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Ó

DEDICATÓRIA

Dedico estes rabiscos à minha família, toda ela, e a todos os


irmãos e irmãs na fé que, de maneira corajosa, desafiam a extrema
valorização dos fundamentos estéticos; valores estes que se
transformaram em colunas fundamentais da forma de ser da
sociedade humana.
Nestes tempos, somos desafiados a viver a verdade sem
esconder nossas atrofias e defeitos, sejam eles externos ou
internos. Devemos estar cheios da convicção de que nossa relação
com nosso Pai será mais intensa se nos apresentarmos inteiros e
verdadeiros.
Conta-se que certo pregador, depois de sua prédica, foi
interrogado por um homem que, em virtude de um acidente, perdera
suas duas pernas.
– Pregador, Deus aceita um homem pela metade? –
perguntou o homem.
– Deus aceita um homem pela metade que se entregue por
inteiro, todavia, não aceita um homem inteiro que se entrega pela
metade – respondeu o pregador.
Bom pensar sobre o assunto...
AGRADECIMENTOS
A todos os queridos amigos e irmãos que me incentivam a trazer à
tona aquilo que Deus tem derramado em minha alma,
especialmente aos irmãos e irmãs da Comunidade Cristã Novo Dia,
igreja que suporta minhas idiossincrasias e me desafia, todos os
dias, a permitir que minhas aparentes fraquezas e defeitos não
sejam escondidos por trás dos panos sacerdotais de perfeição e
impecabilidade.
Nossa comunidade, a partir de muitos desafios, aceitou ser
compelida pelo Espírito Santo a viver sem máscaras, reconhecendo
nossas diferenças sem, contudo, negligenciar a verdade.
Á
PREFÁCIO
O ser humano é relacional e sistêmico. Ele necessita do outro
para ser pleno em sua individualidade. Esse axioma paradoxal nos
impele à busca de relacionamentos interpessoais.
A busca pelo outro perdeu sua essência quando o desejo de
manifestar aos demais um falso self nos roubou nossa identidade
sincera. Abdicamos do nosso eu pela imagem que desejamos que o
outro veja, uma imagem idealizada e, por vezes, irreal.
O século XXI é notadamente o tempo da imagem. O mundo pós-
internet é um novo universo, onde a imagem passou a ocupar um
protagonismo ainda maior nas relações humanas. O fenômeno das
redes sociais, notadamente o Facebook, veio para maximizar essa
sede por ela, principalmente no Brasil, um dos países onde há mais
pessoas conectadas a essa rede.
A grande questão envolvida na imagem postada, curtida e
compartilhada nas redes sociais é que ela não precisa ser real,
desde que seja bela. O estético devorou, de uma vez por todas, a
ética nas relações humanas.
Infelizmente, em nossa relação com nosso Pai Celestial, também
desenvolvemos uma imagem hipócrita, longe daquela imagem e
semelhança da criação. Deformamos a forma inicial.
Cesar Carvalho buscará, nas linhas a seguir, levar-nos a um
questionamento crítico e verdadeiro acerca da nossa relação com o
Pai e com nossos irmãos. Tendo o Salmo 145 como base e pano de
fundo, o autor nos instigará a pensar e a repensar nossa fome
insaciável por aceitação a qualquer custo.
Está lançado o desafio. Que nossas ceras se derretam diante do
calor da verdade revelada. Quiçá saiamos depurados dessa leitura,
prontos para nos encararmos no espelho e admitirmos quem
realmente somos diante de um Deus Misericordioso que ama a
verdade.
Pr. Francisco Syl Farney Comunidade
Evangélica de Mesquita(RJ).

