nos sofrimentos e toda hesitação no exer_cício da
obediência; 2º a pôr, de hoje em diante, toda a minha
glória, repouso e delícias, no cumprimento contínuo do
beneplácito divino, como os anjos e santos no céu. Sicut
in creio et in terra.

27 DE JULHO - MEIO DE BEM OBEDECER


PREPARAÇÃO. O meio por excelência de se obter
a obediência perfeita é, a exemplo do Menino Deus, o
espírito. de fé. 1º E' mister ver Deus nos superiores._ 2º
E' necessário ter grande estima da virtude da obediên­
cia. - Depois de consideradas essas verdades, tomare,
mos a resoluç�o de fazer muit9s atos de fé na palavra
do apóstolo: "Não há autoridade legítima que não venh11
ª'
de Deu�"- N9n ei�im est potestp,s qisi l)eo (Rom 13, 1).

279
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1 º E' preciso ver Deus nos superiores
O abade dum mosteiro, querendo edificar um estranho,
mandou chamar um de seus religiosos de oitenta anos
de idade e deixou-o duas horas inteiras em sua presença
sem ·lhe dizer palavra. Perguntaram depois a esse va­
lente religioso o que pensara durante aquela longa espe­
ra, ao que ele respondeu: "Julguei estar diante de Je­
sus Cristo e receber dele a humilhação; eis por que nem
me veio a idéia de desobedecer" (S. João Clímaco).
Eis o meio de tornar perfeita a nossa obediência. Ver
Jesus na pessoa dos superiores. Não disse Jesus aos que
mandam: "Quem vos ouve a mim ouve e quem vos des­
preza a mim despreza"? (Lc 10, 16). "Obedecei a vos­
sos superiores corno a Jesus Cristo", acrescenta o após­
tolo (Ef 6, 7).
Deste princípio dimanam, como que naturalmente, as
qualidades que deve ter a obediência. E, de fato, se co­
nhecêssemos em verdade a Jesus nos que nos governam,
nos sentiríamos dispostos a .respeitá-los, a amá-los, a
executar suas ordens, não só sem arrazoar, sem murmu­
rar, mas tambem com prontidão, exatidão, simplicidade
e generosidade.
Quando são Pedro Claver aparecia diante de seus su­
periores, conservava sempre a postura mais humilde. os
olhos baixos, chapéu na mão e atento aos menores si­
nais de sua vontade, para executá-la imediatamente. Pro­
cedia assim para com qualquer que no momento pos­
suísse direito de lhe dar ordens, mesmo que fosse o últi­
mo da comunidade, vendo nele a pessoa de Jesus; era tão
perfeita a sua obediência, que chegava ao heroismo.
Quando santo Afonso Rodriguez recebia uma ordem qual­
quer, dizia interiormente: "Sim, Senhor Jesus, farei o
que exigís ou desejais de mim". E logo, esquecendo a
pessoa do superior, punha-se a executar o que o Salvador
lhe havia prescrito por. seu representante. Procedei da
mesma forma e a virtude da obediência se vos tornará
facil, santificadora e meritória.

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Jesus, em vez de queixar-me das ordens que me são
dadas, deveria me alegrar com elas na certeza de ser­
vir à vossa santa majestade, na pessoa dos meus supe­
riores. Fazei que execute sempre as suas prescr1çoes
com prontidão e prazer, a exemplo dos mensageiros ce­
lestes que correm e voam para onde a vossa vontade os
envia. ln simplicitate cordis vestri, sicut Christo.

2º E' preciso ter em grande conta. a obediência


Muitos motivos temos para estimar esta virtude. Os
que obedecem sempre em espírito de fé, são dirigidos
pelo próprio Deus que, para recompensá-los, aclara em
seu favor os superiores que os governam. Ademais são
sempre atendidas as suas preces. "Além da graça mere­
cida pela prática da obediência, diz são Francisco de
Paula, o Senhor se compraz em fazer as vontades dos
que, por amor dele, se submetem aos seus superiores".
"Se ficardes em mim, disse Jesus, e observardes os meus
preceitos, pedí o que quiserdes e vos será concedido"
(Jo 15, 7).
Uma paz profunda é ainda o fruto dessa obediência,
que estabelece a harmonia entre a nossa vontade incons­
tante e a de Deus, fonte de contentamentos duradouros.
Mesmo nas angústias da agonia a alma docil e submissa
fica em doce segurança, ao pensar que não deve prestar
contas ao Senhor pelas ações feitas na obediência; pois
que elas serão exigidas dos superiores. Quasi rationem
pro anima.bus vestris reddituri.
Quão sábios, pois, eram os santos, estimando tanto a
virtude da obediência! São Gel"aldo Majella decorara a ·
regra do seu Instituto, para a ela se conformar em seus
menores pontos. Santo Anselmo, santo Afonso e outros
santos, quando superiores, submetiam-se a um ou outro
de seus inferiores para terem o mérito da obediência.
Donde vem que essa · virtude exerce tão pouco atrati­
vo sobre vós? E', sem dúvida, porque lhe esqueceis a
excelência e efeitos salutares; daí o hábito de não exe-

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cutardes nenhuma ordem sem a controlar e criticar, sem
mostrar repugnância, em vez de a cumprirdes imediata­
mente com pontualidade e alegria, corno se o Redentor
em pessoa saisse do tabernáculo para vos dar suas or­
dens.
Jesus e Maria, inspirai-me a resolução de fazer todas
as minhas ações na intenção de obedecer: de levantar­
me de manhã, de fazer a meditação, de ouvir a Missa e
comungar por obe_diência; de trabalhar, orar, tomar as
refeições e o repouso, unicamente para cumprir a vonta­
de divina. Arrependo-me de no passado haver resistido
aos vossos des�jos que visam só o meu bem. Quero de
hoje em diante submeter-me a vós, afim de tornar efica­
zes as minhas preces, de gozar a paz dos corações doceis,
e de imitar os vossos servidores, obedecendo, a vosso
exemplo, até à morte, em todos os pormenores da mi­
nha conduta.

27 DE JULHO (bis)
A OBEDI:mNCIA E A EUCARISTIA
(Pr ópr ia par a os religiosos)
PREPARAÇÃO. Nós que comungamos tantas vezes e
consagrámos toda a vida à obediência, consideremos
as relações que existem entre o SS. Sacramento e: r a
obediência em geral; 2º a obediência regular em parti­
cular. - Imitemos a docilidade do Salvador que, na Eu­
caristia, não resiste jamais, mas se submete a todos os
sacerdotes sem exceção. Factus obediens usque a.d con­
summationem smculi.

1º Rel3,!;Ões entr e a Eucar istia e a obediência em geral


A obediência é um mistério de fé, como o do Sacra­
mento do Altar. E, realmente, cremos na presença de
Jesus, na hóstia consagrada, por causa da sua palavra
e da doutrina da Igreja. Ora, a sua presença mística nos
superiores apoia-se em motivos semelhantes. "Quem vos
ouve a mim ouve" disse q çliviilo M;estre a seus repr��

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�entantes; e a Igreja, intérprete fiel da doutrina do seu
esposo, manda-nos honrar o Homem-Deus nos que são
revestidos da sua autoridade.
A Eucaristia é ainda um sacrifício, isto é, do corpo e
do sangue de Jesus. A palavra do sacerdote, semelhante
a um gládio, imola a adoravel Vítima e faz assim ao Pa­
dre eterno a oferenda mais capaz de glorificar suas per­
feições infinitas. O mesmo se dá com a obediência: E o
sacrifício do nosso intelecto e da nossa vontade. O man­
damento do superior é como o instrumento da nossa
imolação: submetendo·-nos a ele, oferecemos ao Senhor
o que temos de mais caro e precioso, a nossa liberdade,
o nosso livre arbítrio. Assim prestamos a Deus a glória
mais pura, depois da que recebe na santa missa, porque
ele mesmo declarou ser a obediência melhor do que as
vítimas da antiga lei. Melior est enim obedientia quam
victimre (1 Rs 15, 22).
Vendo o Rei da glória sujeitar-se na Eucaristia a to­
dos os sacerdotes do mundo, vendo-o obedecer pronta­
mente à sua voz, sem observações, sem réplica e com
o mais cordial amor, quem não tomaria a resolução de
submeter-se inteiramente aos representantes de Deus,
depositários da sua autoridade? Jesus faz-se vítima em
nossas igrejas, não somente oferecendo o seu corpo, mas
tambem prendendo a sua vontade à dos ministros do
altar, guardas legítimos das sagradas espécies. Quando,
pois, assistirmos à santa missa, ofereçamo-nos ao Pai
celeste, suplicando-lhe que disponha de nós segundo o
seu beneplácito; prometamos-lhe praticar durante o dia
a mais perfeita obediência.
Jesus-hóstia, fazei que eu viva, em espírito, de confor­
midade com os meus superipres, a vosso exemplo nos
tabernáculos, onde ficais à disposição dos sacerdotes até
ao fim do mundo. Concedei-me inteira docilidade aos que
me governam em vosso nome. Que a fé, a renúncia, --0 de­
sejo de agradar-vos tornem a minha obediência agra­
davel a vossos olhos e semelhante à vossa, sempre :Pon­
tual, ceia, pronta � generosa,

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2º Relações entre a Eucaristia e a observância regular

São Francisco de Assis teve, certa noite, uma visão:


parecia-lhe ter levantado do chão pequenas migalhas
de pão para distribuí-las a seus confrades esfaimados ao
redor dele. Temendo que as migalhas caissem de seus
dedos, uma voz misteriosa lhe disse: "Faze das miga­
lhas uma hóstia e dá aos que quiserem comer". O santo
obedeceu, mas os que não receberam devotamente a sua
parte ou a desprezaram depois de recebida, ficaram co­
bertos de lepra.
Segundo a explicação feita ao santo patriarca, as mi�
galhas significam as palavras do santo Evangelho, e a
hóstia significa a Regra dos religiosos. A hóstia ou o
pão eucarístico é feita do mais puro trigo; assim a Re­
gra dos Institutos aprovados pela Igreja encerra as
mais santas máximas de Jesus Cristo relatadas pelos
quatro evangelistas. A hóstia mística da regra opera,
pois, a santificação das almas, à maneira da hóstia con­
sagrada. Como esta, nos une ao Redentor quando a re­
cebemos; como ela, faz então passar em nós as idéias,
os sentimentos, as inclinações de Jesus e nele nos trans­
forma; assim tambem a nossa regra, quando a observa­
mos fielmente. Tomada da mais pura doutrina do Mes­
tre, identifica aos poucos o nosso espírito, a nossa von­
tade, o nosso coração com o Homem-Deus, e torna-nos
assim outros tantos Cristas.
A observância regular produz em nós esses efeitos?
A exemplo de Jesus no SS. Sacramento, estamos sempre
prontos a obedecer em espírito de fé, com exatidão e ge­
nerosidade? Vivemos habitualmente recolhidos, penetra­
dos da presença de Deus e atentos a implorar a sua as­
sistência em tudo?
Um religioso, para ser fervoroso, deve tornar-se ho­
mem interior, aclarado pelo céu e sempre conformado
ao espírito do seu Instituto, que é o espírito do divino
Mestre. A vida interior, que é_ a vida de fé e oração,
ensina-nos a estimar a nossa regra como a expressão

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permanente da vontade de Deus; obter-nos-á a força
de praticá-la pontualmente com o intuito de agradar a
Jesus e a ele nos unirmos. -
Meu divino Redentor, do fundo do tabernáculo onde
residís, ensinai-nos pelo vosso exemplo a conservar-nos
sempre prontos a cumprirmos o divino beneplácito. Dai­
me a graça: 1º de conservar-me habitualmente numa
santa indiferença, disposto a executar de boa vontade o
que me for prescrito; ,2º de não declinar das dificulda­
des da regra com disp'ensas, mas de Óbservá-la mesmo
que repugne. Pelos méritos da Virgem sempre fiel, ins­
pirai-me o espírito de fé, amor e generosidade no exer­
cício da observância regular.

28 DE JULHO - DO RETIRO MENSAL


PREPARAÇÃO. Prática excelente é passar um dia
cada mês em retiro, para se retemperar na piedade. Me­
ditaremos pois: 1 º as vantagens desse exercício; 2º as
disposições em que deve ser feito. - Propor-nos-emos
depois escolher, para cada um dos nossos retiros, um
defeito a reprimir, uma virtude a adquirir ou a conso­
lidar, afim de tirarmos deles frutos mais duraveis: Re­
novamini spiritu mentis vestne (Ef 4, 1).

l° Vantagens do retiro mensal


Quando Jesus enviou seus apóstolos a pregar o seu
Evangelho na Judéia, insistiu que repousassem de seus
trabalhos na solidão, no silêncio, no recolhimento e na
oração para recuperarem_ novas forças espirituais, afim
de recomeçarem os seus cursos apostólicos com mais co­
ragem e sucesso. Nós tambem, após as' ocupações mais
ou menos dissipantes de um mês inteiro, temos neces­
sidade de entrar em nós mesmos, de chorar, de expiar
as nossas faltas, aplicar remédio a noss.os defeitos e há­
bitos de imperfeições. Não temos necessidade de despo­
jar o nosso espírito de vistas demasiado humanas e na-

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turais, e de restituir-lhe a vivacidade da fé e a retidão
de intenção?
Após um mês de trabalhos, estudos, negócios e con­
trariedades diárias, o nosso coração torna-se por vezes
árido e debilitado, sentindo a necessidade de retemperar­
se. O retiro é o melhor meio de encontrar novamente
a unção da piedade, de romper os laços que nos prendem
à terra e a nós mesmos, de fortalecer a nossa coragem,
de reanimar as nossas esperanças e de despertar em nós
os desejos de perfeição mais elevada.
Meditando e orando na solidão, a alma compreende
melhor o valor dos bens celestes; torna-se mais senhora
de si, menos escrava das paixões, menos impaciente nas
penas; e assim ela é: forte na adversidade e condescen­
dente com o próximo, disposta a perdoar-lhe os erros e
desejosa de conformar-se ao beneplácito divino.
Quem aspira à vida espiritual e interior, diz o autor
da Imitação, deve com Jesus retirar-se às vezes do meio
da multidão; pois não há segurança em aparecer quan­
do não se gosta de ficar oculto; não há segurança no
falar, quando não se gosta de calar; não há segurança
no brilhar e no mandar para quem na solidão não apren­
deu a humilhar-se e a obedecer (L. 1, cap. 20). Nos
exercícios espirituais, com efeito, encontra-se tudo o que
é de molde a assegurar o nosso progresso, isto é, as pie­
dosas leituras, a meditação, a pres:e, o divino sacrifício,
a comunhão, as santas reflexões e, mais que tudo, a gra­
ça do retiro. Já que somos tão fracos e expostos a per­
der-nos, imitemos o procedimento dos santos: 1º suspi­
remos, como eles, pelos .dias de recolhimento; 2º apro­
veitemo-los, quando os temos, afim de restaurar a nossa
alma, torná-la pura, desapegada, ardorosa no bem, uni­
da à fonte de toda a -sabedoria e santidade.
Jesus, inspirai-me o horror da dissipação, da perda de
tempo, mormente durante as salutares horas do retiro.
Fazei que eu aproveite esses momentos mais preciosos dá

286
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que o ouro, que me proporcionam,o aumento da gra(,;a,
a aquisição das virtudes, e o crescimento dos méritos
para toda a eternidade. Renovamini spiritu mentis ves­
tr1B.
2º Disposições para se fazer bem o retiro
A primeira é a convicção da necessidade de fazê-lo. E
quem não teria esta convicção, ao considerar a miséria
humana, as nossas inclinações para o mal, nossa inca­
pacidade para o bem, a violência das tentações que nos
assaltam, a grandeza dos perigos que nos rodeiam? Vós
ignorais as cruzes, as dificuldades, os empregos, os car­
gos importantes que talvez vos aguardem e que exigem
de vós virtude sólida. Onde achareis essa virtude, senão
na solidão, onde Deus reuniu os meios mais eficazes para
a vossa santificação?
Destas reflexões deve nascer-vos o ardor do desejo,
segunda disposição para o aproveitamento das graças
da solidão. Como um mundano corre atrás das riquezas
e dos prazeres; como o cativo deseja a liberdade, o en­
fermo a saude, o conquistador o triunfo e a glória, as­
sim devemos suspirar pelo retiro, mina fecunda de bens
e de felicidade, fonte da liberdade verdadeira, de forças
espirituais e de legítima grandeza.
Acrescentemos, como terceira disposição, a coragem
e confiança em Deus. Persuadido de que é o Senhor
quem nos leva ao retiro para cumular-nos dos seus fa­
vores, perguntemo-nos como o fariam os santos, se es­
tivessem em nosso lugar; com que recolhimento, fervor,
espírito de abnegação e de oração! Se fosse dado a um
demônio libertar-se do inferno por esse meio, com que
generosidade não aceitaria a condição! E nós por ele
podemos não só nos preservarmos do suplícios eternos
mas tambem dos do purgatório, se tirarmos proveito do
privilégio que nos é concedido.
E como não o aproveitaríamos, vendo que os peca­
dores se dão mais trabalho para a sua condenação, do
que o Senhor exige de nós para a nossa salvação? Além

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disao nada há de penoso no retiro: os dias a ele consa­
grados são como as horas de hospedagem nas quais o
viajante se restaura as forças. Assim, no caminho do
céu, reconfortamo-nos por exercícios mais cheios de ora­
ções, leituras, reflexões, preces, exames e resoluções. E',
pois, mais um festim do que um trabalho. A alma nele
se imerge, se inebria e deles sai toda transfigurada.
Jesus, pela intercessão de vossa Mãe santíssima, dai­
me a convicção da minha incapacidade e miséria; fazei­
me desejar ardentemente a solidão, o silêncio, o reco­
lhimento e a oração, para fortalecer minha alma con­
tra as más inclinações e aumentar em mim a vida espi­
ritual tão necessária à minha salvação. Estou resolvido
a passar os meus dias de retiro num isolamento com­
pleto, e num contínuo espírito de oração, afim de tirar
deles os mais duradouros frutos.

29 DE JULHO
COMO SE TIRA PROVEITO DO RETIRO
PREPARAÇÃO. Bom meio de tirar proveito do retiro
mensal é dispor-se para a morte. Meditaremos pois: 1º
os motivos porque devemos estar sempre preparados; 2"
como podemos fazer cada mês o ·exercício da boa mor­
te. - O nosso ramalhete espiritual será a grave palavra
do Salvador: "O Filho do homem virá, quando menos o
esperardes". Qua hora non puta tis, Filius hominis veniet
(Lc 12, 40).

1 º Motivos para se estar sempre pronto para a morte


Na véspera ou na manhã do dia do retiro mensal, fa­
çamos as considerações seguintes: devemos preparar­
nos sempre para a morte, porque 1 º o último suspiro
nos é de importância extrema: ele deve decidir a nossa
eternidade, isto é, se seremos felizes para sempre ou
eternamente desgraçados; 2º a hora da nossa morte é
Incerta. Ignoramos se morreremos dentro de alguns anos,

288
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meses ou alguns dias; ou até se morreremos na próxima
hora; 3º não sabemos como sairemos deste mundo, se
por longa enfermidade que nos dará tempo de regular­
mos nossas contas com Deus, ou se por morte repentina
que nos arrebatará no momento em que menos cuidar­
mos da nossa salvação.
A conclusão impõe-se: devemos dispor-nos cada dia a
comparecer perante Deus. Ainda mais, o Salvador reco­
menda-nos que estejamos sempre prontos. Estote para­
ti. A morte nos surpreenderá, diz o Espírito Santo, co­
mo um ladrão que escolhe a noite e o instante mais fa­
voravel para não ser descoberto (1 Tess 5, 2). "Na hora
em que menos pensardes, assegura a sabedoria incarna­
da, o Filho do homem virá julgar-vos". Qua hora non
putatis.
Exclama santo Afonso: "Se tivesses de morrer hoje,
ainda antes da noite, e de ver decidido o grande negó­
cio da tua eternidade, encontrarias em ordem a tua con­
ciência? e, então, que não darias a Deus, para conceder­
te o tempo necessário para te preparares! Já que ele
te dá hoje esse tempo, aproveita-o; talvez seja o últi­
mo dia de tua vida". Quem sabe é o derradeiro aviso
que o Senhor te dá?
Meu Deus, tenho lutado convosco com persistência:
eu obstinando-me em ofender-vos, e vós usando ainda
de mais misericórdia _para comigo. Aceito a morte em
expiação dos meus pecados. Até agora, tenho vivido na
tibieza e não vos tenho amado. Dignai-vos deixar-me
ainda algum tempo sobre a terra, porque quero corri­
gir-me dos meus defeitos e reparar o passado por con­
duta irrepreensível. Mudai-me o coração; inflamai-o do
vosso santo amor. Fazei que eu medite, vele e ore sem
cessar, afim de não ser surpreendido na última hora.
Videte, vigila.te et ora.te; nescitis enim quando tempus
slt (Me 13, 33).

Bronchain II - 11 289
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2º Exercício da boa morte a se fazer cada mês
O dia do retiro mensal é o mais próprio para essa
prática. De manhã figuremos haver recebido do céu o
anúncio certo da nossa morte para a noite seguinte. Ex­
citemo-nos a passar o dia no maior fervor. E logo a me­
ditação, como a faremos? Ao pé de Jesus moribundo,
assumindo as suas disposições, a sua generosidade em
. perdoar, o seu abandono a Deus, o seu espírito de ora­
ção, de resignação, de submissão e de sacrifício. Forme­
mos os sentimentos da mais viva contrição à recordação
dos nossos pecados, propondo-nos confessar-nos durante
o dia, como se fosse pela última vez. Ouçamos a missa
e comunguemos em viático, na mesma intenção e com
o maior fervor.
Quanto à confissão, façamo-la com a mais profunda
dor das nossas faltas e com a mais sincera resolução
de dar-nos a Deus. Seja tão bem feita, que possa pre­
servar-nos do purgatório, caso morramos logo ao sair do
confessionário. Grande fervor e cuidado devemos tam­
bem empregar durante o dia; as outras práticas de pie­
dade, G terço, a via-sacra, o exame, a visita ao SS. Sa­
cramento e à divina Mãe, todos esses exercícios devem
ser feitos como convém a uma alma prestes a deixar
esta vida e a comparecer diante de Deus. Além disso
santifiquemos pela fé as refeições, o descanso, as ocupa­
ções, os entretenimentos com o diretor espiritual, de
modo a purificarmos o nosso coração, a recolhermos o
espírito e nos unirmos estreitamente a Deus.
Enfim, à noitinha, figuremo-nos receber a extrema­
unção; sigamos-lhe as ceremônias, saboreemos-lhe as
palavras, acompanhando-as de sentimentos de contrição.
Depois perguntemo-nos a que grau de virtudes quiséra­
mos ter chegado, se nesse momento tivéssemos de ser
julgados por Deus e fôssemos rec.eber a sentença final,
que deve fixar a nossa sorte eterna. Façamos a seguir
o propósito de aspirar à perfeição e, representando-nos
que o leito de repouso se transforma de noite em leito

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fúnebre, leiamos atentamente os atos costumados de pre­
paração para a morte. No dia seguinte, ao acordarmos,
agradeçamos a Deus, que nos concedeu mais um dia para
executarmos boas resoluções, e nos ponhamos às obras
para conformarmos a nossa vida com as promessas
feitas.
Meu Deus, se, diariamente, eu me preparasse assim
para a morte, com que vigilância e fidelidade cumpriria
todos os meus deveres. Ponde-me· sempre ante os olhos
a minha última hora e dai-me a graça de preparar-me
para ela todos os dias e, por assim dizer, todos os ins­
tantes.

30 DE JULHO'- DA ORAÇÃO PELOS AGONIZANTES


PREPARAÇÃO. Obteremos mais facilmente uma boa
morte se pedirmos a Jesus essa felicidade para os ago­
nizantes. Veremos amanhã: 1 ° os motivos dessa devo­
ção; 2º qual a sua prática. - Colocar-nos-emos depois
no nosso leito de morte, e lá apreciaremos os serviços
prestados aos pobres moribundos pelos que o recomen­
dam ao Senhor, especialmente ao Coração agonizante
de Jesus. Cor Jesu, in agonia factum, miserere morien­
tlum.

l ° Motivos de rezar pelos agonizantes


Ninguem mais digno de nosso·interesse do que os mo­
ribundos prestes a comparecerem diante de Deus. Vai
ser para eles decidida a sorte eterna: serão para sempre
felizes ou para sempre desgraçados! a sua sentença_ de­
pende talvez de nossa prece. Ato de caridade praticareis
se vos ocupardes com a sua salvação. Muitas vezes eles
já não podem rezar por causa da prostração causada
pela enfermidade. E quantos deles se acham em pecado,
tendo de ir para os suplícios eternos. Motivo urgente
de auxiliá-los nessa extrema necessidade!
Ao dardes grandes esmolas a indigentes que estão
para morrer de fome, credes com razão haver praticado

19* 291
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um ato muito meritório. Que será arrancar os infelizes a
uma ruina total e irremediavel, e conseguir-lhe uma beati­
tude que ultrapassa todas as felicidades terrestres? Uma
das vossas fervorosas orações jaculatórias pode preser­
vá-los de todos os males e introduzí-los para sempre na
posse de todos os bens. Se o fizerdes, nenhuma outra ora­
ção terá sido mais eficaz, nenhum outro ato de benefi­
cência terá jamais produzido tão grande efeito em tão
pouco tempo e de maneira tão facil. Um único movimen­
to interior de contrição perfeita, obtido em favor de tan­
tas almas prestes a perecerem, assegura-lhes uma felici­
dade pura e eterna.
As almas, salvas dessa maneira, serão ardorosas em
recomendar ao Senhor os fiéis éaridosos que lhes tiverem
prestado tão valioso serviço. Assisti-los-ão poderosamente
na hora da morte. Se temos, pois, a peito a salvação dos
pecadores resgatados por Jesus Cristo, sirvamo-nos des­
te meio precioso de arrancá-los à tirania de Safanaz. A
sua conversão no último momento será pelo menos du­
ravel e a sua sorte eterna não poderá perigar, como su­
cede aos que voltam ao bom caminho quando gozam
saude. Onde encontrar ministério tão caritativo e tão ao
alcance de todos? Não tendes sido mais ou menos estra­
nho a esta prática?
Jesus, inspirai-me a mais viva compa1xao para com
-os pobres agonizantes. Por minhas preces quero ajudá­
los a conquistar o céu e tomo para isso a resolução: 1 º
de dar-lhes habitualmente uma parte nos meus exercí­
cios de piedade; 2º de recomendá-los cada dia a vosso
Coração agonizante no jardim das Oliveiras e no madei­
ro sagrado da cruz. Cor Jesu, in agonia factum, misere­
re morientium.

2º Método para recomendar os agonizantes


Cada dia, isto é, em vinte e quatro horas, passam do
tempo para a eternidade cerca de cem mil almas, o que
dá ao menos quatro mil agonizantes por hora, e sessen­
ta por minuto. Podemos, pois, dizer-nos às vezes: "Du-

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rante esta meia hora de oração, durante esta missa ou
esta ação de graças depois da comunhão, cerca de duas
mil mortes terão lugar sobre a terra. Quantas pessoas es­
tão, pois, em agonia? e, entre elas, quantos impeniten­
tes! Para a sua salvação e conversão bastaria um jato
de luz, um raio de graça. Não lho poderia eu 9bter?
Meu Deus, ofereço-vos nesta intenção, esta minha medi­
tação, esta missa, esta comunhão, esta via-sacra".
Todos os dias rezamos o terço e temos às vezes mo­
mentos livres, um quarto de hora, cinco minutos. Diga­
mos então: "Durante este quarto de hora, morrem mil
pessoas no universo, e trezentas nestes cinco minutos;
Senhor, compadecei-vos dos que agonizam, sobretudo
dos qne necessitam de conversão. Ofereço-vos, para este
fim, todas as missas celebradas no mundo inteiro, e é
minha intenção renovar este oferecimento, a cada pul­
sação do meu coração, e todos os instantes da minha
vida". Está prática vos proporcionará inumeraveis ben­
çãos do céu.
Este é ainda um meio excelente de trazer-nos muitas
vezes à mente o pensamento salutar da morte e a ne­
cessidade que temos de preparar-nos a ela, ou antes de
estarmos sempre prontos. Não há tempo tão bem em­
pregado como aquele em que praticamos a caridade pa­
ra com os infelizes ameaçados da mais pavorosa das
catástrofes, a condenação eterna. Peçamos ao Coração
de Jesus e à divina Mãe corram em seu auxílio; �ere­
mos atendidos na medida do ardor dos- nossos desejos,
do fervor das nossas súplicas, ela firmeza da nossa con­
fiança, e da importunação perseverante das nossas sú­
plicas.
"Clementíssimo Jesus, cheio de amor pelas almas, con­
juro-vos pela agonia do vosso santíssimo Coração e pe­
las dores da vossa Mãe imaculada, purificai em vnc::!'n
sangue os pecadores do mundo inteiro que estão em
agonia e que hoje devem morrer" (100 dias de indul•­
gência cada vez). Cor Jesu, ln agonia factum, misere­
re morientium.

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31 DE JULHO - SANTO INÁCIO DE LOIOLA

PREPARAÇÃO. "Esse santo desprezou a vida do


mundo, diz o Breviário, e chegou ao reino do céu". Me­
ditaremos: l ° O milagre da graça que o converteu; 2º
o espírito de oração, de abnegação e de zelo que o dis­
tinguiu após a sua conversão. - A nossa resolução será
procurar, a seu exemplo, a glória de Deus em todas as
nossas ações, segundo o preceito do apóstolo: Omnia
in gloriam Dei facite (1 Cor 10, 31).

1 º Conversão de santo Inácio


Nascido na Espanha, de pais pobres, Inácio de Loiola
viveu a princípio segundo o espírito do mundo. Ferido
no assédio de Pamplona, teve de submeter-se a uma ope­
ração dolorosa, que o obrigou a longo repouso. Enfada­
do daqueles 1azeres forçados e não tendo outros livros,
pôs-se a ler a história de nosso Senhor e dos santos.
Aos poucos, a luz celeste lhe fez ver os perigos da sua
vida dissipada e sensual, a loucura da sua vaidade e da
sua ambição. Fiel à graça, compreendeu que o século en­
gana os seus partidários, prometendo-lhes a felicidade,
e resolveu fazer penitência. Ã noite levantava-se secre­
tamente, prostrava-se por terra, chorando os seus pe­
cados e implorando a misericórdia de Deus e de Maria.
Esses primeiros frutos de seu arrependimento não fi­
caram sem recompensa. A santíssima Virgem apareceu­
lhe -com o Menino Jesus nos braços e cumulou-o dos seus
mais preciosos favores. l º Uma unção celeste tornou-lhe
insípidos os prazeres dos sentidos, e santificou-lhe o co­
ração, arrancando dele os desejos e afetos terrenos. 2º
Uma pureza perfeita livrou-lhe o espírito de todas as
imagens da volúpia sensual, e isentou-lhe a carne das
revoltas da concupiscência. Eis como a graça sabe ope­
rar quando alguem se entrega inteiramente à sua ação.
Seríamos santos consumados se tivéssemos sempre
correspondido fielmente aos apelos de Deus, · aos atra­
tivos do seu amor. Quantas vezes nos inspira ele a hu-

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mildade, a mortificação, a oração! e nós resistimos à sua
voz! Cuidado para que ele não deixe de falar-nos...
Deixemo-nos guiar por sua luz, renunciando às nos­
sas idéias próprias. Sigamos a sua direção em tudo e não
o nosso gosto, a nossa atividade natural, as nossas in­
clinações e caprichos, o que nos lisonjeia os ·sentidos e
as paixões.
Jesus, a quem santo Inácio sempre teve no coração e
nos lábios, inspirai-me o desejo de tornar-me instrumen­
to docil ao vosso amor e vontade. Purificai para isso a
minha alma de toda mancha, de todo apego a mim mes­
mo e a meus interesses; de todo desejo de estima e sa­
tisfações terrenas. Fazei que ponha toda a minha gló­
ria ém glorificar-vos e em contentar-vos em todas as mi­
nhas ações, em toda a minha vida. Omnia, in gloriam Dei
facite.
2º Virtudes de Inácio após a, sua, conversão
Foi sobretudo o seu espírito ele oração que o santifi­
cou. Em Manreza fazia regularmente n:i. igreja sete ho­
ras de oração de joelhos e imovel. Isso lhe proporcionou
vivas luzes sobre os mais altos mistérios da religião.
Estaria até pronto a derramar o sàngue para defendê­
los, mesmo que não estivessem consignados no evange­
lho. Nessa época teve um êxtase de oito dias, em que
recebeu comunicações celestes que não quis confiar a
ninguem. Donde tinha ele esse dom de tão sublime ora­
ção? sem dúvida da generosidade em vencer-se, em re­
nunciar a todo prazér, em macerar o seu corpo por aus­
teridades extraordinárias, em humilhar a sua alma dian­
te de Deus e dos homens, tendo-se pelo último de todos
e alegrando-se em ser desprezado pelo amor de Jesus
Cristo. Provado com penas interiores, aridez, escrúpulos,
jamais deixou a oração nem o serviço de Deus.
Tambem grande foi o seu desejo da salvação· das al­
mas, desejo esse aceso em seu coração por suas fervo­
rosas orações. Com o fim de socorrer o próximo, escre­
veu o admiravel livro dos Exercícios espirituais, tão' elo­
giado pelos soberanos Pontífices. Aos trinta e tres anos
295
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empreendeu o estudo das c1encias profanas e sagradas.
Inflamado sempre mais na caridade dos santos, quis per­
petuar os efeitos de seu zelo até ao fim dos séculos, fun­
dando a ilustre Companhia de Jesus, que tem proporcio­
nado tanta glória a Deus e à Igreja no mundo inteiro.
Quem não admirará sobretudo a pureza desse zelo?
"Eu antes quisera, dizia o santo, ficar sobre a terra in­
certo da minha salvação, do q_ue entrar imediatamente
no paraiso, se me fosse dado com isso converter uma
única alma". O' coração verdadeiramente generoso! Co­
ração que nos lembra o do apóstolo desejoso de ser aná­
tema por seus irmãos; o do taumaturgo das Gálias,
pronto a viver ou a morrer pela salvação do próximo;
o do próprio Chefe dos predestinados que se fez maldi­
ção por todos nós. Factnm pro nobis maledictn.m.
Jesus, quem me dera sentimentos tão nobres e des­
interessados! Mas ah! em vez de possuí-los, procuro a
mim mesmo, atendo à lassidão que me retem,. à preguiça
que se não quer incomodar, só egoismo, que éhama tudo
para si. Dignai-vos curar essas tendências funestas e
para este fim: 1º inspirai-me a mais terna compaixão
com os infelizes pecadores; 2º fazei que trabalhe em
sua conversão não somente por minhas preces, mas tam­
bem tornando-me pequenino a meus próprios olhos e
atento a mortificar-me. Tornai-me até à morte amigo do
silêncio, do recolhimento e da oração; que eu esteja sem­
pre pronto a renunciar a mim mesmo e a devotar-me à
salvação do próximo.

Mf;S DE AGOSTO
(virtudes especiais a exercer: a humildade e a mansidão)

PRIMEIRA SEXTA-FEIRA
HUMILDADE DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS
PREPARAÇAO. "Tende os sentimentos de humildade
do Senhor Jesus". Este é o preceito do apóstolo. Para a
ele nos conformarmos, veremos: l ° quanto Jesus se hu-

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milhou diante de seu Pai; 2º como imitaremos o seu hu­
milde aniquilamento. - Examinaremos a seguir quais
os pensamentos que nos ocupam de ordinário e com que
paciência suportamos· a humilhação. Assim descobrire­
mos até onde é humilde o nosso coração, a exemplo do
Coração de Jesus. Sentite in Yobls quod et ln Cristo
Jesu (Filip 2, 5).

1º Humildade interior de Jesus


Deus é o ser infinito e nós não passamos de um puro
nada; ele é santo e perfeito por natureza, nós só o po­
deremos ser pela graça. Ora, quem melhor do que Jesus
conhece esta verdade? Reunindo duas naturezas em sua
pessoa, via-lhes a diferença essencial ou a superiorida­
de infinita da natureza divina sobre a humana; daí aque­
le aniquilamento profundo do seu Coração sagrado na
presença de Deus. Daí a sujeição onímoda de todos os
seus pensamentos, desejos e afetos. Unida à pessoa do
Verbo, a natureza humana de Jesus não tinha subsis­
tência própria; era em tudo governada pela divindade
que a aclarava, dirigia e santificava ao ponto de torná­
la impecavel. Ora, um dos grandes efeitos da humildade
é fazer-nos depender das operações da graça; perfeita e
incompreensivel foi, pois, a humildade do Coração de
Jesus.
Além disso, sentia-se envergonhado por estar carre­
gado das nossas iniquidades, cuja malícia bem conhecia.
Os sàntos confundiam-se e se chamavam grandes peca­
dores, por causa das suas leves faltas. Que não sentia,
pois, J·esus, o santo dos santos, à vista dos crimes dos
pecadores, de que se fizera responsavel diante de Deus?
Que humilhação para ele ver-se neste _estado aos olhos
da justiça e da santidade infinitas. Os rebaixamentos
dos santos e as opiniões desfavoraveis que tinham de si
nada são em comparação dos humildes sentimentos que
animavam o Homem-Deus e o forçavam a dizer, pres­
tando homenagem à verdade: "Aprendei de mim que
sou manso e humilde de coração" (Mt 11, 29).

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Sim, Senhor Jesus, quero aprender de vós a aniqui­
lar-me diante de Deus, e reconhecer em sua presença mi­
nha incapacidade para o bem; a confessar os meus pe­
cados que provocam todos os castigos. Quero sobretudo
aprender de vós a suportar com doçura e resignação as
faltas de atenções, as contradições, as zombarias, as
afrontas e os desprezos. Formai pelo vosso o meu cora­
ção, tornando-o humilde, paciente, confiante em vosso
socorro e desejoso de glorificar em · tudo o Pai celeste,
mesmo a custo da minha reputação. Sentite in vobis quod
et ln Christo Jesu.

2º Como imitar a humildade do Salvador


Quereis ter uma humildade sincera e conforme a de
Jesus? Trabalhai primeiro para •encher-vos do conhe­
cimento de Deus e de vós mesmos. Dizei, pois, de cora­
ção na oração: Deus é a sabedoria, o poder, a majesta­
de, a riqueza, a santidade por excelência; e eu sou ig­
norância, pobreza, fraqueza, baixeza e corrupção; sou
capaz dos maiores crimes e digno, por meus pecados,
dos mais horríveis castigos. O próprio inferno não bas­
taria para punir a minha ingratidão. Tantas graças re­
cebidas de Deus não me libertaram das minhas misérias;
que seria se eu fosse entregue a mim mesmo e às mi­
nhas tolas paixões? estaria carregado de pecados e ten­
dências horríveis a se multiplicarem sem fim. E ouso
ainda estimar-me, inflamar-me de orgulho quando me
louvam, irritar-me quando me censuram e atribuir-me
loucamente o que Deus faz para mim, por mim e em
mim? O' vergonhosa cegueira, que me deveria cobrir de
confusão! Entretanto eu ofendo ao Senhor, resisto-lhe,
roubo-lhe a glória; como compreender o meu procedi­
mento?
Jesus, quem dará a meus olhos uma fonte de lágri­
mas para chorar as minhas faltas de presunção, vaida­
de, estima e suficiência própria! Dai-me o conhecimento
das vossas grandezas, das vossas. adoraveis perfeições;

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comunicai-me a humildade que levou o vosso Coração a
abraçar toda sorte de opróbrios e desprezos. Inspirai-me
a coragem de receber em paz e até com ação de graças,
as confusões, as afrontas e tudo o que me fere o amor
próprio. Isso é para mim assinalado favor, pois que me
auxilia a curar-me do orgulho e da pretensão, fontes fe­
cundas de tantos males.
O' Maria, pelo Coração humilde do vosso Filho, ob­
tende-me a força de converter em humildade, segundo
a expressão de são Bernardo, todas as humilhações da
vida. Para este fim tomo a resolução: 1º de orar, de
guardar o silêncio e de resignar-me nas afrontas, nas
calúnias e em tudo o que fere a minha suscetibilidade;
2º de recordar-me muitas vezes da palavra de santo
Afonso: "A ambição dos que amam a Deus deve ser
superar a todos em humildade!"

1 DE AGOSTO - SÃO PEDRO AD VINCULA


PREPARAÇÃO. "Senhor, quehrastes as minhas ca­
deias", dizia Daví. O apóstolo são Pedro pode dizer o
mesmo. Deus o livrou duas vezes do peso das cadeias·:
1 º em Jerusalém por um insigne milagre; ,2º em Roma por
uma morte gloriosa. - Esta meditação terá por fim
ensinar-nos a sacudir o jugo das paixões desregradas,
das faltas inveteradas do nosso carater difícil, afim de
servirmos a Jesus sem entraves e sem reserva. Dirupisti,
Domine, víncula mea, tibi sacrificabo hostiam laodis ( SI
115, 17).

1 º São Pedro sai da prisão por milagre


Herodes prende o príncipe dos apóstolos, manda atá­
lo por duas cadeias aos muros da sua masmorra e cer­
ca-o de guardas para impedir a sua fuga. Aflitos por
esse golpe, os fiéis pedem com fervor pela sua liberta­
ção e Deus atende às suas preces. Na noite antes do
dia em que Pedro deve ser morto, um anjo desce à pri-

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são, faz cair as cadeias e leva-o, sém ser visto nem ou­
vido, até às portas que se abrem diante dele.
Esse milagre, sem dúvida, nos maravilha. Mas não fo­
mos nós objeto de prodígio ainda maior? Estávamos perdi­
dos pelo pecado, sob o jugo do mais cruel dos tiranos.
Acorrentados pelos vícios e más paixões e inclinações, tí­
nhamos de esperar a execução de uma sentença que nos
condenava à morte eterna.· No momento, porém, em que
as cadeias mais pesavam, abriram-se os céus, e viu-se ...
não um anjo, mas o Unigênito de Deus descer para li­
bertar-nos. Rompendo os laços dos nossos pecados e in­
clinações criminosas, liberta-nos não com uma palavra,
o que lhe seria facil, mas à custa de trabalhos, dores e
opróbrios inauditos.
Que lhe retribuiremos por tão grande sacrifício? Sem
ser rogado, veio arrebatar-nos ao inferno e abrir-nos
o céu, no momento em que· previa as nossas ingratidões.
O' caridade sem exemplo, misericórdia infinita! "Senhor,
dir-vos-ei com Daví, quebrastes as minhas cadeias. Sa­
crificarei uma hóstia de louvor". Vós me preservastes
dos suplícios eternos e me livrastes do pecado. Dirupisti,
Domine, vincrila mea, tibi sacrificabo hostiam laudis.

