Por que nos perguntamos pelo Ensino da Geografia Física no Ensino Fundamental e
Médio? A partir de quando temos essa preocupação?
Procurei em nossa história um pouco das razões dessa mesa redonda. Penso, porque a
vivência indica, que esta questão se coloca aos geógrafos que estudam a natureza, desde
mais ou menos 20 anos, quando, com o advento da Geografia Crítica, questionou-se teórico
metodologicamente a incorporação da Natureza nos estudos geográficos.
Tomamos como exemplo uma referência própria:
“Em síntese, fazer e ensinar geografia, é, de certa maneira, considerar como forma
determinante da organização espaço, não somente relações homem-natureza, mas
principalmente as relações entre os homens, relações estas que já nos referimos (relações
sociais de produção). Isto permite desvendar, além da qualidade das relações entre os
homens numa dada sociedade, como os homens produzem e como no processo de
produção se apropriam da natureza” (SUERTEGARAY, 1985, p. 87).
Este questionamento e a(s) nova(s) forma(s) de construção da Geografia implicaram
desde então, num debate sobre a necessidade do conhecimento da natureza nos níveis
fundamental, médio e, também, superior de ensino. O que verificamos transcorrido esse
tempo? Como podemos responder esta pergunta sem ser professor desses níveis de ensino?
Uma das formas é analisando as propostas de ensino surgidas à época. Numa delas pode-se
ler:
“Para fazer dos estudos sociais um estudo que prepare para a vida, que oriente o
aluno na sua situação de cidadão, que habita uma parte deste espaço terrestre e que constrói
no seu dia a dia uma sociedade, e que não seja apenas um conjunto de informações
supérfluas é que precisamos buscar alternativas” (CALLAI, 1991, p. 8). Uma dessas
alternativas aparece contida no Projeto de Estudos Sociais desenvolvido através de parceria
entre, a 36ª Delegacia de Educação (assim denominada à época), o 31º Núcleo do CPRS,
SMEC de Ijuí e Unijuí desde 1984. Neste projeto, a renovação da Geografia tomou como
base os fundamentos da Geografia Crítica e estimulou a discussão de espaço, tempo
natureza e sociedade na construção do ensino de Geografia fundamental.
Ao longo desse tempo outras tantas alternativas, em diferentes estados da federação,
foram construídas. Mais recentemente, numa proposta oficial foram constituídos os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1997, p. 115). Independentemente das críticas
feitas, neles pode-se ler:
“No ensino, professores e alunos deverão procurar entender que ambas – sociedade e
natureza –constituem a base material ou física sobre a qual o espaço geográfico é
construído”. Em relação à natureza, os proponentes indicam duas possibilidades de
concebê-la: como “primeira natureza - os elementos biofísicos de uma paisagem –, ou
como segunda natureza – a natureza transformada pelo trabalho humano”.
Também pode-se avaliar as mudanças através da leitura e acompanhamento de livros
didáticos que expressam propostas de ensino de Geografia, a exemplo do exposto em
Vesentini e Vlach (2002, p. 5) quando, ao se referirem à Geografia Crítica no ensino,
afirmam: “não se trata simplesmente de abandonar uma alternativa em favor de outra
completamente diferente, mas de manter e atualizar conceitos clássicos e, ao mesmo
tempo, criar novos conceitos, num momento histórico que exige novas formas de
abordagem e compreensão do mundo”
Até então, ou seja, antes da crítica à Geografia Clássica, os ensinos fundamental e
médio eram compartimentados e assim se expressavam nos livros produzidos, como,
também, nas aulas ministradas. Quais as implicações dessa crítica? De maneira geral, pode-
se dizer que a institucionalização da Geografia Crítica introduziu um debate e uma
compreensão de espaço geográfico, onde a natureza foi concebida como recurso ao
processo produtivo; nesta perspectiva, a natureza faz parte da Geografia como meio e
objeto de produção. A Terra dá suporte, fornece recursos e é instrumento de produção,
portanto, interessava à Geografia compreendê-la nesta perspectiva, ou seja, natureza
socializada, transformada, e não mais natureza em si. Podemos observar esta lógica em
texto de Moraes e Costa (1982, p. 124) referindo-se aos fundamentos de uma Geografia
Marxista e da constituição do território:
“ A natureza aqui, além de meio e objeto de trabalho, transubstancia-se em meio de
produção, e objeto de produção (matérias –primas), já claramente delineada como segunda
natureza, isto é natureza já transformada pelo trabalho anterior”.
Ou na leitura de Moreira (1982, p. 35), “o arranjo do espaço geográfico exprime o
modo de socialização da natureza. Tal o modo de produção, tal será o espaço geográfico”.
Esta lógica exerceu duplo papel, de um lado favoreceu o debate sobre a relação
natureza e sociedade, epistemologicamente, fundamental à Geografia, de outro considerou
desnecessário o reconhecimento da dinâmica da natureza nos estudos geográficos.