Á
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
SEM CERA
CAPÍTULO 2
ONDE TUDO COMEÇOU
CAPÍTULO 3
BOA INTENÇÃO
CAPÍTULO 4
MASCARANDO A MALDADE
CAPÍTULO 5
PARECE, MAS NÃO É
CAPÍTULO 6
EXPONHA-SE
CONCLUSÃO
Introdução
Não há maior realização para a humanidade do que se relacionar
com seu criador. Todas as respostas e confirmações da existência
são encontradas Nele, a quem, por obra de Jesus, aprendemos a
chamar de Pai. No Pai temos a possibilidade do significado e
ressignificado que tanto buscamos e ansiamos no transcorrer do
que chamamos de vida.
Quando entendemos isso, somos tomados pelo contentamento e
libertos de todas as amarras de nossa alma.
O apóstolo Paulo afirma ter “aprendido os segredos do
contentamento” numa relação de intensidade e verdade com Ele:
“Tudo posso Naquele que me fortalece”.
A expressão paulina “estar em Cristo” aparece 164 vezes no Novo
Testamento e empresta ao apóstolo suas convicções mais
elementares e essenciais.
Nosso grande desafio é entender e aceitar que não alcançamos
essa realidade por optarmos esconder quem somos de verdade.
Ao olharmos para nós mesmos e nos depararmos com nossa
realidade por vezes feia, torta e até constrangedora, nos fechamos,
seja pela culpa, seja pelo medo da rejeição, ou outro qualquer
sentimento.
Uma das mais emblemáticas passagens bíblicas revela essa
verdade. Jesus é crucificado entre dois malfeitores. Em dado
momento, enquanto um apela para o poder do Senhor para ser
liberto, o outro vence a autopiedade e, reconhecendo a tortuosidade
de sua vida, pede misericórdia.
O primeiro parece sucumbir ao desejo de querer de Deus somente
para esta existência. Já o segundo, por conta de sua decisão
corajosa de enxergar sua vida pela lente da verdade, recebe uma
palavra libertadora:
“Hoje mesmo estarás comigo no paraíso”.
Este pequeno livro buscará nos conduzir de volta à suprema
verdade: “Deus não se relaciona com nossas fantasias e
pseudospersonagens, somente com a verdade nua e crua” de cada
um de nós.
Sem cera

“O Senhor está perto de todos os que o invocam, de todos os que o


invocam com sinceridade.” (Salmo 145:18)