2 º São Pedro livre das cadeias em Roma


A festa de hoje recorda tambem as cadeias com que
Nero manietou o príncipe dos apóstolos nas prisões de
Roma; faz lembrar sobretudo o seguinte milagre: A im­
peratriz Eudóxia, tendo recebido de sua mãe as cadeias
que prenderam são Pedro em Jerusalém, quis mostrá-las
ao soberano pontífice. O Papa, de seu lado, fê-la ver as
que o mesmo apóstolo carregou na cidade eterna. Ora,
aconteceu que aproximadas uma da outra, se reuniram
de repente formando uma só. Tocada pelo milagre, Eu­
dóxia mandou construir um belo templo para receber
essa insigne relíquia. Daí a festa de são Pedro ad Vín­
cula, isto é, de são Pedro manietado. As cadeias do prín­
cipe dos apóstolos, exclama santo Agostinho, não são

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porventura mais estimadas por todas as igrejas do que
o ouro mais puro e precioso? O próprio são Pedro, ajun­
ta são João Crisóstomo, as considerou como ornamento
régio, e com elas :::e sentiu mais bem ornado do que com
colares de pérolas e vestes de púrpura e seda. Sabia que
as cadeias que o prendiam em Roma lhe dariam em bre­
ve a mais nobre das liberdades, a da bem-aventurada
imortalidade; recordavam-lhe ainda as cadeias com que
foi atado o seu bom Mestre durante a paixão. Crucifica­
do como ele, porém de cabeça para baixo por humildade,
julgou-se feliz por parecer-se com seu Salvador e ir re­
unir-se com ele, derramando o seu sangue no martírio.
O' morte gloriosa e digna de inveja! rompeu os laços que
retinham o Chefe visivel da Igreja longe do seu Chefe
visível; abriu as portas do céu àquele que recebera as
chaves para lá introduzir todas as almas fiéis a Jesus.
"O Cristo morreu, escreveu ele, e por seu exemplo vos
convida a marchar sobre as suas pegadas. Embora fosse
a. inocência e a verdade personificada, não maldisse quan­
do amaldiçoado, não ameaçou os que o cobriam de gol­
pes; · mas entregou-se sem resistência ao juiz 'iníquo que
o condenou injustamente". Não somos daqueles que se
mostram calmos e pacatos quando tudo corre de acordo
com seus desejos, mas que se agitam e impacientam
quando os contrariam? Corrijamo-nos desse defeito lem­
brando-nos do Salvador que se deixou atar e conduzir
por nós à morte, sem queixa nem resistência.
"Ele levou em seu corpo, acrescenta são Pedro, o cas­
tigo dos nossos crimes e curou-nos por suas chagas" (1
Ped 2, 21). Tal desinteresse é de molde a fazer-nos rom­
per com as nossas paixões, nossa presunção e nossa sen­
sualidade, para abraçarmos a humildade e a pobreza de
Jesus.
Divinb Redentor meu, pelos méritos de vossa santa Mãe
e dos príncipes dos apóstolos, tornai eficazes as minhas
resoluções seguintes: l" de romper os laços da minha
vontade própria, que me impedem de curvar-me às exi-

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gências de vossa graça; 2º de aceitar 'e suportar em si­
lêncio a vosso exemplo, todas as contradições e todos os
males da vida. Dirupisti, Domine, víncula mea. Tibi sa­
crüicabo hostiam laudis.

2 DE AGOSTO
SANTO AFONSO, DOUTOR DA IGREJA
PREPARAÇÃO. Santo Afonso podia falar como o
apóstolo que dizia de si: "Jesus Cristd é minha vida".
Meditaremos: l" como estreitamente estava esse zeloso
doutor unido a Jesus; 2º como poderemos imitá-lo. -
Tomaremos a resolução de fazer a seu exemplo, muitos
e fervorosos atos de amor, afim de nos prendermos a
Jesus e vivermos de sua divina. Mihi enim vivere Chri­
stus ·est, et mori lucrum (Filip 1, 21).

1 º Estreita união de santo Afonso com Jesus


Como no mundo se ouve dizer: "A minha vida é jo­
gar, ler, estudar", assim podia dizer santo Afonso: "A
minha vida é Jesus Cristo". Com outras palavras: "O
meu espírito, o meu coração, os meus pensamentos, de­
sejos e projetos, tudo em mim respira Jesus. De manhã,
ao levantar-me, a sua lembrança apresenta-se à minha
memória; ofereço-lhe o dia, e proponho-me procurar tão
somente a ele. A cada instante suplico-lhe, amo-o, peço
as suas graças, entretenho-me com ele. Contristo-me
q�ando -0 ofendo ou o vejo ofendido por outros; quan­
do ele é louvado, exaltado, servido, glorificado, alegro­
me mais do que se isso se referisse à minha pessoa, pois
que ele é tudo para mim: nele tenho a minha glória, o
meu repouso, a minha esperança, a minha felicidade; os
seus interesses são os meus; os seus sucessos fazem-me
exultar".
Assim podia falar santo Afonso, em toda a sua car­
reira terrestre. Amava a Jesus, com a pureza dos anjos,
com a constância dos mártires e com o vivo ardor dos
serafins. Jesus era-lhe tudo em todas as coisas. Feliz

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de estar com ele, meditavà, ora os inartirios da sua m­
fância, ora os da paixão, ou então adorava-o nas igrejas,
onde repousa o santíssimo Sacramento; lá passava lar­
gas horas a conversar com seu Amigo e voltava sempre
mais apaixonado por ele, mais desejoso de imolar-se por
sua glória. Tornou-se assim como um outro Jesus Cris­
to, _todo transformado em seu bom Mestre e como que
identificado com ele. Podia, pois, dizer com verdade: "Je­
sus é minha vida". O' vida preciosa que faz a nossa gran­
deza, o nosso mérito e a nossa beatitude! O' vida que
de terrestres nos faz· celestes, e de homens mortais nos
transforma de certo mbdo em deuses!
Queremos saber até que ponto o Senhor vive em nós?
Vejamos a que grau temos chegado de abnegação e de
renúncia própria. Se, para obedecermos a Jesus, temos
a força de violentar o nosso coração, os nossos desejos,
inclinações, hábitos de dissipação, capricho, impaciência,
desobediência e tanto as outras pequenas paixões que
impedem o nosso progresso, somos inteiramente dele.
Ainavel Mestre, operai em mim essa morte, morte to­
tal ao espírito próprio, sempre inclinado a julgar e a cri­
ticar; livrai-me · da vontade tão pouco submissa e tão
pouco generosa nos sacrifícios.
Tornai-me insensível ao que me lisonjeia ou repugna
e· fazei-me considerar e amar unicamente o vosso be­
neplácito. Mlhi enim vivere Chrlstus est et mori lucrum.

2" Como imitar santo Afonso em sua união com Jesus


"Meus filhos, dizia o apóstolo, eu vos torno a gerar,
para formar Jesus Cristo em vós" (Gal •4, 19). Estas
palavras podem ser postas nos lábios de nosso santo.
A Igreja o deciarou doutor: confiou-lhe a missão de
instruir e conduzir as almas a Deus pela doutrina e pelo
exemplo. Ora, eis o seu ensinamento: a vida perfeita exi­
ge de nós em primeiro lugar a renúncia às máximas do
mundo e da natureza corrompida, afim de tomarmos o

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espírito do Ho�em-Deus, de pensarmos como ele, de jul­
garmos como ele, de estimarmos o que ele estima e de
desprezarmos o que ele despreza. Meditando o seu Evan­
gelho, os mistérios de sua vida oculta, pobre e padecente,
olharemos logo as tres concupiscências do século, como
os inimigos de Deus e da nossa alma.
Por meio da prece, dos sacramentos, das leituras pie­
dosas, e de assíduas reflexões, as idéias do divino Mestre
passarão, aos poucos, aos nossos sentimentos e à nos­
sa. vontade. Amaremos o que ele ama e odiaremos o que
ele detesta; para agradar-lhe, aceitaremos até o que
repugna ao nosso amor próprio. O nosso coração formar­
se-á assim pelo de Jesus; e a graça, crescendo sempre
em nós, acabará por dominar a natureza. Este feliz es­
tado começa em nós o reino perfeito do Homem-Deus.
Jesus então vive e manda em nós; regulariza em nós
todos os pensamentos, desejos e afetos. Nada de delibe­
rado se efetua sem ele; torna-se ele a alma da nossa
alma: Pensar, julgar, amar, alegrar-se, contristar-se,
agir e querer, tudo se torna antes efeito da sua graça
do que da nossa fraca natureza. Tal será em nós, como
em santo Afonso, a vida íntima de Jesus, se formos fiéis
às suas luzes e atrativos.
Para chegardes a essa desejavel perfeição, proponde­
vos: l" exercitar-vos nu.ma oração contínua, mesmo no
meio das vossas ocupações; 2º não perder jamais o tem­
po em conversações e ações inuteis; 3 º permanecer sem­
pre unidos ao beneplácito divino, agindo ou sofrendo.
Santo Afonso, imitador de Jesus e Maria, dai-me o
amor da oração, do trabalho e da conformidade à von­
tade divina. Uní-me estreitamente ao meu amavel Re­
dentor. Que ele seja doravante a luz do meu espírito, a
vida e a força do meu coração, afim de ·que, deixando o
mundo correr atrás dos bens passageiros, eu ponha toda
a minha felicidade em possuir Jesus, vivendo sempre por
ele, com ele, nele, para ele. Mihi enim vívere Christus
est, et mori lucrum.

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f
: DE AGOSTO - AS TRES CÓNCUPISC�NCIAS

PREPARAÇÃO. Não podemos unir-nos a Jesus, co­


mo os santos, sem combater, a seu exemplo, as tres con­
cupiscências do mundo. Veremos, pois: 1° como eles as
venceram; 2 º como nós devemos delas triunfar. - Pro­
curaremos depois, renovar-nos no espírito de nosso
batismo, o qual é a renúncia ao orgulho, às riquezas e
aos prazeres, isto é, às tres concupiscências do mundo,
assinaladas por são João: Concupiscentla camis et oculo­
rum et superbia vitre (1 Jo 2, 16).

1º Os santos venceram as .tres concupiscências


São Domingos viu uma vez nosso Senhor sobre um
trono brilhante, donde parecia querer traspassar com
tres lanças, que empunhava, todos os homens, e punir a
terra; viu, ao mesmo tempo, a santíssima Virgem lan­
çar-se aos seus pés e implorar a sua misericórdia. E como
o divino juiz se queixasse dos crimes que inundavam
o mundo, Maria apresentou-lhe dois de seus servos, Do­
mingos e Francisco, afirmando que por eles se faria feliz
mudança nas almas; issq fez cair as lanças das mãos de
Jesus e aplacou-o completamente.
Nessa visão os tres dardos representam os tres fla­
gelos com que o soberano juiz queria castigar o mundo
culpado, em punição do seu orgulho, do seu amor exces­
sivo às riquezas e da sua avidez dos prazeres. Essas
tres concupiscências que amontoam tantas ruinas, no
mundo das almas, todos C?S santos, entre outros são Do­
mingos e são Francisco, as combateram, mas como?
Poupando-se talvez? Não. Praticando, até ao heroísmo,
a humildade, a pobreza e a caridade. E com efeito fo­
. raro heróicos no amor das mortificações e dos opróbrios,
procurando-os com mais ardor do que os mundanos as
dignidades; foram-no em sua pobreza voluntária ao pon­
to de viverem confiados na Providência sem guardarem
provisão alguma. E quem não admira as suas espanto-

Bronchain II - 20 305
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!la!:I penitências e austeridades sem tréguas, para conser­
varem intata a inocência, qual lírio rodeado de espi­
nhos?
Admira-vos esse procedimento dos santos? Eles estão
ainda mais pasmos de vos ver tão desassombrados no
meio dos inimigos que vos querem perder. Eles, apesar
da sua vida humilde, pobre e mortificada, temiam os jui­
zos de Deus e a sua própria fragilidade. Vós, ao contrá­
rio, afagando o vosso orgulho, vaidade, moleza e sensua­
lidade, viveis descuidados e sempre contentes. De que
lado estão a fé, -,o bom senso, a verdade? De que lado
se devem achar a esperança, a segurança, a alegria de
uma boa conciência, mormente na morte? Certamente do
lado dos que temem o Senhor como eles.
Meu Deus, vós dissestes: "Só quem pratica o vosso te­
mor gozará de doce segurança na hora da morte". Dai­
me a graça de trabalhar na minha santificação e na mi­
nha salvação com temor contínuo de perder-me eterna­
mente. Timenti Dominum bene erit in extremis (Ecli
1, 13).
2º Como devemos vencer as más inclinações
As tres concupiscências do mundo militam em cada
um de nós. Corrompida a nossa natureza pelo pecado ori­
ginal, ficamos inclinados ao orgulho, ao amor das rique­
zas e dos prazeres, um mais, outro menos, mas todos de
tal forma que precisam procurar remédio a esses males
no exercício das virtudes opostas. O Redentor, querendo
curar-nos, disse a todos: "Se vos não converterdes, e
não fordes como criancinhas, não entrareis no reino dos
céus" (Mt 18, 3). "Não podeis servir a dois senhores,
a Deus e ao dinheiro" (Mt 6, 24). "Entrai pela porta
estreita, pois que larga é a porta e espaçoso o caminho
que conduz à perdição e são muitos os que entram por•
ela" (Mt 7, 13).
Estas palavras indicam-nos os remédios :inais eficazes
para nossas más inclinações. São eles: a humildade, o
desapego e a abnegação ou a mortificação do próprio eu.

306
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Por estes meios triunfaremos das concupiscências que
expõem a nossa alma à perdição. Examinemos pois: 1º
se combatemos o nosso orgulho, nossas tendências à vai­
dade, a procura da própria estima, das atenções do mun­
do e de tudo que lisonjeia o nosso amor próprio; 2º se
vivemos desapegados da terra, contentes com a veste e
a alimentação, sem ambicionar o luxo dos moveis, as de­
lícias da mesa e a suntuosidade dos chamados felizes
do mundo; 3º se somos prontos em mortüica.r os senti­
dos, a vista, os ouvidos, o gosto e mais ainda o desejo
de tudo ver, ouvir e conhecer, desejo tão perigoso para
a castidade e tão nocivo à liberdade interior dos filhos
de Deus e ao recolhimento.
Jesus, renovo os votos do meu batismo, renunciando
por vosso amor às tres concupiscências do mundo e às
faltas que delas emanam. Dai-me a graça de viver sem­
pre segundo o espírito de humilda.de, de desapego e de
abnegação que sempre tivestes em vossa vida mortal e
de que me destes o exemplo em vossa vida eucarística.

4 DE AGOSTO - SÃO DOMINGOS, FUNDADOR


PREPARAÇÃO. São Domingos foi por Deus escolhi­
do para instrumento das suas misericórdias. l ° Ele tra­
balhou para sua perfeição pela penitência e oração; 2º
devotou-se à salvação do próximo pela pregação das ver­
dades da fé, e sobretudo à devoção a Maria. Examina­
remos seriamente se, a exemplo desse grande santo, pro­
curamos unir a oração à ação, afim de cumprir o pre­
ceito da oração contínua. Oportet semper orare et non
deficere (Lc 18, 1).

1º Penitência e oração de são Domingos


Desde a infância começa Domingos uma vida peni­
tente e nela prossegue até à morte. Jejua, vela, dorme
sobre tábuas, toma a disciplina e flagela-se tres vezes
por noite. Leva sobre os rins uma cintura de ferro e so­
bre i!s costas um cilício, que lhe causam dor incessante.

307
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Jamais deixou esse gênero de vida nem nas viagens, nem
nas pregações, nem mesmo quando avançado em anos.
E ele mostra-se sempre jovial e amavel; é a prova de
quanto mais alguem se sacrifica no serviço de Deus,
tanto mais dele recebe delícias interiores.
E essas delícias donde a hauriram os santos? da ora­
ção assídua., que era para eles o paraíso na terra. Duran­
te suas excursões apostólicas, quando de caminho, man­
dava adiante os companheiros afim de só e melhor se
entreter com Deus que habita em nossas almas. De vol­
ta, embora fatigado e com os pés esfolados, ia logo para
perto do sacrário, onde permanecia longas horas. Lá pas­
sava noites inteiras, ora com os braços abertos em forma
de cruz, ora com o rosto por terra, ora multiplicando suas
inclinações e genuflexões com o mais profundo respeito.
Ah! se conhecêssemos com são Domingos o fundo de
corrupção que há em nós, com que ardor não nos poría­
mos a orar e a mortificar-nos como ele! Velando sempre,
negariamos aos sentidos, à imaginação, às más inclina­
ções, tudo que os afaga e fortalece, e pediríamos sem­
pre ao Senhor que nos dirigisse, defendesse e sustentas­
se. Mas ah! a nossa presunção persuade-nos que nada
temos a temer: daí a lassidão em vencer-nos, a moleza
nos nossos hábitos, a falta de espírito de fé e oração,
com os quais poderíamos, como os santos, elevar-nos ao
auge da sólida virtude.
Meu Deus, ponde termo às minhas hesitações, à minha
negligência e à minha tibieza. Fazei que comece a servir­
vos sem reserva por meio de uma mortificação e de uma
oração contínuas. Non impedia.ris orare semper (Ecli
18, 22).

2º Zelo ardente de são Domingos


Purificado, santificado pela penitência e pela oração,
Domingos não podia deixar de ser apto a pregar o reino
de Deus. Instrumento docil sob a direção do Espírito
Santo, operou maral'ilhas estupendas. Os milagres acom­
panhavam a sua pregação e as conversões eram tão nu-

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merosas que se contavam aos milhares entre os fiéis e
entre os cristãos. Os herejes albigenses, objeto especial
do seu zelo, resistiram-lhe por algum tempo, o que mui­
to o afligiu. Porém a Rainha do céu apressou-se a con­
solá-lo.
Uma vez, enquanto orava, apareceu-lhe a Rainha dos
céus e lhe disse: "Já que a saudação angélica foi o prin­
cípio da Redenção do mundo, deve ser tambem a fonte
da conversão dos herejes". Recomendou a seu servo pre­
gasse a devoção do Rosário. E Domingos o fez: em vez
de discutir os pontos controvertidos, explicou os quinze
mistérios do Rosário; depois, salientando as grandezas
da Mãe de misericórdia, concitou todo o mundo a rezar
com confiança e a recitar o terço em sua honra. Esses
sermões tiveram sucesso prodigioso: em poucos anos,
mais de cem mil herejes se converteram e cerca de cinco
milhões de pessoas abraçaram a nova devoção. Quem
não admirará o poder de Marja e a docilidade de seu
servo?
Não é tudo: sob sua proteção Domingos fundou a
ilustre Ordem que tem dado à Igreja tantos pontífices,
santos, mártires e doutores, tantos zelosos propagadores
da fé católica e do culto da divina Mãe. Eis o que pode
uma alma, quando submissa ao Espírito Santo e fiel a
orar com constância à Dispenseira dos dons celestes.
E vossa alma, não se tem ela esfriado sempre que di­
minuistes ou negligenciastes as práticas de devoção à
Rainha dos santos? Doravante sede mais constante e
exato em suplicar-lhe e em mortificar-vos em sua hon­
ra, mormente nos sábados e nas vésperas de suas festas.
Virgem bem-aventurada, sois depois de Deus a minha
esperança. Pela intercessão de vosso servo são Domingos,
obtende-me a graça: 1 º de fugir de toda negligência no
culto filial que vos devo como a minha Rainha e Mãe;
2º de invocar-vos a miudo, mormente nas penas, dificul­
dades e combates; 3 º de gostar de recitar o terço, medi­
tando os mistérios do Rosário e as virtudes sublimes que
praticastes.

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5 DE AGOSTO - NOSSA SENHORA DAS NEVES

PREPARAÇÃO. "Quem me achar, diz Maria, achará


a vida e terá do Senhor a salvação". Veremos amanhã:
l º como a santíssima Virgem, no ;mistério desta festa,
mostra a sua bondade e o seu desejo de salvar-nos; 2º
que significa a neve misteriosa caida nesse dia. - Por
estas considerações reanimaremos o nosso fervor no cul­
to de nossa Mãe celeste, pois que nele achamos a graça
que nos conduz à salvação. Et haurlet salutem a Do­
mino (Prov 8, 35).

1 º Quanto a divina Mãe deseja salvar-nos


No século quarto, sob o papa Libério, um patrício ro­
mano e sua digna esposa, não tendo filhos, fazem voto
de instituir a Rainha do céu como sua herdeira. Tocada
dessa piedade filial, Maria aparece-lhes em sonho, bem
como ao soberano Pontífice. Manifesta-lhes o desejo de
ter uma igreja, no monte Esquilino, no lugar que apa­
recesse coberto de neve. Era cinco de agosto, época de
grande calor. O Papa, acompanhado de vários prelados,
sacerdotes e fiéis, encontra o solo coberto de neve, no
lugar onde mandou elevar mais tarde a basílica de san­
ta Maria Maior, uma das mais célebres do universo.
Quem não vê nisso a caridade da santíssima Virgem
e o seu desejo da nossa salv�ão? Aceita com benevo­
lência uma doação temporal, mas por que? para dar-nos
centuplicadamente bens eternos. Quer que se lhe construa
um templo, para torná-lo asilo das almas e refúgio dos
pecadores. Recebendo o legado dos dois esposos, dá-lhes
o mérito de uma obra excelente, e estende esse benefí­
cio, da cidade de Roma a toda a cristandade, despertando
a fé pelo insigne prodígio celebrado neste dia pela Igre­
ja. O' engenhosa e tocante bondade de Maria! Não, não
a chamam em vão Rainha e Mãe de misericórdia. Re�

º�
gina, Mater misericordim. Desde a conceição do Deus de
amor nela incarnado pela nossa salvação, o seu CoraçãQ
dilatou-se em nosso favor, como um imenso oceano

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compa1xao no qual podemos imergir todas as nossas mi­
sérias. Os mais miseraveis são súbditos por excelência;
acolhe-os com extrema doçura quando arrependidos. Don­
de, pois, as nossas desconfianças e hesitações em implo­
rar a sua assistência? Como seu divino Filho, ela nos
clama: "Vinde a "mim todos que estais fatigados e sobre­
carregados e eu vos aliviarei".
Virgem misericordiosa, longe de mim desconfiar de
vós. De vossa onipotente caridade espero a vitória sobre
as minhas más inclinações, a coragem e a constância
necessárias à minha perseverança e a força de construir
o edifício de minha perfeição sobre as ruinas de meu
amor próprio e em particular do meu defeito dominan­
te. Rainha de santidade, obtende-me a vontade sincera
de fazer reinar a alma sobre o corpo, e o espírito sobre
a matéria, a razão sobre os sentidos, a fé sobre o juizo
próprio, a graça e a caridade sobre as inclinações natu­
rais que impedem em mim a união perfeita e a seme­
lhança inteira com o vosso amado Filho. Qui me inve-·
nerit inveniet vitam 1it hábJet salutem a Domino.

2º O que representa a neve miraculosa desse dia


A intenção da Igreja, ao celebrar a festa de hoje, não
é só de reanimar a nossa confiança na bondade de Ma­
ria, mas ainda de honrar a sua pureza virginal, simboli­
zada pela neve, segundo são Sofrônio. Os mais esplên­
didos astros, como fala a Escritura (Jó 15, 5), não são
puros diante de Deus; entretanto o próprio Espírito
Santo não encontrou mancha em sua esposa imaculada,
Et macula non est in te (Cant 4, 7). A inocência dos
próprios anjos, diz são Bernardo, não se aproxima da
pureza incompreensivel da Virgem Mãe. Isenta do pe�
cado original, enriquecida dos, mais preciosos privilégios,
ela foi sempre a alva e puríssima Columba, a dileta do
Deus de santidade, que achava nela o seu repouso e suas
delícias.
De seu lado essa Virgem fiel punha só. em Deus seus
!3-fetos, todo o seu amor, aperfeiçoando sempre mais a su�

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pureza interior. Quanto mais amamos a Deus, pureza
infinita, tanto mais a nossa alma se desapega de todo
o criado e, devido a essa disposição, a castidade se afir­
ma em nós e se nos torna facil. O apego a nós mesmos,
ao nosso corpo, às satisfações dos sentidos e às criatu­
ras são como espinhos que nos expõem •a lesar a virtude
angélica. Queremos conservá-la intata? trabalhemos sob
a proteção de Maria para evitar até as menores faltas,
para unir-nos estreitamente e unicamente ao soberano
Bem.
A alma elevada acima dos sentidos e desejosa de unir­
se ao Senhor, é como água límpida, como um cristal pu­
ríssimo. A· luz divina penetra, mostra-lhe o nada dos
prazeres efêmeros e a solidez das alegrias da virtude.
Dai a vigilância sobre si mesma, o espírito de mortifi­
cação e oração, que a afasta dos prazeres e a aproxima
de Jesus. A castidade torna-se facil e doce aos corações
verdadeiramente desapegados.
Virgem imaculada, dir-vos-ei com são Sofrônio, a alvu­
ra da neve é apenas um imperfeito emblema da pureza
que vos distingue entre todas as virgens. Obtende-me a
castidade do corpo, o horror até das menores manchas,
e uma vigilância contínua sobre o meu coração, afim de
conservá-lo só para Deus. Fazei que na terra eu viva
como num deserto, onde minha única ocupação seja san­
tificar minha alma e procurar a glória do vosso divino
Filho.

6 DE AGOSTO - TRANSFIGURAÇÃO NO CÉU


PREPARAÇÃO. A transfiguração do Senhor no Ta­
bor representa-nos o que nos está prometido no céu. Lá:
1 º veremos a Deus; 2º amá-lo-emos; e assim seremos
transformados nele. - Para merecermos essa ventura,
evitemos as faltas leves e apeguemo-nos unicamente ao
soberano Bem, pois que disse o Salvador: "Bem-aven­
turados os puros de coração porque verão a Deus". Bea­
ti mundo corde, quoniam ipsi Deum videbunt (Mt 5).

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l° No céu ,•eremos a Deus
O Salvador mostra-se a seus apóstolos transfigurado
no Tabor. O seu rosto torna-se brilhante como o sol, as
suas vestes, brancas como a neve. Essa visão transporta
Pedro fora de si e inebria-o de felicidade. Se a vista da
humanidade de Jesus produz tais efeitos sobre a terra,
que' será contemplar no céu a sua divindade? Vê-lo-emos
face a face, diz o apóstolo (1 Cor 13, 12), isto é, con­
templaremos em êxtase de júbilo os tesouros infinitos
do Padre, sabedoria, pureza, santidade nele encerradas.
Tudo quanto há de belo, de bom, de arrebatador no
universo não é nada em comparação das perfeições do
Criador. A excelência da sua grandeza e da sua essên­
cia infinitas é como um oceano sem fundo nem praias,
onde os eleitos se imergem pela luz da glória que os re­
veste. A eternidade não basta à sua admiração e santo
inebriamento. "Serei saciado, dizia o profeta-rei, quando
me aparecer o vosso esplendor nos céus" (SI 16, 15).
E esse esplendor, por si só suficiente para nos fazer
felizes, com quem e em que lugar o veremos? Com a
mais augusta assembléa que jamais existiu, a dos anjos
e dos santos, e na morada mais deliciosa que se possa
imaginar, isto é, no céu. Estas últimas, vantagens, diz
santo Afonso, embora acidentais, proporcionam aos elei­
tos uma felicidade que ultrapassa todos os prazeres da
terra. Oh! quem nos dará a pureza de coração requerida
para se merecer a visão beatífica?
• Examinai quais as vossas faltas, os vossos mais usuais
apegos; purificai-vos deles pelo arrependimento, pelo
desapego das criaturas. Muitas vezes, por causa de ninha­
rias a que vos prendeis, vos privais de luzes e de gra­
ças infinitamente preciosas.
Meu Deus, curai-me o espírito de seus preconceitos,
de seus erros, de suas máximas mais ou menos munda­
,nas. Fazei que eu conheça o valor dos bens a mim pro­
JQetidos na eternidade � que excedem infinitamente to-

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das as riquezas da terra. Dai-me a força de combater
todo empecilho à pureza interior, tão necessária à visão
beatífica. Beati mundo corde, quoniam ipsi Deum vide­
bunt.
2º No céu amaremos a Deus
O amor divino é sobre a terra muitas vezes partilhado
e misturado de motivos imperfeitos. Ama-se o Senhor não
tanto por causa dele mesmo, mas pelos bens recebidos
da sua bondade; e mesmo esse amor é frequentemente
viciado pelo apego à criatura. No céu não será assim:
amaremos a Deus sem interesse, sem reserva, unicamen­
te porque ele o merece, e segundo a capacidade do nos­
so coração inteiramente purificado. Com que ardor en­
tão a nossa alma se lançará para esse Bem supremo,
contemplando sua beleza? Com que. delícias se imergirá
na imensidade do seu amor para aí gozar tudo quanto
sua ternura divina sabe comunicar· a seus amigos, a seus
filhos privilegiados!
Os suplícios eternos do Inferno excitam a raiva dos
demônios e dos réprobos, a felicidade do céu, porém, em
proporçõés maiores faz prorromper em louvores os an­
jos e os eleitos na presença da santíssima Trindade que
os cobre de tantos favores. O Rei da glória, o Deus eter­
no fá-los partilhar os seus bens, suas alegrias e suas
perfeições inefaveis; dá-se-lhes como o seu último fim
e sua recompensa infinitamente grande. Ego merces tua
magna. nimis.
E' doce aspirar sempre a essa invisível beatitude,
amando a Deus de todo o coração, de todo o entendimén­
to, e com todas as forças. Mas quão longe estamos nós
disso; ocupamo-nos infelizmente menos com Deus do que
conosco e com as criaturas, em vez de nos recolhermos
. e nos aplicarmos à oração, deixamos nossa imaginação
alimentar-se de recordações inuteis. Ah! se tivéssemos
uma faisca do amor que consumia os santos, todos os
nossos defeitos logo desapareceriam, todos os desfaleci­
mentos se dissip�riam, a. !}O�ija inteligência seria acla-

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rada e a nossa conc1encia purificada; a nossa .alma ja­
mais se inflamaria de orgulho nem se deixaria roer pela
inveja, turbar pela cólera, abater pela tristeza; mas, tor­
nando-se humilde, pura, casta e pacata, mostrar-se-ia
moderada na prosperidaq.e e resignada nas provações;
possuiria assim todas as virtudes que nos tornam dignos
de ver e amar perfeitamente o soberano Bem.
Meu Deus, pelos méritos de Jesus e Maria, abrasai-me
do amor que santificou os apóstolos, os mártires e os
santos. Fazei-me compreender l° quanto mereceis ser
amado por causa da vossa excelência infinita e de vos­
sas encantadoras perfeições; 2º quantas vantagens eu
acharia em vosso amor, que é a fonte da paz, o vínculo
da perfeição, o penhor seguro da eternidade bem-aven­
turada.

7 DE AGOSTO A HUMILDADE, PORTA DO c�u


PREPARAÇÃO. Após havermos meditado a visão e o
amor beatíficos, veremos como lá poderemos chegar por
meio da humildade. Esta virtude: 1 º é uma das condi­
ções da salvação eterna; 2º é a maior prova da verda­
deira perfeição. - Decidir-nos-emos, pois, a praticá-la,
contemplando, a miudo, aquele que nos chama: "Apren­
dei de mim que sou manso e humilde de coração". Dls­
cite a me quia mitis sum et humilis corde (Mt 11, 29).

1 º A humildade, condição de salvação


O Evangelho relata que os discípulos interrogaram
uma vez a Jesus, e lhe disseram: "Quem será o maior
no reino dos ,céus?" O Salvador, chamando logo uma
criança, pô-la no meio dos apóstolos e disse-lhes esta pa­
lavra: "Em verdade eu vos digo, se não vos converter­
des e não vos tornardes como crianças, não entrareis no
reino dos céus; quem se humilhar como este pequeno,
será lá o mais elevado" (Mt 18, 1-4). Tiremos disso du&s
conclusões importantes: 1º a humildade é necessária à
salvação, isto é, aquela humildade que nos faz obedecer

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a Deus e à Igreja e nos torna doceis às disposições divi­
nas. 2º Quanto mais a praticarmos, tanto maiores sere­
mos no reino da glória.
Os santos procuraram com constância e ardor conhe­
cer-se e desprezar-se, para exercer esta virtude. Os apó­
stolos consideravam-se e deixavam-se tratar como a es­
cória do mundo: tanquam purgamenta hujus mundi (1
Cor 4, 13). São Domingos atribuia a seus pecados to­
das as calamidades que sucederam em seu tempo. Quan­
do santa Teresa entrava numa cidade onde a despreza­
vam, costumava dizer: "Aquí me conhecem e me rece­
bem como mereço". São Paulo da Cruz considerava-se
sinceramente como a infecção, a peste e o escândalo de
seu Instituto.
Mas donde tinham esses heróis cristãos sentimentos
tão humildes? do conhecimento próprio e das grandezas
de Deus, conhecimento adquirido pela luz da graça in­
teiramente de acordo com a verdade; pois, se nada so­
mos sem aquele que nos criou e nos resgatou, que bem
podemos operar sem ele e de quanto mal não somos ca­
pazes sem a sua assistência? A resposta a estas pergun­
tas estabelece o princípio da perfeição e da salvação.
Quanto mais a ele conformarmos a nossa vida, tanto
mais dignos seremos da glória eterna, pois que Jesus
disse dos humildes: "Deles é o reino dos céus". Talium
est enim regnum crelorum.
Amantíssimo Redentor, dai-me a graça: 1º de cons­
truir o edifício da minha predestinação sobre a base da
humildade sincera, generosa e prática; 2º de procurar
comprazer-me por vosso amor na vida obscura, ignora­
da, esquecida, e de suportar em paz a abjeção e o des­
prezo. Assim terei as melhores disposições, para mere­
cer os vossos favores e aproveitar os vossos benefícios.

2º A humildade, prova de santidade


São Bernardo chama a humildade fundamento de to­
das as virtudes. Um edifício sem fundamento sólido é
sempre fragU. Quem construir sobre a pedra, diz Jesus,

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resistirá às chuvàs, aos ventos das persegmçoes, das
tentações; mas quem construir sobre a areia expõe-se,
cedo ou tarde, à mina completa (Mt 7, 24). Ora, segun­
do Ricardo de São Vitor, o homem verdadeiramente hu­
milde constrói sobre. o rochedo da verdade, pelo conhe­
cimento do seu nada; o soberbo, ao contrário, edifica
sobre a areia movediça da mentira ou da ignorância de
si próprio. Não há, pois, virtude sólida sem a humildade.
Sem ela não há tão pouco virtude duravel, porque, se­
gundo são Bernardo, a humildade é a guarda de todas
as virtudes. Quem amontoa méritos sem referir a Deus
a glória, lança pó ao vento da vaidade que tudo dissipa,
e torna-se culpavel aos olhos do soberano Juiz; é assim
que pensa são Gregório. Já que se perde todo o mérito
por falta de humildade, é certo que esta virtude nos con­
serva o que nos abre as portas do céu.
Segundo são José Calazans, ela é a medida de nossa
santidade. "Quereis ser santos? exclama ele, sêde humil­
des; quereis ser muito santos? sêde muito humildes".
Daí o costume de os servos de - Deus e os diretores es­
pirituais provarem por humilhações a alma cuja virtu­
de querem conhecer. A humildade verdadeira é, com efei­
to, a mais sólida prova de que um sacerdote, um religio­
so, um cristão está animado do espírito de Deus, que é
um espírito de verdade, de renúncia e de inteira submis­
são ao divino beneplácito. Se, pois, uma alma trabalhasse
sempre para desprezar-se a si mesma e estimar somente
a Deua, para desconfiar de si e confiar em Jesus 0 Ma­
rh, chegaria em pouco tempo à mais alta perfeição, sem
perigo de transviar-se ; poJ.s que esse exercício a persua­
diria felizmente a fugir dos perigos do mundo, a se dei­
xar guiar, a orar sem interrupção, a aceitar em paz as
contrariedades, as humilhações por ela merecidas, a con­
sagrar-se enfim inteiramente ao serviço de Deus e do
próximo sem se inquietar consigo e com seus negócios.
Jesus e Maria, mostrai_-níe em minha fraca natureza
os vícios a combater, os defeitos a reprimir e as chagas

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a curar. Fazei que sempre trabalhe em desprezar-me pa­
ra estimar as vossas grandezas, em renunciar-me em tu­
do para cumprir até os vossos menores desejos sempre
santos, sempre amaveis.

8 DE AGOSTO - A VANGLORIA
PREPARAÇÃO. Uma das principais inimigas da hu­
mildade e da boa intenção é a vanglória. Consideremos­
lhe: l ° os efeitos perniciosos; 2º os remédios. - Toma­
remos depois a resolução de acautelar-nos contra o amor
da estima e do louvor, e _de procurar unicamente a gló­
ria de Deus, segundo o preceito do apóstolo. Omnia in
gloriam Dei facite ( 1 Cor 10, 31).

1º Efeitos perniciosos da vanglória


O orgulho é o amor desregrado do nosso valor pessoal
ou da nossa própria excelência, diz santo Tomaz. Pro­
CW'&l' a estima dessa excelência junto às criaturas, eis
a vanglória ou o amor desregrado do louvor. Esse vicio
é um veneno subtil que tende a insinuar-se em todas as
nossas ações, mesmo nas mais santas. Introduz-se secre­
tamente, nas potências da nossa alma, e atua sobre o
nosso coração, os nossos pensamentos, nossa imaginação,
mesmo antes que tenhamos tempo de notá-lo. Quantos
pensamentos inuteis e nocivos não nos sugerem! quantos
méritos não nos roubam!
Por vezes, inebria certos homens ao ponto de fazê-los
esquecer os seus deveres mais essenciais. Quantas que­
das profundas têm sido causadas pela vanglória! Ela
mata como o verme que rói surdamente as raízes das
árvores mais robustas e chega a dessecá-las, a dar-lhes
a morte. Nem os próprios santos foram livres dos seus
pérfidos assaltos. São Gregório, ao escrever seus livros,
notava, às vezes, diz ele, uma vi complacência a insinuar­
se em seu coração, qual pérfida serpente. Santo Agos­
tinho faz idêntica confissão.

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Com grande cuidado, pois, devemos velar sobre n6s
mesmos, nós que somos tão fracos e sensíveis ao menor
elogio. Quantas vezes, somos exposto a pecar: 1º por
jatância, gabando-nos ou louvando nossas boas quali­
dades, talentos e ações; 2º por singularidade, distinguin­
do-nos dos outros para provocar o assombro ou a admi­
ração; 3 º por hipocrisia, com atos falsos ou pouco sin-
. ceros, para captar a estima e a benevolência! Esses tres
efeitos, segundo santo Tomaz, nascem diretamente da
vanglória. Há mais quatro que dela dimanam indireta­
mente; são:· a teimosia que não quer ceder aos outros;
a discórdia que recusa renunciar-se por amor da paz; a
contenda que se obstina a prevalecer pela disputa; a
desobediência que se envergonha de submeter-se a ou­
trem.
Jesus, fazei que eu conheça até que ponto estão arrai­
gados, em minha alma, esses defeitos, e dai-me a vitória
sobre a vaidade que os produz e que tantas vezes me
escraviza.

2º Remédios para a vanglória


O primeiro remédio é considerar a miude o nosso na­
da, os nossos defeitos e a nossa miséria, e quão pouco
merecemos a estima e o louvor das criaturas. "Que coisa
possuís, diz o apóstolo, que não tenhais recebido de Deus?
E se a tendes recebido, por que vos gloriais como se a
tivesseis de vós mesmos?" (1 Cor 4, 7). Não é isso urna
injustiça de ridícula pretensão? Se as nuvens se glorias­
sem da chuva que nos dão, quem não se riria, pergun­
ta são Bernardo.
Aliás, de que nos servem os juizos humanos? "Torna­
se alguern mais estimado, diz a Imitação, somente por­
que os homens o têm em alta opinião? Cada qual é na
realidade o que é diante de Deus. Os que o louvam são
como o nada, cegos, fracos, mortais como nós. De que
nos adiantam, pois, os seus elogios que passam corno os
. sons das suas palavras?" (L. m. cap. 14 e 50).

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Ainda mais, comprazendo-vos nos louvores, cometeis
injustiça contra Deus e contra vós mesmos. Contra Deus,
cuja glória roubais; contra vós cujos méritos subtraís.
Jesus diz: "Não façais as vossas ações diante do ho­
mens, para deles serdes visto; do contrário não recebe­
reis recompensa alguma de vosso Pai que está nos céus'"
(Mt 6, 1); tereis somente a dos escribas e fariseus, isto.
é, os vãos louvores das criaturas, e de que servirão eles,
se Deus vos reprovar? Virão os vossos aduladores de­
fender-vos, diante do seu divino tribunal, desculpar-vos
quando ele vos acusar, e absolver-vos, quando ele vos
condenar? Eles serão os primeiros a censurar a vossa
fraqueza, a vossa loucura e a maldizer-vos, na eterni­
dade.
Jesus e Maria, fazei-me compreender que a vanglória
é uma paixão cega que me causa, todos os dias, imenso
mal; proponho-me combatê-la com cuidado: l° meditan­
do os motivos que me persuadem a odiá-la; 2º purifican­
do as minhas intenções, para banir todo o respeito hu­
mano, todo o desejo de ser estimado, toda a complacên­
cia comigo mesmo, afim de glorificar e contentar somen­
te o Coração do Pai celestial, a quem pertencem a hon­
ra de toda obra boa, perfeita e justa, e mesmo de todo
pensamento meritório.

9 DE AGOSTO - JESUS, MODELO DE HUMILDADE


PREPARAÇÃO. Para nos animarmos à prática da hu­
mildade veremos: l° como Jesus no-la tornou facil, com
seu exemplo; 2º quanta luz ele nos concede para formá­
la em nós. - Habituemo-nos a começar as nossas ora­
ções, por atos de aniquilamento, em união com Jesus ani­
quilado pela nossa salvação. Semetipsum exinanivit, for­
mam servi. accipiens (Filip 2).