Observa-se que é nesta mesma época de surgimento da Geografia Crítica, que emerge a
questão ambiental. A emergência da questão ambiental tem no seu centro a discussão sobre
o processo produtivo, o uso dos recursos, a possibilidade de escassez que derivou da crise
do petróleo associada à deterioração já evidenciada de outras fontes e, de maneira ampla,
da forma de viver.
Neste momento, a própria questão ambiental não era valorizada por alguns teóricos
da Geografia que a viam como contradição secundária no âmbito do Modo de Produção
Capitalista.
Passado essa fase, podemos dizer que a questão ambiental se coloca como uma
temática contemporânea e a degradação da natureza como questão, também, central, não
somente, devido às implicações na qualidade de vida, como também, no âmbito do
processo produtivo. Nesta etapa, a Geografia Crítica se reavalia e passa a dar espaço à
temática ambiental em suas análises.
Que conseqüências este debate teria promovido no Ensino de Geografia em nível
Fundamental e Médio? Podemos visualizar:
- Uma pequena influência e uma permanência da forma clássica de compreender e
ensinar a natureza nesse nível de ensino, considerando que o debate acadêmico
não é reconhecido pelo ensino em outros níveis, no mesmo tempo em que vem
sendo feito no ensino superior.
- Uma negação do conhecimento da natureza na sua dinâmica e, em muitos casos,
um abandono ou minimização dessa temática nesse nível de ensino, considerando
que o que importa a Geografia é a produção do espaço, ou o espaço construído
socialmente.
- Um resgate dos estudos da natureza, concebida como natureza transformada,
considerando que é fundamental construir uma consciência ambiental e de
preservação do planeta. Nesta perspectiva, a natureza é resgatada de forma
diferenciada, em alguns casos é analisada em suas transformações/derivações no
processo de socialização e, em outros resgatando sua gênese e dinâmica e o
contexto atual que promove essas derivações.
Sob outra perspectiva o tema sugere que devamos nos questionar sobre…
Cabe uma outra questão: que natureza (ou conceito de) é abordada(o) no ensino
fundamental e médio? Poderíamos avançar nessa discussão?
Para concluir: O que as propostas contidas nos programas e textos indicados para o
ensino fundamental e médio nos ensinam?
Bibliografia
ARAÚJO, R.; GUIMARÃES, R. B.; RIBEIRO, W. C. Construindo a Geografia. Livro do
professor, 5ª Série. São Paulo: Editora Moderna,1999. 192p.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais.
História e Geografia. Vol. 5. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1997. 166p.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais.
Geografia. 5ª a 8ª Série. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1998. 156p.
BOLIGIAN, L.; MARTINEZ, R.; GARCIA,W.; ALVES, A. Geografia Espaço e
Vivência. Livro do professor 5ª Série. São Paulo: Editora Atual, 2001. 176p.
CALLAI, H. (org.). O Ensino em Estudos Sociais. Ijuí: Editora da UNIJUI, 1999. 111p.
CASTELLAR, S.; MAESTRO, V. Geografia. Livro do professor, 5ª Série. São Paulo:
Quinteto Editorial, 2001. 191p.
COELHO, M. de A.; TERRA, L. Geografia Geral: espaço natural e sócio-econômico.
Livro do Professor. São Paulo: Moderna, 2001. 431p.
GARCIA, H. C.; GARAVELLO, T. M. Novas lições de Geografia. Espaço geográfico e
fenômenos naturais. Livro do professor. São Paulo: Editora Scipione, 2002. 192p.
MAGNOLI, D. GÉIA. Fundamentos da Geografia. Livro do professor. 5.Série. Paisagem
e Espaço Geográfico. Ensino Fundamental. São Paulo: Editora Moderna, 2002. 223p..
MOREIRA, R. Repensando a geografia. In: SANTOS, M. (org.). Novos Rumos da
Geografia Brasileira. São Paulo: Editora HUCITEC, 1982. P 35-49.
MOREIRA, I. Construindo o espaço humano. Livro do professor. 5ª Série. São Paulo:
Editora Ática, 2002. 280p.
MORAES, A. C. R.; COSTA,W. M. da. A geografia e o processo de valorização do
espaço. In: SANTOS, M. (org.). Novos Rumos da Geografia Brasileira. São Paulo:
Editora HUCITEC, 1982. P. 111 -130.
ROSSATO-SUERTEGARAY, D. M. A Geografia que se faz é a que se ensina.
Orientação, São Paulo, Instituto de Geografia, USP, novembro 1985. p. 85-88.
SEABRA, M. Geografia(s). Orientação, São Paulo, Instituto de Geografia, USP, outubro
1984. p. 9-18.
VESENTINI, J. W.; VLACH, V. Geografia Crítica. Livro do professor. Volume 1. São
Paulo: Editora Ática, 2002. 184p.