A escultura é uma forma de expressão artística que remonta à


Antiguidade. O ser humano parece ter sempre se interessado em
moldar a matéria, seja ela um bloco de pedra, madeira ou metal,
com a intenção de criar formas tridimensionais. Apesar da beleza do
trabalho final, quando projetavam e elaboravam suas obras, os
escultores antigos não podiam evitar alguns deslizes, fosse pela
limitação do artista ou pelo tipo de material.
Ao final, a escultura sempre apresentava algumas rachaduras,
alguns defeitos. Sendo assim, como a apresentariam ao público?
Ora, era muito simples. O procedimento adotado nessa etapa era
passar cera sobre o material esculpido. Assim, tudo o que estava
defeituoso, as pequenas rachaduras e as sutis quebraduras do
material desapareciam aos olhos de quem observava.
Técnicas como essa são empregadas até os dias de hoje. Imagino
que o leitor já tenha visitado museus ou galerias de arte. As obras
parecem impecáveis, não é mesmo? Isso se deve ao uso de um
produto formulado exatamente para esconder tais defeitos.
Você deve estar se perguntado o que isso tudo tem a ver com o
versículo proposto na abertura deste capítulo. “O Senhor está perto
[...] de todos os que o invocam com sinceridade”. Outras versões,
como a Almeida Revista e Atualizada, ao final do verso, trazem a
palavra “verdade”. Não obstante, optei por adotar a Nova Versão
Internacional, pois traz a palavra “sinceridade”. A origem dessa
palavra provém do latim sincerus, sincera, que significa limpo, puro,
todo, genuíno, inteiro.
A Palavra de Deus nos diz que o Senhor está perto de quem o
invoca com sinceridade. Isso significa que Ele quer que nos
aproximemos de forma pura, genuína, sem esconder os nossos
defeitos, assim como um escultor que apresenta a sua obra de
forma integral, sem precisar recorrer à cera para passar a imagem
daquilo que de fato não é.
Desde a origem como sociedade humana, temos feito uma
escolha perigosa. Nos dias de hoje, essa decisão tem se mostrado
de forma radical: temos decidido por aquilo que é estético e aberto
mão do que é ético para poderemos aparentar coisas que, na
verdade, não somos. Queremos exibir às pessoas coisas que, na
verdade, não temos. Aparentamos aquilo que gostaríamos de ser,
mas não somos de verdade.
Estamos sendo sufocados pela intransigência da forma, do belo
contemporâneo, da obrigatoriedade estética em todas as nossas
relações. A cirurgia plástica está alcançando o status de primeira
necessidade. A cosmética movimenta bilhões de dólares ao redor
do mundo. Vivemos preocupados com nossa aparência.
Não quero desvalorizar o lugar da aparência, apenas trazê-la a
um patamar mais palatável a todos.
Contudo, com muito temor e profundo respeito à forma diferente
de pensar, avalio que essa pressão contemporânea tem atingido
alguns aspectos de nossa devoção cristã, e isso é extremamente
perigoso.
Do ponto de vista pessoal, essa escolha tem levado muitos pelo
caminho da hipocrisia, que etimologicamente significa representar
um papel, ou até mesmo fingir atitudes condenadas por Jesus,
principalmente em relação aos religiosos, conforme se vê em todo o
texto de Mateus, capítulo 23, do qual destaco o versículo 27: “Vocês
são como sepulcros caiados: bons por fora, mas por dentro estão
cheios de ossos e de todo o tipo de imundícia”.
Essa priorização da aparente devoção tem, a meu juízo,
aprofundado o abismo entre a sociedade, que precisa e anseia por
um encontro genuíno com Deus, e a Igreja, que deveria ser o
agente facilitador desse encontro.
Já do ponto de vista institucional, as escolhas que temos feito têm
transformado essencialmente quem realmente deveríamos ser.
Preferimos o aparente, as chamadas áreas nobres do templo, hoje
já conhecidas como “espaço VIP”, que não comportam gente como
a pobre viúva que entregou suas duas únicas pequenas moedas,
nem o anônimo carregador de cântaros que conduziu o colégio
apostólico ao lugar da comunhão, muito menos os desafortunados
moradores da Galileia.
Estamos fazendo escolhas equivocadas. As consequências
podem ser desastrosas.

“A tentação do momento é aparência sem conteúdo.”


Brennan Manning

MEDITE NA PALAVRA:
“Esta é a palavra que veio a Jeremias da parte do Senhor:
‘Vá à casa do oleiro, e ali você ouvirá a minha mensagem’. Então
fui à casa do oleiro, e o vi trabalhando com a roda.
Mas o vaso de barro que ele estava formando estragou-se em
suas mãos; e ele o refez, moldando outro vaso de acordo com a
sua vontade. Então o Senhor dirigiu-me a palavra:
‘Ó comunidade de Israel, será que eu não posso agir com vocês
como fez o oleiro?’, pergunta o Senhor. ‘Como barro nas mãos do
oleiro, assim são vocês nas minhas mãos, ó comunidade de Israel.”
(Jeremias 18:1-6)
Onde tudo começou
“Então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra e soprou
em suas narinas o fôlego de vida, e o homem se
tornou um ser vivente. Ora, o Senhor Deus tinha plantado um
jardim no Éden, para os lados do leste, e ali colocou o homem que
formara. Então o Senhor Deus fez nascer do solo todo tipo de
árvores agradáveis aos olhos e boas para alimento. E no meio do
jardim estavam a árvore da vida e a árvore do conhecimento do
bem e do mal.” (Gênesis 2:7-9)
No início, Deus estabelece um jardim. Nele, Ele coloca um casal.
Mal podemos imaginar as inúmeras maravilhas de que
desfrutavam. Dentre todas as dádivas do Éden, o casal tinha que
respeitar uma única ordem: “Coma livremente de qualquer árvore
do jardim, mas não coma da árvore do conhecimento do bem e do
mal, porque no dia em que dela comer, certamente você morrerá”
(Gên. 2:16-17). O tempo passou, não se sabe exatamente quanto.
A mulher foi seduzida, assim como o homem. Acompanhe o relato
bíblico a seguir:
“Ora, a serpente era o mais astuto de todos os animais selvagens
que o Senhor Deus tinha feito. E ela perguntou
à mulher: Foi isto mesmo que Deus disse: ‘Não comam de nenhum
fruto das árvores do jardim’? Respondeu a mulher à serpente:
Podemos comer do fruto das árvores do jardim, mas Deus disse:
‘Não comam do fruto da árvore que está no meio do jardim, nem
toquem nele; do contrário vocês morrerão’. Disse a serpente à
mulher: Certamente não morrerão! Deus sabe que, no dia em que
dele comerem, seus olhos se abrirão, e vocês, como Deus, serão
conhecedores do bem e do mal. Quando a mulher viu que a árvore
parecia agradável ao paladar, era atraente aos olhos e, além disso,
desejável para dela se obter discernimento, tomou do seu fruto,
comeu-o e o deu a seu marido, que comeu também.”
(Gên. 3:1-6)