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lº Jesus tornou-nos facil a humildade
Enquanto o homem e os anjos rebeldes clamavam, em
seu orgulho: "Serei semelhante ao Altíssimo", similis
ero Altissimo, o Verbo eterno dizia: "Descerei das al­
turas do céu até ao nada, e s�rei o último dos mortais,
o mais vil dos escravos". E que escravo, com efeito, nas­
ceu, jamais, num estábulo, e foi saturado de opróbrios
como o foi Jesus? E ele dá-se, pelo profeta, o nome de
verme da terra. Vermis et non homo (Sl 21, 7).
Santo Agostinho diz: O orgulho era a doença que roía
o gênero humano, doença tanto mais m.curavel, por ser
mais espiritual e menos odiosa a suas vítimas. O melhor
remédio para curá-la é a humilhação. Mas esse remédio
repugna soberanamente à natureza decaida. Que fez nos­
so médico celeste? Para encorajar-nos a aceitá-la, to­
mou-a primeiro, mas em grau que nos tira toda. a excusa
de queixa do pouco que ele nos apresenta.
Ainda mais, se estimamos e amamos o Redentor, sen­
tir-nos-emos honrados em nos parecer com ele, carregando
a libré de suas humilhações. Adotamos as grandezas de
Jesus, e recusaríamos venerar, amar, abraçar, os seus
rebaixamentos? Não é para o homem uma glória humi­
lhar-se com seu Deus? por que então tê-lo na conta de
opróbrio?
Jesus, eu o confesso, quando sou humilhado perturbo­
me, irrito-me, torno-me abatido. O receio de uma confu­
são abala-me ao ponto de fazer-me perder a paz. Não
sei suportar sem tristeza o olvido, o abandono, a falta de
atenção e a estima testemunhada ao próximo. Sempre
ávido de louvores, tenho horror das correções e dos avi­
sos caridosos, e a sombra dum desprezo faz-me estreme­
cer. Quão longe estou ainda de marchar sobre as pega­
das dum Deus que procurou a abjeção toda a sua vida
até à morte na cruz. Jesus, proponho-me receber hoje
em paz tudo o que ferir a minha vaidade, a minha sus­
cetibilidade e o meu amor próprio. Fazei-me aproveitar
.essas ocasiões preciosas para triunfar do meu orgulho e
da minha presunção.
Bronchain II - 21 321
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2º Luzes que Jesus nos dá para a aquisição da humildade
Se consultarmos a doutrina e os exemplos da sabedo­
ria incarnada, nada nos parecerá mais aviltante do que o
orgulho. "Esse vício, diz santo Agostinho, é o princípio,
o fim e a causa de todos os outros pecados". E' uma úl­
cera asquerosa que infeta o nosso espírito, corrompe o
nosso coração e as nossas mais brilhantes qualidades.
Pai de todos Ós nossos defeitos, ele os gera, desenvolve,
sustenta, em suas revoltas contra Deus, e nos torna se­
melhantes ao demônio. Quem não teria horror de vício
tão monstruoso? Ora, o ódio ou o afastamento dele é o
começo da virtude da humildade. Para nela progredir­
mos, consideremos a miude, à luz dos ensinamentos de
Jesus, a malícia dos nossos pecados, a fealdade das nos­
sas faltas, as nossas inclinações para o mal e a nossa
incapacidade de fazer o bem e até de o querer, desejar
e pensar. Não é isso de molde a inspirar-nos a maior des­
confiança de nós mesmos? Como atribuir-n(!S a execução
duma boa obra, se a idéia dela não nos vem, senão pela
assistência divina?
Não vêdes, outrossim, que tendes necessidade de so­
corro, para vos conservardes no estado de graça? Quan­
to mais em se tratando de chegar à perfeição sólida!
Deus mesmo vos conserva a fé, a esperança e a vida so­
brenatural; dá-vos santos pensamentos, piedosos movi­
mentos, convites para a solidão, o silêncio e oração. Con­
cede-vos os seus anjos por protetores, a divina Mãe por
nutriz, e Jesus faz-se o vosso apoio, o vosso alimento.
Poderá haver maiores benefícios?
E entretanto qual é o vosso. progresso? quais as vos­
sas virtudes? quantas faltas não cometeis ainda? quantas
imperfeições enfeiam a vossa vida! Essa consideração
confundia os santos, que se tinham na conta de grandes
criminosos, por não haverem correspondido perfeitamen­
te aos apelos de Deus.
Jesus, aniquilo-me na vossa presença adoravel, e con­
fesso diante de vós a minha ingratidão e infidelidade.

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Não permitais que vos roube a glória que vos é devida,
e viva escravo da vaidade, da presunção, do amor pró­
prio e do egoismo. Abafai em mim todo sentimento de
vã complacência e todo desejo de ser estimado. Pela in­
tercessão da mais humilde das criaturas, vossa divina
Mãe, fazei o meu coração segundo o vosso, concedendo­
me profunda, sincera e constante humildade.

10 DE AGOSTO - SÃO LOURENÇO, MÃRTIR


PREPARAÇÃO. "São Lourenço operou o bem e con­
fessou o nome de Jesus", diz a Igreja no ofício do santo
mártir. 1 º Operou . o bem por sua ardente caridade; 2º
Confessou Jesus por sua ·paciência invencivel. Concluire­
mos que nos importa muito agir sempre na caridade de
Deus e na paciência de Jesus Cristo, segundo a expres­
são do apóstolo, isto é, sem azedume, com suavidade de
coração e inteira resignação. ln charitate Dei et patlen­
tia Christi (2 Tess 3, 5).

1º Caridade de são Louren!:)o


Quem não admirará a ardente caridade de são Lou­
renço? Certo de morrer após tres dias, e conhecendo as
intenções do Papa são Sixto preso por amor de Jesus,
o santo diácono reune todos os desherdados da fortuna
e distribue-lhes os tesouros a ele confiados. Depois, res­
pondendo ao prefeito que reclama as riquezas do san­
tuário, diz, mostrando os pobres: "Eis aquí os bens do
Senhor e da Igreja. O ouro, a prata, as pedrarias são
vís objetos; os pobres, ao contrário, que recebem as
nossas esmolas são os verdadeiros tesouros dos discípu­
los de Jesus".
Essa tocante linguagem excitou . a raiva do tirano,
mas nos mostra que os verdadeiros cristãos em todas as
épocas têm considerado os indigentes como os banquei­
ros do Rei dos reis. E de fato é Deus mesmo quem nos
dá o cêntuplo pelo bem operado em favor do próximo.

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S. Lourenço não encontrava melhor preparação para o
seu martírio do que o exercício da caridade, e com razão,
porque nada é mais apto para merecer-nos acolhimento
favoravel da parte do soberano juiz. As almas caridosas
dirá ele no fim do mundo : "Tive fome, tive sede, achei­
me na indigência e vós me socorrestes".
Jesus, dissestes-nos: "Sede misericordiosos como o vos­
so Pai celeste. Não julgueis e não sereis julgados; não
condeneis e não sereis condenados. Perdoai e sereis per­
doados·. Dai e vos será dado. E se derdes com abundân­
cia, no vosso seio vos será lançada uma medida boa, e
cheia e recalcada. Porque, com a mesma medida com que
medirdes para os outros, será medido para vós" (Lc 6,
36-39). Esses oráculos, divino Mestre, devem provocar
em mim sérias reflexões. Se eu for duro, intratavel, sem·
compaixão, nem misericórdia para com o próximo, terei
de esperar de vós justas represálias. Dai-me, pois, a gra­
ça: 1" de abafar em meu coração todo ressentimento,
suspeita, juízo temerário, toda aversão, frieza e maledi­
cência; 2º de gostar de perdoar, de prestar serviços, ali­
viar aos que sofrem e de praticar para com todos a bon­
dade, a benevolência, a caridade de que me destes exem­
plo. Invicem benigni miseriéordes, donantes invicem (Ef
f), 32).
2º Paciência invencivel de são Lourenço
"A paciência coroa a obra da nossa pe"rfeição", diz são
Tiago (1, 4). São Lourenço provou a sua santidade por
sua paciência heróica. Que não sofreu ele em seu martí­
rio? Depois de flagelarem-no, deslocaram-lhe os ossos,
rasgaram-lhe as carnes -e bateram-lhe em todo o corpo
com azorragues guarnecidos de pontas agudas. No meio
de tantos suplícios, manso como um cordeiro, não pro­
fere palavra de queixa; contenta-s� com a súplica que
faz para que o Senhor o chame a si.
Mas uma voz vinda do �éu anuncia-lhe novas torturas.
Espanta-se o santo diácono? pede ao Senhor lhe poupe
mais esses tormentos? Não, feliz de poder sofrer por.

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seu Mestre, torna-se ainda mais ardente em proclamar­
se cristão, e em confundir os seus perseguidores. Com
pedradas quebram-lhe o queixo; estendem-no sobre uma
grelha e queimam-no lentamente. O amor sagrado que
consumia o seu coração, diz santo Agostinho, era bem
mais intenso do que o fogo que lhe devorava as carnes.
Assado de um lado, clama ao tirano: "Vira e come", e
continua a sofrer com alegria pelo seu Senhor.
Se tivesseis uma centelha de seu invencível amor, que
resignação não tirarieis dele? Mas, ah! pouco devotado
a Jesus, e pouco persuadido do valor do sofrimento, queL
xai-vos facilmente e não podeis suportar nem a menor
contradição nem a mais leve contrariedade. Ficais aba­
tidos nas fadigas · inerentes aos trabalhos, nas enfermi­
dades, nas aflições e dores inseparaveis da nossa condi­
ção humana. Os embaraços nos negócios e os dissabores
quotidianos bastam para tirar-vos a calma e a paciência.
Que seria se, como Jesus e os mártires, tivesseis de so­
frer os opróbrios, os maus tratos, as bofetadas, as tor­
turas e a morte mais cruel?
Jesus, repito-vos tantas vezes: "Senhor, amo-vos mais
do que a mim mesmo", e quando me dirigem·uma palavra
desagradavel, ofendo-vos por meu azedume, impaciência
e murmuração! Jesus e Maria, fazei-me manso, resignado,
caridoso como são Lourenço ; dai que como ele eu tenha
paz nas dificuldades e nas mais sensíveis provações. Su­
perabundo gaudio in omni tribulatione nostra.

1;1 DE AGOSTO.
A MANSIDÃO, FILHA DA HUMILDADE
PREPARAÇÃO. A humildade, virtude especial a pra­
ticar neste mês, conduz-nos à mansidão, da qual meditare­
mos: 1º a obrigação ou preceito; 2º as vias ou os meios
que a ela nos levam. - Propor-nos-emos depois acaute­
lar-nos contra o nosso humor nas palavras e nas ações
e a respeito de todos os que nos rodeiam; pois que, se-

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gundo o apóstolo, um servo de Deus deve ser manso pa­
ra todos. Servum Dei oportet ma.nsuetum esse a.d omnes
(.2 Tim 2, 24).

1º Obrigação de exercer a mansidão


"Sêde perfeitos, clama-nos Jesus, como vosso Pai ce­
leste" (Mt 5). Ora, Deus governa o mundo com mansi­
dão, fazendo levantar-se o sol para os maus como para
os bons, fornecendo, a todos, os meios de vida, os ele­
mentos da felicidade e as graças que santificam. Jesus
Cristo, que é a perfeita imagem do Pai, ensinou-nos a
mansidão por suas palavras e seus exemplos. "Envio-vos,
declara aos apóstolos, como cordeiros no meio dos lobos
(Lc 10, 3). Aprendei de mim, diz a todos, a ser mansos
(Mt 11, 20) ; se vos baterem numa face, apresentai a ou­
tra, e se vos tirarem a túnica, abandonai tambem o man­
to" (Mt 5).
Esta doutrina impele-nos a aspirar à perfeição da man­
sidão, sobretudo quando a vemos brilhar em Jesus. Já
em seu nascimento em Belém, oferece-se qual mansa ví­
tima da nossa salvação. Foge de Herodes, cuja insolên­
cia podia ter reprimido. Mais tarde, em suas pregações,
suporta com paciência os escribas e os fariseus e, com
bondade, trata os pecadores. Sempre pronto a perdoar,
dissimula as injúrias e faz o bem a todos sem excetuar
os inimigos.
Que dizer da sua conduta nos tormentos e ignomínias
da sua paixão? Isaías no-la descreve com as palavras:
"Foi como a ovelha levada ao matadouro e como o cor­
deiro silencioso diante dos que o tosquiam" (53). E vós
não corais por serdes ainda, apesar de tudo isso, escravos
do azedume, do ressentimento, das aversões e até da có­
lera, ao menor desprazer que vos causam?
Meu Deus, dai-me a conhecer em que falto à mansidão
em meus pensamentos, sentimentos e palavras, procedi­
mento para com o próximo, sobretudo com meus supe­
riores, com os pobres, os ignorantes, os rústicos. Fazei-me

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flexivel e condescendente com todos nas coisas permiti­
das, preferindo então, como diz são Francisco de Sales,
entrar em acordo com os outros a querer que eles sejam
constrangidos a entrar em minhas vistas. Mansuetum
esse ad omnes.

2º Meios da adquirir a mansidão


Depois de exortar-nos a praticar a paciência para com
todos, a nunca pagar o mal com o mal, e sim com o bem,
com mansidão e caridade, o apóstolo são Paulo acres­
centa logo: "Alegrai-vos sempre; orai sem interrupção;
rendei graças a Deus por tudo" ( 1 Tess 5, 14-18). Com
isso indica-nos os meios de conservarmos sempre a nossa
alma na tranquilidade e mansidão.
"Alegrai-vos sempre", -diz-nos ele. Multas vezes a cóle­
ra, a impaciência, o a,zedume nascem da tristeza habitual
que nos domina. A alegria espiritual, dilatando-nos o co­
ração, bane _dele a tristeza. O mau humor, o capricho;
torna-nos mais flexiveis às vontades alheias e menos sen­
siveis quando nos contrariam.
A prece assídua, de que fala o apóstolo, obtem-nos as
luzes do espírito para conduzir-nos com sabedoria, a un­
ção da graça que adoça o carater, a suavidade de coração
que nos faz agir e falar com todos, segundo o exemplo
de Jesus, o mais manso dos filhos dos homens. O reco­
nhecimento mencionado pelo mesmo apóstolo são Paulo,
auxilia-nos, do seu lado, a prática da mansidão, porque,
considerando as ate�ções terrenas e contínuas da Provi­
dência divina para cada um de nós, quem não se senti­
ria emocionado? E neste caso como poderemos ser du­
ros, incivís, sem compaixão com os outros? A paciência
divina em suportar nossas faltas, defeitos, imperfeições
e mesmo as ofensas graves de que nos tornamos réus pa­
ra com ele, essa paciência causa-nos vergonha, quando
nos enfadamos, nos irritamos contra o próximo e lhe con­
servamos aversão, mesmo que ele nos houvesse enchido
de males.

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Jesus, que padecestes em silêncio, durante a vossa
paixão, as irrisões, os maus tratos, as zombarias da par­
te da vossa criatura, inspirai-me a paz e a bondade em
tudo que fere o meu orgulho e o meu amor próprio. Sob
a proteção de vossa divina Mãe, tomo a resolução: 1° de
não exigir dos outros que sejam anjos, mas suportá-los
com toda a mansidão e caridade; 2 º de estudar-me para
sofrer com suavidade de espírito as ofensas que me fa­
zem, sem fazer sofrer a ninguem.

12 DE AGOSTO - SANTA CLARA, ABADESSA


PREPARAÇÃO. "Bem-aventurados os pobres voluntá­
rios, porque deles é o__ reino dos céus" (Mt 5, 3). Medi­
taremos amanhã: 1º a perfeição de santa Clara na vir­
tude da pobreza; 2 º as vantagens espirituais que dela ti­
rou a santa. - Fruto das nossas reflexões será decidir­
mo-nos a viver desapegados das vaidade_s terrenas, afim
de elevar-nos muitas vezes, ao céu por nossos pensamen­
tos, desejos e afetos. Beati pauperes spiritu quoniam
ipsorum est regnum crelorum.

l° Pobreza de santa Clara


Filha de família nobre e rica, santa Clara de Assis,
aos dezoito anos, abandonou o século, apesar da oposição
da sua família, e, despojando-se de todos os adornos da
vaidade humana, revestiu-se de um saco e de uma cor­
da, para consagrar-se àquele que se fez pobre por nossa
causa. Feita superiora da comunidade, viveu em desape­
go completo. Ela, há pouco tão opulenta, dispôs a casa
de maneira a não possuir renda alguma; proibiu até guar­
dar provisões. Contente com o estritamente necessário,
preferiu receber de esmola antes pedaços de pão duro
do que pães frescos e inteiros.
Para comprazer ao Rei dos pobres, recusava constan­
temente qualquer mitigação da regra -em ponto de po­
breza. Não perdia jamais de vista o exemplo do grande

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Deus, que, sendo o Senhor do universo, não quis pos­
suir coisa alguma no mundo, desde o estábulo de Belém
até ao sepulcro do Gólgota. Além disso, ela bem sabia,
a pobreza é a companheira da humildade, a mãe da
devoção, a irmã do recolhimento e a nutriz da oração. O
coração desapegado goza paz profunda e eleva-se sem
trabalho à contemplação e aos desejos dos bens celestes
e eternos.
Sentis-vos comovidos como santa Clara, pelos exemplos
de desapego dado por Jesus Cristo? Tendes as riquezas
como lama, em comparação da graça santificante, dos
méritos das boas obras e das promessa divinas? Por que,
pois, ligar as vossas afeições a um objeto de pouco va­
lor e não vos prender unicamente ao soberano Bem? Ou­
sais até desagradar-lhe, às vezes, para não sacrificardes
o que a sua graça de vós exige. Amais com facilidade
o que lisonjeia a vista, o gosto, o tato, e sois tão reser­
vado a respeito do Bem supremo que sacia todos os
eleitos.
Meu Deus, dai-me o espírito dos santos, que no tem­
po procuravam os bens da eternidade. Fazei-me viver
qual viajor que passa um dia na hospedaria e parte no
dia seguinte sem se apegar ao que viu e ouviu. Segundo
o preceito do Evangelho, quero estar sempre pronto a
deixar esta vida sem nada desejar dos bens passageiros.
Fazei que eu deseje as virtudes e os méritos que tornam
os homens digÍ1os de habitar eternamente convosco na
herança dos santos.

2º Vantagens que santa Clara tirou da pobreza


Preciosos favores recebeu santa Clara em retorno da
sua pobreza voluntária. Várias vezes fez-lhe Deus a gra­
ça de multiplicar o pão e o óleo necessários à comuni­
dade. Mostrou-lhe o Menino Jesus deitado em seu pobre
presépio; defendeu-a contra os sarracenos prestes a pi­
lhar e a saquear o seu convento. Durante os seus 42
anos de vida passada nas mais duras provações, não só
11ão deixou escapar uma queixa, mas teve sempre a mais

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franca alegria no coração. Antes de morrer pôde asseve­
rar que nenhum trabalho, nenhuma penitência lhe fora
dificil, nenhuma enfermidade desagradavel; prova evi­
dente de que uma alma desprendida e unida só a Deus,
participa da felicidade do próprio Deus.
Por isso morreu em delícias a nossa santa, assistida
visivelmente por Jesus, Maria e urna multidão de bem­
aventurados, que em seus derradeiros instantes esten­
deram sobre o seu corpo extenuado um tapete de valor
inestimavel, como para designar quão agradavel são ao
Senhor a pobreza e a pureza, sua companheira. Apren­
damos com isso a desprezar os bens da terra e as satis­
fações dos sentidos que nada valem no momento da mor­
te, ao passo que o pensamento de haver servido a Deus,
dá ao moribundo contentamento e doce esperança.
Examinai como praticais a virtude da pobreza. Afir­
mais não temer ser privado de tudo, mas quantas quei­
xas fazeis quando em vossas ref�ições vos deixam faltar
alguma coisa, quando vos não servem as iguarias que
desejais, ou quando vos fazem esperar, dando-vos ocasião
de praticar a paciência que convem aos _pobres de Jesus
Cristo. Mesmo que fosseis reduzido ao desnudamento
completo, ainda assim estaríeis melhor do que aquele
que não teve no mundo onde repousar a cabeça (Mt
8, 20).
Meu amavel Salvador, descobristes aos homens o tesou­
ro escondido na pobreza voluntária. Concedei-me a graça
de só me prender a vós e aos bens sólidos de que sois
a fonte. Sob a proteção da Virgem imaculada e da santa
Clara sua serva fiel, tomo a resolução: 1º De examinar
de tempos a tempos se o meu coração a nada se apega
no mundo; 2º de pôr em vossa amizade e em vossos mé­
ritos toda a minha felicidade e toda a minha esperança;
3º de repetir muitas vezes com o profeta-rei: "Senhor,
que há no céu, ou que posso desejar sobre a terra, se­
não vós, o Deus do meu coração e minha partilha para
a eternidade?" Deus cordis mei et pars mea, Deus, in
mternum (SI 72, 25-26).

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13 DE AGOSTO - DA HUMILDADE
PREPARAÇÃO. Sendo esta virtude especialmente pro­
posta à nossa atenção neste mês, veremos: l º os motivos
de considerar-nos os últimos de todos; 2º em presença
de quem devemos humilhar-nos. - Examinaremos, a se­
guir, se amamos a vida oculta, e tomaremos por rama­
lhete espiritual a palavra de são Paulo: "Não sejamos
ávidos da glória que vem dos homens". Non efficlamur
inanis glorim cupidi ( Gal 3, 27).

1 º Motivos _de por-nos no último lugar


Que sentimento de humildade e reconhecimento deve­
ria encher o nosso coração, quando consideramos os inú­
meros favores de que somos alvo, isto é, tantos dons, lu­
zes e socorros particulares, meios de salvação, que temos
cada dia em nosso poder. Meditações, missas, comunhões,
leituras piedosas, exemplos edificantei;i, tudo concorre
para nos levar ao bem. Entretanto onde está o nosso
progresso? Ah! se um pagão tivesse recebido metade das
graças a nós concedidas seria ele talvez um santo. Este
pensamento é de molde a humilhar-nos a nós tão cheios
de def6!itos e vazios de virtudes.
Mas que digo, grande Deus, eu sei com certeza que
tenho cometido muitos pecados e sou muito culpado em
vossa presença. Do outro lado ignoro quanto o próximo
é responsavel a vossos olhos; ele pode ter tido menos so­
corros, mais ocasiões, mais atrativos, e ter cometido me­
nos pecados do que eu. Mesmo que o soubesse grande cri­
minoso, posso ainda, em certo sentido, crer-me o mais
miseravel de todos por causa da assistência especial a mim
concedida e do monstruoso orgulho q1:1-e me domina. En­
sina o doutor angélico que o pecado é tanto maior quan­
to mais negra é aos olhos do Senhor a Ingratidão de
quem o comete. Um só pecado meu pode, pois, pesar mais
diante de Deus do que os crimes de um grande facínora
que recebeu menos graças. Ora, não tem sido a minha vida
um tecido de faltas voluntárias? e as minhas próprias

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boas obras não são cheias de amor próprio e de mil im­
perfeições? Que castigo, pois, mereço neste e no outro
mundo? Quero para o futuro descer em espírito de fé
até ao fundo do inferno e colocar-me abaixo dos demô�
nios e dos mais vís réprobos; lá se puseram os _santos à
recordação de suas infidelidades.
Meu Deus, se, como tantos outros, eu nascera de pais
inimigos da religião, se eu tivesse as paixões fortes de
tantos pecadores públicos, não teria eu me tornado talvez
como eles e peior do que eles? Esta lembrança deveria
constranger-me a conservar-me cm espírito sob os pés
de todos. Dai-me o amor sincero da minha abjeção e o
desejo de ser ignorado, esquecido, desprezado entre as
criaturas, afim de viver sempre sob os vossos divinos
olhos, ó meu dulcíssimo, santíssimo e amabilíssimo Cria­
dor.

2º Em relação a quem devemos exercer a humildade


Devemos praticar esta virtude especialmente em nos­
sas relações com Deus e com o próximo. Quem acharia
difícil rebaixar-se, aniquilar-se, na presença da infinita
grandeza, da majestade soberana, do Deus tres vezes
santo, diante do qual os anjos velam as suas faces, con­
fessando a sua incapacidade em louvá-lo dignamente?
Tudo deve confundir-nos sob o olhar do Rei dos reis: ele
é 6 ser eterno e necessário, e nós nada somos. Ele é a
sabedoria, a força, a riqueza por excelência, ao qual
tudo é devido e ao qual tudo pertence; e nós não somos
senão ignorância, fraqueza e pobreza, incapazes de sair,
por nós mesmos, de nossa miséria. "Qual o mortal, diz
o Espírito Santo, que possa justificar-se diante de Deus?
Os próprios astros não são puros a seus olhos, quanto
menos o llomem, pasto· de vermes e corrupção do túmu­
lo!" ( Jó 25, 4-6). Estes pensamentos. devem tornar-nos
doceis e submeter-nos em tudo ao domínio de Deus e à
direção da sua Providência.
Deveriam tambem encher-nos de deferência e respei­
to para com nossos irmãos, templos vivos do Espírito

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Santo. Ficar-nos-ia mal confessar-nos vís e abjetos na.. ora­
ção e depois querer dominar os nossos semelhantes, fa­
lar-lhes com altivez, exprobrar-lhes as faltas, fazer-lhes
sentir a superioridade do nosso espírito, dos nossos ta­
lentos, das nossas qualidades e virtudes sobre eles. O
fariseu que se julgava superior aos outros tornou-se por
seu orgulho o último de todos. Esta será a nossa sorte
se não formos humildes em nossas relações com o pró­
ximo.
Vêde, pois, se tendes para com todos o procedimento
delicado e sempre benevolente que nasce dum coração
humilde, esquecido de si e devotado a seus irmãos. Estais
sempre disposto a alegrar-vos sinceramente com a feli­
cidade e sucessos alheios; a suportar sem amargor a
contradição, os desden:;i, as posposições, as faltas de aten­
ção? Não falais secamente com vossos subalternos? não
os repreendeis com impaciência e dureza?
Jesus, dai-'êtn sentimentos conformes aos do vosso di-_
vino Coração, sentimentos de estima, caridade e condes­
cendência para com todos. Pela intercessão de Maria,
a mais humilde das criaturas, concedei-me: 1 º a humil­
dade de espírito que me ensina a conhecer o meu nada,
a minha ignorância, a minha corrupção e a malícia dos
meus pecados; .2º a humildade do coração que me ins­
pire o ódio salutar de mim mesmo e a paciência nas
confusões, irrisões, friezas e afrontas.

14 DE AGOSTO.
ÚLTIMOS INSTANTES DA DIVINA MÃE
PREPARAÇÃO. Para celebrarmos a vigília da Assun­
ção, e nos prepararmos para essa festa, meditaremos:
1º as disposições da divina Mãe na sua hora suprema; 2º
o seu derradeiro suspiro causado pela força do divino
amor. - Propor-nos-emos depois renunciar a todo ape­
go terreno, a toda espécie de imperfeição, afim de que

333
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nossa morte seja preciosa diante de Deus, a exemplo da
divina Mãe e dos santos que a imitaram. Pretiosa in con­
specto Domini mors sanctorum ejus ( SI 115, 5).

1 º Maria em sua hora derradeira


Que dor não causam aos moribundos o apego aos bens
passageiros e sobretudo os pecados que cometeram! A
Virgem imaculada, a Rainha da santidade, não teve na
morte coisa alguma que lhe causasse dor. Não temia os
juizos de Deus, a quem jamais ofendera, e via-se rodeada
das virtudes que praticara eminentemente. A fé viva de
Maria, a confiança inabalavel, a paciência a toda prova,
a humildade profunda, a caridade ardente, a .modéstia,
a doçura inalteravel, numa palavra, todas as virtudes
de sua alma privilegiada, enchiam-na de alegria, fazen­
do-a entrever as recompensas que a esperavam.
Essa Virgem bendita, inteiramente desapegada da ter­
ra, suspirava ardorosamente pelo céu onde se achava seu
divino Filho. "Quem me dera asas como as da pomba,
exclamava ela, e voaria para o Bem supremo. e eterno!
(SI 54, 7). Quando irei, quando aparecerei diante da face
de meu Deus? (SI 41, 3). Como o cervo ferido procura
a fonte d'água viva, assim minha alma suspira pelo seu
último fim" (SI 41, 2). Estes eram os anseios do coração
de Maria no fim de sua tão bem aproveitada carreira.
Procurai imitar essa Virgem puríssima e desapegada,
evitando toda falta deliberada e vivendo cada dia como
o viandante que anda sem se deter e prender ao que en­
contra. Examinai se preferís a piedade à ciência, a feli­
cidade de obedecer à honra de mandar, a pureza de co­
ração a todas as vãs satisfações. Colocai-vos cada noite
em vosso leito de morte, e perguntai-vos que coisa no
fim da vossa vida vos inspirará maior dor. Podeis pen­
sar no tribunal supremo sem recear as censuras do Se­
nhor pela vossa lassidão na oração, vossa negligência
nos vossos oficios, vossa preguiça e pouco caso no apro­
veitamento dos numerosos meios de salvação que vos são
constantemente oferecidos?

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Jesus, pelos méritos da Virgem sempre fiel, inspirai­
me a coragem de violentar-me para cumprir os meus de­
veres com exatidão, afim de merecer as recompensas
prometidas aos servos vigilantes. Dai-me a força de re­
nunciar-me quando a graça exigir de mim um sacrifí­
cio, sacrifício duma palavra, dum olhar, duma impaciên­
cia, duma inclinação contrária à 'vossa vontade.

2º "último suspiro de Maria


Segundo santo André de Creta e são João Damasce­
no, os apóstolos e uma parte dos discípulos, dispersos em
várias regiões, acharam-se miraculosamente reunidos em
Jerusalém, no quarto em que a Virgem sem mancha ex­
pirava. Qual não terá sido a ternura dessa amorosa M;ie
ao despedir-se deles. Os assistentes mal puderam conter
as. lágrimas.
Os anjos, desejosos de estar presentes ao passamento
da sua Rainha, descem das alturas do céu. O próprio Je­
sus, atraido pelos ardentes desejos de sua Mãe, apare­
ceu-lhe rodeado de brilhante cortejo· de tronos, qu.erubins
e serafins. No mesmo instante, uma melodia arrebata­
dora se faz ouvir aos apóstolos entristecidos; e que de­
lícias inundam então a alma da Virgem fiel, sobretudo
no momento em que, segundo são João Damasce_no, Je­
sus se lhe dá sob as sagradas espécies, como Viático
da sua passagem do exílio à pátria,, do tempo à eterni­
dade.
Foi o sinal de partida de nossa Mãe: a sua bela alma.,
qual branca nuvem do mais puro incenso, desligou-se
suavemente do seu corpo virginal e tomou o vôo por
entre os coros angélicos, amparada por seu Dileto. Acom­
panhemo-la ao entrar no céu e ao abismar-se para sem­
pre em Deus. Voltemos depois à sua câmara fúnebre,
onde encontraremos os apóstolos, aflitos, mas consola­
dos pelo odor dos perfumes celestes exalados dos restos
mortais da sua augusta soberana. Admiremos com eles
como se morre, quando se viveu unicamente para Deus.

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Virgem santa, a vossa morte foi, com razão, a mais
doce de todas, porque no Calvário sofreste� o mais cruel
dos m:i.rtírios. Assim seremos tambem nós consolados
nos últimos momentos no meio das aflições, das prova­
ções, dos sacrifícios que tivermos abraçado geherosa­
mente durante a vida. Rainha poderosíssima, obtende­
me: 1 º a vitória quotidiana sobre as más inclinações e
instintos perversos, afim de ter a alma inteiramente
pura, após este triste exílio; 2º recordai-me sempre a
máxima seguinte: "Para se ter a felicidade de morrer
sem dor, vale a pena viver sem prazer", sem consolação
nem gozo, para se pertencer inteiramente a Deus. Virgem
bem-aventurada, assistí-me na vida e sobretudo na hora
da morte. Nos meus últimos dias vinde dispor-me ao
sacramento dos moribundos e receber a minha alma em
sua partida deste mupdo para apresentá-la a vosso di­
vino Filho.

1� DE AGOSTO - ASSUNÇÃO DE MARIA


PREPARAÇÃO. "A santa Mãe de Deus foi, elevada
ao céu, em corpo e alma, acima dos coros dos anjos", diz
a Igreja no ofício de hoje. Contemplaremos: l° a sua
assunção gloriosa; 2º as virtudes que a torna,ram digna
da glória. - Tomaremos depois a resolução de aspirar
como ela à glória celeste por uma vida pura, humilde e
devotada, que nos ele'l(e um dia junto dela no esplendor
celeste. Exaltata est sancta Dei genetrix super choros
angelorum ad crelestia regna.

1 º Gloriosa assun!;ão de Maria


Magnificentíssimo foi o aparato determinado pelo rei
Daví quando introduziu a Arca da aliança em Jerusa­
lém. Muito mais brilhante, ,porém, foi a entrada de Ma­
ria, arca do novo Testamento, na Jerusalém celeste. Je­
sus mesmo a acompanhou à frente das legiões angélicas.

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"Quem é essa Virgem tão honrad� pelo Rei dos reis 1
perguntavam-se os habitantes do céu. Quem é essa mu­
lher que caminha apoiada sobre o príncipe da paz?" E
o cortejo de Maria respondeu: "E' a Virgem imaculada,
a Rainha do universo, a Mãe do nosso Deus".
Nas abóbadas eternas ecoavam os louvores e as ben­
çãos. Os anjos, os arcanjos, os principados congratula­
vam-na como sua Rainha, pelos dons e privilégios com
que Deus a adornara; as potestades, as virtudes, as do­
minações exaltavam o ·seu imenso poder junto ao Se­
nhor; e ouviam-se os tronos, os querubins, os serafins
cantarem hinos e protestarem, com toda a côrte celeste,
inteira submissão e inviolavel fidelidade.
Consideremos tambem as emoções de ternura de to­
dos os santos que a aclamaram por sua vez. Os patriar­
cas que ardentemente desejaram sua vinda, os profetas
que a haviam saudado de longe, como a aurora de nos­
sa libertação; as virgens e os mártires que a felicitavam
por sua incomparavel pureza e invencível constância na
dor; todos, a uma voz, proclaw.avam-na a bem-aventu­
rada por excelência, merecedora de todas as beatitudes
e bençãos do céu e da terra. Depois as tres divinas Pes­
soas, acolhendo-a com amor, o Pai à sua Filha, o Filho
à sua Mãe e o Espírito Santo à sua esposa, colocaram­
na sobre um tron·o sublime, o mais glorioso depois do
trono do Homem-Deus.
Quem nos dera remontar em espírito até àquela gló­
ria que goza nossa Rainha e Mãe! E como é que ela a
mereceu? vivendo talvez em honras e ·delícias? procuran­
do os bens terrenos? Não, renunciando-se a si própria e
a tudo o que o mundo preza; amando a vida oculta, po­
bre e mortificada; seguindo passo a passo o divino mode­
lo dos predestinados. Correspondendo fielmente às luzes
e às graças do Espírito Santo.
Amavel soberana minha, do alto do vosso trono, bai­
xai sobre mim o _vosso meigo olhar e fazei-me compreen­
der a nulidade das dignidades, das riquezas e dos praze­
res do mundo em comparação dos bens eternos. Inspirai-

Eronehain II - 22 33'{
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me o amor da solidão, do recolhimento e da oracão, afim
de retemperar-me cada dia no exercício das virtudes que
vos elevaram tão alto, no reino dos céus. Exaltata e;;t
saneta Dei genetrix super choros angelorum ad creles­
tia regna.

2º Virtudes que glorificaram a divina Mãe


Depois do oráculo infalível da sabedoria incarnada:
"Quem se humilha será exaltado", a humildade ficou
sendo o único caminho que nos leva a Deus, diz são
Bernardo. Por que é que a santíssima Virgem foi posta
como a primeira no mais alto dos céus? Foi porque ela
quis ser sempre a última sobre a terra. O seu aniquila­
mento diante de Deus era tão profundo e contínuo, a
sua docilidade tão perfeita, que jamais deixou de cor­
responder inteiramente a graça alguma do céu. Desta
forma, que santidade não adquiriu ela, santidade verda­
deiramente digna da Mãe de um Deus! Qual violeta que
se oculta, a Virgem por excelência aspirava ficar igno­
rada e esquecida; mas o. Rei da glória, enlevado por seu
perfume, transplantou-a da terra ao céu corno a má.is
encantadora flor de toda a criação.
Aos atrativos da sua humildade aliavam-se os da sua
pureza. Nada, tanto como a inocência, é acolhido na
mansão dos espíritos angélicos. Com que alegria foi re­
cebida na glória a Virgem imaculada! O Deus tres ve­
zes santo denomina-a "a sua única, a sua Columba, a
sua esposa sem mancha" (Cant 2, 10). Filha de Adão
prevaricador, soube, por sua candura virginal, merecer
o reino sobre os nove coros de anjos, avantajando-se-lhes
em inocência e pureza.
Mas se a pureza abriu à Maria as portas do seu rei­
no, se a humildade a arrebatou à terra e à. levou ao céu,
foi, todavia, a caridade que lhe preparou o trono. E com
efeito é o amor divino que confere às nossas ações e
sofrimentos o mais alto grau de merecimento sobrena­
tural. Esse amor, incompreensível em Maria, valeu-lhe
aquela santidade sublime, que a coloca à dextra de seu

338
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adoravel Filho. Sem a graça ou a caridade, todas as vir­
tudes são mortas: falta-lhes o vínculo que as une, o ci­
mento que as consolida, a seiva que as nutre e as faz
produzir frutos de vida.
Jesus, meu Red�ntor, agradeço-vos por terdes recom­
pensado tão magnificamente a vossa e nossa Mãe. Por
sua onipotente intercessão, concedei-me a força de imi­
tá-la: 1º em sua humildade, colocando-me em espírito
abaixo de todos; 2º em sua pureza de coração, evitando
toda falta deliberada, todo apego, toda imperfeição; 3º
em sua caridade perfeita, amando vossa infinita bonda­
de em si mesma e nas almas criadas à vossa imagem
e resgatadas pelo vosso sangue infinitamente precioso.

16 DE AGOSTO - SÃO JOAQUIM


PREPARAÇÃO'. "Louvamos um homem glorioso em
sua geração, e que recebeu de Deus a benção de todas
as nações". Assim diz a Igreja no ofício d.e nosso san­
to. Consideremos: l° a santidade eminente de são Joa­
quim; 2º a glória e o poder que goza no céu. - Tomare­
mos a resolução de invocá-lo e de pedir-lhe uma terna
devoção a Jesus e Maria, a quem devemos todas as gra­
ças da salvação. Benedictionem omnium gentium dedlt
illi Domlnus.

1º Santidade eminente de são Joaquim


Extremamente honroso foi para são Joaquim ser pai
de Maria, a mais santa e gloriosa das criaturas, ser o
avô do Rei imortal, daquele que é ·a glória e a esperança
da humanidade, o dominador dos príncipes e das nações,
o Deus incarnado, a cujo nome dobra-se todo joelho no
céu, na terra e nos infernos. Essa insigne honra, porém,
de nada lhe serviria, se não tivesse unido a santidade à
sua grande elevação. Descendente de Daví, parente pró­
ximo de Jesus e pai de Maria, não teria atraido os olha­
res divinos sem o exercício das virtudes, porque a san-

22* 339
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tificação excede a todas as dignidades; diante de Deus
toda dignidade é um puro nada, quando não revestida
da beleza e dos adornos da graça. Grande foi, pois, a per­
feição de são Joaquim, que o tornou digno de ser pai da
Rainha dos santos.
Embora abastado, viveu sempre completamente des­
apegado. Dividiu os seus bens em tres partes: uma para
o templo, outra para os pobres, e a terceira para a ma­
nutenção de sua casa. A sua vida foi consagrada à ora­
ção e à penitência; e, gtaças às suas preces, às suas
mortificações e às de sant'Ana, sua esposa, o Senhor an­
tecipou o momento feliz em que apareceu a aurora ben­
fazeja, isto é, Maria, que vinha anunciar ao mundo o
sol da justiça. "São Joaquim contribuiu, pois, para a nos­
sa redenção.
Esse grande santo deseja ardentemente ajudar-nos,
quando o invocamos. E que mais util favor poderíamos
pedir-lhe do que compreender como ele o valor da vir­
tude? Ele a prezou mais do que todos os bens; fê-la ob­
jeto contínuo de seus ensinamentos·, desejos, trabalhos e
pesquisas. Podia dizer com Salomão: "Em parte alguma
encontrei coisa comparavel a esse precioso tesouro". En­
quanto outros aspiravam ao aumento de sua fortuna ter­
rena, ele procurava somente as riquezas impereciveis da
santidade.
Examinaremos se é essa a nossa preocupação. Donde
nos vem tanta frivolidade no espírito, tanta agitação no
coração pelas novidades mundanas, tanto cuidado da
nossa honra, do nosso bem-estar, das nossas satisfações,
do sucesso dos nossos trabalhos? Não antepomo"s muitas
vezes a terra ao céu, o humano ao divino, os nossos gos­
tos particulares ao beneplácito divino?
Senhor, quantos momentos preciosos tenho perdido em
futilidades, em vez de empregá-los em meditar, como são
Joaquim, as verdades da salvação. Desapegai-me de todos
os bens criados, e fazei-me compreender a única coisa
necessária neste mundo, isto é, a vida santa que nos con­
quistará a eternidade bem-aventurada.

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2º Glória e poder de são Joaquim
A glória e o poder que goza no céu o bem-aventurado
pai da Rainha das virgens, estão em relação com a sua
santidade. Ora, como esta está em relação com o brilho
das dignidade de que Deus o revestiu, tornando-o pai de
Maria e avô de Jesus Cristo, pode-se dizer que seu trono
na Jerusalém celeste é dos mais gloriosos e seu poder,
dos mais dilatados. Ademais, o seu crédito é sem limi­
tes junto de Maria, que, na qualidade de Filha, se sente
obrigada a nada recusar a seu pai. Ora, nós o sabemos,
a divina Mãe pode tudo sobre o coração de seu Filho. Ela
apareceu uma vez a santa Gertrudes, acompanhada de
são Joaquim resplendente de luz e assentado num trono
régio. Maria apresentou-lhe, uma a uma, todas as súpli­
cas das religiosas que imploravam a sua assistência ...
Essa visão mostra a deferência da Rainha dos santos
para com seu pai e o grande poder deste sobre o coração
de sua dileta Filha. O seu poder no céu emana ao mesmo
tempo de :,eu mérito e da afeição que lhe têm Jesus e
Maria. Daí segue que nossa confiança em são Joaquim
nunca será iludida, mormente em ordem à salvação.
Para a santificação, não basta somente prezar as vir­
tudes cristãs: é mister ainda exercê-las. Para isso são
indispensaveis os socorros sobrenaturàis. "Precisamos co­
nhecer-nos, diz santo Afonso, desprezar-nos e conformar­
nos em tudo à vontade divina". Como realizar tais con­
dições sem graças especiais abundantíssimas? Ora, o re­
curso a são Joaquim no-las atrairá certamente. Se lhe
pedirmos, ele nos obterá aquela humildade profunda que
foi um dos caracteres de sua santidade, e que lhe mere­
ceu o privilégio de ser o pai da mais humilde das cria­
turas. Far-nos-á praticar, como ele a abnegação que re­
grará o nosso interior pelas máximas da fé, reprimindo
nossas más inclinações e tudo que se opõe à vontade toda
perfeita e toda amavel do nosso Deus.
Senhor Jesus, bem longe estou das virtudes dos vossos
fiéis servos que mediam o seu progresso pelo amor do sa-

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crifodo e pelas vitórias alcançadas sobre as suas incli­
nações. Pela intercessão de são Joaquim, concedei-me
humildes sentimentos de minha pessoa, a força de renun­
ciar às minhas tendências demasiado humanas e naturais,
para obedecer à graça, afim de levantar em minha alma
o edifício do vosso amor sobre as ruinas do meu amor
próprio.

16 DE AGOSTO - DA ALEGRIA ESPIRITUAL (bis)


PREPARAÇÃO. Indizivel foi a alegria que inundou
o Coração de Maria em sua entrada no céu. Para dela
participarmos, meditaremos: 1 º os motivos que nos fazem
regozijar nesta santa oitava; 2º os efeitos salutares des­
sa alegria tão legítima. - Uniremos depois os nossos
sentimentos de alegria aos da divina Mãe, para os refe­
rirmos a Deus como ela o fez em sua vida mortal. Et
exsultavit spiritus meus in Deo salutari meo (Lc 1, 47.).

1 º Motivos que nos fazem regozijar


Na Lei antiga Deus já recomendava a alegria espiri­
tual: "Justos, alegrai-vos no Senhor, exclamava o sal­
mista; estremecei de júbilo vós de coração reto. Os que
buscam o Senhor enchem-se de alegria" (SI 30, 2). Es­
tas exortações do Espírito Santo renovam-se na Lei da
graça, e não sem razão: porque a alegria é um efeito do
amor e do reconhecimento; e os homens nunca tiveram
tantos motivos de amar, de louvar a Deus, e de se ale­
grar nele como depois da incarnação do Verbo eterno,
que veio à terra prodigalizar todos os tesouros do céu.
O apóstolo clama a todos: "Regozijai-vos no Senhor; tor­
no a dizer: regozijai-vos" (Filip 4, 4). Pobres órfãos,
exilados neste vale de lágrimas, tomemos parte na ale­
gria beatífica de nossa Rainha e Mãe, que subiu ao céu.
Se o juiz supremo, no dia do juízo final, vai convidar
os seus servos e amigos a entrar na alegria do seu Se­
nhor (Mt 25, 21), quanto mais o terá feito com sua Mãe
querida, que é a soberana do paraíso. Regozijemo-nos,
pois, com Maria, não com a alegria que dissipa, distrai

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e afasta de Deus, mas com a que nasce de uma boa con­
ciência e que nos aproxima do Bem supremo.
E' com felicidade que os cortesãos servem a um gran­
de monarca; é com alegria e júbilo que o herdeiro dum
trono terrestre pensa no seu porvir glorioso; e nós, fi­
lhos do Rei dos reis e da Rainha dos anjos, herdeiros do
reino celeste, poderíamos ficar tristes, prevendo nossas
grandezas futuras, nosso imortal destino? Ah! doravante
não esqueçamos a glória e as delícias que nos estão pre­
paradas por Jesus e Maria.
Meu Deus, tirai do meu coração todos os obstáculos
à alegria espiritual, isto é, o que lesa a conciência e im­
pede a minha união convosco, única fonte de verdadeiro
contentamento. Fazei-me menos sensivel à contradição,
às censuras, às repreensões, às faltas de atenção, e a
tudo que em mim provoca o desânimo e a tristeza. Fa­
zei que eu morra a mim mesmo e ao meu amor próprio,
às satisfações vãs e terrenas. Só em vós quero colocar
todos os meus afetos e toda a minha esperança; quero
sempre servir-vos e amar-vos com o coração cheio de
alegria e reconhecimento a exemplo de Maria, nossa Mãe
celeste. Et exultavit spiritus meus in Deo salutari meo.

2º Efeitos salutares da. alegria. espiritual


A alegria que vem do céu facilita-nos muito a prática
da virtude. "Corrí no caminho dos vossos preceitos, por­
que me dilatastes o coração", dizia Daví a Deus (SI 118).
Nesse estado, acrescenta Isaías, corre-se sem fadiga,
avança-se sem cansaço (40, 31). Ao contrário, a alma
devorada pela tristeza arrasta-se penosamente e sem
progresso. ln mrerore a.nimi dejicitur spiritus (Prov
15, 13).
Quão facil é a generosidade para quem vive sempre
alegre, põe o seu prazer na abnegação de si mesmo, e na
docilidade à graça. Exato em: tudo, nada recusa ao Se­
nhor, e abandona-se à sua direção; daí a paz de conciên­
cia que lhe é como um festim permanente, segundo a ex­
pressão da Escritura (Prov 15, 15); daí os favores e con-

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solaçõei;i celestes, pois o Senhor ama os que o servem
com alegria e de todo o coração. Hilarem enim datorem
diligit Deus (2 Cor 9, 7).
Tambem vemos que os santos, prontos a sacrüicar
tudo ao Senhor, dele recebem a plenitude do Espírito de
amor que alegra as almas. São Felipe Neri estava todo
penetrado dela; já o seu semblante consolava as almas
aflitas. Bastava alguem entrar em sua cela para se ver
livre .da tristeza e da perturbação de espírito. São Ro­
mualdo, apesar de sua avançada idade e de suas ·austeri­
dades, tinha sempre o rosto franco ao ponto de dilatar
os corações dos que dele se aproximavam. Se a santidade
proporciona aos servos de Deus tanto contentamento ine­
favel mesmo nesta vida, que não terá sentido a Rainha
dos santos em sua assunção gloriosa? Peçamos-lhe, por
sua ventura indizivel, nos faça exultar de alegria, segun­
do a recomendação do Senhor, mesmo quando nos maldi­
zem, perseguem e caluniam.
E, de fato, os apóstolos e muitos santos depois deles
alegraram-se por serem achados dignos de sofrer opró­
brios por Jesus. Se isto é um motivo de alegria, por que
perdeis a tranquilidade de espíríto quando vos humilham,
contrariam ou vos ocasionam dificuldades? E' duro, di­
zeis, sofrer e curvar-se em toda circunstância. E' duro,
por que? porque o vosso coração, apegado às tendências
naturais, olha os sacrüícios como fontes de amarguras.
Desenganai-vos: eles, ao contrário, encerram um maná
oculto que tem todos os sabores. Fazei a experiência e
vos convencereis. Jesus e Maria, inspirai-me a coragem
de pôr em prática esta verdade. Tomo esta resolução sob
a vossa poderosa proteção.

17 DE AGOSTO - A GRAÇA HABITUAL


PREPARAÇÃO. Fonte de alégria espiritual é o pen­
samento de se achar em gra�a com Deus. Por isso me­
ditaremos: 1 º � nobreza que a graça s�ntüicante nos
confere; 2º os bens espirituais que dela dimanam. Daí

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concluiremos que muito importa evitarmos as faltasi de­
liberadas e orarmo::-, sem cessar, afim de aumentar em nós
esse inestimavel tesouro. Infinitus enim thesaurus est
hominibus (Sap 7, 14).

l° Nobreza do estado de graça, motivo de alegria


Admiravel é a vida racional, vida inteligente e ativa
que produz as obras primas das ciências e das artes e
nos faz reis da criação. Entretanto não pode ela compa-.
rar-se com a vida sobrenatural que nasce em nós da gra­
ça santificante. A primeira coloca-nos acima dos seres
irracionais e faz-nos homens; a segunda coloca-nos aci­
ma. do universo inteiro, acima até da natureza angélica
e, tornando-nos participantes da natureza divina, nos faz
deuses. Haverá porventura vida mais digna da nossa
estima, do nosso amor e da nossa solicitude? A beleza
interior �esse sublime estado ultrapassa todas as obras
da criação; é um reflexo do esplendor incriado que· arre­
bata o próprio Espírito Santo. Quam pulchra es, a.mica
mea, quam pulchra es (Cant 1, 4). Ninguem no mundo
poderia contemplar esse espetáculo sem morrer de ale­
gria, diz santa Brígida. E' pois lamentavel que almas,
revestidas de tal brilho, o percam tantas vezes e o trans­
formem em hedionda fealdade pelo pecado!
E que grandeza a graça proporéiona ao justo! Sem
ela, os mais gloriosos monarcas são inimigos de Deus.
Com ela, o último dos homens torna-se o amigo, o fami­
liar, o filho adotivo do Rei do universo, o herdeiro de
seu reino. Sim, pela graça, participamos da natureza do
Pai que nos adota; possuimos o seu Espírito Santo que
habita em nós·; somos semelhantes a seu divino Filho;
entramos, pela adopção, na família do Altíssimo; somos,
em certo sentido, da sua geração, como fala são Paulo.
lpsius enim et genus sumus (At 17, .28). O' nobreza ine­
favel, superior a todas as realezas!
Como é possível cair na tristeza e desânimo quem pos­
sue tais- prerrogativas? Sou o filho do mais elevado, do
mais digno, do mais rico dos príncipes, do melhor dos

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pais, e ficaria eu triste? deve,-se dizer à alma em estado
de graça; tenho títulos incontestaveis à herança dos san­
tos; a Rainha dos céus é minha Mãe; Jesus, o Rei da
glória, é meu irmão; os anjos e bem-aventurados são os
meus amigos, protetores e concidadãos; como não me
alegrar! Eis para mim uma fonte inesgotavel de santos
pensamentos, de paz profunda e de inebriantes espe­
ranças!
Jesus, aos vossos méritos e às preces de Maria devo
a graça de não sofrer o aviltamento do pecado e os su­
plícios eternos que são a sua consequência. Despertai a
minha alma do seu torpor; fazei-a sair da vida lassa, na
qual a dissipação, a leviandade, a rotina, me expõem a
tantas faltas e quedas. Dai-me exatidão em meus exer­
cícios de piedade; aumentai dia a dia em mim: a vida, a
beleza e as grandezas da graça santificante.

2º Bens que nos dá a graça, motivo de ale'gria.


A graça santificante torna-nos justos e santos, não de
modo superficial· e aparente, mas em toda a verdade e
na realidade. Lavando-nos a mancha e a nódoa do peca­
do mortal, tira-nos a- fealdade monstruosa e faz tom­
bar as cadeias da vergonhosa escravidão da culpa; tor­
na-nos agradaveis a Deus, unindo-nos a Jesus Cristo.
Desde esse momento torna-nos ricos santuários, ornado�
dos dons do Espírito Santo, embalsamados dos perfumes
das virtudes infusas e dignos de sermos palácios da SS.
Trindade.
Imensos tambem serão os nossos méritos para o céu.
Com o auxílio da graça atual, que nos convida a exercer
.'.;1.S virtudes por amor a Deus, tudo o que pensamos, so­
fremos e fazemos, tudo o que em nós tende para a fu­
gida do pecado, para a glória e contentamento de Deus,
tudo nos vale· um peso imenso de bens espirituais nesta
vida e de recompensa eterna na outra.
Não é tudo isso de molde a fazer-nos alegres e felizes?
Para dissipar-nos a tristeza bastaria trazer à memória o
estado desgraçaq9 elo pecador, em confronto copi a santa

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tranquilidade e a paz profunda qU<� gozámos pela graça
habitual. Vendo a inquietude que agita o coração culpa­
do, a aflição que rói, os remorsos que torturam, como
nos felicitaríamos por escapar a essas amarguras e go­
zar a do_ce ventura de ser os filhos de Deus. Em lugar
de ouvirmos a voz secreta e importuna que grita ao peca­
dor: "Onde está o teu Deus? que fizeste da graça e do
seu amor?", seríamos consolados, pensando no Espírito
Santo que nos dilata o coração e nos faz dizer a Deus:
Pai! Pai! . . . Estas verdades enchem-nos de alegria e
verdadeira felicidade.
Se, pois, estamos tristes e não sentimos a doçura de
,que fal o apóstolo (Filip 4, 7), e que excede todo pra­
zer sensivel, atribuamo-lo à nossa falta de fé e reflexão.
Pouco, muito pouco, nos ocupamos dos bens inumeraveis
de que nos enriquece a amizade do Criador, bens infini­
tamente preciosos e que são: 1" a vida sublime, a bele­
za, as grandezas que dela dimanam; 2 º a santidade, as
virtudes, as riquezas espirituais que ela nos proporcio­
na; 3º a paz, a beatitude, as esperanças certas da sal­
vação, das quais ela é o princípio e o penhor na vida
e na morte.
Jesus, quantos motivos de alegria santa e duravel n�s­
tes pensamentos de fé! tornai-os sempre mais vivos e
consoladores para a minha alma. Não quero contentar­
me com um fraco amor; estou resolvido a amar-vos cada
dia mais e sem partilha. Nesta intenção pedir-vos-ei cons­
tantemente pelos méritos e intercessão da Rainha dos
santos, me façais progredir no exercício da vigilância, da
oração e da fidelidade às vossas inspirações, afim de
crescer em vosso santo amor que encerra todos os bens.

18 DE AGOSTO - SANTA HELENA, IMPERATRIZ


PREPARAÇÃO. Esta santa é célebre pelo serviço que
prestou à Igreia, encontrando o madeiro da sagrada cruz.
Meditaremos pois: l° as suas virtudes insignes; 2º a sua
devoção ao instrumento da nossa salvação. - Propor-nos-

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emos, depois, fazer muitas vezes sobre nós, e sempre
com profundo respeito, o sinal augusto da nossa Reden­
ção, que são João Damasceno considerava como penhor
da presença de Jesus em nós. Ubi enlm signum fuerit
crucis, ibi quoque et Christus erit.

1 º Virtudes de santa Helena


Essa digna mãe de Constantino partilhou com seu fi­
lho a glória de estabelecer o cristianismo em todo o im­
pério romano, após tres �éculos de sanguinolentas per­
seguições. A sua fé e o seu zelo, diz Rufino, foram in­
comparaveis. Esquecendo a sua dignidade, gostava de
confundir-se com o povo nas igrejas, em assistência aos
ofícios divinos. Sentia-se feliz em unir-se às preces e ce­
remônias do culto e em· acender no coração dos novos
cristãos o fogo que a abrasava. Senhora das riquezas do
império, empregava-as em aliviar os infelizes, em cons­
truir igrejas e dotá-las de adornos e vasos sagrados.
Inflamada do desejo de descobrir o madeiro da ver­
dadeira cruz, que lhe era tesouro precioso, encarregou­
se, embora já avançada em anos, dessa difjcil empresa.
Imaginai a sua alegria quando, após longas pesqui­
sas, encontraram a bendita cruz soterrada perto do sa­
grado Sepulcro. A sua alegria atingiu o auge, à vista
dos dois estupendos milagres operados ao simples con­
tato do sagrado madeiro: a cura instantânea de um en­
fermo e a ressurreição de um morto. O' cruz sagrada,
esperança dos cristãos, tu assim nos recordas os misté­
rios inefaveis da nossa restauração espiritual, que de­
ram a vida e a saude às nossas almas, e nos abriram as
portas da feliz eternidade!
Temos como santa Helena uma fé viva e o zelo da
casa de Deus? A fé deveria recordar-nos sempre, como
à nossa santa, a majestade da nossa augusta religião, as
importantes verdades por ela ensinadas, a necessidade
que temos de trabalhar para a · nossa salvação, se qui­
sermos escapar aos suplícios dos réprobos. O zelo, que

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nasce da fé e da caridade, deve inspirar aos nossos co­
raçõe:� terna compaixão para com tantos infelizes extra­
viados que correm para a perdição. Do mesmo modo que
levaríamos socorro a todo homem em perigo de morte
temporal, não deixemos perecer as almas expostas à
morte eterna.
pivino Redentor meu, pela intercessão de santa He­
lena, dai-me a graça de meditar, dia e noite, o que fi­
zestes e sofrestes pelas almas, mormente pela minha.
Concedei-me o desejo de santificar-me e a vontade de
salvar, ao menos pelas minhas preces, todos os que me
são confiados pela vossa providência divina.

2º Devoção de santa Helena à verdadeira cruz


Desde que Constantino viu aparecer no céu uma cruz
milagrosa, e _por esse sinal venceu os inimigos do nome
cristão, sua mãe Helena concebeu uma devoção especial
à cruz do Salvador, penhor da nossa salvação. Depois de
encontrar, após muitas fadigas, o sagrado madeiro, man­
dou construir magnífica igreja no lugar do santo Se­
pulcro, onde depositou uma parte da verdadeira cruz,
cujo resto foi enviado a Roma e a Constantinopla. Esses
acontecimentos despertaram de modo maravilhoso nos
fiéis a lembrança dos mistérios da nossa redenção. Gra­
ças a essa devoção, a santa levou a virtude até ao heroís­
mo. No resto de sua vida não cessou de multiplicar as
suas boas obras e de sacrificar-se a si própria em me­
mória daquele que se não poupou por nossQ amor.
O pensamento da cruz redentora deveria tambem ins­
pirar-nos os mais generosos sentimentos. Por ela os pri­
meiros cristãos triunfavam dos demônios, enfrentavam
os tiranos, e sofriam sem queixa os mais horriveis su­
plícios. "A cada um dos nossos passos, dizia Tertulia­
no, entrando, saindo, indo à mesa,- sentando-nos, levan­
tando-nos, acomodando-nos à noite, antes de cada ação,
fazemos o sinal da cruz". Santo Efrem acrescenta: "Gra­
vemo-lo· em cima das nossas portas; marquemos com ele

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a nossa fronte, a nossa boca, o nosso peito; revistamo­
nos desta impenetravel armadura". "A cruz, com efeito,
continua são João Damasceno, é nossa defesa contra o!
príncipes das trevas. Por ela somos levantados, susten­
tados, fortificados, e todos os bens da graça são conce­
didos às nossas preces".
Jesus, sob os auspícios de vossa divina Mãe, e de san­
ta Helena, estou resolvido: lº a meditar a miudo com re­
conhecimento e amor o grande mistério da vossa cruz
ou da nossa redenção; a gravã-lo no meu peito, no meu
coração e nas minhas mais caras afeições; 2º a persi­
gnar-me para me fortalecer nas penas, nas dificulda­
des e nas tentações; a benzer os objetos de meu uso, a
mesa e o leito de meu repouso; 3º ao começar o dia
benzerei a fronte, a boca e o peito, convencido, com são
João Damasceno, que, onde se acha o sinal e a lembrança
da Redenção, tambem se encontra o Redentor e sua po­
derosa proteção para as almas que o imploram. Ubl enlm
foerit signom crocls, ibi quoqoe et Christos erlt.

19 DE AGOSTO - O CRUCIFIXO, ESPELHO FIEL


PREPARAÇÃO. Não contentes de imitar a devoção de
santa Helena à cruz do Salvador, meditemos ainda o
crucifixo, qual espelho fiel no qual vemos: 1º a fealda­
de dos nossos vícios; 2º a beleza das virtudes. Proponha­
mo-nos contemplar Jesus na cruz, premunindo-nos assim
contra as concupiscências· que ele reprova, e revestindo­
nos das virtudes contrãrias, de que ele nos deu o exem­
plo até à morte. Ut mundaret sibi' poplilom accepta.bllem,
sectatorem bonorum operum (Tit 2, 14).

1 º O crucifixo mostra-nos a fealdade dos vícios


Sendo Jesus crucificado o espelho sem mancha da di­
vindade, manifesta-nos a fealdade dos nossos vícios fa­
zendo ressaltar mais a beleza dos divinos a.tributos, isto
é, daquela bondade que consente na morte da inocência

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incarnada para salvar os culpados; daquela justiça e san­
tidade que de maneira tão horrivel punem e exibem re­
paração sem limite. Que contraste entre nossos defeitos
e essas perfeições tão sublimes!
Ademais, nada mais odioso do que a ingratidão, mor­
mente quando procede duma criatura que tudo recebeu,
e tem por alvo a caridade ilimitada do Criador de quem
saem todos os benefícios. Ora, a noss'a ingratidão para
com Deus jamais apareceu tão negra e monstruosa co­
mo no Calvário, onde Deus nos outorgou o bem pelo mal,
ao ponto de sacrificar-se e derramar por nós o seu san­
gue infinitamente precioso. A contemplação do crucifixo
ou de Jesus na cruz deve confundir-nos e causar-nos hor­
ror dos nossos pecados.
E que são esses pecados quando os consideramo:., na
iricicência infinita, punida tão severamente pela só apa­
rência dos nossos crimes? Se nossas prevaricações cau­
sam tanto horror a Deus, que não pode suportar nem a
sombra delas na pessoa de seu Filho, com que olhos verá
ele a sua realidade nos :míseros pecadores? Ninguem
compreenderá quão feios e hediondos nos fazem as nos­
sas faltas aos olhos do Senhor. E' o crucifixo que nos
desvenda esse mistério.
Meu adoravel Redentor, no Calvário, ao pé da cruz,
contemplo como num espelho a fealdade e a malícia das
minhas iniquidades. Vejo em vossa face humilhada a
monstruosidade do meu orgulho que vos inflige tanta
confusão e opróbrio, a vós que sois o Unigênito do Al­
tíssimo. Descubro em vosso corpo ensanguentado a de­
formidade das minhas inclinações sensuais, fontes de
tantos pecados que tenho cometido contra um Deus que
me tem amado tanto. Abri em meu coração uma fonte de
lágrimas que, misturadas com o vosso sangue, me lavem
das minhas manchas e restituam à minha alma sua pri­
mitiva beleza recebida no batismo. Que a vista ou o pen­
samento de vossas ignomínias e sofrimentos humilhe. o
meu espírito vão e pretensioso, e me im1pire o desejo da

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mortificação e da penitência. Desapegai-me de todo cria­
do e fazei-me triunfar da:;; tres concupiscências, princí­
pios de toúos o:;; vícios, como vós deles triunfastes pela
vossa cruz.

2'' O crucifixo mostra-nos a beleza das virtudes


Santa Clara de Assis disse uma vez às suas religio­
sas: "O crucifixo é o espelho imaculado que deveis olhar
sempre para vos adornardes por dentro e por for� com
as flores de todas as virtudes, e vos revestirdes dos or­
natos que convêm às filhas e às esposas do Rei supre­
mo". Essa santa hauria, cada dia, de Jesus crucificado
um insaciavel amor da pobreza, dos desprezos, das do­
res e da penitência.
No espelho do crucifixo encontramos a doutrina e o
exemplo. A doutrina enquanto reproduz ou recorda ::..o
nosso ·espírito, pelo espetáculo dos tormentos do Salva­
dor, os ensinamentos austeros do Evangelho sobre a ab­
negação, a _penitência, a paciência, o perdão das injúrias,
a via estreita da mortificação dos sentidos e das paixões.
O exemplo das virtudes do Salvador, praticadas no sofri­
mento, mostra-nos melhor ainda os esplendores da ver­
dadeira santidade; a humildade, com efeito, é mais en�
cantadora quando a consideramos personüicada em um
Deus de amor, que bebe até às fezes o cálice dos opró­
brios. Numerosos encantos tem a obediência quando a
vemos exercida por aquele que, senhor do universo, não
hesita em submeter-se a seus algozes. A sua mansidão
nos maus tratos, a sua constância invencível no suplí­
cio cruel da cruz, a sua prece contínua no seio das an­
gústias de morte tão dolorosa, tudo nele é de molde a
colocar-nos sob as suas pegadas.
Anjos do céu, vinde admirar conosco o espelho sem
mancha do Deus de majestade, em que se refletem cla­
ramente as perfeições divinas! Na criação vemo-las ve­
la.das, mas no Criador moribundçi elas deslumbram todos
os olhos. O espetáculo da sua majestade soberana, do seu

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poder aniquilado, de suas grandezas humilhadas, de sua
inocência injustamente oprimida, de sua sabedoria ludi­
briada, e de sua caridade infinita desconhecida indigna­
mente, esse espetáculo traz à luz do dia a sublimidade
das virtudes manifestadas em Jesus na cruz. Ah! se o
aspeto do justo, morrendo vítima da calúnia, pareceu, aos
olhos da antiguidade pagã, o cúmulo do belo moral, que
diremos do justo por excelência expirando de pura dor
e sem se queixar aos golpes iníquos das suas ingratas
criaturas!
Jesus crucificado, quero considerar em vós, ou na to­
cante imagem do crucifixo, a beleza incomparavel da
perfeição evangélica. Lá, como em um espelho, contem­
plarei os encantos da vossa humildade generosa e pro­
funda, os poderósos atrativos da vossa mansidão sempre
calma e resignada, o nobre desinteresse da vossa cari­
dade sem limites, que se devota para a nossa salvação.
Ah! pela intercessão da vossa divina Mãe, espectadora
compassiva de vossas últimas angústias, ensinai-me a
meditar os belos exemplos de vossas virtudes, que têm
esclarecido e santificado tantas almas em todos os sé­
culos do cristianismo.

20 DE AGO�TO.
SÃO BERNARDO, DOUTOR DA IGREJA
PREPARAÇÃO. São Bernardo foi a honra da sua Or­
dem, da Igreja e do seu século: 1º por sua eminente san­
tidade; 2º pelos imensos serviços que prestou. - A seu
exemplo formaremos de nós os mais humildes sentimen­
tos, guardando-os com cuidado mormente nas honras,
afim de sermos como nosso divino modelo, o chefe dos
predestinados. Sentlte in vobls quod et ln Chrlsto Jesu
(Filip 2, 3).

Broncha.in II - 23 353
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1º Santidade eminente de são Bernardo
São Bernardo, a maravilha do seu século, deixou o
mundo e entrou no convento aos vinte e tres anos de ida­
de, levando consigo quasi toda a sua família e mais de
trinta pessoas ganhas por sua eloquência. Na solidão di­
zia muitas vezes: "Bernardo, por que vieste aquí?" Ad
quid venisti? Esta palavra inflamava o seu coração dum
fervor que assombrava os mais santos religiosos. Sempre
recolhido e unido a Deus em seu coração, correspondia
à graça com a mais inteira fidelidade.
Muitas vezes era visto arrebatado em Deus e parecia
um espírito celeste num corpo mortal, pela intensa mor­
tüica.ção com que reprimia a natureza. Orava, comia,
ouvia, sem perceber as impressões dos sentidos; sucedeu­
lhe até beber um copo de óleo por um copo dágua sem
o notar. Exato em guardar o silêncio, ·severo para con­
sigo, era manso e condescendente para com os outros.
Nunca se poupava quando se tratava do serviço do pró­
ximo e, embora amasse apaixonadamente a solidão, não
hesitava em abandoná-la quando a caridade o reclama­
va alhures.
Grandes foram as suas provações, mormente depois
do insucesso da cruzada preparada por suas pregações.
Suportou sem se queixar as críticas injustas, as amargas
censuras que lhe chegaram de toda parte nessa ocasião, .
mostrando assiin que era firme e inabalavel a sua vir­
tude.
Essa aceitação humilde e pacata das tribulações é o
sinal menos equívoco da verdadeira santidade. Nosso
mérito e nosso progresso, diz a Imitação, não consistem
na abundância das alegrias e consolações espirituais, mas
antes na constância em sofrer muitas contrariedades e
aflições (L. 2, c. 12). Compreendeis sempre assim a ver­
dadeira piedade? Não a colocais na ausência das cruzes,
humilhações, provações e combates? como se o Salvador
não houvesse dito: "Se alguem quiser vir após mim, ab­
negue-se a si próprio, tome cada dia a sua cruz e siga­
me" (Lc 9, 23).

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Jesus, fazei que eu compreenda sempre mais estas má­
ximas, que são as de uma perfeição duradoura. A exem­
plo de são Bernardo quero perguntar-me cada dia: "Por
que estou no mundo?" Não é para vos obedecer, vos
amar, vos imitar e, consequentemente, para renunciar­
me, resignar-me e exercer todas as virtudes? Abneget
semetipsum, tollat crucem suam quotidle, et sequa.tur
me.
2º Serviços prestados por são Bernardo
Não contente de entreter o fervor entre os seiscentos
religiosos confiados à sua vigilância, o nosso santo sou­
be ainda multiplicar-se ao ponto de prestar à cristanda­
de os mais relevantes serviços. Fundou cento e sessenta
casas de sua Ordem, as quais, pelo número e regulari­
dade de seus membros, rivalizavam com a casa-mãe de
Clairvaux. A frequeza de seu corpo, extenuado pela pe­
nitência, não o impedia de empreender longas viagens
para combater as heresias, presidir aos concílios, apazi­
guar os cismas, pacificar os reinos, abafar as guerras
entre os soberanos.
Quantas vezes não foi chamado à defesa da Igreja e
de seu chefe! Conselheiro do papa, dos bispos e dos reis,
combateu os vícios, sustentou a virtude, opôs-se ao des­
regramento, manteve a ordem, pacificou as desavenças;
era como o médico geral de todos os males, e o árbitro
universal ao qual se dirigiam todas as vítimas da força
e da injustiça.
Mas como pôde ele fazer face a tantos negócios e su­
portar tantos trabalhos, ele que era fraco e ocupado em
pregar e escrever? Como pôde corrigir os grandes, con­
solar os pequenos, governar os seus mosteiros, armar to­
da a Europa contra os infiéis, bastar, numa palavra, a
tantas missões difíceis e importantes de que estava en­
carregado? E' sem dúvida um mistério! Só pode explicá­
lo a sua união íntima com Deus. Humilde, mortificado,
sempre obediente à graça, não agia só, pois que Deus
operava nele e com ele. E de quantos prodígios não é

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capaz um homem nessas condições! Em todos esses tra­
balhos Bernardo curava ainda os enfermos, expulsava
os demônios e penetrava os segredos dos corações. Ele
foi em verdade a glória e a edificação de seu século.
Se fôssemos mais desapegados da terra e de nós mes­
mos, se vivêssemos mais estreitamente unidos a Deus,
que bem não faríamos em nós e ao redor de nós! e que
poder não teriam as nossas preces jurl"to ao Senhor tan­
to para nós como para os outros!
O' clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria, inspi­
rai-me a confiança de siio Bernardo em vós. Obtende-me
o que ele recebeu por vosso intermédio, isto é, a mais
estreita união com o soberano Bem, no qual estão todos
os tesouros da sabedoria e da santidade. Fazei-me em
tudo depender de Jesus, de suas luzes e de sua graça.

21 DE AGOSTO - SANTA JOANA DE CHANTAL


PREPARAÇÃO. "Quem achará uma mulher forte?"
pergµnta o· Espírito Santo (Prov 31, 10). Essa mulher
forte nós a encontramos em santa Joana Francisca de
Chantal; ela deu provas de sua fortaleza dalma: l° por
sua fé viva e inabalavel; 2 º por sua constância invenci­
vel no bem. - Tomemos a resolução de jamais nos afas­
tar das máximas da perfeição. Felizes as almas que vi­
vem sempre da fé e não ouvem os preconceitos do mun­
do e as vãs apreensões do amor próprio. Beati qui non
viderunt et crediderunt (Jo 20, 29).

l" Fé viva e firme de santa Joana de Chantal


Joana tinha apenas cinco anos de idade, e já mostra­
va horror dos herejes ao ponto de repreender com saga­
cidade e energia superiores à sua idade a um fidalgo pro­
testante que negava a presença real de Jesus na Eu­
caristia. Seu pai, altivo das belas disposições da filha,
envidou esforços para desenvolvê-las. Ensinou-lhe pro­
fundo amor à Igreja romana e ao Pai comum dos fiéis.

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Joana aproveitou as suaa instruções e levou a prática
da fé até ao heroismo.
Esposa e mãe, regeu a sua casa com sabedoria ver­
dadeiramente cristã. Todo o seu pessoal tornou-se um
modelo de ordem, piedade, modéstia e atividade. Os po­
bres, os enfermos e os aflitos eram tambem objeto da
sua solicitude. Via neles a pessoa de Jesus Cristo, e com­
prazia-se em prestar-lhes os mais humildes serviços. Nu­
ma carestia que afligiu o país, Deus recompensou a sua
fé e a sua caridade, multiplicando os víveres que ela dis­
tribuia aos indigentes.
Era o mesmo espírito de fé que a: fazia vencer-se, hu­
milhar-se, abnegar-se a vontade própria, e morrer a si
mesma por completo segundo a expressão de são Fran­
cisco de Sales. E ela saiu-se perfeitamente bem, pois po­
dia dizer com verdade: "Só quero a Deus neste e no ou­
tro mundo". Eis até aonde conduz a fé viva quando se
segue a sua luz.
Essa mesma fé é o motivo das vossas ações e a regra
da vossa vida? Não obedeceis às vossas impressões, ao
vosso sentimento, ao respeito humano, de preferência
aos princípios da perfeição e duma conciência esclare­
cida? Como encarais o próximo? E' ele para vós -a ima­
gem da divindade, o filho do Pai celeste, o irmão de Je­
sus Cristo, o santuário do Espírito Santo, um membro
do corpo místico da Igreja, cuja cabeça é o Cristo? Se
um rei enviasse o seu filho, falaríeis ao jovem ,Príncipe
com dureza e sem respeito? Por que, pois, o fazeis quan­
do se trata dos pobres, dos ignorantes, de pessoas gros­
seiras e rústicas que o Senhor olha como seus filhos pe­
dindo por eles os vossos serviços?
Meu Deus, se eu tivesse a fé dos santos, com respeito
e deferência trataria todos os homens, mesmo quando
cobertos dos andrajos da humildade. Dignai-vos inspi­
rar-me a fé viva e firme que me mostre a beleza dos nos­
sos mistério.:., o valor das boas obras, a nobreza das al-

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mas, e me dê ao me3mo tempo a força de vencer-me a
mim mesmo, de procurar só a vós e de professar a minha
crença por minhas palavras e por meu procedimento.

2º Constância de santa Joana de Chanta.l


na prática do bem
A constância inquebrantavel da nossa santa manifes­
tou-se muitas vezes na sua vida. Perdido o esposo por
um acidente deploravel e imprevisto, sentia imensa dor,
mas superou-a pelo vigor da sua fé e energia de sua pie­
dade. O mesmo se dava quando perdia algum membro
da sua família. Essas perdas eram-lhe sentidíssimas;
mas a grandeza da sua alma movia-a a fazer os mais
generosos atos. Chamada por Deus à vida religiosa, teve
a heróica coragem de passar por cima do corpo de seu
filho que se estendera sobre o limiar da porta para lhe
impedir a salda.-
Porém o que mais fez brilhar a fortaleza da sua alma
foram as prov�ões interiores que lhe sobrevieram. Du­
rante quarenta e um anos sentiu desgostos nas práticas
piedosas; julgava haver perdido a fé, a esperança e a
caridade, por não lhes sentir os efeitos. Tomada de te­
mor de se achar em estado de pecado mortal, cria-se
abandonada de Deus, e nos últimos nove anos de sua
vida os seus sofrimentos tornaram-se ainda mais cruéis.
Parecia-lhe ver o Senhor a expulsá-la da sua presença,
e ela sentia impressões dolorosas como as dos réprobos.
No meio dessa grande desolação fazia os mais belos atos
de confiança e de abandono a Deus, como afirma são
Francisco de Sales.
Esse exemplo deveria fazer-nos corar, a nós que ne­
gligenciamos a oração quando nela não encontramos
prazer sensível. Isso denota que nela procuramos mais
o nosso contentamento do que o de Deus. A oração é-nos
necessária mormente na hora da provação, da aridez e
da tentação, porque, então, precisamos mais da assis­
tência divina. Este motivo deve persuadir-nos a prolon-

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gar a nossa prece no momento de 1mfado, como o fez
o Senhor, nosso chefe e modelo, no jardim das Olivei­
ras. Factos in agonia prolixius orabat (Lc 22, 43).
Meu Redentor, pela intercessão da vossa divina Mãe,
e de santa Joana de Chantal, inspirai-me a resolução:
l ° de suportar resignado não somente os males exterio­
res, mas tambem as penas espirituais; 2º de não cessar
de orar no meio dos desgostos, tristezas e combates. Fa­
zei-me constante e fiel nos meus exercícios de piedade
para que o seja tambem no fervor e na procura da per­
feição.

22 DE AGOSTO - GLõRIA DE MARIA NO CÉU


PREPARAÇÃO. Terminando a oitava da Assunção,
meditaremos ainda a elevação da nossa Rainha e Mãe.
Veremos: l° O lugar que ela ocupa no céu; 2º como ela
o mereceu. - Tomaremos depois a resoluçã.o de imitar
Maria em sua docilidade à graça e de invocá-la a miudo
sob o belo título de Virgem fiel que lhe dá a santa Igre­
ja. Virgo fidelis, ora pro nobis.

1 º Lugar ocupado por Maria no céu


Tres jerarquias, diz santo Tomaz, dividem nos céus
as ordens dos anjos e bem-aventurados. Ora, a Virgem
imaculada ultrapassa em méritos toda a côrte celeste,
como o brilho do sol ao das estrelas. Ela é ainda a sua
Rainha e eles os seus súbditos; ela é a Mãe de Jesus,
eles os seus servos. - Por isso Gerson pôde dizer: "Maria
forma, ela só, no reino dos céus, uma jerarquia à parte,
a mais sublime de todas, a primeira depois de Deus".
Como Jesus está sentado à dextra do Pai celeste, a
Virgem Mãe está à dextra do seu Filho. E com justiça;
os méritos de Maria são os maiores depois dos do Ho­
mem-Deus. Não o seguiu ela tão de perto no caminho
das dores e das virtudes? Livro vivo do Verbo incarna­
do, diz santo Epifânio, reproduziu mais do que ninguem

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as suas adoraveis perfeições. Ninguem, pois, além de Je­
sus, a pode preceder no reino dos céus.
Soberana nossa, como vos poderemos louvar e amar
bastante? Quisera ter a devoção e o amor do bem-aven­
turado Germano José, que passava longas horas a entre­
ter-se piedosamente com a vossa bondade; dum santo
Estanislau, que se deliciava em chamar-vos sua Mãe;
do bem-aventurado Henrique Saso, que sentia como um
mel na boca ao pronunciar o vosso doce nome; dum san­
to Efrem, dum são Bernardo, dum santo Afonso, que es­
creveram tocantes páginas sobre o amor que vos é de­
vido, Rainha e Mãe nossa!
Examinemos quais são os nossos sentimentos para
com Maria. Não sentimos enfado em pensar nela, em su­
plicar-lhe, em conversar com ela, em meditar suas vir­
tudes, estudar suas grandezas, celebrar os seus louvo­
res e agradecer-lhe os benefícios? Que cuidado temos
na recitação· do terço, do Ãngelus e da Ave-Mariá.? Re­
corremos muitas _vezes, e sempre com fervor, à sua po­
derosa proteção? Persuadamo-nos de que esta prática
·nos proporcionará de sua parte graças abundantíssimas.
Virgem sem mancha, purificai o meu espírito, fazei-o
idôneo para vos conhecer; santificai o meu coração que
deseja amar-vos como um filho ama sua mãe; governai
a minha vida para que seja em tudo como a vossa, pelo
exercício das virtudes.

2º Como Maria mereceu o lugar que ocupa no céu


Sem dúvida, dirá alguem, pela excelência das suas
virtudes. Mas essas virtudes ela as adquiriu pela fideli­
dade à graça. Prevenida pelo Espírito Santo desde a sua
conceição, e mais favorecida desde então de que todas
as criaturas juntas, ela correspondeu tão perfeitamente
aos dons e privilégios de que fora favorecida, que jamais
santidade alguma criada se aproximará da sua. Que san­
to no céu poderia gloriar-se de não haver perdido ne­
nhuma luz, nenhuma boa inspiração? Só Maria conten-

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tou plenamente o Criador em todos os instantes da sua
admiravel vida.
Em transportes de alegria o profeta-rei celebra o tri­
unfo dessa grande Rainha. Ele nô-la pinta vestida de
ouro, emblema da sua caridade, e enriquecida dos mais
esplêndidos adornos, símbolos das suas sublimes virtu­
des. Os outros santos distinguiram-se em algum ponto
particular; Maria, sua soberana, avantajou-se em tudo.
É' o apóstolo dos apóstolos, a Rainha dos mártires, o
porta-estandarte das virgens; soube unir a mais perfeita
inocência à mais completa mortificação; a mais profunda
desconfiança. de si à mais filial· confiança em Deus. E que
generosidade, que grandeza dalma no sofrimento, que
caridade capaz de abrasar o mundo inteiro! Com todo o
direito, pois, ela reina com Jesus no alto dos céus.
Quereis segui-Ia na glória após esta vida? humilhai
vosso espírito soberbo, esse espírito de insubordinação
que vos induz a resistir à graça. Já de há muito o Senhor
pede-vos recolhimento mais contínuo, abnegação mais
completa, oração mais fervorosa e mais fecunda em fru­
tos de salvação. E vós negligenciais e até recusais fazer
os sacrifícios necessários a um tal procedimento. Temei,
diz santo Agostinho, tornar inutil o momento precioso
da visita de Jesus, momento que passa e não volta mais.
Time Jesum transeuntem.
Virgem sempre fiel, fazei que eu corresponda sempre
à graça, especialmente quando me convida a medita.r e
a orar, porque assim obtenho dos tesouros de Deus os
frutos da oração, isto é, o que me aclara, me purifica,
me reconforta, me enriquece e me santifica.

l)OMINGO DEPOIS DA OITAVA DA ASSUNÇÃO.·


O CORAÇÃO DE MARIA
PREPARAÇÃO. Como do coração procede lodo o bem,
estudaremos o Coração de Maria e para esse fim medita­
remos: 1 º as santas disposlções desse coração generoso;
2º o seu imenso amor a Deus. - Segundo o conselho do
Espírito Santo, propor-nos-emos velar sempre sobre o

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nosso interior, sobrR os nossos pensamentos, desejos e
afetos, afim de voltá-los para Deus. Omni custodia serva
cor tuum, quia ex ipso vita procedit (Prov 4, 23).