A Bíblia conta que Deus vinha conversar com o homem na viração


do dia. O Senhor se relacionava com sua criação. Deus mais uma
vez vem. No entanto, após o relato da queda, a Bíblia conta que o
Senhor chama Adão de maneira inusitada.
“Mas o Senhor Deus chamou o homem, perguntando:
Onde está você?”
(Gên. 3:9)

Deus é onisciente. O que isso significa? Muitos creem em um


monte de coisas sobre Deus, mas sabem pouquíssimo a respeito
delas. A onisciência de Deus revela o seu saber absoluto, pleno, o
seu conhecimento infinito sobre todas as coisas. Em suma, Deus
sabe tudo.
“Grande é o nosso Soberano e tremendo é o seu poder; é
impossível medir o seu entendimento.”
(Salmo 147:5)

Como pode um Deus que sabe tudo entrar no jardim perguntando:


“Adão, onde você está?”. Se ele conhece tudo, obviamente sabia
exatamente em que arbusto Adão se escondera. Assim, conclui-se
que não se tratava de falta de conhecimento de Deus, mas de uma
oportunidade para que Adão manifestasse a verdade que tinha
vivido.
O homem, contudo, sai daquele lugar meio amedrontado e
apavorado. Deus questiona: “O que está fazendo, meu amigo?”, e
Adão responde: “Ouvi teus passos no jardim e fiquei com medo,
porque estava nu; por isso me escondi”. Note que, entre tantas
coisas que o homem poderia ter dito para se explicar, ele somente
afirma: “Fiquei com medo”. Ele não diz: “Eu fiz o que não devia”, ou
ainda “Eu cometi aquilo que o senhor falou para não fazer”. Adão
simplesmente respondeu: “Eu estava nu”.
Essa resposta de Adão revela que o que ele de fato privilegiava
era a aparência. Assim que se dão conta do pecado que
cometeram, o homem e sua mulher juntam folhas de figueira para
cobrir-se. Não queriam parecer nus diante de Deus. O Senhor,
porém, já havia desvendado a verdade por trás de seus corações.
Não há folhas de figueiras ou mesmo roupas que possam
disfarçar o nosso estado caído diante daquele que nos criou.
Ao sair de trás das folhagens, aquilo que não tinha nenhuma
importância ganhou notoriedade e destacada proeminência no
coração da humanidade. Nossos primeiros pais acabaram por
destronar a relação pura e irreligiosa na qual foram criados e
entronizaram o conceito de “manter as aparências”.
Somos frutos dessa decisão e escolha, mas não destinados a
repeti-las. A cada dia, somos chamados ao encontro com o Pai e
devemos resistir à tentação de esconder o que achamos atrofiados
em nós. O que eu e você temos tentado esconder? O
aperfeiçoamento e aprofundamento de nossa relação com o Senhor
somente se dará se nos apresentarmos com o interior
desmascarado diante Dele. Afinal, Ele sabe tudo a nosso respeito.

“Deus nos chama a todos para fora do esconderijo. Ele


nos chama de onde quer que tenhamos ido para
encontrar vida, chama-nos de volta para casa”.
Brennan Manning

MEDITE NA PALAVRA:

“Nada, em toda a criação, está oculto aos olhos de Deus.