1 º Disposições do Coração de Maria


Humildade, pureza, devoção, fidelidade, diz um san­
to, são os quatro elementos de que se compõem um bom
coração (santo Alberto). Quem nos dirá em que grau a
Virgem imaculada possuiu estas preciosas qualidades?
Pelas vivas luzes recebidas desde a sua Conceição, co­
nheceu, desde então, melhor do que todos os santos jun­
tos, a grandeza de Deus e o seu próprio nada. O seu co­
ração estava abismado no oceano das perfeições divinas,
como o átomo no incompreensivel espaço. Aniquilada di­
ante da infinita majestade, prestava-lhe toda a glória e
aceitava de antemão as confusões com retidão sublime,
digna da Mãe de um Deus.
A sua pureza foi da mesma forma incompreensivel. O
cristal quanto mais puro e límpido, tanto mais recebe os
raios solares; assim o coração de Maria, isenta da man­
cha original e de toda mancha de imperfeição atual, ad­
quirira uma p'ureza proporcionada às vivas luzes de que
estava enriquecida. Jardim fechado, fonte selada, jamais
deu entrada à mais leve poeira do mundo, à menor afei­
ção que a prendesse afastada do soberano Bem.
Nem o sono interrompia o seu entretenimento com Deus
nem os vôos da sua devoção. Em seu coração, como em
um templo, Deus era adorado, amado, servido, suplicado
com mais perfeição do que em todos os mais augustos
santuários. E que santuário, grande Deus, era aquele em
que as tres divinas pessoas punham suas mais caras
complacências! O Padre eterno via nela a obra prima do
seu poder; o Verbo divino a tomava por companheira na
dificil empresa de nossa restauração; o Espírito Santo
a enriquecia de todas as prerrogativas, de todas as per­
feições em relação com seu sublime destino.
Nesse coração tão pouco havia obstáculo à graça, que
nele abundava além de toda a expressão, não encontran-

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do jamais resistência. Ao contrário, entre Deus e Maria
havia uma como que emulação: o Senhor comprazendo­
se em prodigalizar os seus dons e a Virgem fiel esfor­
çando-se por corresponder-lhe. O' docilidade fecunda que,
fazendo o coração de Maria o reservatório dos bens da
Redenção, tornou-o o palácio por excelência do Rei imo�
tal, palácio mais esplêndido do que o próprio empíreo.
Se, como a divina Mãe, tivéssemos sempre correspon­
dido às luzeá e inspirações celestes, não seríamos por
ventura santos diante de Deus? Mas, ah! estamos cheios
de imperfeições e não possuimos sólidas virtudes. Por
que? porque preferimos as _nossas idéias, os nossos gos­
tos, vontades e inclinações aos desejos de Jesus que tra­
balha sem cessar em nossa santificação.
Meu Deus, tomo a resolução sincera de corresponder
melhor aos vossos atrativos, mormente aos que me con­
vidam à oração, porque por ela posso formar no meu co­
ração a humildade que vos presta glória em tudo; a
pureza. que a nada se apega sobre a terra; a devoção que
se vos consagra sem reserva ; e a fidelidade que nada
recusa à vossa graça, e se conforma a todos os vossos
desejos.
2º Caridade do Coração de Maria
O amor da santíssima Virgem para com Deus foi fi­
gurado, segundo são Germano, pelo altar da propiciação,
sobre o qual o fogo sagrado não se extinguia jamais nem
de dia nem de noite (Lc 6, 12). São Jerônimo compara
Maria à sarça vista por Moisés, a qual ardia sem se con­
sumir (Ex 3, 2). Coisa maravilhosa, segundo Bernardi­
no de Bustis, ela amou o Criador sem interrupção desde
a sua conceição até à morte, por um ato contínuo. A sua
inteligência, sempre unida à sabedoria incriada, estuda­
va-o constantemente e identificava-se de certo modo com
ela. Da[ aquela submissão sem reserva, que fazia da sua
vontade uma só vontade com a de Deus.
Com razão é a divina Mãe representada sob a fi�ura
de uma mulher revestida do sol (Apoc 12, 1), isto é,

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toda penetrada da caridade divina; tendo a lua sob os
pés para significar seu completo desapego da terra e dos
bens passageiros; em sua cabeça brilha uma coroa de
doze estrelas, símbolo das virtudes sublimes produzidas
nela pelo sagrado amor.
· A que fogo poderiam comparar o que vos consumia,
augusta soberana? ao ardor dos serafins? às chamas· re­
unidas que abrasam os habitantes do céu? Não, porque
o vosso amor ultrapassa imensamente o de todas as cria­
turas juntas. Na medida em que Maria, tornando-se Mãe
de Deus, participou das grandezas de seu Filho, partici­
pou sua caridade sem limites. O seu coração, pois, é co­
mo uma vasta fornalha; só Deus pode medir-lhe a ex­
tensão, e apreciar a intensidade das suas chamas perpe­
tuamente acesas.
Peçamos à Rainha da caridade uma centelha do fogo
que a devora e a faz praticar as virtudes em grau in­
compreensivcl. Se o nosso coração amasse a Deus, não
seríamos remissos em seu serviço, frios na oração, na
missa e na comunhão, ávidos de distrações, de repouso,
de prazeres, de satisfações sensuais, em vez de procurar­
mos o recolhimento, o trabalho e a mortificação.
O' coração verdadeiramente grande e generoso da mais
pura das virgens, coração abrasado dos mais santos ar­
dores, co_municai-me: 1 ° as luzes que vos mostravam o
esplendor amavel das perfeições divinas; 2º as chamas
sagradas que, desprendendo-vos da terra, vos elevaram
à união mais estreita com a ,vontade divina. Fazei que
eu vele constantemente sobre os meus pensamentos e afe­
tos, afim de dirigí-los, como vós, unicamente ao Bem su­
premo, imutavel e eterno.

23 DE AGOSTO
O CONHECIMENTO DE DEUS E DE SI MESMO
PREPARAÇÃO. Sendo esse duplo conhecimento o se­
gredo da grande perfeiç;:j,o de Maria e dos santos, medi­
taremos: 1º como nele se acha encerrada a santidade;
2º que efeitos particulares produz nos corações. - Com-

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preenderemos assim quão necessário nos é estudar-nos
a nós mesmos na oração e dizer muitas vezes a Deus
com santo Agostinho: "Senho:c, que eu me conheça a
mim mesmo e a vós". N overim me, noverim te!

1 º Conhecer a Deus e conhecer-se a si mesmo:


eis a santidade
Nosso Senhor apareceu uma vez a santa Catarina de
Sena durante a oração e disse-lhe: "Sabe, minha filha,
o que tu és e o que eu sou? Se souberes essas duas coi­
sas, serás bem-aventurada: és aquela que não é, e eu sou
aquele que é. Se te compenetrares desta verdade, o ini­
migo não poderá enganar-te e tu evitarás as suas ciladas;
não consentirás jamais em fazer coisa alguma contra os
meus mandamentos e adquirirás sem trabalho a graça,
a verdade e a paz".
Essas belas palavras de Jesus merecem as nossas re­
flexões. Elas ensinam-nos que t�da a santidade está en­
cerrada no conhecimento prático de nós mesmos e de
Deus. E, com efeito, se Deus é a plenitude do ser e de to­
das as perfeições, devo estimá-lo, amá-lo, s_erví-lo em si
mesmo e nas criaturas. Daí a obrigação que tenho de fu­
gir do pecado, de obedecer aos preceitos divinos, de pra­
ticar a caridade para com o próximo, de renunciar às mi­
nhas más inclinações; numa palavra, daí dimanam todos
os deveres para com Deus, para com os meus semelhan­
tes e para comigo mesmo: eis a verdadeira santidade.
O' Senhor, princípio e fim de todas as coisas, sois a sa­
bedoria, a luz in_criada, e eu sou trevas, ignorância e or­
gulho. Vós sois o poder, a santidade, a bondade por es­
sência, e eu sou fraqueza, corrução e miséria. Dignai-vos
conceder-me o conhecimento das vossas grandezas e do
meu nada; das vossas grandezas para submeter-me sem
reserva à vossa autoridade soberana; do meu nada, para
obrigá-lo a entregar-se inteiramente à vossa direção.
Examinemos se a humildade, a dependência de Deus,
é o carater próprio da nossa virtude, como o notamos em
todos os santos. "Deus sabe tudo, dizia-se muitas vezes

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santa Teres.a, pode tudo e ama-me". Como poderei sub­
traír-me à sua direção, resistir ao seu poder, desconfiar
da sua bondade? Pequenino átomo abismado no infini­
to, como ousaria eu controlar as disposições divinas,
queixar-me dos acontecimentos e considerá-los contrários
à minha salvação!
E' a sabedoria incriada que tudo rege, e eu ouso cri­
ticar tudo, mesmo as ordens dos· meus superioree? E' o
poder divino que tudo tem em sua mão, e eu recuso su­
jeitar-me? E' a caridade do Pai celeste que me impõe o
dever a cumprir, cruzes a carregar, e eu não os aceitaria
com amor? Senhor! que eu me conheça, para me odiar
e abnegar; que eu vos conheça para vos amar e servir!
Noverim me, noverim te!

2º Efeitos do conhecimento de Deus e de si mesmo


Uma outra vez disse nosso Senhor a santa Catarina
de Sena: "Minha filha, pensa em mim; se o fizeres; eu
pensarei sempre em ti". Esta palavra é consequência da
primeira. Se nós nada somos e Deus é tudo, não devemos
esquecer-nos e só pensar nele? O Senhor, do seu lado,
lembrar-se-á sempre de nós; ele nos há de aclarar, pro­
teger, defender cont!'a os inimigos e nos dirigirá por sua
graça na vereda da vi.rtude.
Já que pertencemos a Deus pelo batismo, dizia a san­
ta, e sobretudo pela profissão religiosa, não devemos in­
quietar-nos, mas procurar somente agradar a Deus. A
alma que vê o seu nada e sabe que todo o bem está no
Criador, deve abandonar-se inteiramente a Deus, de sor­
te que toda a sua atividade se dirija para ele e se exerça
nele. E como sairia ela desse Centro onde encontra a
perfeição da felicidade! Nada. deve ver senão em Deus,
não se lembrar de si nem das criaturas senão de Deus!
Assim fala a sa�ta. Feliz da alma que põe em prática
esta doutrina, e não tem desejos nem ação fora de Deus
e da sua vontade.
Vivemos nós em uma tal submissão e abandono no Se­
nhor? Vemos nele todas as criaturas e todos os aconteci-

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mentas? A luz do sol ilumina a atmosfera e permite-nos
contemplar o mundo e a natureza, assim a· 1uz da fé de­
veria mostrar-nos Deus, atmosfera das almas e nele toda
a criação. Então nada amaríamos fora dele, ele seria o
único objeto dos nossos pensamentos, intenções, afeições,
não só em si mesmo, mas ainda nas criaturas. Este é o
exercício por excelência que deveria animar a nossa vida
interior.
Jesus, a quem pertenço por direito de criação e de re­
denção, concedei-me a graça de respeitar vosso soberano
domínio sobre o meu espírito, o meu coração, o meu ser
e a minha vida. Os vossos direitos sobre mim são abso­
lutos e infinitos; fazei que me submeta inteiramente a
todos os vossos {)receitas. Pela intercessão da divina Mãe,
dai-me a graça: 1º de aniquilar-me muitas vezes em vos­
sa presença; 2º de nãÓ contar comigo mesmo no exercí­
cio das virtudes, mas só com a oração e com o vosso so­
corro.

24 DE AGOSTO - SÃO BARTOLOMEU, APOSTOLO


PREPARAÇÃO. "Os meus discípulos expelirão demô­
nios em meu nome", disse Jesus (Me 16, 17). Verifica­
remos a verdade dessa promessa meditando: l° o gran­
de poder exercido sobre o inferno por são Bartolomeu;
2º os prodígios que ocasionaram o seu martírio. - Ani­
mar-nos-emos a pôr a nossa confiança em Deus contra
os ataques dos inimigos da salvação e a invocarmos es­
pecialmente então os nomes de Jesus e Maria. ln nomi­
ne meo dremonia ejicient.
1 º Poder de são Bartolomeu sobre os demônios
Se Jesus comunicou a todos os discípulos o poder de
expulsar demônios, deu-o muito mais aos apóstolos, dis­
cípulos escolhidos, amigos íntimos da sua sagrada pes­
soa. Mais do que os outros, receberam eles o espírito de
fortaleza e de verdade para deitar por terra o pai da
mentira. Quando são Bartolomeu entrou na capital da
Armênia, a sua pessoa paralisou a ação de Satanaz, que

367
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falava pela boca do ídolo de Aslarot. Querendo glorificar
o apóstolo, Deus forçou o demônio de um outro ídolo a
confessar o poder de seu servo, dizendo que "ele estava
acompanhado de anjos tutelares • e que a sua estada na
cidade era a única causa do silêncio dos oráculos".
Bartolomeu foi logo reconhecido pelã multidão; liber­
tou os possessos e levou-os ao Evangelho. Com autori­
dade soberana expulsou, diante da côrte, um demônio fu­
rioso que atormentava a filha do rei. E donde tinha ele
esse poder? Satanaz foi forçado a nô-lo dizer pela boca
dum ídolo: "Este apóstolo dobra os joelhos cem vezes
ao dia e cem vezes à noite para orar". Era pois o espí­
rito da oração que fazia· o nosso santo temível aos espí­
ritos das trevas.
E com efeito, grande poder comunica-nos a oração con­
tra os inimigos da alma; desperta a nossa fé, faz-nos com­
preender melhor a malícia do pecado e inspira-nos mais
horror a ele. Daí a fortaleza nas tentações, que nos. faz
repelir as sugestões de Satanaz. Outrossim, meditando,
ficamos mais convencidos de nossa fraqueza e conse­
quentemente mais resolvidos a velar mais sobre nós mes­
mos, a recorrer mais vezes a Jesus e Maria, afim de tri­
unfarmos dos assaltos do inferno. As nossas relações ín­
tima_s com o Todo-poderoso tornam-nos aguerridos ao
ponto de podermos dizer com santa Teresa: "Não temo
os demônios mais do que as moscas".
Meu Deus, dai-me coragem de renunciar à vida dissi­
pada que me afasta de vós; aos hábitos de distrações,
de conversações inuteis, que me tirám o tempo de me­
ditar e de orar, exercício esse de que tanto tenho neces­
sidade. Pelos méritos de são Bartolomeu, vosso apósto­
lo, conservai-me sempre unido a vós, apesar da fúria e
dos ataques dos demônios. ln nomine meo dmmonia eji­
cient.

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2º Prodígios que ocasionam o martírio de nosso santo
Admirado da cura milagrosa da sua filha, o rei da Ar­
mênia, Polímio, ofereceu ricos presentes a Bartolomeu;
mas o generoso apóstolo recusou-os, e pediu ao rei se
tornasse digno dos tesouros eternos. "Para vos conven­
cer da verdade evangélica, acrescentou ele, farei o ídolo
Astarot confessá-la". Polímio aceitou a proposta, foi ao
templo com o santo, e este obrigou o demônio a con­
fessar os seus embustes; ordenou-lhe solenemente que­
brasse todos os ídolos do templo e se retirasse para sem­
pre. O' prodígio! o demônio obedeceu incontinenti, e a
ruina súbita de todos os ídolos causou tal impressão so­
bre o rei e o povo da capital, que se converteram a Je­
sus Cristo e pediram o batismo. Doze cidades do reino
seguiram-lhes o exemplo; e Bartolomeu teve a ventura
de os instruir, regenerar e dar-lhes sacerdotes para os
_ governar.
Mas isto foi a causa principal do seu martírio, Preso
pelo irmão do rei, o qual reinava sobre uma parte do
país, o santo apóstolo, vítima duma crueldade quasi sem
exemplo, foi esfolado vivo dos pés à cabeça, e depois de­
capitado. O' morte tão gloriosa quão cruel! proporcionou
ao santo atleta de Cristo a auréola e as vestes reservadas
por Deus a seus mais caros amigos.
Nós tambem seremos recompensados de acordo com
a nossa generosidade em vencer-nos e em sacudir o jugo
das paixões. Sendo essas as cadeias de que se serve o
demônio para prender-nos ao pecado, quanto mais as
mortificarmos tanto menos o inferno terá poder sobre
nós. E, com efeito, como poderá ele tornar-nos escravos
do orgulho, da impaciência,. da cólera, da avareza, das
invejas e se estivermos sempre prontos a combater esses
vícios até em suas raizes? Como nos roubará ele o lírio
da angélica virtude se cercarmos esse lírio da sebe de
espinhos composta da desconfiança de nós mesmos, da
modéstia nos olhares, do exercício da temperança e do
recurso frequente a Deus? Tomemos pois a resolução:

Bronchain II - 24 369
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1 º de velar sobre os nossos sentidos, pensamentos e afe­
tos; 2º de regrar o nosso interior pela mortificação e re­
colhimento; assim seremos onipotentes contra os demô­
nios.
Meu Deus, assim como esfolaram vivo a são Bartolo­
meu, _ despojai-me tambem do velho homem, das suas
máximas e tendências más. Quero de hoje em diante re­
nunciar-me, mormente quando me sobrevierem repugnân­
cias em matéria de dever a cumprir. Fazei que eu recor­
ra então a Jesus e Maria, afim de conseguir sempre a
vitória.

25 DE AGOSTO
HUMILDADE DO VERBO INCARNADO
PREPARAÇÃO. Nada nos move tanto à humildade co­
mo os exemplos do nosso divino modelo. Meditaremos,
pois: 1 ° até que ponto se abaixou o Deus Salvador; 2º
quanto devemos humilhar-nos a seu exemplo. - Propor­
nos-emos combater cada dia o desejo da estima, e rece­
ber com·· calma as contradições, as confusões para com­
prazermos aquele que se aniquilou por nosso amor. Se­
metipsum exinanivit, formam servi accipiens (Filip 2, 7).

l" Até que ponto o Verbo divino se abaixou


O Verbo eterno teria podido tomar a natureza angéli­
ca e aparecer no mundo como um anjo enviado do céu;
teria sido já uma incompreensivel humilhação: o Deus
Criador que se faz criatura! o infinito que se abaixa ao
finito! Aquele que é imenso e sem medida, a circunscre­
ver-se num ser limitado; mesmo que fosse um serafim,
que rebaixamento inconcebivel !
Que dizer, porém, vendo-o tornar-se homem! O homem
é menor do que um anjo, e o pecado degradou-o profun­
damente! Entretanto o Unigênito de Deus não hesita em
assumir a nossa natureza, e embora pudesse nascer ho­
mem perfeito como Adão no paraíso terreal, quis passar

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por todas as idades, sem excetuar a infância! foi para
ele o cúmulo da abjeção:
Essa abjeção, porém, não lhe bastou. Poderia ter nas­
cido filho dum rei, duma rainha, nos esplendores duma
côrte principesca, entre as festas dum reino ... Mas não,
nasce de pais pobres, duma Virgem quasi desconhecida,
perto duma povoação obscura, numa gruta abandonada
e no silêncio duma noite profunda. O' prodígio de hu­
mildade!
E não é tudo: poderia ter tomado de nossa natureza
somente a sua parte nobre, isto é, a nossa alma. Por que
se reveste tambem do vil barro que é o nosso corpo? Por
que gloriar-se disto ditando a 'São João estas palavras
espantosas: "O Verbo se fez carne"º? (Jo 1, 4). E' que
ele quis humilhar-se até ao extremo, diz o apóstolo. Se­
metipsum exinanivit. Coisa alguma é tão desprezível co­
mo o nada; não obstante o Verbo incarnado desceu ainda
mais, e c�mo? tomando a aparência de ·pecador, tornan­
do-se maldição por nosso amor, isto é, abraçando todas
as maldições e todos os castigos merecidos pelo gênero
humano prevaricador. Factos pro nobis maledictum (Gal
3, 13). O' mistérios profundos que deveriam curar-nos
para sempre do nosso orgulho.
Ao vermos um Deus rebaixado à última possibilidade
por nós, como podemos ainda pretender elevar-nos acima
dos outros, gloriar-nos de nossos talentos, qualidades e
virtudes, como se a honra de discípulo de Jesus não
consistisse em tornar-se como ele o . qiais humilde e o
último de todos? O' Verbo incarnado, fazei-me compreen­
der esta salutar doutrina e dai-me a força de pô-la em
prática.

2º Devemos humilhar-nos a exemplo de Jesus


Adão e Eva prevaricaram na esperança de se torna­
rem deuses, segundo a falsa promessa de Satanaz. Esse
orgulho foi a causa da nossa ruina. Para resgatar-nos,
o Verbo eterno quis humilhar-se ao ponto de descer aos
abismos em que estávamos imersos. Médico caridoso, re-

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vestiu-se das nossas humilhações, santificou-as, divini­
zou-as, transformando-as em remédio amargo, sim, mas
adoçado pelo exemplo de nosso amavel Redentor. Ele foi
o primeiro a tomá-lo, incarnando-se, nascendo num es­
tábulo, fugindo para o Egito, trabalhando como um ope­
rário na casa de Nazaré.
A exemplo de Jesus, tambem nós deveríamos rebaixar­
nos com ele. Ele revestiu-se das fraquezas da infância,
ensinando-nos a não desdenharmos a infância evangé­
lica, pois que, na vida espiritual, estamos sempre no es­
tado de crianças; temos sempre necessidade de sermos
instruídos, conduzidos, dirigidos, fortificados pela graça
e pelos meios oferecidos às almas na Igreja católica. A
humildade deve fazer-nos viver à maneira das crianças,
isto é, no espírito de obediência, submissão e desconfiança
dP. si próprio, que convém às crianças. Devemos banir
do coração e do nosso procedimento a resistência aos
superiores, o aferro às nossas idéias, a jatância, a inve­
ja, a presunção, a malícia e todas as tendências contrá­
rias aos exemplos daquele que disse: "Se não vos tor­
nardes como crianças, não entrareis no reino dos céus".
Examinai-vos quanto aos sentimentos que distinguem
os humildes: sois doceis, condescendentes, prontos a per­
doar, lentos a magoar-vos e irritar-vos? Fugís dos de­
feitos contrários à infância cristã, à duplicidade, à in­
subordinação, à suscetibilidade, à dureza, e a tudo que
cheira a ambição de elevar-nos?
Jesus, se os próprios apóstolos, príncipes da vossa
Igreja, devem ser como crianças pela humildade, quan­
to mais nós que temos a obrigação de obedecer-lhes. Dai­
me pois: 1 º luz necessária para conhecer-me e desprezar­
me; 2º a coragem de recitar o Gloria Patri sempre que
me aplicarem remédio ao meu orgulho e tornar-me assim
semelhante a vós e à vossa santa Mãe, a mais humilde
das criaturas.

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25 DE AGOSTO (bis).
ATÉ QUE PONTO SE HUMILHOU O VERBO
INCARNADO
PREPARAÇÃO. Para levantar-nos das nossas ruinas
c curar-nos do orgulho, o Verbo divino ensinou-nos a
verdadeira humildade: l" por seu exemplo; 2º por sua
doutrina. - Estudemos, pois, cada dia esse admiravel
modelo; ouçamos esse Mestre infalivel, mormente quando·
nos diz: "Aprendei· de mim que sou manso e humilde de
coração". Discite a me quia. mltis sum et humilis corde
(Mt 11, 29).

1 º O Unigênito de Deus, modelo de humildade


Foi o_ Verbo eterno, infinito e Deus como o Pai, que
nos deu o maior exemplo de abaixamento voluntário.
Quem o creria? Ele, a quem as tempestades e o mar obe­
decem, e que é o Senhor do Universo, sem excetuar os
anjos e os santos; ele a majestade por essência, ao qual,
segundo o apóstolo, pertencem a honra e a glória, e que
não julgou cometer injustiça igualando-se a Deus; ele, o
Criador do céu e da terra, humilhou-se, abaixou-se até
ao nosso nada; e, no nosso nada, tornou-se o último dos
mortais. Novissimum virorum (Is 53).
Incarnando-se, ocultou sua natureza divina sob a hu­
milde veste da carne humana., a que são Bernardo chama
prodígio de aniquilamento. "Viu-se, exclama ele, um Deus
unir-se ao limo, o poder à fraqueza, o que há de mais
elevado ao que há de mais baixo". Ainda mais, esse Deus,
infinitamente santo, a quem a menor falta é uma abo­
minação, não hesitou em cobrir-se da veste de pecador,
tomando um corpo semelhante ao corpo de pecado, e car­
regando-se dos castigos a nós devidos". Consequente­
mente, quis ele nascer num estábulo, da maneira mais
humilhante que se possa imaginar. "Que vergonha, ex­
clama santo Afonso, que vergonha para um homem, por
pobre que seja, nascer num estábulo! Os pobres vêm ao
mundo na casa de seus pais; no estábulo só nascem os

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animais e os vermes. Como verme da terra quis o Uni­
gênito de Deus aparecer no mundo". Ego autem sum
vermis et non homo (Sl .21, 7).
O' Rei do universo, foi :;i;ssim que quisestes fazer a
vossa entrada neste mundo que vos pertence e que vos
deve todas as honras de que é capaz. Mas que digo? não
só nascestes mas tambem vivestes na humilhação. Puse­
ram-vos num presépio após o vosso nascimento e sobre
a palha como os animais. Pouco depois tivestes de fugir
de Herodes e mais tarde trabalhar como operário. Toda
a vossa vida passou-se na contradição da parte dos vos­
sos inimigos, que por fim vos saciaram de opróbrios e
vos fizeram morrer sobre um patíbulo ignominioso. Ha­
verá, Jesus, exemplo mais capaz de rebater o meu or­
gulho, do que o exemplo dum Deus? E quando ess.e exem­
plo é levado ao extremo, ao mais alto grau de perfeição,
é de molde a destruir a minha ambição, abater as minhas
pretensões, reprimir a minha vaidade e bafar as minhas
vãs complacências. O' Maria, remediai os meus defeitos,
obtende-me de Jesus o dom duma humildade sincera,
generosa e constante.

2º O Verbo incarnado ensina-nos a humildade


por sua doutrina
São Lucas diz que Jesus praticou antes de ensinar, e
acabamos de ver até que ponto os seus exemplos honra­
ram a virtude da humildade. As palavras do seu Evan­
gelho confirmam o que a sua conduta nos faz entrever,
isto é, que o seu reino neste mundo se funda sobre esta
virtude. Como ele disse: Sem o batismo, sem a Eucaris­
tia, sem a Penitência, ninguem entrará no reino dos céus,
tambem o afirmou a respeito da humildade. Nisi eficia­
mini sicut parvuli, non intratibis in regnum crelorum (Mt
18, 3). Ora, notemos bem, nesta última circunstância ele
se_ dirige a seus apóstolos, isto é, aos príncipes da Igreja,
aos que devem ensinar os outros a possuir a suprema au­
toridade. E que lhes diz? ouçamos: "Se não vos conver­
terdes e vos tornardes como crianças, não entrareis no

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reino dos céus". Dizendo estas palavras, Jesus apontava
um menino colocado no meio dos seus discípulos. Esse pe­
queno recorda-nos o Menino de Belém ou de Nazaré, isto
é, aquele que, sendo Deus, tomou a nossa natureza, nos­
sa condição de escravos e se colocou abaixo do mais fra­
co dos mortais. E esta recordação, unida ao ensinamen­
to do divino Mestre, é de molde a curar o nosso orgu­
lho, a cegueira do nosso amor próprio, o vão desejo de
aparecer ou de exibir-nos, e o prurido mais vão ainda
de falar em nosso proveito para ganhar afeii,ão ou es­
tima.
Em vez de nos deixarmos dominar por tão vís paixões
indignas de nossa verdadeira grandeza, ouçamos antes
a voz do Mestre que clama: "Aprendei de mim que sou
manso e humilde de coração e achareis descanso para as
vossas almas". Não é nas honras, nas dignidades, no re­
nome que se acha a beatitude, mas sim na ciência da hu­
mildade, que sai do coração. Essa ciência é daquelas que
se aprendem menos dos livros do que da prática. E, de
fato, tornamo-nos mais humildes à medida que sofremos
ou suportamos com mais humildade: os nossos defeitos
e os do próximo, as censuras merecidas e as correções
imerecidas, as perseguições dos maus e as contradições
dos justos, as provações providenciais, as calúnias dos
homens e as tentações humilhantes dos demônios. Se
conservarmos a paz interior ou a calma de espírito, no
meio dos espinhos que sangram em nós o amor de nossa
excelênci_a, podemos ter a confiança de não termos sido
ociosos na escola do divino Mestre.
Verbo incarnado, modelo e guia no caminho da salva­
ção, não me deixeis errar pelos caminhos largos das am­
bições mundanas, mas fazei-me palmilhar as veredas es­
treitas da verdadeira humildade, vereda seguida por vós
e pelos santos a vosso exemplo. Pela intercessão de vos­
sa divina Mãe, inspirai-me a coragem: 1° de estudar-me
para me depreciar; 2º de comprazer-me convosco na vida
oculta, esquecido, desprezado, afim de colocar só em Deus
a minha glória, a minha riqueza, a minha esperança e
felicidade para sempre.
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�5 DE AGOSTO (ter) - SÃO LUIZ, REI
PREPARAÇÃO. E' facil ser virtuoso fora dos perigos
e das ocasiões. São Luiz, porém, santificou-se apesar de
todos os obstáculos que o. mundo lhe ofereceu: l° foi
humilde nas honrarias da côrte; 2º conservou a inocên­
cia no meio das seduções. Aprenderemos desse santo a
praticar a virtude em todo tempo, em todo lugar e em
toda circunstância. E para este fim procuraremos viver,
como Daví, sob as vistas divinas. Providebam Dominum·
in conspectu meo semper (SI 15, 8).

1 º Humildade de são Luiz


Encontra-se muitas vezes a humildade na abjeção; ela,
porém, é rara, diz são Bernardo, no meios das honras. O
nosso santo soube praticá-la no esplendor da dignidade
régia. Após haver submetido os seus vassalos com talen­
to militar � completo sucesso, Luiz se viu, jovem ainda,
à frente de grande reino e rodeado de brilhante côrte que
lhe venerava a autoridade régia a par das mais altas
qualidades. Insensivel ao louvor e à censura, fazia jus­
ti!;)a a todos sem respeito humano; e convencido da sua
nulidade diante de Deus, referia-lhe toda a glória, evitan­
do cuidadosamente atribuir-se bem algum.
Tratava o seu povo com humilde condescendência; ou­
via a todos, aos pobres de preferência aos outros. Todos
os sábados lavava os pés a tres velhos indigentes, enxu­
gava�os e beijava-os com profúnda humildade. Desejoso
de se conhecer a fundo, instava com os seus confessores
e com pessoas de confiança, que lhe falassem dos seus
defeitos e do mal que poderiam dizer dele, e recebia
com grande docilidade os seus avisos salutares. Desaca­
tado, ou injuriado até por criados ou pessoas grosseiras,
como acontecia muitas vezes, esquecia de certo modo
a sua majestade régia para se lembrar do seu título de
cristão ou de discípulo de um Deus humilhado e mofado
por nosso amor. O ultraje recebido fornecia-lhe ocasião
de multiplicar os seus benefícios.

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Vós, que não sois rei e nem príncipe, que não possuís
as capacidades nem as virtudes do nosso santo, sois igual
a ele em humildade? Ah! quem sabe, vos estimais ao
ponto de querer dominar os outros; falar-lhes com al­
tivez, com ar de arrogância, que pouco convem a uma
alma resgatada pelos opróbrios de um Deus. Vós vos es­
queceis muitas vezes que o orgulho é a fonte de todos
os males e que, entre todas as misérias, a mais deplora­
vel é a de não saberdes humilhar-vos e procurar o úl­
timo lugar.
Meu Deus, que elevais os humildes e resistis aos so­
berbos, concedei-me a graça de ser como criança docil
que se deixa conduzir à luz da vossa doutrina e dos vos­
sos exemplos, e não resiste aos vossos preceitos nem
às vossas inspirações.

2º Inocência de são Luiz


Ao nosso santo foi dado ter uma mãe que lhe incul­
cou, desde a infância, o horror do pecado mortal, e lhe
deu, com o leite materno, aquela delicadeza de conciên­
cia que ele conservou toda a sua vida. Repetia-lhe a miu­
do que, apesar "de toda a ternura para com ele, queria
vê-lo antes morto do que manchado aos olhos de Deus.
Daí a prontidão do santo em fugir até das menores fal­
tas, e em afastar-se de todos os perigos. No meio das
delícias da côrte e inteiramente senhor dos seus atos,
soube conservar-se puro como num claustro. A penitên­
cia e a oração auxiliaram-no na prática da castidade,
virtude tão rara entre os reis. Jejuava frequentemente,
levava o· cilício, disciplinava-se e confessava pelo menos
cada semana. A sua vida era uma abstinência e um je­
jum contínuos, pois que observava escrupulosamente a
temperança na qualidade e na quantidade da alimen­
tação.
Conservando-se ele sempre na presença de Deus, a
sua oração era habitual; assistia cada manhã a duas, tres
e ::i.té a quatro missas para atrair sobre a sua família
e o seu reino as bençãos divinas. Outrossim, além das

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horas canomcas em que tomava parte, recitava diaria­
mente com seu capelão o ofício dos defuntos; acrescen­
tava ainda o ofício de nossa Senhora e terminava o dia
com o santo Rosário.
Alguem perguntará: Tantas orações não prejudicavam
os negócios de Estado, roubando-lhes precioso tempo?
Longe disso: o nosso santo hauria delas as luzes neces­
sárias, e como não perdia um instante no jogo ou na
caça, como o fazem os príncipes, achava sempre longas
horas a dar a seu povo sem deixar para o dia seguinte
o que podia fazer na véspera.
Se tivéssemos cuidado de empregar, como ele, todo
o nosso tempo com ordem e inteligência, quantos mo­
mentos não poderíamos consagrar à oração! e quanto
proveito não tiraríamos para vivermos mortificados, vi­
gilantes, puros de corpo e de alma, e fiéis aos nossos
deveres!
Meu Deus, pelos méritos de· Jesus e Maria, inspirai-me
o espírito de mortificaçãô e oração; assim poderei pra­
ticar melhor a virtude angélica e imitar num corpo cor­
ruptivel, a exemplo de nosso santo, a incorruptibilidade
dos espíritos bem-aventurados.

26 DE AGOSTO - CÂNTICO DOS ANJOS


PREPARAÇÃO. Depois de havermos meditado a hu­
mildade do Menino Deus, meditaremos o cântico entoa­
do pelos anjos em seu nascimento: l ° Glória a Deus no
mais alto dos céus; 2º paz na terra aos homens de boa
vontade. - Queremos possuir interiormente uma paz du­
radoura? Tenhamos de nós os mais humildes sentimen­
tos e demos ao Senhor a honra de todo o bem, pela pure­
za das nossas intenções. Gloria in altissimis Deo et in
terra pax horninibus honre voluntatis (Lc 21, 14).

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1 º Glória ,a Deus no mais alto dos céus
"Os céus narram a glória do Altíssimo, diz o apósto­
lo; o firmamento celebra as obras de seu poder; o dia
anuncia ao dia os prodígios de sabedoria por ele semea­
dos no espaço, e a noite não cessa de repetí-los à noite.
Senhor, quão admiravel é o vosso poder no belo universo
criado por vossas mãos!" (SI 8, 18). Porém mais admi­
ravel ainda é ela na incarnação do Verbo, que abre aos
homens novos céus e nos introduz num mundo sobrena­
tural, onde tudo é grande, rico, esplêndido além de toda
expressão. Ora, a glória dessas maravilhas pertence ex­
clusivamente ao Senhor, às suas infinitas perfeições e à
sua execelência sem limites. Gloria in altissimis Deo.
Tambem ele mesmo declarava, e em justiça, não a ceder
a ninguem (Is 48, 11). E de fato ele resiste aos sober­
bos que lha pretendem arrebatar. Deus superbis reslstlt
(1 Ped 5, 5).
Congratulemo-nos por poder glorificar a Deus; não há
felicidade que possa igualar em nobreza a essa sublime
intenção. Os anjos e os santos, a divina Mãe, nosso Re­
dentor, o próprio Deus não tem outra finalidade. To­
dos os favores divinos, sem esse, mesmo que fosse a di­
gnidc).de dos serafins, são muito inferiores a esse inapre­
ciavel privilégio.
Mas corno glorificar a Deus? Por meio duma profunda
humildade. Inimiga de toda vanglória e ostentação, esta
nos mostra tais quais somos, isto é, incapazes de bem
algum e capazes de todos os pecados. Afastando de nós
a estima própria e o desejo de louvor, faz-nos dar 9-
Deus uma glória pura, reconhecer os seus benefícios,
agradecê-los e referir-lhos. como ao nosso último fim.
E' assim que agís? Não sentís complacências em -vós
por causa da vossa inteligência, dos vossos talentos e
qualidades? Não atribuis à vossa indústria, sabedoria e
prudência o bem que fazeis? Meu Deus! quantos artifí­
cios, quanto amor próprio em minhas ações! Quantas ve­
zes prefiro praticamente a minha honra à vossa, dese-

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jando o favor, o renome, o louvor que. vem dos lwmens,
ou atribuindo-me o que procede de vós, princípio de toda
a luz e virtude! Dai-me a pureza de intenção que me
faça glorificar-vos em tudo e viver constantemente sob
a vossa dependência.

2º Paz na terra aos homens de boa vontade


Na noite de Natal, diz são Bernardo, os anjos fizeram
a partilha entre Deus e nós: a glória pertence ao Se­
nhor, e, se lhe dermos essa glória, a paz será para nós.
E, de fato, o meio verdadeiro de gozar paz profunda, é
viver de acordo com Deus, não nos apropriando do que
é dele, isto é, de sua honra. Santo Afonso diz: "O or­
gulhoso é um cego, um mentiroso, e um ladrão: um
cego, porque caminha nas trevas da estima própria, em­
bora seja um nada vil e desprezivel; um mentiroso, que
se diz rico, enquanto que o Espírito Santo o declara po­
bre, miseravel, nú (Apoc 3, lç); um ladrão, porque rou­
ba a Deus a sua glória, precioso tesouro reservado ao Se­
nhor, como ao rei os florões de sua coroa, emblema de
sua soberania. Nestas condições, como poderia o coração
cheio de si possuir a paz, da qual Deus é o autor? Quem
jamais a teve, resistindo-lhe? pergunta a Escritura (Jó
9, 4). Ao contrário, indizivel é o contentamento dos que
lhe são submissos em tudo. Suprimí as suscetibilidades
do amor próprio, as apreensões da vaidade, as angústias
da hipocrisia e do desejo de agradar, as aniquilações
da ambição e da procura das honras, as aflições som­
brias e mortais da inveja: e tereis uma idéia da calma
interior que nasce da humildade.
Se quiserdes, pois, gozar a _paz prometida pelos anjos
aos homens de boa vontade, estudai-vos a vós mesmo
e não vos atribuais o que ve.rn de Deus. Ele vos dará o
uso, a utilidade, o mérito dos seus dons e a. felicidade
que deles procede, mas não vos cede a honra. Nada
mais justo: nada mais vantajoso para vós. Quereis en­
tão por um pouco de fumaça de renome, elogio ou vã

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complacência perder d-e vez os favores divinos, o repou­
so de vossa alma e vossa recompensa eterna?
Jesus e Maria, está feito: doravante direi muitas ve­
zes com santa Catarina de Sena: "Jamais a vanglória;
mas sempre a verdadeira glória e a honra do meu Deus".
Dai que eu repita sempre na minha vida o belo cântico
dos anjos : Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na
terra aos homens de boa vontade, isto é, aos homens re­
tos e amigos do Senhor. Gloria in altissimis Deo et in
terra pax hominibus honre \'oluntatis.

27 DE AGOSTO
TRANSFIXAO DA SERAFICA TERESA
PREPARAÇAO. A Igreja permitiu. a vários Institutos
religiosos celebrar a memória duma insigne graça. Me­
ditaremos seus dois grandes efeitos sobre a santa: 1 º
um desapego total de tudo que não é de Deus; 2º um
sincero amor do sofrimento. - Inflamar-nos-emos as­
sim do desejo de velar sobre a� nossas afeições e de re­
ceber em paz as penas da vida, para que Deus seja sem­
pre o nosso único tesouro e o nosso único amor. Deus
cordis mei, et pars mea, Deus in reternum (SI 72, 26).

1 º Desapego produzido na santa. pela. transfixão


Santa Teresa conta que um serafim lhe apareceu vá­
rias vezes e lhe transpassou o coração com uma flecha
inflamada. O primeiro efeito dessa transfixão foi des­
apegar o seu coração totalmente de tudo que não é o
soberano Bem. "Estava toda aturdida, escreve ela, não
queria já ver nem falar, mas ficar absorta na minha pura
delícia, da qual eu hauria mais contentamento e alegria
do que de todos os bens criados".
Só em Deus é que achamos tudo: a ciência, a glória,
a riqueza, os mais puros· e suaves prazeres. "Que há no
céu, podia santa Teresa dizer com Davi, e que posso
desejar sobre a terra, senão vós, o Deus de meu cora-

381
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ção, e minha partilha para a eternidade?" E realmente
quando possuimos o Bem infinito e estamos feridos do
seu amor, nada no mundo é capaz de cativar os nossos
desejos. Deveríamos, pois, a exemplo dos santos, dirigir
todas as nossas aspirações a Deus, que inebria de delí­
cias os anjos e os eleitos; sentiríamos logo no nosso
triste exílio um antegosto das alegrias da pátria. O
homem mundano, ferido ao vivo em sua honra ou re­
putação, não pode esquecer a chaga que lhe faz sangrar
o coração; ela ocupa todos os seus pensamentos e pala­
vras. Esse era o estado da seráfica santa Teresa. Deus
absorvia-a: nele encontrava a santa todos os seus de­
sejos e afetos, de sorte que nada a atraía ou compra­
zia senão o Bem supremo e eterno. Se o Senhor nos trans­
formasse tambem com os seus dardos divinos, isto é,
dos raios da sua graça, seríamos todos presos de amor
por ele. Ã mesa, nos passeios, no trabalho, a doce re­
cordação do nosso Deus, sempre presente em nossa al­
ma a cumular-nos de seus bens, não nos deixaria jamais;
dia e noite, como a santa, dir-lhe-íamos palavras de ter­
nura, para testemunhar•lhe o nosso reconhecimento e
amor.
O' meu soberano Bem, não permitais que meu coração,
criado só para vós, possua ainda o que o lisonjeie, aca­
ricie, ou compraza sobre à terra. Desapegai-o de toda
a satisfação e inflamai-o do desejo de amar-vos como os
mais ardentes serafins. Ferí minha alma na oração e
arrancai-lhe toda lembrança e afeto que não tendam
para vós, Deus de meu coração e minha partilha para
a eternidade. Deus cordis mei et pars mea, Deus ln re­
ternum.

2º Amor dos sofrimentos na scráfica santa Teresa


A dor causada pelos golpes das frechas do serafim,
era tão viva que arrancava à nossa santa gritos lanci­
nantes. "Mas o amor, diz ela, dominava o sofrimento";
ela não queria livrar-se dele, tão deliciosa era a pena

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que sentia! Eis o fruto da caridade quando perfeita:
adoça todas as amarguras. Se tivéssemos dela apenas
uma centelha, ressentiríamos tanto horror do que con­
traria as nossas inclinações?
Como amar um Deus crucificado sem amar a cruz?
"Julgas acaso, minha filha, dizia Jesus à nossa santa,
que o mérito consiste em gozar? não, mas em trabalhar,
sofrer e amar". O sofrimento é inseparavel do amor; Je­
sus crucificado mostrou-nos sobretudo a s.ua caridade
sem limites, sofrendo e morrendo por nós. Querendo con­
trair com Teresa a mais sublime união, mostrou-lhe um
dos cravos, dizendo-lhe: "Eis o sinal e o penhor de que
serás doravante a minha esposa". E', pois, o sofrimento
que sanciona a nossa união com Jesus. O madeiro da
cruz deve aumentar e entreter em nós o fogo do sagrado
amor.
Tendes compreendido até agora esta doutrina, vós que
quereis sempre gozar e nada sofrer? Para que o amor
divino possa existir em nós, o orgulho, a sensualidade,
todos os vícios, todos os defeitos devem ser banidos do
nosso coração. 0ra, como obtermos esse resultado sem
abnegar-nos, mortificar-nos, sem suportar pacientemente
as contradições, as privações, as enfermidades, e as mil
dificuldades da vida? As grandes provações, aliás bem
raras, são quasi só aceitas pelas almas habituadas a
carregar com paz a cruz da cada dia.
Vêde se sois pacientes: l ° nas ocasiões em que sois
lesados, contrariados, arrancados às vossas ocupações
ou sobrecarregados de trabalhos; 2º quando vos sobre­
vêm acidentes, contra-tempos que contrariam os vossos
pensamentos, transtornam os vossos planos e projetos.
Todas essas ocasiões e outras semelhantes são meios
providenciais de conduzir-vos ao perfeito amor que con­
siste, segundo santa Teresa, em fazer nossa vontade
uma só vontade com a de Deus.