Tudo está descoberto e exposto diante dos olhos daquele a quem
havemos de prestar contas.”
(Hebreus 4:13)
Boa intenção
“Não somos como Moisés, que colocava um véu sobre a face para
que os israelitas não contemplassem o resplendor que se
desvanecia.”
(2 Coríntios 3:13)

Moisés não tinha no coração o desejo maligno de enganar seu


povo, mas sim de mantê-lo unido em torno daquilo que Deus tinha
trazido a partir de suas mãos. Embora Paulo desejasse manifestar
a superioridade da nova aliança, acabou por esbarrar na questão
central deste livro: a importância que damos à aparência.
Na decisão, somos conduzidos à supervalorização do efêmero,
cobrindo ou encobrindo nossas fragilidades na expectativa de que
as pessoas que nos cercam vejam nossa capacidade ou
competência. Sendo assim, alimentamos o perverso sistema que
transforma os valores do genuíno evangelho de Jesus. O carisma
acaba por consolidar seu lugar nas sociedades religiosas e tira o tão
necessário e essencial espaço do caráter.
Com isso, vamos confirmando um dos sinais do fim: “Homens que
mantêm a aparência de piedade, mas negam seu poder”.
Precisamos construir relacionamentos com Deus e com os irmãos
que nos permitam o nosso desmascaramento.
Embora nunca tenha desenvolvido uma compulsão por
substâncias viciantes, recentemente fui levado a uma reunião de
apoio à pessoa e à família de um dependente químico. Uma
sensação mista de compaixão e deslumbramento me tomaram. A
compaixão pelas pessoas e famílias que sofrem nessa condição. O
deslumbramento pela maneira radical como os dependentes se
desmascaram diante de nós.
Creio que esse é o caminho: não na grande concentração
congregacional, mas no estímulo a nos relacionarmos a partir de
nossas feridas, e não de nossa beleza.
É tempo de a Igreja se consolidar como espaço para a
manifestação da verdade. Por mais feia que seja a realidade, será
sempre melhor que a máscara.
Que o calor do Espírito Santo derreta a cera que tenta nos
esconder.

“Não ser outra pessoa a não ser você mesmo, num


mundo que, dia e noite, faz todo possível para que
você seja outro, significa travar a mais árdua batalha
que um ser humano pode travar”. Brennan
Manning

MEDITE NA PALAVRA:

“Por tanto, não tenham medo deles. Não há nada escondido que
não venha a ser revelado, nem oculto que não venha a se tornar
conhecido.”
(Mateus 10:26)
Mascarando a maldade

“Passado o luto, Davi mandou que a trouxessem


(Bate–Seba) para o palácio.” (II
Samuel 11:27a)

Sem menor dúvida, a Bíblia é extraordinária por vários aspectos,


mas um deles em particular representa uma singularidade especial:
mesmo construindo sua saga a partir de homens e mulheres
ímpares, ela não nega nem esconde as falhas, erros e defeitos de
seus principais heróis. Em nosso tempo, nossos heróis são sempre
protegidos e apresentam sua capacidade e poder, que geralmente
se escondem por trás de uma fragilidade. Nossos atuais heróis são
“mascarados” para tentarem viver uma vida comum.
A história que abre este capitulo é extremamente conhecida,
principalmente em seu desfecho. Davi já era um rei muito querido,
mas deixou de fazer o que se esperava dele. Tudo estava disponível
para ele, mas, em vez de desfrutar disso, acabou por se envolver
numa sórdida trama, com consequências seríssimas para seu
futuro.
O rei salmista chega a declarar que “as culpas o afogaram” (Sl.
38), mas, em vez de imediatamente reconhecer seu erro, constrói
ou tenta armar uma farsa que ocultasse a verdadeira história. No afã
de resolver malignamente a situação, aprofunda sua vergonha,
causando o assassinato de um homem fiel.
Justamente ele, que havia sido escolhido por Deus em detrimento
da melhor aparência de seus irmãos, foi apanhado na armadilha
invisível do disfarce da realidade. Entretanto, Deus, por sua
misericórdia implacável, o livra de sua máscara de bom rei e
defensor dos mais frágeis e sofredores.
Você matou Urias, o hitita, com a espada dos Amonitas e ficou com a
mulher dele”
(II Sm 12:9)

Foi desta forma que Deus se apiedou dele: removendo a capa


com que tentava cobrir suas mazelas. Meu sincero desejo é que o
Altíssimo também remova minhas capas e máscaras. Que eu
consiga reproduzir na minha vida o que o rei desmascarado
expressa após a revelação de sua realidade perversa:
“Cria em mim um coração puro, ó Deus, e renova dentro de mim
um espírito estável [...] Sustenta-me com espírito pronto a
obedecer.”
(Salmo 51:10-12)

“Examinei meu coração a fim de encontrar dignidade


em ser amado por Deus, nada encontrei. Mas
quando me virei
para Cristo, percebi que o amor saía dali
gratuitamente. É o amor de Cristo que significa o
homem.” Brennan Manning

MEDITE NA PALAVRA:

“Esta é a mensagem que dele ouvimos e transmitimos a vocês:


Deus é luz; nele não há treva alguma. Se afirmarmos que temos
comunhão com ele, mas andamos nas trevas, mentimos e não
praticamos a verdade. Se, porém, andarmos na luz, como ele está
na luz, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus,
seu Filho, nos purifica de todo pecado.”
(1 João 1:5-7)
Parece, mas não é
“No quinto ano do reinado de Roboão, Sisaque, rei do
Egito, atacou Jerusalém. Levou embora todos os tesouros do
templo do Senhor e do palácio real, inclusive os escudos de ouro
que Salomão havia feito. Por isso o rei Roboão mandou fazer
escudos de bronze para substituí-los e os entregou aos chefes da
guarda da entrada do palácio real. Sempre que o rei ia ao templo
do Senhor, os guardas empunhavam os escudos e, em seguida, os
devolviam à sala da guarda.”
(1 Reis 14:25-28)
O rei Roboão está em um momento singular do seu reinado. Ele é
atacado por Sisaque, rei do Egito, que leva os tesouros do seu reino
e do palácio real. No lugar dos escudos de ouro que foram levados,
o rei manda fazer escudos de bronze. Assim, quando ele passasse,
os soldados se posicionariam usando esses escudos, já que o
bronze, quando polido, parece ouro.
Com essa atitude, o que Roboão está dizendo é que não importa
que Sisaque tenha levado o tesouro, o importante é que,
aparentemente, estivesse com seus escudos no lugar.
O trecho narrado ilustra e traça um paralelo com o que estamos
vivendo hoje, não somente no contexto da nossa sociedade, mas
principalmente no da igreja. Tem havido uma tragédia no que diz
respeito às aparências. O espírito de Roboão parece ter conseguido
espaço em nosso tempo. Desde que pareça estar bem, deve estar
certo. Guiamo-nos por aquilo que parece ser certo, e não pelo que
de fato é.
Nosso ouro é bronze, nossos cultos, shows. Os crentes devotos
se transformaram em devoradores de performances. Consumidores
insaciáveis em busca de satisfação pessoal.
Como tratar isso? Como retornar ao caminho?
Precisamos parar de cultivar a ideia de uma relação a partir da
nossa capacidade e nos voltarmos decisivamente às relações de
profundidade com o Senhor.
“Mas e o nosso pecado?”, perguntam alguns. “O que fazer?”
Afirmo sem medo que o problema do pecado foi resolvido na cruz.
O problema de Deus conosco não é mais o pecado generalizado,
mas nossa insistência em sermos desonestos. Tentamos nos
esconder, travestir a nossa mentira de verdade, disfarçar o nosso
fracasso de sucesso, transformar o nosso pecado em santidade,
ungir a nossa desonestidade para aparentarmos ser melhores do
que somos; isso sim desagrada ao Senhor.
Deus está chamando a igreja para perto Dele. Não uma igreja que
se esconde, mas uma igreja que se revela em suas imperfeições,
que é verdadeira, mesmo em suas falhas.
Pare de fazer escudos de bronze para que pareça estar
carregando ouro. Você somente está enganando a si mesmo. Desde
o início, Deus já sabe que o seu tesouro está corrompido. É uma
questão de tempo até que as outras pessoas descubram.