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"0' amor, dir-vos-ei com nossa santa, vós que me amais
muito mais do que eu possa imaginar, disponde a minha
alma a servir a vossa vontade, mais do que a seu próprio
gosto. Morra em mim o "eu" e viva outro em mim; que
ele viva e me dê a vida! que ele reine e eu seja o es­
cravo! a minha alma não quer outra liberdade".

28 DE AGOSTO
SANTO AGOSTINHO, DOUTOR DA IGREJA
PREPARAÇÃO. "Foi a graça divina que me fez o
que sou", disse o apóstolo. Santo Agostinho podia di­
zer o mesmo. Admiremos pois nele: 1 º o poder da graça
na sua conversão; .2º o poder do amor na sua perseve­
rança. - Aprendamos a não nos atribuir jamais o bem
que fazemos, mas glorifiquemos por ele o Espírito San­
to. Gratia autem Dei sum id quod sum.

l ° Força da graça. na conversão de Agostinho


Santo Agostinho nasceu dotado de espirita tão vivo,
agudo, sublime e vasto, que, aos vinte anos, dominava a
retórica e as ciências de seu tempo, e isso sem mestre,
e quasi sem trabalho. Uma inteligência tão elevada e
conhecimentos tão vastos, parece que o deveriam pre­
servar dos escolhos, do erro e da corrupçãQ. Mas assim
não foi; tanto é verdade que a mais alta inteligência e
o coração mas bem formado não podem sem a. graça
e a oração escapar às ciladas dos inimigos da salvação.
Quem o creria? Agostinho caiu na absurda heresia dos
maniqueus e nela permaneceu nove anos. Ao mesmo tem­
po prendeu-se à criatura por laços tão fortes que, ape­
sar do desejo de rompê-los, se julgou incapaz de o fazer.
Foram as lágrimas e as súplicas de sua mãe, santa
Mônica, que lhe obtiveram a misericórdia divina. Foi
rude na alma de Agostinho o combate entre a natureza
e a graça. Esta venceu; justamente no momento em que
implorava a assistência divina, uma voz celeste a convi-

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dou a' ler. Ele o fez, 'e alguns versículos da Escritura de­
cidiram a sua conversão. O' poder da oração, que nos
atrai a graça!
Não desesperemos jamais de avançar na virtude, se
soubermos conversar com Deus, expor-lhe as nossas ne­
cessidades, pedir-lhe com confiança os dons celestes. A
oração e a confiança fazem violência a seu coração; ja­
mais se ouviu dizer que alguem empregasse estes dois
meios com perseverança, sem ser atendido. Testemunha-o
a mãe de Agostinho, que, pela constância de suas súpli­
cas, fez de seu filho um doutor e um santo de que se
gloria a Igreja.
Meu Deus, confesso com o autor da Imitação: não há
santidade que possa subsistir, se não a apoiardes; não
há força que não sucumba se não a sustentardes; não
há castidade que se não manche, se a não conservardes;
não há vigilância que nos preserve das ciladas, se a não
secundardes. Dai-me, pois, o dom da prece e da confiança
em vós; inspirai-me a desconfiança de mim mesmo; fa­
zei que sempre recorra à vossa bondade, contando com
a vossa graça, a única que me pode mudar de pecador em
santo.
2º PerseYerança de Agostinho pelo amor
Após haver triW1fado de Agostinho pelo esplendor de
sua luz e pela força de sua unção, a graça divina fê-lo
perseverar, substituindo em seu coração o amor profano
pelo _amor sagrado. Apenas batizado, o néo-convertido
não podia ouvir o cântico dos salmos sem chorar de ter­
nura; o grande mistério da Incarnação absorvia-o de tal
forma, que não se saciava de considerá-lo. Entregou-se
para sempre ao Deus de bondade, que se abaixou até nós
afim de levar-nos até ele. O amor desse Deus feito ho­
mem tornou-o humilde, casto e mortificado; encheu o seu
coração das mais excelentes virtudes.
Sobretudo o zelo ateou-se em sua alma e armou a sua
pessoa para defesa da santa Igreja e das verdades da fé;
e com sucesso prodigioso. Em sua escola e sob a sua in-

Bronchain II - 25 385
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fluência, os maus se convertiam e os bons se tornavam
melhores. Exclamava: "Meu Deus, feristes o meu cora­
ção com uma frecha abrasada que penetrou tão fundo
que o ferro ficou na chaga". Após quarenta anos de tra­
balhos, de sofrimentos, de vida penitente, o santo q.ou­
tor recebeu a recompensa de seu amor a Deus e às al­
mas. Morreu a morte dos justos, deixando-nos um gran­
de exemplo do poder da graça para converter e santifi­
. car os corações.
Não percamos jamais o desejo e a esperança de nos
tornarmos santos; sê-lo-emos em pouco tempo, se formos
fiéis em aproveitar as luzes e socorros que nos vêm de
Deus para nos unirem a Jesus. O amor ao Redentor puri­
fica-nos a alma de todas as manchas, inspira-lhe o espí­
rito de penitência e de sacrüício; move-nos a mortificar
os sentidos, a reprimir as más inclinações, a praticar
todas as virtudes das quais ele é o vínculo e a perfei­
ção. Para· o adquirir, esforcemo-nos: 1º em amar a soli­
dão, o silêncio, o recolhimento, a oração; 2º em pensar a
miude nas perfeições, dons e benefícios do Homem-Deus;
3 º em pedir-lhe frequentemente uma centelha da sua ca­
ridade divina.
Senhor, dir-vos-ei com santo Agostinho, vós, a doçura
e a bondade, dai-me a graça de amar-vos de todo o meu
coração, de toda a minha alma, de todas as minhas for­
ças. Que eu vos tenha sempre em toda parte no coração,
nos lábios e ante os olhos da minha alma, afim de que
nenhuma afeição estranha me possa jamais afastar de
vós. O' Maria, obtende-me o mais ardente amor a Jesus,
meu Salvador; fazei-me docil e fiel às suas luzes, exato
no cumprimento dos seus preceitos, assíduo em meditar
a sua doutrina, as suas virtudes, os seus sofrimentos, e
a pedir-lhe o dom do seu amor.

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29 DE AGOSTO
MART1RIO DE SÃO JOÃO BATISTA
PREPARAÇAO. O Espírito Santo nos assegura que
são João Batista veio prestar testemunho à Luz do mun­
do, que é Jesus Cristo. Ele prestou esse testemunho: 1 °
pelo martírio da penitência durante a vida; 2º pelo mar­
tírio do sangue em sua morte. - Examinemos se, à seu
exemplo, estamos prontos a antes dar a nossa vida do
que perder Jesus pelo pecado mortal. Este o principal
testemunho que ele espera de nós. Ut testimonium per­
hiberet de lumine (Jo 1, 7).

1 º Penitência de são João Batista


Vindo à terra para curar a humanidade enferma, o
Redentor prescreveu-lhe como remédio a penitência. Essa
penitência são João Batista a praticou desde os mais ten-·
ros anos: recolhido no deserto, dorme sobre a terra nua;
a sua veste é um cilício; a sua bebida a água da torren­
te; os gafanhotos e o mel silvestre lhe servem de ali­
mento; assim passa trinta anos.
Depois ensina os outros, por suas palavras, o que pre­
gara por seus exemplos. Dizia a todos: "Fazei dignos
frutos de penitência; o machado está já à raiz, e toda ár­
vore que não produzir bons frutos será cortada e lança­
da ao fogo. Virá um outro maior do que eu, e purificará
a sua eirà separando a palha do trigo" (Mt 3, 8-12).
Assim o santo Precursor prestava testemunho ao Cordei­
ro sem mancha que, por suas privações e sofrimentos,
veio expiar os pecados do mundo. O seu exemplo e as
suas palavras nos predizem o que o Salvador nos repe­
tirá mais tarde: "Se não fizerdes penitência, perecereis"
(Lc 13, 5).
Nós, que pecamos, recordemo-nos das verdades seguin­
tes: l° nenhuma falta se perdoa sem arrependimento;
2º depois do perdão ficam ainda na alma, muitas. vezes,
chagas a curar, dividas temporais a pagar nesta ou na
outra vida; 3º o espírito de penitência nos é sempre ne-

2ã* 387
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cessário para manter a conpunção, a pureza do coração
e ·a vigilância contra a recaida. A alma penitente descon­
fia de si, foge do perigo, conserva-se no fervor, ora sem
cessar, mortifica-se, permanece na humildade e perseve­
ra na prática do bem até ao fim do seu exílio.
Tendes tais disposições? Os santos, apesar da sua ino­
cência, castigaram-se rigorosamente e ainda temiam per­
der-se; vós, ao contrário, muitas vezes culpados, afagais
o vosso corpo, satisfazeis os sentidos, contentais o amor
próprio; e é com dificuldade que reconheceis vossa fra­
queza e temeis as contas a prestar um dia a Deus.
Jesus, meu Redentor, dai-me os sentimentos da mais
viva compunção; inspirai-me a coragem de mortificar os
olhos, a língua, o paladar, todos os meus instintos per­
versos afim de submeter-me inteiramente à vossa ado­
ravel vontade. Faço desde já a intenção de unir-me à
vossa tristeza no jardim das Oliveiras, preparando-me
para a absolvição sacramental, e chorando minhas fal­
tas no exame da noite.

2º Martírio de são João Batista


Sem se intimidar pelo poder de um rei cruel, que des­
posara a mulher do irmão ainda vivo, João Batista pôs�
se a censurar abertamente o monarca por esse comércio
incestuoso. Assim prestava testemunho a Jesus, que veio
ensinar a indissolubilidade do matrimônio, expor a todos
a mais pura doutrina sobre a castidade e abrir uma nova
era em que a pureza fosse honrada e difundisse pelo
mundo o perfume da virgindade. Esse testemunho custou
a vida do santo. Influenciado por Herodíades, sua cúm�
piice, Herodes mandou decapitá-lo. Morreu assim, márs
tir do seu zelo, o santo Precursor de Jesus.
Ele fora anunciado e santificado antes do seu nasci­
mento; era o anjo predito pelo profeta para preparar
os caminhos ao Evangelho do Messias. E como aplanar
esses caminhos? por suas austeridades, seus suores e seu_
sangue. A sua vida e a sua morte glorificaram o Senhor.
Nada, com efeito, mais glorioso para Jesus, sabedoria in-

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carnada, do que ver seu servo anunciar a verdade aos
reis e aos tiranos e morrer de boa vontade por ela. O'
generoso devotamento! ó coragem admiravel e rara!
Este exemplo deveria animar-nos a vencer o respeito
humano quando se trata do cumprimento do nosso de­
ver. Por que intimidar-nos pelo que pensarão e dirão os
homens ? Eles não podem dizer ou pensar coisa alguma
que nos prejudique, quando Deus e seus anjos nos apro­
vam. Mesmo que fôssemos humilhados e desprezados to­
da a nossa vida, por termos feito o bem, seremos u:µi dia
rehabilitados em face do universo por aquele que foi le­
vantado num patíbulo de ignomínia em retribuição de
seus benefícios. Que vergonha seria ser alguem tratado
como foram tantos santos e mártires, verdadeiros imita­
dores de Jesus crucificado!? Não nos envergonhemos de
confessar Jesus Cristo diante dos homens, quando o exi­
ge a nossa conciência, mesmo que por isso tivéssemos
de atrair-nos o ódio e o desprezo dos maus.
Meu Deus, defendei o meu coração do temor mundano,
que procura desviar-me da fidelidade a meus deveres.
Abafai em mim todas as vãs apreensões, e dai-me a for­
ça de agir em tudo sob as vossas vistas e com a única
intenção de comprazer a vossa infinita majestade, dian­
te da qual se apagam todas as dignidades da terra. Vir­
gem santíssima, isenta de toda fraqueza, fortalecei mi­
nha alma na prática do bem.

30 DE AGOSTO
O PECADOR E O JUSTO NA HORA DA MORTE
PREPARAÇÃO. Dispor-nos-emos amanhã, de maneira
especial, para uma boa morte. Para este fim considera­
remos: l ° os sentimentos do pecador; 2º os do justo,
na hora suprema. - Apresentar-nos-emos depois os úl­
timos· momentos dum impenitente, por exemplo, de He­
rodes, e os de um santo,. por exemplo, são João Batista,
e pensaremos na máxima: "qual a vida, tal a morte".
Qure seminaverit homo, hrec et metet (Gal 6, 8).

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lº Sentimentos do pecador na hora da morte
Vêde o pobre mundano, exclama santo Afonso, vêde-o
presa da última enfermidade. Ele vai morrer. Os seus
suores são gélidos, sua respiração torna-se penosa, sofre
contínuos desfalecimentos. Mas o peior é que, em face
da morte, em vez das contas a prestar a Deus, pensa não
ter mais força senão para se ocupar de médicos e remé­
dios. Em se tratando de sua alma, de seu Deus e de sua
eternidade, não sabe esforçar-se, está todo acabrunhado.
Mas o infeliz começa a suspeitar o perigo do seu es­
tado; vê sua família agitada, mais frequentes as visitas
dos médicos, reiteradas as consultas, multiplicados e vio­
lentos os remédios prescritos. Que aflição e desânimo se
apoderam então do seu coração! Atormentado de temo­
res, inquietações e remorsos tem de dizer-se: "Ai de mim!
quem sabe já chegou o fim dos meus dias?"
E que dor para ele quando adquire a certeza da apro­
ximação da morte! Desespero sombrio sucede logo à agi­
tação na alma do impenitente. As suas iniquidades diri­
gem-se contra ele, quais horríveis monstros para devo­
rá-lo. Vê as desordens de sua vida, as graças de que abu­
sou. "Infeliz que sou! :_ exclama - tive tantas ocasiões
de pôr em ordem a minha conciência e não as aprovei­
tei. Agora aproxima-se a morte e já não tenho tempo
de converter-me". Nessas tristes disposições morre o in­
feliz. Fim deploravel! ensina-nos a tornar mais séria a
nossa vida, menos dissipada e toda aplicada ao grande
negócio da nossa salvação, pois que ignoramos se vere­
mos o dia de amanhã ou mesmo a hora que está por vir.
Jesus, espero de vós a graça de recolher-me e de me­
ditar muitas vezes os meus novíssimos, mormente a morte
que ameaça sempre arrastar-me ao vosso tribunal para
ouvir a sentença decisiva de minha eternidade. Dai-me
o espírito de penitência e de compunção, a coragem de
mortificar os meus sentidos e inclinações, afim de mor­
rer a mim mesmo e de viver constantemente unido a vós
por uma oração contínua.

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2º Sentimentos do justo na hora da morte
Os pecados cometidos e não expiados são a causa or­
dinária da perturbação dos moribundos. O justo, porém,
viveu na inocência, ou ao menos expiou as suas faltas
por uma vida fervorosa passada no temor de Deus, na
prática da piedade e dos seus deveres. A sua conciência
dá-lhe, pois, bons testemunhos; segurança de estar em
graça com Deus. Como é doce então ter passado a vida
na abnegação e prática da obediência, oração e carida­
de! Como é consolador ter vivido sempre na amizade di­
vina, e haver amontoado tesouros para o céu.
A firme esperança da salvação enche de felicidade o
justo moribundo; parece-lhe ouvir uma voz celeste. que
lhe diz: "Bem-aventurados os mortos que morrem no
Senhor; vão terminar_ as suas dores, combates e angús­
tias, · e entrarão logo na beatitude". Mas em que se fun­
da a sua esperança? em suas obras, virtudes e méritos?
não, mas unicamente na misericórdia daquele cujas ter­
nuras ele conhece pelas graças recebidas. Apoia-se ain­
da nos sofrimentos do Redentor, cujo sangue precioso,
depois de o haver regenerado, pelo batismo, muitas ve­
zes o purificou e o fortaleceu na Penitência e na Euca­
ristia. Conta enfim com aquela que é a Mãe de sua al­
ma, a Medianeira da salvação e da qual recebeu tantos
favores.
Tenhamos nós todos estes sentimentos; e para esse
fim vivamos cada dia como se fosse o último. Um jovem
fidalgo perguntou a santa Ângela, fundadora das Ursu­
linas, qual o meio de se santificar no meio do mundo, e
recebeu a resposta seguinte: "Fazei agora e durante toda
a vida· tudo o que na hora da morte quererieis ter feito" .
. Estas palavras, pronunciadas com convicção, abalaram
de tal forma o jovem, que as escreveu, as leu todas as
manhãs, as traduziu na vida, e se tornou assim um gran­
de servo de Deus. A seu exemplo: 1º Disponhamo-nos
cada tarde sob a proteção de Jesus e Maria, como se ti-

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véssemos de, nessa noite, comparecer ante o tribunal de
Deus; 2 º de manhã proponhamo-nos passar o dia com o
fervor de um homem prestes a morrer. O' meu Deus, dai­
me a graça de pôr em prática estas duas resoluções.

31 DE AGOSTO - AS DUAS SENTENÇAS


PREPARAÇÃO. Depois de termos meditado a morte do
pecador e do justo, vejamos as sentenças que esperam
um e outro no último dia: 1º a sentença dos pecadores;
2º a dos justos. - Adotaremos depois a prática de ,viver­
mos sempre sob as vistas do soberano juiz, afim de ser­
mos irrepreensiveis a seus olhos e de merecermos um dia
a sentença dos eleitos. Venite, benedicti Patris mel, pos­
sidete regnu.m (Mt 25).

lº Sentença que condenará os pecadores


Que desespero se apossará dos réprobos quando o JUIZ
dos vivos e dos mortos lançar sobre eles a formidavel
palavra: "Retirai-vos de mim, malditos, retirai-vos de
mim" (Mt 25, 41). Compreenderão então que estarão
imediatamente banidos da sociedade dos eleitos. Rejei­
tados por aquele que é a fonte de todo o bem, nada mais
terão a esperar". "A maldição, diz a Escritura, reveste-os
então como de um manto; entra como água em suas en­
tranhas, e penetra como óleo, na medula de seus ossos"
(SI 108, 17). "Retirai-vos", diz-lhes o soberano JUIZ,
retirai-vos de mim, único princípio da felicidade. Mas,
Senhor, para onde iremos? "Para o fogo eterno", para.
o fogo que encerra todos os males do corpo e da alma;
para o fogo que contém os tormentos mais cruéis, mais
numerosos, contínuos e variados. Eu vos criei, dir-lhes-á
o Senhor, para as delícias do céu, mas os vossos pecados
dele vos excluiram; só os vossos pecados causaram a
vossa condenação! "Retirai-vos, pois, malditos, ide para
o fogo que não se extinguirá jamais".
Apenas pronunciada esta sentença, abrir-se-á a terra;
e um abismo imenso, o do inferno, engulirá os réprobos.

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Lá estarão reis, príncipes, nobres, confundidos com a es­
cória do povo e entre os celerados mais infames. Lá es­
tarão sacerdotes, religiosos infiéis a seus votos, e a seus
deveres, pessoas outrora piedosas. A negligência em mor­
tificar uma paixão, no princípio aparentemente inocente,
os conduziu a • esse irremediavel desgraça.
Jesus, usai de misericórdia comigo enquanto é tempo
porque, então, será tarde de mais. Quero desde já· deplo­
rar as minhas infidelidades e reformar a minha vida.
Para este fim: 1 º inspirai-me a coragem de fugir dessa
ocasião, deste perigo; de desprender o meu coração de
tal afeição ou defeito, fontes da minha lassidão no vos0
so serviço; 2º dai-me a força de suportar as minhas pe0
nas com paciência e de perseverar no vosso amor; 3 º fa­
zei ressoar sem cessar aos meus ouvidos a terrivel sen­
tença destinada aos impenitentes, e dai-me a graça de
evitá-la a todo transe.

2º Sentença favoravel aos justos


Qual será a alegria dos eleitos quando ouvirem Jesus
dirigir-lhes o doce convite: "Vinde, benditos de meu Pai,
vinde possuir o reino que vos está preparado desde o prin­
cípio do mundo". "Vinde" : Passai do exílio à pátria, da
miséria à abundância, das lágrimas às delícias, dos com­
bates à vitória, dos trabalhos ao descanso. Quão larga­
mente seremos então recompensados por havermos pra­
ticado a abnegação, o recolhimento interior, o silêncio,
e a oração! "Vinde, benditos de meu Pai!" O' palavra
deliciosa da parte de um Deus! Jesus a pronuncia com
bondade toda divina. Olha os justos como irmãos terna­
mente queridos, e convida-os não só a entrar no céu, mas
a possuir para sempre, corno príncipes, o reino onde es­
tão reunidos todos os esplendores. Que glória ser assim
proclamado
° diante do universo reunido, digno do parai­
so ? Sobre a terra a riqueza, o favor influem muitas vezes
nos julgamentos humanos. Junto ao Redentor só o mé­
rito adquirido pela santidade pesará na balança. Se, pois,
.denomina os eleitos "benditos de meu Pai" é porque fi-

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zeram Deus reinar em seus corações, dominando as pai­
xões.
E', pois, dominando as nossas más inclinações que me­
recemos a mesma recompensa. Deus não poderá reinar
em uma alma escrava da vontade própria e "das más in­
clinações. Importa-nos, pois, vencer a nós mesmos, a exem­
plo dos santos, e viver como eles no fervor. Se não pu­
dermos imitar suas grandes austeridades, sofràmos pelo
menos com paciência alguma palavra ofensiva, alguma
leve dor, contrariedade, privação para comprazermos a
Jesus. Sacudamos nossa indolência, nossa preguiça, afim
de exercermos a virtude. Não há sacrifício a recusar
quando se trata de merecer a sentença bem�aventurada
que assegurará a nossa· salvação eterna.
Divino Redentor, ponde sempre ante os meus olhos os
castigos que aguardam os pecadores, e as recompensas
reservadas aos justos, afim de que, temendo aqueles e
esperando estas, eu triunfe das tentações. Sob a pro­
teção de vossa santa Mãe tomo a resolução: 1° de re­
cordar-me muitas vezes do juizo final, a que devo sub­
meter-me um dia; 2º de fazer todas as minhas ações
sob as vossas vistas e na intenção de vos aplacar e
comprazer.
Oração a Jesus Crucificado
Jesus, reconheço em vossa sagrada Pessoa, cravada
no patíbulo do Calvário, o grande Deus que criou e go­
verna o universo. Um dia vireis sobre as nuvens do céu,
a julgar os vivos e os mortos. Já não sereis então o Cor­
deiro indefeso, mas o terrivel Leão de Judá! Como su­
portar então os vossos olhares irritados? Como ouvir
sem tremer a terrivel sentença destinada aos répro­
bos?. . . Inspirai-me a confiança em vossa infinita mise­
ricórdia, e pela intercessão da Mãe das Dores, imprimí
no meu coração as vossas sagradas chagas; fazei que
eu medite todos os dias a vossa sagrada paixão e os
exemplos de virtude que nela me destes. Penetrai-me
sobretudo dos sentimentos do mais vivo e sincero arre­
pendimento até ao último suspiro de minha vida. A.men.

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MEDITAÇõES PARA AS FESTAS

M1tS DE MAIO

PRIMEIRA SEXTA-FEIRA
DESAPEGO DO SAGRADO CORAÇÃO
PREPARAÇÃO. Para possuirmos o amor divino, do
qual o Coração de Jesus é o eml;>lema e a fornalha, é
n_ecessário que -nos desapeguemos de tudo que não é
Deus. Meditaremos, pois: 1º o perfeito desapego do sa­
grado Coração de Jesus; 2º como poderemos imitá-lo.
- Examinaremos ainda se procuramos somente a Deus
em nossos pensamentos e afetos, e se o servimos com
vontade reta e sincera. Servlte ei perfecto corde at.que
verisslmo (Jos 24, 14).

1 º Coração de Jesus, modelo de desapego


Que belo espetáculo por ver um grande monarca, se­
nhor de vários reinos prodigalizando a seus súbditos to­
da sorte de bens, e vivendo desapegado da opulência e
do brilho que o circundam! A sua alma, pairando por
cima da terra, suspira por Deus, almeja unicamente a
sua glória e o cumprimento da sua vontade. Assim era
são Luiz, rei de França, que contava entre os mais assi­
nalados favores recebidos do céu, o de seu cativeiro e
de seus sofrimentos no EgitQ. Quanta nobreza e gran­
deza nesses sentimentos.
Mas que dizer do Rei imortal que criou o universo e
que, possuindo nas alturas do céu o reino mais sublime
e rico, desceu do trono de suas grandezas para abraçar
por nós a pobreza? O mundo inteiro é dele, e ele nasce
numa gruta abandonada; vive como um pobre exilado: no
Egito falta-lhe o necessário, e em Nazaré ganha o pão
no suor de seu rosto. Qual viajor que passa, percorre a
Judéia, difundindo a sua doutrina, e os seus benefícios,
e não tem nem uma pedra para nela repousar sua sagra­
da fronte.

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Não contente de abraçar todas as fadigas e privações,
renuncia até à sua reputação da qual os homens são tão
ciosos, e morre sobre uma cruz, como o último dos mor­
tais e o mais culpado dos facínoras. O' prodígio sem
igual! Um Deus, a quem tudo pertence, faz-se o mais po­
bre de todos os homens e até dos escravos. Ele, a glória
dos anjos, torna-se a abjeção da mais vil populaça! Ele,
o monarca onipotente e eterno, é reduzido a condição
de verme da terra, e entregue à morte mais ignominiosa!
E depois da sua morte não tem um lençol, um sepulcro,
tanto se d�spojou por nós. O' amor! arrebataste a Jesus
o que ele tinha por direito de criação, e só lhe deixaste
os nossos corações reconquistados pela Redenção! ...
Mas esses corações que deveriam pertencer inteiramen­
te àquele que os resgatou, não lhos roubamos, ao menos
em parte, por nossos apegos à estima, às honras mun­
danas, às· comodidades, às satisfações? O' Coração de
Jesus! apoderai-vos dos meus afetos e da minha von­
tade; sede o único objeto dos meus pensamentos e aspi­
rações; sede o meu único Bem, o meu único amor no
tempo e na eternidade. Deus cordis mei, et pars mea,
Deus, in reternum ( SI 72, 26).

2" Como imitar o desapego de ,Jesus


O autor da Imitação diz: "E' raro encontrar-se um ho­
mem tão avançado na vida espiritual, que esteja des­
apegado de tudo. O ver.dadeiro pobre voluntário, despren­
dido até das menores afeições às coisas da terra, quem
o encontrará?" (L. 2, c. 11). E mesmo quando alguem
não se apega a nada no mundo, estará por isso desven­
cilhado de si próprio e das suas satisfações? Qual é a
alma que fica insensível quando lhe tiram a honra, o
bom renome; quando lh� ferem o amor próprio, contra­
riam os seus gostos, idéias, opiniões e vontades? Se Deus
só lhes bastasse, murmuraria ela nessas ocasiões? não
se ·resignaria, antes, vendo-se despojada de tudo, exceto
do seu amado Senhor?

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O melhor meio de chegar alguem a esse desapego é
amar a Jesus sobre todas as coisas. Como o fogo sagra­
do, que abrasava seu divino Coração, o constrangeu a
tudo imolar por nés, assim a nossa dedicação ao Homem­
Deus nos fará sacrificar tudo que não é ele. Considere­
mo-lo muitas vezes no Calvário, onde ele se acha redu­
zido ao mais completo desnudamento. Suspenso entre o
céu e a terra, que deseja ele senão a glória de Deus e
a salvação das nossas almas? Imolando a sua pessoa,
renuncia a tudo, e se entrega a nós sem reserva. Deixa
que lhe abram depois da mÕrte o Coração para nos dar
o último resto de seu sangue.
Jesus, contempiando-vos sobre a cruz, coberto de cha­
gas, coroado de espinhos, saciado de opróbrios, não pos­
so duvidar do inteiro desapego do vosso Coração e da
pureza do vosso amor. Quem me dera morrer, como vós,
a tudo que é criado! Concedei-me uma fa'isca do braseiro
ardente que vos consome. Então, totalmente separado
das coisas passageiras; exclamarei com o autor da Imi­
tação: "Estar sem Jesus é um cruel inferno; estar com
Jesus é. um paraisa de delícias. Que me pode dar o mun­
do, se eu não tenho Jesus? Insensato e vão é aquele que
deseja outra coisa que não Jesus. Viver sem Jesus é o
cúmulo da indigência, mas possuí-lo é soberana riqueza"
(L. 2, c. 8).
Meu Deus, meu Salvador, meu tesouro e minha. vida!
pela intercessão da Virgem imaculada, dai-me a graça:
1 º de renunciar a tudo que tenho de deixar no momento
da morte; 2º de lembrar-me sempre de vós, que sois o
Bem supremo e eterno. Na minha última hora, quando
todos me abandonarem vós. só ficareis comigo. Sede pois
desde já o Deus do meu coração, o meu único amor e
minha partilha para a eternidade. Deus cordis mei et
pars mea, Deus, in reternum!

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· VIRTUDE ESPECIAL A PRATICAR NO M:8:S.
A POBREZA
PREPARAÇÃO. "Não amontoeis tesouros sobre a ter­
ra, onde a ferrugem e a traça os consomem, mas ente­
sourai para vós tesouros no céu", disse Jesus (Mt 6, 19).
Esse tesouro é a posse de Deus. Consideremos: 1º como
os santos o acharam; 2º a que preço o Salvador nô-lo
proporciona. Diremos muitas vezes amanhã com são
Francisco de Assis : "Meu Deus e meu tudo", isto é, Se­
nhor, vós só me bastais porque em vós ·encontro tudo
quanto é necessário para a minha alma. Deus meus et
omnia.
1 º Os santos praticaram. a pobreza.
"Quem ama os bens passageiros, diz são Felipe Neri,
não se santificará jamais". E realmente, c"omo é possivel
apegar-se à matéria e tomar-se espiritual? ligar o co­
ração ao que é terreno e elevar-se ao céu? amar arden­
temente o que é passageiro e dedicar-se ao Deus eterno?
Como a treva e a luz não podem subsistir unidas, assim
os bens da terra e os do céu não podem harmonizar-se
num coração, nem fazê-lo feliz. "Antes de se encher de
mel um vaso, diz santo Agostinho, é preciso primeiro
esvaziá-lo do vinagre que contém". Assim os santos que
queriam pertencer a Deus sem reserva, despojaram-se
primeiro do apego aos bens do mundo. O abade santo
Antão vende o seu rico patrimônio, distríbue-o aos po­
bres, e retira-se do mundo a um deserto. São Francisco
de Assis restitue a seu pai até a última veste e sujeita-se
a viver_ de esmolas. Todos os santos, mesmo os reis e
imperadores, se não abandonaram as riquezas e domí-.
nios, renunciaram-lhes pelo menos de coração, sabendo
que a santificação duma alma é incompativel com a co­
biça dos bens criados.
Se, pois, não nos quisermos fazer pobres realmente,
devemos sê-lo de espírito e afeição. Pa.uperes splritu,
afim de podermos dizer com o apóstolo: "Considero co­
mo limo todas as vàntagens do mundo em comparação

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às de Jesus Cristo" (Filip 3, 8). Jesus é, com efeito, o
único tesouro verdadeiro da alma fiel; nele possuimos
todos os bens. Ora, segundo a palavra do divi�o Mestre,
devemos ter o nosso coração onde está o nosso tesouro
(Mt 6, 22). Concentremos pois em Jesus todos os nossos
afetos.
De que me servirão, adoravel Salvador, os objetos a
que tanto me apego hoje e talvez sacrifico o meu pro­
gresso na virtude? Que resta ao moribundo das riquezas
e prazeres que gozou na vida?. . . Fazei-me conhecer o
nada dos bens e das vantagens passageiras. Dai-me a
graça de abandonar agora de coração, livremente e com
mérito, o que a morte um dia me tirará necessariamen­
te e sem mérito par::i, mim.

2 º Jesus nos proporciona o tesouro da pobreza


Antes da vinda de Jesus, os homens só sonhavam com
os bens e prazeres terrenos sem se incomodarem com as
riquezas eternas. O Verbo divino, querendo curá-los, trou­
xe-lhes como remédio a virtude da pobreza. Mas esse re­
médio é amargo; como fazê-los aceitá-lo? O Filho de
Deus levou a sua condescendência ao ponto de ser o pri­
meiro a ·tomá-lo. Deixou os esplendores do céu e veio à
terra, não como filho de reis, mas como o mais pobre
dos mortais. Nasceu num gélido estábulo; sofreu no Egi­
to todas as privações do exílio; até à idade dos trinta
anos ganhou o pão no suor do seu rosto.
O' prodígio! Aquele que dá ao universo o superabun­
dante e o supérfluo, reservou-se apenas o necessário;
deu às raposas as suas covas e aos pássaros os seus ni­
nhos, e ele não possuia uma pedra para recostar a sua
fronte. Sem casa, sem propriedade, vivia, durante sua
vida apostólica, da mão para a boca, das esmolas dos
fiéis. Na morte teve de receber de esmola o lugar da se­
pultura e até a mortalha.
Quão caro deve ser ao Senhor o tesouro inefavel da
pobreza! Não a encontrando no céu, diz são Bernardo,
veio procurá-la na terra. Ele nô-la doou ensinando-nos a

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procurar e a achar a Deus por meio dela, bem como a
sua graça, o seu amor, o seu reino em nós. E com efeito,
a pobreza ou o perfeito desapego dispõe maravilhosa­
mente os corações a possuir o Bem supremo, fonte única
das verdadeiras riquezas e dos contentamentos duraveis.
Viveis no mundo? vêde se não sois demasiado ávidos
de dinheiro, demasiado seguros quando se trata de dar.
Sois religiosos? examinai se, não contentes de não in­
fringir o voto de pobreza, sois industriosos em exercer
tudo que podeis fazer sem parejudicar a saude e lesar a
obediência.
Amavel Salvador, até agora tenho procurado a vaida­
de e a mentira; para o futuro quero apegar-íne só a
vós: 1º imitando vossa divina Mãe, que, sobre a terra,
não possuiu outro bem senão vós; 2 º imitando os san­
tos que amaram as privações desta vida passageira afim
de adquirir na vida futura a abundância dos tesouros que
não perecerão- jamais.

1 DE MAIO
SÃO TIAGO E SÃO FELIPE, APôSTOLOS
PREPARAÇÃO. Seguindo a doutrina de Jesus Cristo,
os apóstolos e todos os santos chegaram à perfeição e
à salvação. Temos provas disso: 1º nas virtudes de são
Tiago Menor; 2º na vida e martírio de são Felipe. - Es­
forçando-nos a amar como eles o divino Mestre, pratica­
remos os seus ensinamentos, pois que nisto consistem o
amor e a santidade. Si diligitis me, mandata mea servate
(Jo 14, 15).

1 º Virtudes de são Tiago Menor


São Tiago era parente próximo de Jesus. Bispo de Je­
rusalém desde o início da Igreja, foi alvo da mais pro­
funda veneração em toda a Judéia por causa da sua vir­
tude; chamavam-no comumente o justo. Diziam que
os seus méritos detinham os castigos da cólera divina.
São Paulo dele fala com grande honra em sua epístola

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aos gálatas, une-o a são Pedro e a são João e designa-os
como as colunas da Igreja de Cristo.
São Tiago distinguiu-se por um espfrito de mortifica­
ção e de oraçã.o. Jamais comeu coisa alguma pertencente
a algum ser, antes dotado de vida; e água era sua be­
bida e abstinha-se de tudo que afagava a natureza. A
pele dos seus joelhos tornou-se dura e espessa como a
de um camelo, pela assiduidade em prosternar-se diante
de Deus na oração, da qual hauria as graças santifica­
doras.
Por esse mesmo espírito de mortificação e oração ad­
quiriu tambem todas as virtudP-s, Segundo santo Epifâ­
nio, ele perm_aneceu virgem a vida inteira, e são Jerôni­
mo o propõe como modelo de inocência, santidade e pe­
nitência, digna da admiração dos anjos e dos homens.
O seu zelo não foi menos notavel; e as conversões ope­
radas por ele entre os judeus foi a causa do seu martí­
rio. Precipitado do alto do templo, lapidado e espanca­
do, não só não amaldiçoou mas até orou por eles como
o divino Mestre. Ensinou-nos assim a perdoar as injúrias
e os -maus tratos, a recomendar a Deus os que nos per­
seguem e caluniam.
Em sua epístola canônica exorta-nos a exercer o que
ele praticava: o amor da mortificação e da oração. l°
Mostra-nos quão necessário nos é mortificar a língua,
fonte de tantos pecados; evitar toda licença de lingua­
gem e a inutilidade dos entretenimentos. 2º Convidá-nos
a unir as ações à fé, e a orar sempre com as condições
requeridas para obtermos as graças da salva�ão. Seguís
com fidelidade estes preciosos conselhos? Orais com hu­
mildade, confiança e P'erseverança? Sois prudentes e
moderados em vossas conversas? é dificil falar muito
sem cometer qualquer falta.
Adoravel Jesus, os meus frequentes entretenimentos
com as criaturas diminuem em mim o fervor e me ex­
põem a ofender-vos. Dai-me o amor da solidão, do silên­
cio e da oração, afim de que me ocupe sempre dos in­
teresses de vossa glória e da minha santificação.

Bronchain II - 26 401
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2º Vida e martírio de são Feítpe
O apóstolo são Felipe aplicou-se desde a mocidade ao
estudo da Escritura onde viu, simbolizadas, as belas ver­
dades ensinadas por Jesus. Como o seu coração era reto,
creu facilmente no Salvador e seguiu sem dificuldade o
seu chamamento. A sua fé foi tão ardente que logo an­
gariou para discípulo Natanael, que Jesus denominou
um verdadeiro israelita sem dolo nem astúcia. Essa fé
viva de são Felipe teve de ser fortalecida. Jesus pô-lo
a prova na multiplicação dos pães, quando perguntou
ao nosso santo donde se poderiam obter víveres para a
multidão.
Esse fervoroso discípulo levou a luz do Evangelho aos
gentios, dos quais alguns já se haviam dirigido a ele,
em vida do Salvador, pedindo lhes 11).ostrasse o divino
Mestre. Enorme zelo desenvolveu na Ásia, na Cítia e na
Frígia. Neste último país recebeu a coroa do martírio
com coragem inaudita. Enquanto o açoitavam, crucifica­
vam e o apedrejavam, ele bendizia e agradecia ao Re­
dentor. Dissera a Jesus: "Senhor, mostrai-nos o Pai e
isso nos basta". "Felipe, respondeu-lhe o Mestre, quem
me vê, vê tambem o Pai" (Jo 14, 8-9). O martírio pro­
porcionou-lhe o privilégio inefavel de contemplar na
eterna beatitude o Pai, o Filho e o Espirito Santo, um
só e o mesmo Deus.
Tendes, como esse glorioso apóstolo, o desejo de co­
nhecer e amar o soberano Bem? Podeis dizer com ele:
Só Deus me basta? Ostende nobis Patrem et suficit no­
bis. Ah! o vosso espírito, o vosso coração e a, vossa ima­
ginação nutrem-se muitas vezes de curiosidades, novida­
des e vãs satisfações. Quereis ver tudo, saber tudo, imis­
cuir-vos em tudo .e tendes ainda pretensões às vivas lu­
zes, às doces consolações do Senhor?
Jesus, quantas vezes a multiplicidade dos meus dese­
jos e apreensões pouco razoaveis, me tiram a tranquili­
dade e me impedem de viver recolhido! Dai que eu com­
preenda o nada de tudo que passa. Pela intercessão da

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Rainha dos apóstolos, fazei que eu vos repita a miude a.
palavra de são Felipe: "Senhor, mostrai-me o Pai e isto
me basta" ; mostrai-me suas perfeições, suas grandezas
e amabilidade infinita, e meu coração nada mais desejará
n:este mundo passageiro. Ostende nobis Patrem et sufi­
clt nobis.

3 DE MAIO - INVENÇÃO DA SANTA CRUZ


PREPARAÇÃO. Que alegria para a Igreja, quando
santa Helena, mãe do imperador Constantino, achou a
verdadeira cruz! Meditaremos amanhã: 1º a excelência
desse tesouro; 2º o valor que ela dá às provações da vi­
da. Fortalecer-se-á assim a vontade de aceitarmos sem
queixa as contrariedades do dia, afim de subtrair-nos à
sentença do Salvador:_ "Quem não aceitar a sua cruz
não é digno de mim". Quis non accipit crucem suam,
non est me dignos (Mt 10, 38).

1º Excelência do tesouro de. cruz


Quando se achou no Calvário o madeiro sagrado em
que Jesus morreu, um grito imenso de alegria elevou-se
dos corações de todos os fiéis, e não sem razão, porque
a cruz é o instrumento de nossa Redenção. Jesus a amou
e aceitou de antemão desde a sua incarnação, quando o
Pai celeste lhe mostrou os tormentos da sua paixão. Já
Isaías nô-lo representa a carregar a cruz desde o ber­
ço como sinal da sua realeza (Is 9, 6).
Chegado o tempo de pô-la sobre os ombros, abraçou-a
generosamente e, embora caisse sob o seu peso, atingiu
o cume do Calvário, onde se deixou pregar, ·exalando
nela o derradeiro suspiro. Mostrou-nos dessa forma a sua
estima do tesouro da cruz. Ele mesmo a denomina o si­
nal distintivo do Filho do homem; e um dia, sobre as
nuvens do céu, a fará aparecer diante dele à vista do
universo reunido. Que glória então para esse instrumen­
to de ignomínia, que se tornará o cetro da grandeza e
do poder do soberano juiz.

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Hoje essa cruz sagrada está em poder da lgr.e,ia, co­
_mo recordação da pessoa do Salvador, prova da sua ter­
nura, monumento da sua vitória sobre o pecado, sinal
de esperança, de p3rdão e de salvação. Distribuida em
parcelas pelo universo católico, nada perde do seu volu­
me na Basílica de Roma, onde é venerada. Não quer as­
sim o Salvador mostrar-nos que os bens t�_ue dele ema­
nam, não se esgotarão jamais? A Igreja está provida
deles de m"odo superabundante no sacramento; a Igreja
padecente sente-lhes todos os dias o efeito pelo sacrifício
do altar; a própria Igreja triunfante deve as suas ale0
grias, riquezas e glórias aos sofrimentos daquele que
restaurou todas as coisas na terra e no céu (Col 1, 20).
O inferno é vergonha, suplício e desespero justamente
porque a cruz não exerce influência sobre os infelizes
co!ldenados.
Jesus, fazei-me participar das graças abundantes que
dimanam da vossa cruz. E a lembrança das vossas dores
e opróbrios me inspirem a coragem de servir-vos com
ardor, de sofrer com paciência. E se ainda não posso
amar a cruz como os santos a amaram,- dai-me ao me­
nos a força de não recusar as privações, as contrarie­
dades, os sofrimentos; de ser menos ávido de satisfa­
c;ões e gozos terrestres, menos empenhado cm procurar
as comodidades e o que afaga as minhas inclinações em
detrimento da vossa glória e do meu progresso na vir­
tude.