O que fazemos com os sentimentos determinará se


nossa vida será honesta ou baseada em
falsidade.”
Brennan Manning

MEDITE NA PALAVRA:

“Mas ele [o Senhor] me disse: ‘Minha graça é suficiente a você,


pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza’. Portanto, eu me
gloriarei ainda mais alegremente em minhas fraquezas, para que o
poder de Cristo repouse em mim. Por isso, por amor de Cristo,
regozijo-me nas fraquezas, nos insultos, nas necessidades, nas
perseguições, nas angústias. Pois, quando sou fraco, é que sou
forte.”
(2 Coríntios 12:9-10)
Exponha-se

“Noutro sábado, ele entrou na sinagoga e começou a ensinar;


estava ali um homem cuja mão direita era atrofiada. Os fariseus e
os mestres da lei estavam procurando um motivo para acusar
Jesus; por isso o observavam atentamente, para ver se ele iria
curá-lo no sábado. Mas Jesus sabia o que eles estavam pensando
e disse ao homem da mão atrofiada:
“Levante-se e venha para o meio”. Ele se levantou e foi. Jesus
lhes disse: “Eu pergunto: O que é permitido fazer no sábado: o bem
ou o mal, salvar a vida ou destruí-la?” Então, olhou para todos os
que estavam à sua volta e disse ao homem: “Estenda a mão”. Ele a
estendeu, e ela foi restaurada. Mas eles ficaram furiosos e
começaram discutir entre si o que poderiam fazer contra Jesus.”
(Lucas 6:6-11)
Era um sábado e Jesus estava numa sinagoga. Os líderes
religiosos queriam prová-lo em algumas questões importantes para
a religião da época. Naquela reunião havia um jovem cuja mão
direita era atrofiada. Os religiosos sabiam que esse jovem estava lá,
no entanto, nunca se propuseram a ajudá-lo.
Por melhor que seja, a religião não pode mudar a vida de
ninguém. Ela não pode ajustar os caminhos ou recuperar os
atrofiados da sociedade. Por mais bem-intencionada que seja, a
religião não pode tratar com o homem, pois ela é a tentativa humana
de atingir o coração de Deus. Contudo, há alguém que pode mudar
toda essa realidade: Jesus, o Cristo que adoramos.
Havia uma necessidade. Os religiosos então disseram entre si:
“Vamos ver se Jesus vai curar no sábado”. O Mestre, conhecendo
os pensamentos deles e sabendo que o jovem estava lá, faz um
convite àquele rapaz.
Imagine-se na situação daquele jovem. Naquele contexto, ter um
membro do corpo atrofiado não era somente um motivo de
vergonha, era também uma espécie de maldição. A religião
discriminava aqueles que sofriam determinadas atrofias. Eles viviam
à margem da sociedade. Talvez, durante toda a sua trajetória de
vida, tal jovem escondeu o seu defeito para poder conviver melhor
com a sua comunidade. A fim de se relacionar minimamente com a
sociedade, ele esconde a sua atrofia. A religião sabe disso, mas não
faz nada.
“[Jesus] disse ao homem da mão atrofiada: “Levante-se e venha
para o meio”.
Caro leitor, você é tímido? Expressar-se talvez seja difícil. Falo por
experiência própria, pois já fui muito tímido e ainda continuo sendo
em algumas situações.
Imagine então a condição daquele moço com atrofia. Tudo que ele
não quer é aparecer na reunião. Ele prefere ficar escondido no seu
canto, na dele. Ele quer viver a própria religião, o seu momento. De
repente, olhando para o coração dos que estão ali reunidos e vendo
aquele moço, Jesus lhe diz o seguinte: “Levante-se e venha para o
meio”.
Tente pensar na dificuldade com que aquele moço se levantou.
Seja como for, a verdade é que ele teve iniciativa. Sua mão, assim
como o seu defeito, deveria estar muito bem escondida por debaixo
de suas roupas. Quando ele chega diante de Jesus, o Mestre faz
algo que nenhum tímido ou defeituoso gostaria que lhe fizessem.
Jesus olha nos olhos do moço e diz: “Agora, filho, estenda a sua
mão e mostre para mim o seu defeito”.
Os evangelhos contam que, à medida que a mão atrofiada do
moço saía do seu esconderijo e se aproximava de Jesus, ia ficando
perfeita, íntegra, curada. Quando chega diante do Mestre, já não
havia atrofia nenhuma. Jesus já o curara.
Você tem defeitos? Acredito que sim. Imagino que deve escondê-
los muito bem. A maioria das pessoas nem percebe que você os
tem, não é mesmo? A mensagem dessa ilustração é simples: pare
de esconder a si e os seus defeitos. Deus deseja restaurar a sua
vida, Ele quer mudar a sua história. Deus deseja tratar você. Talvez
o que é a maior das vergonhas da sua vida se transforme como a
mão daquele rapaz, que se torna o milagre vivo a ser contado para
as pessoas à sua volta.
Quando chegou à sinagoga, penso eu, o jovem estava com as
mãos escondidas. Quando saiu, elevou-as para o alto dizendo:
“Glória a Deus por Jesus Cristo, que, mesmo vendo o meu defeito,
não fez vista grossa para ele. Quando eu expus a minha vida, a
minha realidade, a minha verdade, Ele mudou a minha história”.