2" A cruz do 'Salvador santifica as provações


Desde a paixão de Jesus, a cruz confere valor às nos­
sas afliçães, e, unidas às suas dores, ficam como que di­
vinizadas. Tendo passado por seu Coração compassivo,
as nossas penas tornaram-se como relíquias que merecem
a nossa veneração e amor. Daí as palavras incisivas do
çiivino Mestre ao bem-aventurado Henrique Suso: "A
aflição é um tesouro para os pecadores, para os peni•
tC;ntes, par_a os principiantes, para os perfeitos, E' mais
maravil'.10so conservar paciência nas contrariedades_ do

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que ressuscitar mortos. A cruz é um dom tão precioso
que, se ficasses prostrado por terra durante anos pe­
dindo-me a graça de sofrer, não serias ainda digno de
obtê-la. E' melhor arder cem anos numa fornalha do que
ficar livre da menor cruz que eu possa e queira dar-te".
Assim falou Jesus sobre o valor dos sofrimentos.
Mas ouçamos o ci_ue ele diz da sua eficácia, Dez almas,
no gozo das delícias da graça, cairão mais facilmente no
pecado, do que uma só que geme na aflição. O inferno
não tem força sobre os que se cur,,am. amorosamente
sob a cruz. Mesmo que falasse de De1!s com a língua dos
anjos, serias aos meus olhos menos santo e amavel do
que uma alma que vive submissa à r;ruz. Quantos não
estariam hoje condenados se eu não os tivesse crucifi­
cado! A adversidacle afasta-os do mundo e aproxima-os
do céu, condú-los à glória dos santos e ao triunfo dos
mártires, e os aflitos, na alegria da vitória, cantam a
Deus um cântico novo, que os anjos não podem entoar,
-porque não carregaram a cruz. "Depois como motivo e
meio de resignação, o Senhor acrescentou: "Vê-me cru­
cificado, pensa em tudo quanto por ti sofrí e esquecerás
as tuas aflições".
Jesus, tomo este último conselho: Quando eu sofrei:
alguma dor, lembrar-me-ei de vós, do vosso amor e da
vossa cruz. Obtende-me essa graça, Virgem santíssíma,
Mãe das Dores. Fazei que eu medite sempre Jesus cruci­
ficado e tire das suas chagas o bálsamo dos santos pen­
samentos e piedosos afetos que me transforme as amar�
guras em doçura celeste. Estou resolvido: 1 ° a suportar
com resignação todas as contrariedades que hoje me so­
brevierem; 2º a uní-las aos sofrimentos do _meu Salvador
e ·às vossas inefaveis angústias, ó Virgem inocente, que
sois ao mesmo tempo a Mãe dos pécadores arrependidos.

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6 DE MAIO - SÃO JOÃO ANTE PORTAM LATINAM
PREPARAÇÃO. "O que faz o mártir, diz santo Agos­
tinho, não é tanto a pena como o motivo". São João foi
duplamente mártir: 1 º por sua caridade para com as
almas; 2º por sua fidelidade a Jesus Cristo. - Se de­
sejais o mérito do martírio, tomai a resolução de vos de­
votar e sacrificar- ao serviço de Deus e do próximo. As­
sim tereis parte um dia na glória dos que derramaram
o sangue por Jesus. Martlrem non faclt pmna sed causa.

1 º São João mártir por sua caridade


Desde que o discípulo amado repousou sua fronte so­
bre o Coração de Jesus, haurindo-lhe o terno amor, so­
bretudo desde que o viu morrer por todos os homens e
dar-nos sua própria Mãe depois de nos entregar o seu
sangue, desde então não teve limites a sua caridade para
com as almas. Não só foi pregar na Asia aos frigios e
partas, mas chegou até às Indias como se crê. Além das
sete célebres Igrejas por ele fundadas e das quais fala
em seu Apocalipse, muitas outras províncias idólatras
transformou ele em cristandades florescentes. A sua es­
tada em Patmos foi uma benção para essa cidade : de
terra inculta, fê-la por sua pregação, preces e exemplos,
um verdadeiro · jardim de delícias orvalhado pelas chu­
vas da graça.
Quem nos dirá o seu zelo em procurar a ovelha des­
garrada? Correndo atrás, em sua velhice, de um jovem
cristão que se fizera chefe de saltea.dores e que dele fu­
gia, disse-lhe com ternura: "Meu filho, por que foges de
teu pai? Tenho de prestar contas de ti a Jesus Cristo;
morrerei de bom grado por ti, darei minha alma pela tua
como nosso Senhor sacrificou por nós a sua vida". O
novo filho pródigo parou: estava convertido. João rezou
e jejuou por ele e colocou-o no caminho da salvação.
Este traço mostra-nos o apóstolo da caridade, qual viti­
ma sempre imolada para o bem dos seus irmãos. Pelo
fim da vida, não podendo já fazer-lhes longos discursos,

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não cessava de repetir: "Filhinhos, amai-vos uns aos em­
tros", assegurando que a fidelidade a este preceito bas-
ta para a mais sublime perfeição.
Tendes tido até hoje alta estima da caridade? Não a
tendes por virtude secundária, que mal merece a vossa
solicitude? Daí, sem dúvida, a vossa facilidade em lesá­
la por pensamentos, palavras, sentimentos e ações. E
que desculpa poderieis alegar? Se são João repousou
sua fronte sobre o peito do divino Mestre, não tendes
vós na santa comunhão o_ Coração do Homem-Deus, que
é a fornalha da divina caridade?
Jesus, despertai a minha fé na excelência desta virtude
divina, distintivo de vossos verdadeiros discípulos, que
deve destruir em mim o egoísmo para inspirar-me devo­
·tamento sem reserva às almas criadas à vossa imagem
e resgatadas por vosso precioso sangue. Fazei o meu
coração como o vosso, a exemplo do que fizestes a são
João, vosso discípulo amado.

2º S. João mártir pela sua fidelidade


Desde o momento em que abandonou seus pais, sua
casa, sua barca e suas redes para seguir Jesus, são João
lhe foi constantemente devotado. Com que indignação
viu o ultraje dos samaritanos para com seu bom Mes­
tre, quando lhe recusaram a entrada na cidade! Manifes­
tou sobretudo a sua fidelidade quando acompanhou o
Redentor ao Calvário, enfrentando as ameaças e os inaus
tratos, e quando se conservou em pé junto à cruz com
a divina Mãe. Mais tarde bastava a presença dos here­
ges, inimigos de Jesus, para lhe fazer perder a calma or­
dinária, tão grande era o interesse que tomava pela hon­
ra do seu Mestre.
O Salvador predissera-lhe e prometera-lhe uma parte
· do seu cálice de amargura. E, de fato, o discípulo foi
açoitado, preso, saturado de ignominias por amor ao di­
vino Mestre. Acusado, a seguir, por maldosos filósofos
foi, manietado, enviado a Domiciano em Roma. Confessou
Jesus com coragem e constância admiraveis, padeceu por

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seu amor o suplício da flagelação e foi depois lançado
numa caldeira de óleo fervendo. :M:as, ó prorlígio ! o Sal­
vador, contentando-se com sua dedicação inviolavel, fê-lo
sair do suplício mais vigoroso que antes; e o imperador,
assombrado com o milagre, não _s0 atreveu a dar-lhe a
morte; exilou-o para a ilha de Pàtmos, onde são João
escreveu o Apdcalipse. Admiremos aquí as vias da Pro­
vidência. O Senhor concedeu a seu servo o mérito do
martírio e, ao mesmo tempo, reservou-o para a nobre
missão de predizer ,o futuro da Igreja e de escrever o
sublime Evangelho que encheu· de pasmo os mais ilus­
tres doutores.
Este fiel discípulo recomenda-nos em suas epístolas
especialmente a fidelidade aos preceitos do Senhor so­
bretudo no que se refere à verdadeira caridade. "Quem
ama, diz ele, permanece em Deus e Deus nele. Mas não
amemos só de palavra e de língua; amemos tambem por
a:ções em to.da a sinceridade". Opere et verita.te. E' as­
sim a vossa. caridade? Onde estij.o os vossos trabalhos, os
vossos atos de devotamento'?
Meu· Deus, tantas vezes protesto amar-vos, mas, à
menor contrariedade, ao mais leve sacrifício torno-me in­
fiel. Dai-me: 1 º uma centelha da caridade sincera e cons­
tante que animava são João, vosso discípulo amado; 2"
uma atenção contínua em procurar unicamente a vós, a
despeito das dores e das dificuldades.

8 DE M.A__!:O - APARIÇÃO DO ARCANJO SÃO MIGUEL


PREPARAÇÃO. "Quem como Deus? foi o grito vito­
rioso do chefe da milícia angélica contra Lúcifer, quan­
do o expulsou do céu. Meditaremos: l" o que significa
esse grito na boca do santo arcanjo; 2º o que pode sig­
nificar na nossa. - Tomaremos a resolução de servir­
nos dele contra o demônio, o mundo e as más inclinações
quando nos induzirem a ofender a Deus ou a nos revol­
tar contra ele. Quis ut' Deus? Domine quis similis tibi?
(SI 34, 10).

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1" O q�e significa o nome Miguel para o santo arcanjo
Os anjos, primícias e obras-primas __ da criação, são
puros espíritos, imagem viva das perfeições divinas. Deus
criou-os na inocência, santids.de e perfeição. Lúcifer era
o seu chefe. A princípio cheio de sabedoria e perfeito em
beleza, diz a Escritura, teve depois a in_felicidade de pre�
varicar (Ez 28, 12-15). Cheio de si dizia em seu coração:
''Subirei ao céu, porei o meu trono acima dos outros e
sentar-me-ei sobre a montanha da aliança. Colocar-me-ei
acima das mais elevadas nuvens e serei semelhante ao
Altíssimo (Is 14, 13-14). Mal concebera seu orgulhoso
projeto, qrnmdo Miguel, infü).mado de zelo pela glória
divina clamou: "Quem como Deus?" Quis nt Deus? Este
grito ver..cedor, traduzido pela pal�vra Miguel, foi como
um raio que precipitou··Lúcifer e seus anjos nas profun­
dezas do abismo.
O' palavra prodigiosamente eficaz! palavra que separou
_ os anjos fiéis dos espíritos prevaricadores! que baniu· do
céu -0s soberbos e lá conservou os humildes! que fez cair­
as poderosos' dos- seus tronos, e elevou os ·pequenos!
Deposuit potentes de sede et exaltavit humiles. Um ter­
ço da milícia angélica foi arrastada na revolta e na ruí­
na do seu chefe. Os outros anjos, chefiados por são Mi­
guel, perseveraram submissos a, Deus e partilharam a
sua glória, porque, aos ólhos do Altíssimo, a humildade
nos eleva e o orgulho nos rebaixa e avilta.
Quereis ser grandes não na aparência mas na reali­
dl:!,de? dizei praticamente com são Miguel: "Quis ut
Deus?" Quem é poderoso, sábio, justo como ele? A obra
pertence ao artífice, o escravo a seu Senhor, a árvore a
quem a plantou. Com que direito vos atreveis a atribuir­
vos o que é de Deus, isto é, a honra do bem que fazeis
e· do qual serieis incapazes sem a graça? · "Que tendes,
diz o apóstolo, que não tenhais recebido? e se o recebes­
tes, porque vos gloriais como se fosseis o seu autor?"
{1 Cor 4., 7). Só Deus é o princípio e fim de todas ·as ccii-

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sas; a ele só, pois, a glória de todo bom pensamento, san­
to desejo e ação caridosa ou louvavel.
Meu Deus, fazei que eu conheça o meu nada, a minha
ignorância, a minha indigência, a minha corrução e os
castigos merecidos por meus pecados. Fazei-me: 1º re­
conhecido para convosco.; 2º sempre pronto a obedecer­
vos e a executar a vossa vontade.

2º O que pode significar.para nós o nome de Miguel


Senhor, meu Deus, serei tão soberbo para me querer
comparar convosco? Domine quis similis tibi? Remontan­
do ao passado, encontro o mundo com seus reinos, o
sol que me aclara, o ar que aspiro, mas eu, Senhor, onde
estava há cem anos? Estava no nada. Um átomo era
mais do que eu. E vós, meu Deus e meu Criador, me ti­
rastes desse nada, sem nenhum mérito da minha parte.
E eu depois disso me poderia levantar e revoltar contra
vós?
Não satisfeito apenas de me haverdes criado, conser­
vais-me por uma criação contínua. Vivo em vós, habito
em vós, recebo de vós todos os bens. Ã minha vida na­
tural ajuntais uma vida sobrenatural, vida sublime que
me enobrece a inteligência pela fé, e a vontade pela es­
perança, pela graça e pela caridade. Grande Deus, quem
jamais vos pôde igualar em poder e generosidade? Devo,
pois, em toda a justiça, ser-vos submisso, devo reconhe­
cer os vossos benefícios e a vossa grandeza, a vossa so­
berana autoridade e passar os meus dias obedecendo-vos,
glorificando-vos e agradecendo-vos.
E' isso, Senhor, que com razão exigis de mim. Tendes
sobre o meu ser e sobre tudo o que me pertence um po­
der essencial, absoluto, universal e interminavel. O di­
reito que tendes de dispor das criaturas é ilimitado e
nenhuma delas poderia jamais encontrar motivo justo
de vos resistir. E, não obstante, quantas vezes o tenho
feito! Sabia que fora de vós não há glória, nem paz, nem
descanso; e apesar disso, imitando Lúcifer, tenho ousa­
do segui-lo na sua revolta em vez de marchar sob os ves-

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tígios de eão Miguel que por sua humildade, obediência
e fidelidade, salvou-se e a uma multidão de anjos. Oh!
como é abominavel o orgulho! "E' o distintivo dos ré­
probos, exclama são Gregório, ao passo que a virtude
contrária é a dos eleitos".
Senhor, concedei-nos a graça: 1º· de lembrar-nos sem­
pre do nosso nada; 2º de conservar-nos em vossa pre­
sença corno um abismo de indigência que implora a ple­
nitude de vossas misericórdias; 3º de pedir-vos- sempre e
com profunda humildade um ardente desejo dos bens ce­
lestes, uma confiança firme de obtê-los e um sincero re­
conhecimento dos vossos contínuos benefícios.
Meu Deus, pelos méritos de Jesus e de Maria, de são
Miguel e dos bons anjos, dai-me a fidelidade a essa prá­
tica até ao meu derradeiro suspiro.

24 DE MAIO - MARIA, NOSSO PERP:mTUO SOCORRO


PREPARAÇÃO. Diz a Igreja: "Deus colocou em Maria
um perpétuo socorro para a defesa do povo cristão". E
com efeito: lº Maria, como nossa Mãe, segundo o espí­
rito, deve conservar-nos a vida da graça todos os instan­
tes; 2º sendo perpétua nossa indigência, devemos depen­
der constantemente da sua intercessão. - Examinemos,
pois, se, para merecermos o seu favor, a suplicamos sem
interrupção, segundo o pensamento do Espírito Santo:
Non impedlarls orare semper (Ecli 18, 22).

lº Maria conserva-nos, a todo instante, a vida da graça


Incarnando-se e morrendo por nós,· o Verbo divino fez­
nos passar da morte do pecado para a vida sobrenatu­
ral. Ora, ele associou a santíssima Virgem a essa mara­
vilhosa regeneração. Como Mãe de Jesus, ela tornou-se,
segundo santo Agostinho, a Mãe de todos os seus mem­
bros, isto é, das almas que formam o seu corpo místico.
Ela nos deu à luz espiritualmente no Calvário, onde Je­
sus nos deu a vida da graça e proclamou sua Mãe a nos­
sa Mãe ; e ela o foi por seus dons e por sua caridade.

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Desde então e'sta Mãe incomparavel está cheia de
solicitude in�essante por nossa salvaçã,o; vê em nós o
sangue de seu F.i.lho que nos regenerou e que nos dá uma
vida mais preciosa que todas as vidas corporais dos ho­
mens. Esta vida, que é a de Deus nos corações, Maria
trabalha para no-la conservar e aperfeiçoar e não se dá
descanso enquanto não a recuperarmos depois de per­
dida. Para este fim ela recebeu do Pai celeste, em nosso
favor, todo o depósito das graças da Redenção; por isso
vem em nosso auxílio e enriquece-nos de bens a todos
os instantes da nossa peregrinação terrestre. Daí o seu.
belo título de Mãe do Perpétuo Socorro, título inseparavel
do de Mãe das nossas almas, pois que a nossa vida so­
brenatural se alimenta das fontes que a produziram, isto
é, em Jesus, plenitude dcs bens celestes e em · Ma,ria,
canal constante que no-los transmite. Como o riacho for­
nece às plantas as águas necessárias à sua subsistência,
assim a divina Mãe nos comunica os socorros indispensa­
veis à nossa vida espiritual; é como essa vida necessita
duma assistência contínua, o socorro de Maria é · para
nós sem interrupção, quando lhe suplicamos• sem cessar.
Non Ímpediaris orare semper.
'Ésta. doutrina é de molde a inspirar-nos confi�nça nes­
ta terna M�e. Jamais ela esquecerá as angústias do seu
coração materno, as que nos proporcionaro.m a vida di­
vi�a: �amais deixará perecer os que a imploram e que
lhe custaram o s�ngue de seu Filho. Guardemo-nos, pois,
de toda pusilanimidade, pensando nela; de toda hesita­
ç·ão, orando; de - toda desconfiança na sua mediação, pro­
teção é assistência cóntra ·os inimigos.
Mãe · querida, como poderíeis deixar-nos cair no pe­
cado ·que é a morte da alma; após terdes visto o vosso
divino Filho expirar sobre · a cruz para dele nos pre­
servar?
. Ah! perdí no passado a vida dà graça porque deixei
de invocar-vós. Proponho-me suplicar-vos de hoje em
diante afim de viver sempre sob a vossa direção. Fazei
que' e'u compreenda bem: 1º a felicidade de perseverar

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em vossa santa amizade e de assim ser o filho adotivo
do Pai celeste e o herdeiro do seu reino; 2 º a desgraça
dos que vivem é morrem no pecado mortal e são exclui­
dos para sempre da filiação divina e da assembléia dos
eleitos. Recordai-me sempre estas duas verdades para
que sempre vos invoque e confie em vós.

2º A nossa perpétua indigência


faz-nos depender sempre de Maria
A alma necessita de alimento como o corpo; esse ali,
mento da alma é a graça. Ora, Maria é a sua dispenseira.
Segundo são Germano, é por ela que recebemos a fé ver­
dadeira e a conservamos. Segundo 3ão João Crisóstomo
é por ela. que obtemos a remissão dos pecados. E a Igre­
ja coloca em seus ·lábios a palavra: "em mim há toda
a esperança de vida e de virtude". Por Maria, pois, é
que começamos a viver espiritualmente. Mas essa vida
não pode ser contínua em nós, senão por um socorro in.:­
cessante da graça. Ora, a graça obtem-se pela prece; dai
n palav!'a -çle Jesus: "E' preciso orar sempre e não dei­
xar de o fazer". Como é impossivel viver corporalmente
sobre a terra sem a respiração constante, assim sem a
graGa atual e a prece que nela obtern, não podemos per�
scverar na vida divina. A graça é como o ar vital das
nossas almas; nós a respiramos em virtµde dos méritos
do Salvador e da intercessão de sua Mãe, que· é tambem
a nossa. Sem a intervenção perpétua de Jesus e Maria,
não podemos, pois, .viver a vida dos santos, vida de fé,
abnegação, nnião com Deus, cujo império deve ser con­
tínuo em nós.
Para lá chegarmos, temos neces�ariamente de comba­
tu. Ora, Maria, diz são Germano, não deixa de defen­
der-nos, quando a invocamos. Façamo-lo, sobretudo, para
termos a força de reprimir os nossos defeitos: 1º a pre­
tensão orgulhosa qiie nos leva a preferir-nos aos outros,
a censurá-los e contradizê-los; 2º a insubordinação _que
nos dificulta todo mandamento-e nos torna tristes à me.
nor. contradição qu contrariedade; 3º a tendência .habi�

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tual à preguiça, a vida mole e sensual, que nos impedem
o cumprimento exato dos nossos deveres e nos tiram 11.
coragem nas provações e afliçõe!.
Maria, minha terna Mãe, fazei-me experimentar O! pre­
ciosos efeitos do vosso perpétuo socorro, desse socorro
que me afiança a amizade divina, consolida o meu fer­
vor e me dá a vitória sobre o inferno, o mundo e minhas
paixões, até ao meu derradeiro suspiro. Obtende-me a
graça de invocar-vos sempre, de confiar,-vos minhas pe­
nas e de entreter-me convosco em minhas preocupações,
afim de ser dirigido por vós como um filho por sua Mãe.

25 DE MAIO.
O VERBO ETERNO DE RICO SE FEZ POBRE
PELA INCARNAÇÃO
PREPARAÇÃO. Os ricos manifestam a caridade por
suas esmolas. O Verbo divino mostrou-nos a sua: 1" fa­
zendo-se pobre por nosso amor; 2º ensinando-nos o des­
a.pego de tudo. - A seu exemplo desprezemos de coração
as riquezas temporais; usemos delas em espírito de hu­
mildade, de mortificação e desapego, dizendo com Davi:
"O meu único bem é aderir a Deus, o Bem supremo e
infinito". Mihi adhrerere Deo bonum est (SI 72, 28).

r O Verbo divino de rico se fez pobre por nós


Quem é poderoso e rico como Deus? A terra pertence­
lhe com tudo o que encerra, e não há nada no céu que
não seja dele; porque foi ele que tudo criou e nada existe
sem ele. Omnia in ipso constant ( Col 1, 17). Ademais to­
das as riquezas do Onipotente poderiam multiplicar-se ao
infinito por um ato da sua vontade, e mesmo assim na­
da seriam em comparação com ele, que é o Bem supremo,
sem limites, Bem substancial e eterno. Ora, esse Bem
por excelência abandona todos os seus tesouros e despo­
ja-se de certo modo, de si mesmo, para se fazer pobre
no meio de nós; renuncia aos esplendores do céu; deixa
aquela cidade magnífica de que fala são João, aquela ci-

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d.ade ci.e doze portas de diamantes, cujas ruas são de
ouro, e as muralhas, adornadas de pedrarias; abandona
aquele majestoso reino, cujos habitantes são reis mais
ricos do que os mais celebrados monarcas da terra. Esse
grande Rei, que reina sobre as regiões angélicas, desce
de seu sublime trono até ao nosso limo; e, segundo a
sua própria expressão, torna-se o verme da terra assu­
mindo a nossa miseravel natureza e ocultando a sua di­
vindade sob a veste de lama aviltada pelo pecado. ln
sirnilitudinem camis peccati (Rom 8, 3).
Nestas condições escolherá ele por Mãe uma Virgem
rica e distinta segundo o mundo? Não, mas uma Virgem
pouco conhecida e pouco favorecida dos bens da fortu­
na. Outrossim incarnar-se-á em Nazaré, cidade despre­
zível na opinião dos judeus, e em uma casa de humilde
aparência, como a vemos hoje em Loreto! O' prodígio
inaudito de desapego! ó desprezo do luxo e das vaidades
do século! . . . O seu nascimento é mais pobre ainda: um
estábulo abandonado, eis o seu palácio! uma mangedou­
ra de animais com um resto de palha eis o seu berço, o
seu leito de honra e de repouso! assim nasce por nós o
Rei da glória e a que hora? em pleno dia, quando os
raios solares viriam alegrar-lhe a vista e acalentar-lhe
os membros delicados? Não, na escuridão da noite e no
coração do inverno, afim de mais sentir os inconvenien­
tes da pobreza. Eis como o Verbo divino nos amou! Os
ricos mostram a sua caridade por esmolas, ele nos teste­
munhou a sua, abandonando tudo e dando-se a nós. Ele
quis partilhar a nossa indigência, adoçá-la por seu exem­
plo e livrar-nos do eterno desnudamento no inferno.
Jesus, como agradecer-vos os sacrifícios que fizestes
por mim, senão reprimindo todo apego aos bens efême­
ros? Renuncio, pois, totalmente, a esses bens, e compro­
meto-me: 1 º a suportar por vosso amor todas as prova­
ções; 2º a impor-me até leves mortificações, no alimento,
na mobília, nas vestes com a intenção de vos imitar.

415
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2º O Verbo ·divino, por sua pobreza, ensina-nos
o_desapego
Nada nos dispõe a procurar os bens do céu, como o
desápego das riquezas da terra. Ora, esse desapego, Je­
sus nos ensina pelo exemplo da sua pobreza. Não pode­
mos amar ao mesmo tempo a Deus e o século; o amor
que damos a um tiramos ao outro. Por isso, para amar
perfeitamente o Bem supremo, devemos romper, segundo
o de!>ejo do Salvador, todos os laços que nos prendem
às coisas criadas.
Conseguí-lo-emos operando a educação de nosso cora­
ção, como se faz a respeito de uma criarn�a. O professor
dá aulas de leitura a uma criança; vendo-a desviar os
0P1os, voltar a cabeça para outro lido,· brincar com os
objetos que a rodeiam, obriga-a a concentrar a sua aten­
ção sobre o livro. Assim, quando ·o nosso coração, agi­
tado por vãos desejos, se ocupa das criaturas e dos obje­
'tos, que o atraem e apaixonam, devemos endireitá-lo, re­
conduzi-lo a Deus, seu último fim, fazer-lhe compreen­
der que, fora do soberano Bem, não achará jamais sério
repouso nem duradoura felicidade. Para tornar agrada�
ve1 a vida ao peixe, ninguem o lança em água de rosa ou
cm licores finos e aromatizados; a água pu�a é o seu ele­
mento, e só nela ele viverá feliz. O mesmo se dá com o
nosso coração; fora de Deus, seu centro e elemento, nun­
ca terá paz, nem mesmo na opulência. Este é o ensina­
·mento encerrado na pobreza de Jesus.
Ensina-nos ainda a perseverar nessas idéias e disposi­
GÕes, pois que o Salvador jamais se afastou deles. Qpan­
do a criança não retem a lição, o mestre a faz repetí-la
até sabê-la. Assim devemos agir a respeito de nos�o co­
ração; é imprescindivel recordar-lhe frequentemente os
exemplos do Verbo incarnado, fazê-lo repetir atos de des­
prezo dos bens passageiros e atos de amor ao soberano
·Bem. Desta forma Yiveremos na terra como estranhos
que têm alguma missão a cumprir, e que esperam cada
dia o sinal do Mestre para a prestação de contas. O Uni­
gênito de Deus passou sobre ·a terra, deixando-nos gran-

4:16
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des lições de desapego que deve aclarar o nosso espírito,
penetrar o nosso coração e regularizar a nossa vida.
Jesus, nada é mais razoavel do que preferir o espiritual
ao material, o infinito ao limitado. E, entretanto, sem
a vossa graça e vossos ensinamentos, ligo-me de prefe­
rência ao que é passageiro, em vez de procurar com ardor
os tesouros eternos. Curai a minha cegueira e, pela in­
tercessão de vossa divina Mãe, concedei-me a força de
mortificar-me no uso das coisas criadas, que corrompem
os meus afetos; 2º de amar acima de tudo a vossa graça,
a vossa glória e o vosso beneplácito: a vossa graça que
santifica as almas; a vossa glória que enobrece a nossa
inteligência e o vosso beneplácito que eleva à mais alta
perfeição os nossos corações e as nossas vontades.

25 DE MAIO (bis)
POBREZA DO MENINO JESUS
PREPARAÇÃO. "Maria enfaixou o seu divino Filho e
o reclinou numa mangedoura", diz o Evangelho (Lc 2, 7).
Meditaremos amanhã: 1 ° A pobreza do Menino Jesus e m
seu nascimento; 2º os tesouros que essa pobreza nos pro­
porciona. - Examinaremos, depois, se praticamos a má­
xima do Salvador: "Procurai primeiro o reino de Deus
e a sua justiça", isto é, procurai de C':)ração a vossa san­
tificação e salvação, sem vos apegardes a coisa alguma.
Qurerite primum regnum Dei et justitiam ejos (Mt 6, 33).

l° Pobreza do divino infante em seu nascimento


Quando um rei faz sua primeira entrada numa cidade
de seu reino, grandes honras lhe são prestadàs. "Prepara

os teus muros, Belém, exclama santo Afonso, adorna de
flores as tuas casas! Eis o· Senhor do universo, que faz
em ti a sua entrada no mundo". Mas, ah! Belém ignora
o nascimento do Rei do céu em seu território!
Mas como reconhecê-lo sob as aparências da pobreza?
Os filhos dos reis nascem em palácios, são reclinados em
berços de prata, adornados de pedrarias; o Rei da glória

Brnnchain II - 27
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nasce numa gruta úmida aberta às intemperies das esta­
ções, refúgio de animais. Lá tudo lhe falta. Mal o co­
brem pobres paninhos; o seu berço é uma mangedoura;
repousa sobre um punhado de palhas. O' mistério, ó des­
nudamento prodigioso dum Deus, a ensinar-nos o nada
das riquezas perecedoras.
"Não coloqueis a vossa felicidade nos bens criados, cla­
ma-nos por seu exemplo o Rei dos povos, mas, despre­
zando o que passa, procurai antes de tudo a pureza de
coração e à paz da conciência, e achareis a beatitude que
não vos poderiam dar todos os bens da terra". Assim
nos fala o Deus Menino recem-nascido.
Jesus, divina sabedoria, a guem seguiremos? ao mundo
ávido de ouro e prata, ou a vós enamorado da pobreza?
dignai-vos abrir-me os olhos e fazer-me praticar convos-·
co e com vossos verdadeiros discípulos o verdadeiro des­
apego. Estou resolvido a suportar sem queixa a fome,
a sede, o calor, o frio, as fadigas, as humilhações, a ab­
jeção e todos os inconvenintes duma vida pobre, laborio­
sa e mortificada. Preservai-me da desgraça de tornar-me·
escravo do bem-estar e das satisfações dos sentidos.
Examinemos quais são as nossas inquietudes, a respei­
to das coisas passageiras, e descobriremos facilmente
quais são os nossos apegos. 1" Não estamos demasiado
aferrados à nossa reputação, ao descanso, à saude? 2º
Não somos demasiado exigentes quanto às ve�tes, à mo­
bília, aó alimento? Separemo-nos de hoje em diante, e
de coração, de tudo que não é Deus; rompamos de ante­
mão, pela virtude e com mérito, os laços que a µiorte
destruirá mais tarde necessariamente e sem mérito al­
gum.

2º Bens que nos proporcionam a pobreza de Jesus


No presépio em que repousa, o Menino Deus parece
dizer a cada um de nós, como mais tarde à samaritana:
"Oh! se conhecesses o dom de Deus!" "Se soubesses, al­
ma religiosa, alma cristã, os bens ocultos na _pobreza,
não só não irias pedir ao século as riquezas que o apai-

418
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xonam sem o fazerem feliz, mas virias a mim, fonte de
água viva, matar a sede que, te devora e saciar-te para
sempre".
O Verbo incarnado, diz o apóstolo, fez-se pobre para
enriquecer-nos (2 Cor 8, 9). Mina inesgotavel dos
· hens eternos, renunciou às riquezas do mundo para dar­
nos os bens da graça e, depois desta vida, os da glória.
O Espírito Santo diz serem eles tesouros de valor in­
finito. E, com efeito, os bens sobrenaturais nos elevam,
enobrecem, deificam, comunicam-nos o que há em Deus,
fazem-nos participantes dos seus divinos atributos e dão­
nos um direito certo à hera�ça do céu. Onde achar tais van­
tagens? Que rei, que potentado do mundo, poderá sequer
prometer-nos bens que se aproximem dos eternos? A
vossa pobreza, ó Jesus, é, pois, infinitamente mais rica do
que a opulência dos maiores monarcas.
Mas, tambem, quantos nobres, príncipes, frontes coroa­
das têm preferido o desnudamento do Menino Deus ao
gozo dos prazeres efêmeros da sua fortuna! São Paulino
vendeu todos os seus domínios para esse nobre fim. San­
ta Paula e várias damas de Roma abandonaram os seus
palácios, para praticarem a pobreza no claustro em Belém,
sob a direção de são Jerônimo, junto à gruta onde nas­
ceu em pobreza o Salvador. Lá meditavam dia e noite as
palavras da sabedoria inc!!,rnada: "Quem deixar casa,
parentes, propriedades por amor de mim, receberá o cên­
tuplo e terá a vida eterna" (Mt 19, 29). Esta promessa,
unida ao exemplo dum Deus nascido na indigência, é de
molde a fazer-vos aceitar com amor os leves sacrifícios
que se vos apresentarem. Cuid.ado para não quererdes
ser tratado melhor do que o foi o Deus dos céus.
E não é isto que pretendo, Jesus, quando me queixo
do que me contraria o gosto, a sensualidade, a moleza e
a imortificação ? Será justo que eu não me queira privar
de nada neste exílio em que vós, o Unigênito de Deus, e
vossa Mãe imaculada vos pdvastes de tudo, até do ne­
ces1oário?

28* 419
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26 DE MAIO - SÃO FELIPE NERI
PREPARAÇÃO. "O justo, diz o salmista, é como uma
árvore plantada ao longo das águas e que dá fruto em
tempo oportuno". Assim foi são Felipe: 1" por seu espí­
rito de oração; 2º por sua fidelidade à graça. - Apro­
veitemos esta meditação para renovar-nos na fé viva, no
exercício da vigilância e do recolhimento, afim de nos
unirmos estreita e constantemente a Deus. Tanquam
lignum quod plantatum est secus decursus aquarum
(SI 1, 3).

1 • Espírito de oração de são Felipe Neri


Desde a mocidade, Felipe teve amor ·intenso à oração,
à qual se dedicou com fervor e constância superiores à
sua idade. Concedia ao sono apenas o tempo necessário;
de manhã, ao levantar-se, sentia-se atraido à meditação
e entretenimento com Deus. Muitas vezes, depois de visi­
tar durante o dia as sete basílicas de Roma, retirava-se
à noite ao cemitério de são Calixto, onde continuava os
seus exercícios de piedade sobre os túmulos dos már­
tires.
Maravilhosos foram tambem os efeitos da sua oração,
pela qual adquiriu aquela confiança em Jesus Cristo, que
lhe fez operar tantos prodígios; por ela acendeu-se em
sua alma aquela chama celeste que lhe dilatou o coração
e lhe rompeu duas costelas para dar mais espaço às suas
palpitações. As suas comunicações com a caridade in­
carnada encheram-no de zelo tal, que abandonou sua
querida solidão, para trabalhar na salvação das almas,
.produzindo os mais abundantes frutos. As suas palavras,
no púlpito e no confessionário, eram como setas de fogo
que inflamavam de sant_os ardores os corações no ser­
viço de Deus. Fundou a Congregação do Oratório para
o bem espiritual de todas as classes da sociedade. Numa
palavra, o seu fervor hauria cada dia tanta luz e força
de oração, que se tornou capaz das mais sublimes vir­
tudes, das mais dificeis obra&.

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Examinemos que frutos produz em nós a salutar prá­
tica da oração. 1 º depçiis dela, saímos ordinariamente re­
colhidos, penetrados da presença de Deus e do desejo
de nos entreter com ele, mesmo no meio das nossas ocu­
pações? 2º após os exercícios do retiro estamos resolvi­
dos a evitar certas faltas mais nocivas ao nosso progres­
so; a melhor combater os nossos defeitos e más incli­
nações; a obedecer prontamente e sem mostrar repugnân­
cia; a suportar com mansidão e paciência as contradições
e contrariedades, os escárneos, as censuras e tudo que
fere o nosso amor próprio?
Meu Deus, quão longe estou de me aproveitar, neste
sentido, da meditação quotidiana e dos dias consagrados
à solidão e à oração? Dai-me mais vivo desejo de comu­
nicar-me convosco por uma oração contínua, porque só
em vós posso encontrar, como são Felipe, a verdadeira
prudência que me faz agir segundo a vossa vontade, e
a energia necessária pará sofrer resignado, e triunfar
dos obstáculos à minha união convosco. Beatos vir qui
meditabitur die ac nocte.

2º Fidelidade de l<'elipe à, graça


O espírito de oração, que animava Felipe Neri, acom­
panhava-o em toda parte; daí a sua fidelidade em corres­
ponder às luzes e inspirações divinas. Convencido da sua
incapacidade para o bem, repetia a Deus: "Senhor, des­
confiai de mim, porque, sem a vossa graça, eu vos trai­
rei e cometerei todos os, pecados do mundo". Com fé
viva representava-se ele a majestade do Criador presen­
te em sua alma, e sempre pronto a ouvir suas preces. A
sua confiança filial tornava-o engenhoso e constante em
reclamar a assistência divina. Deseioso de obter os dons
celestes, pedia-os sem cessar como os únicos bens, dignos
de nossas aspirações.
Nada, com efeito, é mais capaz de enobrecer o nosso
espírito do que as luzes sobrenaturais. O menor raio da
fé é superior a toda a ciência humanà por ser ela um re-

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flexo da sabedoria de Deus. Nenhuma comparação podr-­
ria fazer-vos compreender as maravilhas operadas pela
graça num coração docil e fiel, como o era o do nosso
santo. Todos admiravam as suas virtudes, que pareciam
ser-lhe naturais e embalsamavam a s1,rn vida com os per­
fumes dum jardim interiormente cultivado pelo Espírito
Santo. A sua humildade sincera e cândida, a sua pure­
za virginal, a suavidade da sua conversação, a sua pa­
ciência inalteravel, a sua caridade terna, que difundia
em· todos a riaz e o contentamento, tudo nele era fruto
de sua inteira e contínua submissão ao espírito da graça,
que possuía em alto grau. Ajuntai ainda os dons de pro­
fecia, de milagres e de penetração dos corações e conhe­
cereis que Deus é pródigo de seus bens para os que em
tudo seguem a sua vontade.
Tomai, pois, a resolução de nunca resistir à voz da
conciência, mas de ceder com simplicidade e amor aos
avisos, aos remorsos, aos atrativos que tendem a corri­
gir-vos. Muitos não se veriam condenados, se não hou­
vessem correspondido a uma - primeira graça! Teriam en­
tão merecido uma segu11da, depois uma terceira e uma
quarta que teriam formado neles aquela cadeia miste­
riosa que os prenderia a Deus. Rompida uma vez essa
cadei!'I, pela infidelidade, a alma fica entregue às mais
loucas paixões e sem defesa alguma; e quem sabe onde
• -
irá parar ?
Jesus e Maria, a quem são Felipe chamava "o seu
amor e as suas delícias", fazei que, como ele, eu siga em
tudo o espírito interior que me obrigue a viver recolhi­
do e unido à Bondade infinita. Reprimi em mim os vãos
desejos, os arrebatall}entos e as preocupações inuteis.
Qtie nada em mim impeça 2. penetração da graça em
meu coração, produzindo atos de amor ,e ações que me
santifiquem a exemplo de são Felipe, que eRtava sempre
pronto a renunciar a si mesmo e a obedecer-vos sem re­
serva.

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FIM DE MAIO -- A BOA MORTE
PREPARAÇÃO. Finalizando o mês, dispor-nos-emos
par.a a morte, considerando: 1" as vantagens de uma mor­
te verdadeiramente santa; 2" os meios de obtê-la. - Para
isto tomaremos a resolução de fugir até das menore�
faltas e de trabalhar para corrigir-nos dos nossos defei­
tos por uma inteira abnegação da nossa vontade pró­
pria. Beati mortui qui in Domino moriuntur (Aopc 14, 13).

1 º V.antagens cfo uma morte santa


"A vida presente, diz são Gregório, não merece o nome
de vida; é antes uma morte prolongada: Prolixitas mor­
tis". Verdadeira vida é a que não está sujeita aos perigos,
aos sofrimentos e à morte. Sobre a terra caminhamos en­
tre cardos e espinhos, no meio de precipícios ocultos sob
os nossos passos. Outrossim, "a nossa vida sobre a ter­
ra, diz são Gregório Nazianzeno, compõe-se da perda
dos nossos anos"; e não podemos sequer dispor-nos com
segurança e certeza de um dia, nem de uma hora. Mo­
tivos ponderosos para desejarmos uma boa morte que
nos dê a posse de uma vida isenta de penas, perigos, an­
gústias e coml.Jates, duma vida perfeitamente feliz e sem
fim.
Agora a nossa alma está no ·cativeiro; retida na prisão
do corpo pelos sentidos e ligada ao mundo perecedouro,
arrasta a longa corrente das solicitudes terrenas. Mal a
pobre exilada ensaia no. exílio as virtudes da pátria. Esta
triste sujeição fazia gemer os santos. Como o velho Si­
meão, pediam a Deus lhes quebrasse as cadeias para po­
derem evolar-se para o céu e unir-se ao último fim. A
morte devia proporcionar-lhes a plenitude de todos os
bens. Daví exclamava: "Senhor, depois desta vida os
eleitos serão inebriados da abundância de vossa casa, e
os fareis beber nas torrentes de vossas delícias" (Sl
5, 9). E realmente a morte nos dá a posse de todos os
tesouros divinos; somos, pois, muito · cegos tendo tão
pouco desejo deles. "Se um mendigo, diz são João Cri-

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sóstomo, visse que um rei lhe preparava l!loberbo palá­
cio e imensas riquezas, com que gosto não deixaria a sua
cabana para entrar no gozo das liberalidades· do príncipe.
E nós, cercados de tantas misérias, expostos a tantos pe­
rigos, não desejaríamos entrar na pátria celeste?"
Meu Deus, estou sempre no perigo de esquecer-vos, d('
ofender-vos, e mesmo de perder-vos eternamente. Des­
apegai-me, pois, da vida presente; dai-me a força de mor­
tificar os meus sentidos e as más inclinações. Procurarei
morrer aos meus defeitos, sobretudo à minha vontade
própria, afim de viver do vosso amor e realizar em mim
a palavra do Espírito Santo: "Beatl mortui qui in Do­
mino moriuntur".

2º Meios de morrer santamente


Sem o tesouro inestimavel da graça santificante, vive­
mos roídos de remorsos e acabamos por morrer como ré­
probos. Para morrermos santamente é, pois, necessário
que fujamos do pecado mortal, que tenhamos a conciên­
cia em paz e estreitemos diariamente os laços que nos
unem a Deus. Assim as nossas ações se tornarão meri­
tórias para a vida eterna; todas as nossas penas, sobre­
tudo as angústias da nossa suprema agonia, dispor-nos-ão
à recompensa destinada aos santos. Pretiosa in conspe­
cto Domini mors sanctorum ejus.
Segundo são Tomaz de Vilanova, a morte, encontran­
do o homem adormecido, age como um ladrão: vem de
improviso, mata a sua vítima e precipita-a nos abismos
infernais. Vendo-nos. sempre vigilantes, sauda-nos e nos
convida com doçura a . abandonar esta triste vida. Diz
são Gregório: "Vigilante é aquele que se preserva das
trevas do torpor e da negligência". Vigiemos, pois, e ore­
mos afim de nos premunir contra as emboscadas do in­
ferno, e contra as surpresas da morte. Cumpramos cada
dia com fervor todos os preceitos divinos. "Se quiserdes
obter a vida eterna, diz o Salvador, observai os meus
mandamentos" (Mt 19, 17). Ora, o divino Mestre quer
de nós o que a religião e nossa vocação nos impõem.

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Que consolação para nós na hora da morte se tiver­
mos praticado a piedade, vivido desapegados e desejosos
da nossa perfeição! Que alegria se tivermos cumprido
todos os nossos deveres com intenção reta, com o fim
de comprazermos a Deus e operarmos a nossa salvação!
Examinai neste sentido vossas disposições. Estais sem­
pre prontos para negociar para o céu, segundo a reco­
mendação do Senhor, aguardando o dia em que deveis
prestar contas àquele que vos vier julgar? Negotiami­
ni dum venio (Lc 13, 13).
Jesus, concedei-me o horror de tudo que vos ofende.
Fazei que, - desde já, reforme a minha vida e trabalhe se­
riamente na minha perfeição. O' Mãe da perseverança,
recordai-me sempre a palavra de santo Agosti,nho: "Sa­
bereis bem morrer, se souberdes bem viver", isto é, vi­
ver em estado de graça, no fervor e vigilância e na fi­
delidade a todos os deveres. Disces bene mori si didis­
ceris bene vivere.

31 DE MAIO - SANTA ÃNGELA MERICI


PREPARAÇÃO. Os santos têm ordinariamente uma
dupla missão a cumprir sobre a terra: santificar-se e san­
tificar os outros. Meditaremos l" a vida admiravel da
nossa santa; 2º a grande obra a que foi chamada. -
Propor-nos-emos progredir na virtude em proporção do
zelo que nos anima para o bem do próximo. Mesmo que
já fôssemos perfeitos, deveríamos ainda avançar na san­
tidade. Qui sanctus est santificetur adhuc (Apoc 22, 11).
1" Vida admiravel de santa_ Ângela
Quando Deus predestinou uma alma a qualquer obra
importante e util à Igreja, santifica-a primeiro, afim
de fazê-la instrumento docil a seus desígnios. Com cui­
dado preparou Ângela para se tornar a mãe de uma ge­
ração de virgens destinadas a produzir imensos frutos de
salvação. Desde a infância foi ela um anjo de piedade e
inocência. Objeto de admiração para os que a conheciam,
aos dez anos uniu-se· a Jesus pelo voto de virgindade e

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empregava na oraçã,o grande parte dos dias e das noi­
tes. Inimiga da moleza e da sensualidade, vícios nocivos
à virtude angélica, tratava com extrnmo rigor seu deli­
cado corpo.
Que dizer dos dons extraordinári�s que lhe foram con­
cedidos pelo céu? Sem haver estudado, instruia os ig­
norantes, ensinava as verdades da fé, e dava os mais sá­
bios conselhos aos que a consultavam. Ainda mais, fala­
va perfeitamente o latim sem o ter aprendido, explicava
as mais dificeis passagens da Bíblia, discorria sobre a
teologia escolástica e moral com espantosa precisão.
Essa ciência infusa foi sem dúvida efeito de sua pro­
funda humildade e do seu espírito de oração. A humil­
dade é a fonte da verdadeira sabedoria, como o dá a
entender o Espírito Santo (Pr.ov 11, 2); e a oração é,
por assim dizer, o seu canal. "Aproximai-vos de Deus e
sereis iluminados" ( SI 33, 6): Ora, ninguem mais se
aproxima do Verbo aniquilado por nós, do que humi­
lhando-se na oração com ele e nele, de sorte a receber
dele as mais vivas luzes e os mais preciosos favores.
Não comeceis jamais a meditar e a orar sem exercitar­
des a vossa fé mi,s grandezas de Deus e no vosso nada.
Esta prática vos atrairá muitas luzes e graças. Deus,
que ama os humildes, desce até eles, presta ouvidos às
suas súplicas e enche-os dos efeitos de sua presença.
Meu Deus, pelos méritos de Jesus e Maria, dai-me, co­
mo a santa Ângela, o amor da inocência e da mortifica­
ção, unida a uma humildade generosa e à sede da ora­
ção. Assim obterei cada dia as graças que santificarão
a minha alma e me unirão estreitamente a vós.

2º A grande obra de santa Angcla


Há muito tempo deplorava a nossa santa os males da
sociedade, e não encontrava remédio senão na boa edu­
cação da mocidade; pedia a Deus lhe desse a conhecer
os seus desígnios a. respeito dela.. Viu um dia uma es­
cada brilhante semelhante à de Jacó. Um número imen­
so de virgens cristãs subia por ela, duas a duas, com

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ricas coroas sob!·e a fronte; eram amparadas por outros
tantos anjos revestidos de branco, tendo na fronte uma
preciosa de arrebatadora beleza. Ao mesmo tempo fez-se
ouvir uma voz que dizia: "Ângela, coragem; antes da
morte estabelecereis em Bréscia uma companhia de vir­
gens semelhantes às que acabais de contemplar".
A sua devoção a santa úrsula, bem como a sua hu­
mildade, moveu a santa a dar o nome de ursulinas às
suas companheiras. "Se, como santa úrsula, não temos
a felicidade de ganhar o céu pelo martírio, lá chegaremos
com ela pela imitação das suas virtudes, pela pureza vir­
ginal, pela ades1io à fé católica, pela fidelidade aos nos­
sos compromissos. As suas dedicadas filhas recebera]ll
estas palavras com inteira submissào; nada faziam sem
consultar sua mãe e obedeciam-lhe cm tudo.
A obediência é com efeito o melhor esteio das Ordens
religiosas; por ela o espírito do fundador passa aos dis­
cípulos. Assim Ângela formou as suas religiosas à sua
própria imagem, como ela mesma fôra formada pela
graça à imagem de Jesus e de sua amavel Mãe. Tão
grande é a força da obediência: coloca-nos na fôrma da
vontade divina, tira-nos as asperezas do carater, do ca­
pricho, de todos os efeitos provenientes do amor pró­
prio e imprime-nos <l semelhanç;a com a cabeça e o mo­
delo dos predestinados.
Salvador meu, para que esta virtude produza em mim
frutos salutares, dai-me a força de praticá-la com fé, re­
tidão e generosidade, sem argumentar, sem me queixar
nem murmurar. Peço-vos este favor pela intercessão de
vossa divina Mãe e de santa Ângela, vossa fiel serva.

MÊS DE JUNHO
PRIMEIRA SEXTA-FEIRA
PUREZA DO CORAÇÃO DE JESUS
PREPARAÇÃO. "Jesus, lírio dos vales, diz são Ber­
nardo, compraz-se entre os Iírlos". Eis por que medita­
remos: 1 º quanto o seu sagrado Coração ama a inocên-

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eia e a pureza; 2" quais os motivos de nos tornarmos
puros a seu exemplo. -- Tomaremos depois o sério pro­
pósito de recorrer à prece, invocando os sagrados nomes
de Jesus e Maria, todas ·as vezes que formos tentados.
Por este meio triunfaremos com certeza. Libenter enim
inter lilia. pascitur Lilium convallium.

1 º O Cor�ão de Jesus ama. a pureza


"Quão bela é a geração casta! exclama a Escritura.
A sua memória é imortal, sempre em honra diante de
Deus e dos homens. Quando ela está presente, imitam­
na, e quando se retira, desejam-na, e, coroada para sem­
p11e, triunfa, ganhando o prêmio nos combates pela cas­
tidade" (Sap 4, 12).
Em seu amor pela virtude angélica, Jesus quis nascer
de uma virgem, a Virgem por execelência que não con­
traiu nem a sombra de mancha original. Seu pai nutrí­
cio, seu precursor, e seu discípulo predileto foram vir­
gens. Quis que sua Igreja e seus sacerdotes tambem o
fossem, e as suas delícias são habitar, conversar com as
almas puras para enchê-las dos seus favores. Embora o
acusassem falsamente de todos os crimes, nunca permi­
tiu que suspeitassem da sua pureza. Amava ternamente
as crianças por causa da sua inocência. "Delas e dos que
são como elas, dizia, é o reino dos céus". Talium est enim
l'egnum crelorum.
Examinemos se somos semelhantes às crianças na con­
tinência e castidade. Temos a candura de seus pensa­
mentos, a retidão das suas intenções, a nobreza de seus
sentimentos? Haurimos cada dia estas disposições da
sua verdadeira fonte, que é o Coração de Jesus na Eu­
caristia? "Assim como eu vivo pelo Pai, disse o divino
Mestre, aquele que me come viverá por mim" (Jo 6, 58).
Viver por Jesus é influenciar-se por sua graça e virtudes;
é ter horror ao vício impuro e preservar-se a todo transe
de seus funestos golpes; é, consequentemente, repelir
vitoriosamente todos os ataques do espírito imundo, pre-

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servar-se do contágio do século e submeter os sentidos
à razão, e a razâo a Deus.
Jesus, sacramentado por amor de minha alma, nenhu­
ma segurança melhor para mim do que refugiar-me jun­
to de vós, entrar em espírito nos vossos tabernáculos,
ocultar-me no cibório, penetrar até vós e procurar um
abrigo nas vossas gloriosas chagas, sobretudo na do vos­
so divino Coração tão temivel aos vossos inimigos. Dai­
me a coragem de reprimir a concupiscência, de vencer
as tentações, de mortificar os-sentidos e de sempre re­
correr à vossa Mãe imaculada.

2º Motivos dt> praticar a pureza a exemplo de Jesus


A castidade, diz santo Agostinho, faz o homem celeste
e semelhante aos espíritos bem-aventurados; torna-o mes­
mo superior aos anjos, diz são Bernardo; e, com efeito,
se a pureza destes é mais venturosa, a do homem é mais
corajosa por causa das lutas e das vitórias exigidas por
esta virtude. Além disso, segundo a palavra divina, quem
se conserva puro sobre a terra tem !)0r amigo o Rei Je­
sus (Prov 22, 11). Dar-lhe-ei, diz o Salvador por Isaías,
uma santa familiaridade comigo, urna proteção especial
e onipotente, uma glória particular diante de Deus e dos
homens e enfim a imortalidade bem-aventurada. Nomen
sempitemum dabo eis, quod non peribit (Is 56, 5).
Santo Atanásio narra do eremitão santo Abraão, que
lesus lhe comunicara sensivelmente os bens espirituais
que prodigaliza aos corações castos. "O seu rosto, diz
ele, era tão formoso como uma flor. imortal, e de sua
fronte irradiava-se a pureza de sua alma; pois que no
fundo de seu coração havia uma fonte inesgotavel de
alegria, nutrida por seu completo desapego e por sua
inocência perfeita".
A castidade eleva a nossa inteligência e a nossa von­
tade acima das satisfações dos sentidos e ·dos prazeres
grosseiros; faz-nos experimentar como os anjos um con­
tentamento tão puro, uma paz tão profunda, de sorte a

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compensar-nos amplamente, em poucos dias, as penas e
combates da vida inteira.
Quereis participar das luzes e das 1lelícias inefaveis
prodigalizadas pelo Coração de Jesus aos que o amam?
Imitai o quanto possivel a sua pureza ilibada. Haurí des­
se Coração divino pensamentos nobres, sentimentos ele­
vados, aspirações celestes. Utlí os vossos desejos e afe­
tos à beleza que arrebata os serafins e encanta no céu
todas as jerarquias dos anjos, as almas heróicas dos
santos; não teria ela a força de arrebatar tambem a
vós?
Coração adoravel, fornalha do sagrado amor, inspi­
rai-me o desejo de ser puro e casto como os espíritos
bem-aventurados. Para este fim dai-me a graça: l" de
mortificar a vista e de praticar a sobriedade e a tem­
perança; 2º de invocar-vos sempre e sem demora quando
algum pensamento mau se apresentar ao meu espírito;
Coração imaculado de Maria, preservai-me das manchas
contrárias à pureza.

Virtude especial a. praticar durante o mê•:


A CASTIDADE
PREPARAÇÃO. "Quão bela é a geração casta no bri­
lho da virtude" (Sap 4, 1). Assim fala o Espírito San­
to convidando-nos a meditar: 1º as vantagens da casti­
dade; ,2º os meios de conservá-la intata. - Proponha­
mo-nos nesta meditação resistir logo no começo às ten­
tações impuras invocando logo Jesus e Maria, e recor­
dando-nos da presença divina, meio eficaz para preser­
var-nos do pecado. Memor esto Dei, et non peccabis.

l° Vantag.ens da. castidade


Nada há tão desejavel como a libe.r<la<le de uma alma
pura. Desprendendo-se do corpo e dos sentidos, ela dis­
põe-se sem entraves a tomar o seu vôo para Deus. Ora,
o homem carnal, escravo de vís paixões, ignora a do­
çura de tão nobre liberdade; não é capaz de compreender

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como uma alma se possa libertar do jugo vergonhoso das
paixões imundas, e pôr a sua alegria nos sacrifícios exi­
gidos pela virtude angélica: N ou percipit et qum sunt
spiritus Dei (1 Cor 2, 14). Vê as aparências ou os es­
pinhos que protegem o lírio da inocência conservada ou
recuperada, mas não tem idéia dos clarões interiores e
da paz celeste que gozam os corar;ões amigos da castida­
de. Estes elevam-se como sobre asas ao conhecimento de
Deus e de seus mistérios, segundo as palavras divinas:
Bem-aventurados os corações puros porque verão a Deus
(Mt 5, 8).
Jesus compraz-se entre os lírios da castidade, diz a Es­
critura. Cultiva-os e transplanta-os da terra ao céu quan­
do os acha-dignos de si. Essas flores angélicas arrebatam­
lhe os olhos divinos, mesmo sobre a terra, e, segundo san­
to Efrêm, são objeto da sua predileção, de sorte que as
favorece em toda circunstância; e não sem motivo, pois
que a· castidade nunca está só em uma alma: arrasta con­
sigo várias virtudes: e, de fato, não a poderíamos guar­
dar intata sem muitos esforços, combates, vitórias; sem
praticar a moderação dos sentidos, a vigilância do espí­
rito e do coração, a prudência nas relações com o século.
Ela obriga-nos a viver recolhidos, a recorrer sempre a
Deus. A humildade é a sua raiz; a oração, a seiva que a
nutre; a mortificação, a sebe que a protege e defende dos
inimigos.
Jesus, não me admiro de ver-vos amar tão ternamente
esta virtude, pois que sois a santidade infinita. Dai-me a
graça de conservá-la intata até a morte. Trazei-me à me­
moria a liberdade, a sabedoria, a paz, todos os favores
enfim que ela proporciona às almas.

2º l\feios de conservar a pureza


A castidade é preciosa, mas excessivamente delicada;
é um espelho que o menor sopro empana. Dentro de nós
tem ela um inimigo .pérfido: a nossa imaginaçã-0. Esta
faculdade sempre movei salta de objeto _ em objeto. Ao

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sopro da concupiscência, apresenta-nos imagens perigo­
sas que nos expõem a violentos combates. E', pois, neces­
sário velarmos sempre sobre os pensamentos, meditarmos
diariamente as verdades da fé, penetrarmo-nos de refle­
xões santas, de recordações salutares. Recordemo-nos a
miude da paixão do Salvador, da malícia do pecado ma­
nifestada pela queda dos anjos, pelas calamidades da
terra, e dos suplícios eternos dos réprobos. "Lembra-te
dos teus novíssimos, diz o Espírito Santo, e não pecarás
jamais" (Ecli 7, 40).
A vigilância sobre as nossas afeições é ainda mais im­
portante, porque o coração nos arrasta mais facilmente ao
mal, e em matéria de castidade somos mais frageis que
vasos de argila, que se quebram ao menor choque. "Na
guerra dos sentidos, diz são Felipe Neri, vencedores são
os poltrões, isto é, os que fogem dos perigos". E o Es­
pírito Santo afirma que "quem ama o perigo nele pe­
rece" (Ecli 3, 27).
E' certo que o coração do homem não pode viver sem
amor. Mas não temos em Jesus um objeto capaz de sa­
tisfazê-lo completamente? Em Jesus, o mais belo dos fi­
lhos dos· homens e a felicidade dos anjos; em Jesus, as
delícias de Maria e o objeto das complacências do pró­
prio Deus; em Jesus infinitamente sábio, justo e pode­
roso e tão generoso que dá por um copo d'água o reino
dos céus; em Jesus tão devotado a seus amigos que mor­
re para lhes dar a vida? Se Jesus não nos satisfaz, quem
nos poderá contentar? Admiremo-lo, estudemos as suas
perfeições, lembremo-nos dos seus benefícios. O seu amor
abrasará as nossas almas, torná-las-á castas, fazendo­
nos amar o próximo por motivos de fé, sein mescla de
amor sensual.
Amavel Salvador meu, pela intercessão da Virgem
imaculada, estabelecei em mim o vosso reino e gover­
nai, vós só, o meu coração. Regei a minha imaginação,
as minhas afeições mais íntimas, concentrai em vós
Lodo e amor de que sou capaz nesta vida.

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6 DE JUNHO - SÃO NORBERTO,
FUNDADOR DOS PREMONSTRATENSES
PREPARAÇÃO. "Ã graça de Deus devo o que sou,
dizia o apóstolo, e esta graça não foi inutil em mim"
(1 Cor 15, 10). A fidelidade de são Norberto à graça di­
vina prova-se: 1 ° por sua conversão e eminente santi­
dade; 2" pelos serviços que prestou à Igreja. - Exami­
nemos se obedecemos aos impulsos do Espírito Santo,
de modo a podermos dizer com o apóstolo: "A sua graça
jamais foi inutil em mim". Gratla ejus in me vacua non
fuit.

l º Conversão e santidade 1lr são Norberto


Norberto nasceu perto de Colônia sob o pontificado de
Gregório VII. Até à idade de trinta anos abandonou-se
aos prazeres e vaidades do mundo. Mas Deus, que o que­
ria para si, derribou-o como a Saulo no caminho de Da­
masco e uma voz se lhe fez ouvir como ao apóstolo:
"Por que me persegues?" "Senhor, respondeu ele, que
quereis que eu faça?" "Deixa o mal e faze o bem, pro­
cura a paz", replicou-lhe a voz. Norberto obedeceu in­
continenti.
Ordenado sacerdote, dedicou-se à mais estrita pobreza,
acrescentando os jejuns e austeridades dos mais ilustres
penitentes. Com ardente zelo percorreu as cidades e al­
deias, obtendo maravilhosos efeitos por sua palavra e
por seu exemplo: converteram-se os pecadores, reconci­
liaram-se os inimigos, restituíram-se os bens roubados.
A santidade de Norberto conferiu tanta eficácia às suas
pregações que os mais endurecidos" não lhe poderiam re­
sistir. A brilhante vitória por ele obtida em Antuérpia
contra o herege Tanchelin foi efeito de sua fé viva, do
ardor da sua caridade, da sua vida penitente, das suas
valiosas preces. Feito arcebispo de Magdeburgo, apesar
das resistências da sua humildade, desenvolveu em seu
cargo uma fortaleza de alma, que o expôs muitas vezes
à morte.

Bronchain II - 28 433
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Temos tambem nós a coragem de cumprir o nosso de­
ver mesmo com perigo de vida? Ah! a previsão dum so­
frimento, c}wna dificuldade, duma humilhação faz-nos
abandonar as mais santas empresas. E quantas inconse­
quências em nosso procedimento! Procuramos a perfei­
ção, mas, quando Deus nos fornece ocasião de praticar
sólidas virtudes, recuamos amedrontados. Quereríamos
uma humilhação coroada de honra, uma oração sempre
consolada, uma mansidão isenta de contrariedade, uma
paciência sem cruz e uma caridade sem sacrifícios e sem
atos de devotamento; santidade cômoda que nunca_ foi a
dos servos de Deus.
Jesus, dai-me a graça de reprimir os meus instintos
perversos, minhas pretensões de elevar-me, de rebaixar
os outros, minha pouca generosidade em suportar os ou­
tros, e em cumprir os deveres que repugnam à minha
vontade. Fazei que eu possa dizer com o !'J.pÓstolo e com
são Norberto: "A graça divina não foi inutil em mim".
Gratia ejus ln me vacua non fuit.

2º Serviços prestados à. Igreja por são Norberto


Esses serviços são imensos. Pelos trabalhos, súplicas,
austeridades e exemplos desse grande santo, os pecado­
res voltaram ao caminho da salvação, os hereges abriram
os olhos à luz da verdade, numerosos milagres contribuí­
ram para a glória da religião; uma diocese inteira mu­
dou de face pela reforma do clero e da nobreza; e o no­
me de Norberto, voando de boca em boca, levou a edifi­
cação às extremidades do mundo.
O que completa o brilho das obras do santo, é a fun­
dação duma Ordem regular sob o nome de Premonstra­
tenses. A santíssima Virgem,- deu-lhe em pessoa o hábi­
to, e santo Agostinho, numa aparição, entregou-lhe a re­
gra escrita em letras de ouro. Mas o santo fundador era
uma regra viva. Graças às suas preces e virtudes, a Or­
dem propagou-se de maneira admiravel. Quantos santos,
bem-aventurados, doutores e prelados a têm ilustrado
para a glória de Deuii e o bem das almas! Tão grande

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é o poder da santidade de um homem que se dá intei-
ramente a Deus!
Se fosseis humildes, mortificados, unidos a Jesus, fer­
vorosos em vossas or2.ções e sempre fiéis à graça, gran­
de bem haveríeis de operar, poderosa força teriam as
vossas palavras sobre as almas e as vossas preces junto
de Deus para a conversão dos pecadores. Muitos dentre
eles talvez, perderão a salvação e cairão no inferno, por
causa da vossa lassidão, vossa tibieza e infidelidades.
Todo coração compassivo e generoso terá nisso um po­
deroso incentivo para redobrar de fervor e de zelo em
adquirir a perfeição.
Jesus, inspirai-me, o mais vivo desejo de sa.ntHlcar­
me e de me tornar em vossas mãos instrumento docil
para o bem das almas. Pelo amor de vossa querida Mãe
e de são Norberto, concedei-me: 1 º a fidelidade as gra­
ças de cada dia, de cada hora, de cada instante, sobre­
tudo a graça da oração; 2 º a coragem de renunciar a
todo arrazoado e repugnância, quando se trata de obe­
decer-vos, pois que o céu se compra por esforços cons­
tantes, enquanto que um único passo em falso nos pode
precipitar no abismo.

11 DE JUNHO - SÃO BARNAB:m, APõSTOLO


PREPARAÇÃO. Meditemos o elogio que a Escritura
faz de são Barnabé. Ele era: 1 º um homem bom; 2 º um
homem cheio do Espirito Santo e de fé. - Entremos em
nós mesmos e vejamos se temos essa bondade de cora­
ção que nos faz desejar o bem a todos e se é a natureza
ou a graça que inspira as nossas palavras e dirige a nos­
sa vida, a exemplo de são Barnabé. Erat vir bonus ple­
nus Spiritu Sancto et fide (At 11, 24).

1" São Barnabé era um homem bom


A bondade é uma qualidade, uma virtude, uma perfei­
ção que nos move a fazer bem aos outros, ganhando as­
sim os corações. Nós a amamos em Deus mais do que

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os seus outros atributos; ê ela que reanima a nossa co­
ragem, excita a nossa confiança quando nele pensamos.
São Barnabé é chamado pelo Espírito Santo um homem
bom, Vir bonus, um homem, cujos olhos, maneiras, pala­
vras e conduta respiravam a bondade. Como uma árvore
boa não pode produzir maus frutos, assim o santo não
sabia pensar nem falar, nem agir contrariamente ao
bem de seus irmãos. Amava-os cordialmente e manifesta­
va-lhes o seu amor em todas as ocasiões.
Admitido na escola de Gamaliel desde a mocidade, aí
conheceu Saulo, que foi mais tarde são Paulo, e a sua
amizade para com ele o fez trabalhar para levá-lo a Je­
sus. E que compaixão tinha ele dos pobres! Distribuiu­
lhes todo o seu patrimônio, e uma vez apóstolo, por elei­
ção do Espírito Santo, não conheceu limites em sua ge­
nerosidade, recolhendo esmolas para os fiéis da Judéia,
vítimas da fome. Foi ainda a sua bondade que o fez to­
mar por companheiro de seus trabalhos o jovem João
Marcos, recusado por são Paulo. O apóstolo reconheceu
mais tarde os efeitos felizes dessa condescendência, lou-
vando o discípulo formado por Barnabé.
Quereis ser bons aos olhos de Deus e dos homens?
Preferí sempre, quando a conciência o permitir, a von­
tade alheia à vossa; não alterqueis com ninguem; estai
sempre prontos a agradar e prestar serviços. Falta à
bondade -quem é duro para com o próximo, não suporta
os seus defeitos, o contraria, lhe causa dor sem motivo
e se mostra frio a seu respeito, pelas menores desaten­
ções recebidas. Sondai o vosso coração e o vosso procedi­
mento. Não sois escravos do mau humor, dos gostos e
inclinações ao ponto de nada cederdes a vossos irmãos,
de vos não dobrardes aos seus desejos? Não tendes o há­
bito de julgar e condenar facilmente os outros em de­
trimento da caridade?
Meu Deus, fazei meu coração semelhante ao vosso e
tornai-me bom,· manso, benevolente, compassivo e miseri­
cor·dioso para com todos, como o tendes sido para co­
migo.

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2º São Barnabé cheio elo Espírito Santo e de fé viva
Alguem é cheio do Espírito de Deus, que é Espírito de
santidade, quando foge com horror até das menores fal­
tas, conserva puro e desapegado o coração e se esforça
por adquirir a perfeição da alma. Assim foi são Barna­
bé! Dizem os historiadores que ele, desde a adolescência,
se pôs de sobreaviso contra a corrupção do século. Do­
mava a sua carne por longos jejuns, passava em oração
grande parte do dia e até noites inteiras. Evitando cui­
dadosamente as companhias suspeitas, comprazia-se em
falar de Deus com os que partilhavam o seu gosto pela
piedade. Com tais disposições, era-lhe facil chegar à luz
do Evangelho. E isto s1,1cedeu. Convencido das futilidades
dos bens terrenos, fez-se pobre com Jesus Cristo e redo­
hrou de ardor li.a procura d/l, santidade.
A sua fé viva fez-lhe compreender o valor das almas,
e trabalhar indefessamente em conduzí-las a Jesus. De­
vido a seu zelo, g cidade de Antioquia abrigou uma co­
munidade fervorosa, como a de Jerusalém. Acompanhou
o apóstolo das gentes e convérteu muitos cristãos e ju­
deus. Após haver predito a seus discípulos a sua morte
próxima e haver celebrado a Missa em sua presença, foi
lapidado no momento em que anunciava as verdades que
santificaram a sua vida, fazendo dele um homem cheio
de ié e do Espírito de Deus.
Se fôssemos penetrados, como esse apóstolo, duma fé
viva e elo sagrado amor, desejaríamos ser mártires como
ele, não só da fé religiosa, mas tambem das mais práti­
cas virtudes: 1º da obediência, não replicando jamais às
ordens recebidas; 2º da paciência, não nos queixando nas
contrariedades da vida; 3 º da abnegação, sacrificando
a Deus as nossas suscetibilidades, repugnâncias, desejos
inuteis; 4º da caridade, submetendo a outrem a nossa
vontade, suportando os seus defeitos, prestando-lhe ser­
viços, imolando-nos por sua felicidade e salvação.
Concedei-me estas graças, Jesus meu Salvador, eu vô­
lo suplico pelos méritos e preces de vossa divina Mãe e
do vosso fervoroso discípulo são Barnabé.

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DOMINGO ANTES DE 24 DE JUNHO.
NOSSA SENHORA DO PERPll':TUO SOCORRO

PREPARAÇÃO. "O' Maria, exclamava a Igreja, nós


vos pedimos humildemente nos concedais o vosso perpé­
tuo socorro". Consideremos: l° Quanto é justo dar à di­
vina Mãe o belo título de nossa Senhora do Perpétuo So­
corro; 2 º o que esse título consolador de nós exige. -
Proponhamos invocar a santíssima Virgem de quinze em
quinze minutos como praticava e aconselhava santo Afon­
so. Rogamos ecce suppllces, succurre nobis perpetlm.

1 º Motivos d'e chamar a Maria nosso perpétuo socorro


Na oração de 24 de maio e no ofício de hoje, a Igreja
já dá esse belo título a Maria, e não sem motivo. Que
significam com efeito as palavras: "Eis aqui o teu filho",
palavras dirigidas a Maria pelo Redentor moribundo, em
favor do gênero humano resgatado? Parecem dizer: "Eis
aqui aquele a quem destes à luz pela graça. M.:1s essa
graça, vida sobrenatural de sua alma, ele não a poderia
conservar por si mesmo. Eis por que vô-lo confio; a todo
instante ser-vos-á necessário sustê-lo nas veredas escar­
padas do céu ..." Não é isso a proclamação solene de
Maria como "Rainha e Mãe do Perpétuo Socorro" ?
Alhures o divino Mestre nos recomenda orarmos sem­
pre e não deixar de fazê-lo. E todo pedido, acrescenta,
terá o seu efeito. Omnis qui petit accipit. Daí a necessi­
dade, para a Medianeira dos dons celestes, de estar con­
tinuamente atenta a ouvir-nos, constantemente disposta
a atender-nos, de, numa palavra, ser para nós o canal
sempre aberto que nos transmite as graças da salvação.
E não poderia ser de outra forma. Não temos de lu­
tar constantemente contra o inferno, o mundo e as pai­
xões? Não temos de combater em nós a natureza e seus
defeitos, a imaginação e seus desvios, o juizo próprio e
os seus preconceitos, o egoísmo e as suas apreensões,
queixas e repugnâncias? Sem esta luta de cada dia não

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há virtude sólida na ahna. Mas este combate incessante
não é possivel sem o perpétuo socorro da Mãe da perse­
verança. Sempre crianças na vida espiritual, necessitamos
de uma Mãe e nutriz que não nos perca de vista e que
nos dispense sem interrupção o leite sobrenatural, ne­
cessário ao nosso progresso. Sem isso nos é impossivel vi­
ver contantemente recolhidos, orar habitualmente, con­
servar-nos sempre calmos, animados do Espírito de Deus
e fiéis aos nossos deveres.
O' Medianeira de nossa salvação, sem o vosso intermé­
dio nada poderei fazer para a minha santificação. Quando
considero a imagem em que vos representam com Jesus
nos braços, Jesus a quem dois anjos mostram os instru­
mentos da paixão, parece-me ouvir-vos a dizer-me com
bondade: "Olha, mêu filho, vê o que ele quer sofrer para
provar-te o seu eterno amor. Ele e eu estamos sempre
contigo; contigo nas dúvidas, ansiedades, düiculdades e
tentações; contigo nos enfados, desgostos e tristezas;
contigo a todo momento da tua vida e mormente no mo­
mento de tua morte".
O' Maria, estas palavras me consolam e animam. Vós,
que nunca me esqueceis, dirigi a Jesus e a vós os meus
pensamentos, desejos e afetos. Que cada uma das minhas
respirações seja como um vôo de fé às vossas grandezas,
um ato de confiança em vossa bondade, e uma prece fer­
vorosa que me atraia sem cessar os efeitos preciosos da
vossa misericórdia. Rogamos ecce suppllces, succurre no­
bis perpetim.

2º Nossos deveres para com a Virgem do perpétuo


socorro
No dia memoravel em que, nos braços de Maria, foi
colocado o corpo ensanguentado de Jesus, ela recebeu
do Senhor a nobre missão de curar e pensar as chagas
do gênero humano resgatado, dispensando-lhe as graças
da Redenção. Maria aceitou em nosso favor esse miseri­
cordioso ofício, pelo que lhe devemos a mais viva gra-

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tidão. Este primeiro dever exige toda a nossa atenção.
Encontramos em Maria não só uma Rainha rica em po­
der, tesouros e generosidade, mas ainda uma Mãe sem­
pre pronta a auxiliar-nos, disposta a compadecer-se e
perdoar, e que, longe de r,epelir as nossas misérias, pro­
cura de preferência os mais miseraveis para aliviá-los.
Enfermeira universal dos filhos de Adão, não repousa
nem de dia nem de noite, mas vela constantemente à
cabeceira de quem a invoca, prodigalizando-lhe os seus
cuidados como se não tivera outra alma senão essa a
socorrer. Ela multiplica-se, diz santo Anselmo, ao ponto
de prevenir as nossas preces e atender aos nossos dese­
jos. "Ela faz-se tudo para todos, acrescenta são Bernar­
do, abre a todos o seu coração misericordioso, e todos
recebem de sua plenitude: o cativo, a libertação; o en­
fermo, a saude; o aflito, a consolação; o pecador, o per­
dão. Ninguem é excluido da sua ação benfazeja. Quan­
tas ações de graças não lhe devemos em troca de. tão
contínuo e generoso devotamento!
O testemunho de gratidão que mais lhe agrada é a
fidelidade em corresponder a seus favores. Ora, corres­
ponder-lhe-emos, rivalizando com essa Virgem caridosa
em zelo, sendo ardoroso em orar e tirar proveito de seus
benefícios, assim como· ela o é em interceder por nós e
em proteger-nos. E' isso que se dá convosco? Qual é
vossa assiduidade �m pensar em Maria, em invocá-la de
coração, em considerar a sua imagem, mormente nas do­
res e tentações? O quadro de nossa Senhora do Perpé­
tuo Socorro produz em vós aquela segurança encerrada
em seu olhar tão firme e maternal?
· O' meu Salvador e minha Mãe Maria, aos vossos pés
tomo a resolução: l° de reclamar a vossa assistência
todo quarto de hora, mesmo durante as minhas ocupa­
ções; 2º de animar-me a esta prática a exemplo de san­
to Afonso e pelo pensamento de que, dia e noite, sou o
objeto da vossa solicitude e amorosas atenções.

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21 DE JUNHO - SÃO LUIZ GONZAGA
PREPARAÇÃO. "Quão bela é a geração casta no bri­
lho das virtudes", exclamava o sábio (Sap 4, 1). Medita­
remos amanhã: 1 º a angélica pureza de são Luiz; 2º o
seu espírito de recolhimento c oração. - Tomaremos
como protetores e guardas da castidade : a vigilância e
a oraçoo, virtudes preconizadas pelo Salvador, quando
disse: "Vigiai e orai para não cairdes em tentação".
Vigilatc et orate, ut non intretis in tentationem (Mt
26, 41).
1 º Angélica pureza de !lã.o l.uiz
Já o nome de são L_uiz desperta o pensamento e au­
menta a estima da virtude angélica. Quando Luiz estava
na idade de aprE:nder-a falar, ensinaram-lhe a invocar Je­
sus ·e Maria, o que ele fazia com amor tão piedoso que
mais parecia um anjo do que um mortal. Aos sete anos
resolveu renunciar ao mundo e escolheu a santíssima
Virgem por sua advogada e protetora. Aos oito anos -
coisa admiravel - fez o voto de virgindade, que lhe atraiu
tantas graças, que jamais teve nem o menor pensamento
contra a pureza. Apesar disso fugia dos perigos e guar­
dava a modé�tia ao ponto de não fixar os olhos na mar­
quesa sua mãe. Que lição para as almas presunçosas,
que pretendem permanecer puras, dando toda a liberda­
de aos sentidos.
Eram espantosas as austeridades do santo aos doze e
treze anos de idade. Convencido de que a castidade deve
ser como um lírio entre os espinhos, jejuava tres vezes
por semana e comia habitualmente tão pouco, que a sua
vida parecia mantida por um socorro extraordinário. Na
Companhia de Jesus, quando lhe negavam a permissão
de praticar qualquer penitência, supria-a por posições in­
cômodas: tanto tomava a peito a sujeição da carne ao
espírito.
Trabalhais como ele para conservar a pureza da alma
e do corpo? Não temeis demais a fadiga que mortifica os

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sentidos e amortece o fogo da paixão? Talvez pensais
encontrar a paz fugindo da dor; mas essa paz, baseada
numa vida mole e sensual, só servirá para atearem-vos
a guerra. E' melhor suportar com segurança as picadas
da mortificação do que lutar contra o aguilhão da con­
cupiscência, com perigo da salvação.
Meu Deus, pela intercessão de são Luiz Gonzaga, ins­
pirai-me a coragem de mortificar a vista, o paladar, to­
dos os sentidos, e de vigiar sempre sobre o meu interior
par.a dele afastar toda imagem, toda lembrança perigosa
e toda afeição que não seja para vós. Vlgilate et orate
ut non intretis in tentationem.

2º Espírito de or�ão de são Luiz


O amor da prece e da oração parecia natural ao nos­
so santo: Desde a idade de sete anos tinha devoções
regularizadas como um homem experimentado na virtu­
de. Levantava-se à noite para fazer oração. Os que o
observavam secretamente viam-no muitas vezes prostra­
do por terra diante do Crucifixo, os braços estendidos e
levantados para o céu ou cruzados sobre o peito; exalava
ardentes suspiros capazes de comover os mais endureci­
dos. Admitido na Companhia de Jesus, aplicou-se ao
recolhimento contínuo com admiravel constância. Ele
confessou que, durante o espaço de seis meses, todas as
suas distrações reunidas não duraram o tempo de uma
Ave-Maria. "Sinto tanta dificuldade, dizia ele, em dis­
trair-me de Deus, quantos os outros em se conservarem
recolhidos".
O exercício da oração era o seu paraisa na terra; en­
contrava nela delícias inefaveis que lhe faziam derramar
torrentes de lágrimas, mormente quando meditava a pai­
xão do Redentor e sua presença entre nós na Eucaristia.
"A aima que quer tirar proveito da meditação, dizia ele,
deve estar absolutamente livre de toda afeição e pensa­
mento estranhos ao assunto; sem isto não poderá ficar
atenta nem receber as impressões da graça". Sem muita
oração, acrescentou, não se pode chegar a um alto grau

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de perfeição nem triunfar inteiramente de si próprio; pois
que a falta de reflexão é a causa da lassidão e da pou­
ca abnegação que se encontram nas almas.
Aplicai estas máximas à vossa vida e vêde o que ten­
des a reformar em relação à oração. 1 º Orais cada dia com
fervor? 2º Meditais seriamente as verdades mais próprias
a tocar o vosso coração e excitar atos de arrependimen­
to, confiança, amor e súplica? 3" Tomais resoluções de
acordo com as necessidades atuais de vossa alma, seus
defeitos quotidianos, suas faltas, suas impaciências, há­
bitos de queixa, de murmuração, maledicências e seme­
lhantes?
Meu Deus, anos e anos os mesmos defeitos afeiam a
minha alma apesar de minhas meditações diárias. Pelos
méritos de Jesus, de Maria e são Luiz, concedei-me o es­
pírito de oraçã:o continua que me conserve sempre re­
colhido e unido a vós, e me faça imitar á pureza perfeita
do santo, cujas virtudes a Igreja hoje celebra.

24 DE JUNHO
NASCIMENTO DE SÃO JOÃO BATISTA
PREPARAÇÃO. O Espírito Santo mesmo declarou que
são João Batista seria grande diante do Senhor (Lc 1,
15). E com efeito : l ° Ele foi grande em seu nascimento;
2º ele o foi até à morte. - Sondemos bem todos os nos­
sos sentimentos, e vejamos se não pomos a nossa gran­
deza na estima própria ou no vão renome em vez de co­
locá-la, como o apóstolo, na nossa semelhança com Jesus
crucificado. Mihl autem abslt gloriarl, nlsl bt cruce Do­
mbti nostri Jesu Chrlstl (Gal 6, 14).

lº São João Batista foi grande cm seu nascimento


A verdadeira grandeza não consiste na nobreza, nos
cargos, nas dignidades, mas na semelhança com o tipo
de toda a grandeza moral, que é Jesus Cristo. São João
Batista -foi grande desde o seu nascimento, porque des-

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de então se parecia com o Verbo incarnado. E,. com efei­
to, o mesmo arcanjo Gabriel, que anunciou a Maria a
incarnação do Verbo, predisse tambem a Zacarias a con­
ceição de João Batista. Jesus mesmo foi santificar o seu
Precursor, enchê-lo do Espírito Santo por intermédio de
Maria, mesmo antes de ele ter visto a luz do mundo.
João Batista nasceu, pois, puro, agradavel ao Senhor,
possuindo já então o uso da razão e o conjunto· de to�
das as virtudes. E quantos milagres est1:1pendos em seu
nascimento! O seu nome foi pelo céu revelado aos pais;
Zacarias recuperou a fala, cantou o belo hino Benedi­
ctus, repetido diariamente pelos sacerdotes no mundo in­
teiro. Grande, pois, é aquele cujo nascimento foi ilustra­
do por tantos ·prodígios. Os vizinhos espantados pergun­
tavam-se: "Que_será deste menino?" e a alegria trans­
bordava dos corações. Multi in nativitate ejus ga.udebant
(Lc 1, 14). A Igreja celebra o nascimento dê Jesus e de
Maria, mas, quanto aos santos por ela canonizados, exal­
ta-lhes sobretudo a morte ou sua entrada no céu. João
Batista é o único cujo nascimento é por ela honrado. E'
corno se o canonizasse desde o seu aparecimento no
mundo.
Vós que talvez vos gloriais de ser filhos de famílias
ricas ou nobres, não vos referís a isso com complacên­
cia? E se vos falta essa vantagem terrena, não afetais
uma c1encia, uma piedade, de que estais mais ou menos
desprovidos? Não presumís parecer polidos, afaveis, pru­
dentes, caridosos, devotados, cuidais bem das exteriori­
dades sem vos inquietar do interior, como se o mérito con­
sistisse nas aparências e não na realidade?
Meu Deus, não consintais que eu faça consistir a minha
grand�za na estima própria e na procura de renome, pois
que ela se encontra unicamente na imitação do Rei imor­
tal que é Jesus, e Jesus crucificado. Mihi absit gloria.ri,
nisi iu cruce Domini nostri Jesu Christi.

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2º s
· ão João Ba.tlsta foi grande até à morte
Aos tres anos de idade, segundo a tradição, ele se re­
tirou para o deserto, onde levou vida sobrehumana, pas­
sando os dias e as noites em oração, tomando pouco ali­
mento e repouso. Ao chegar o tempo de manifestar-se
como Precursor do Messias, fiel à sua vocação pregou
às multidõ