“No evangelho, a confissão do pecado é a


expressão mais generosa, segura e venturosa do
coração humano. É um risco que só se corre quando
se tem certeza de ser uma pessoa aceitável e aceita.
Você só se expõe o pior que tem por dentro à
pessoa que ama. Para um mundo fascinado, Jesus
apresenta um Deus que convida a tal confissão
apenas para revelar seu amor no íntimo das
pessoas. Essa confissão, no contexto da aceitação
divina, libera as
energias mais profundas do espirito humano e
constitui a essência da
revolução do evangelho.”
Sebastian Moore

A paz que o mundo promete mas não pode dar é


encontrada num relacionamento apropriado
com Deus”
Brennan Manning

MEDITE NA PALAVRA:

O Senhor não vê como o homem: o homem vê a aparência, mas o


Senhor vê o coração.”
(1 Samuel 16:7b)
Conclusão

Precisamos fazer uma decisão: ou nós vamos continuar vivendo a


religião das aparências, da estética, daquilo que se mostra belo,
bonito, certo, bem-sucedido, ou vamos mostrar a Deus a verdade,
quem de fato somos, aquilo que estamos escondendo, que estamos
tentando impedir que as pessoas e Deus vejam.
O Senhor está chamando a Sua igreja para que se apresente a
Ele. Ele lhe diz: “Estenda a sua mão, mostre-me a sua atrofia, faça
com verdade. Mostre o seu defeito para mim”.
Qual é o seu defeito? É alguma coisa que alguém já conhece? O
seu defeito é alguma coisa que só você sabe? Se manifesta na
exterioridade ou está escondido no recôndito de uma alma dolorida?
Você até tenta deixá-lo, mas acaba por esconder, escamotear,
fantasiar, colocar máscaras...
Deus há de desmascarar todos nós. O Senhor não se relaciona
com mascarados, Ele só se relaciona com a verdade, por mais feia
e torta que possa parecer. Deus não tem problemas para
desentortar as nossas tortuosidades, para reconstruir as nossas
atrofias; Ele tem o poder para mudar isso e muito mais.
A única coisa que precisamos é de sinceridade, ter a coragem de
dizer: “Sou eu, Senhor. Eu sou esse jovem com a mão atrofiada,
essa pessoa que anda vivendo escondendo seus defeitos no meio
da multidão. Tenho vivido uma fé religiosa, mas, por trás de uma
máscara, eu quero viver a realidade de um relacionamento
profundo, poderoso e honesto com o Senhor. Eu sou assim, Senhor,
mas eu quero ser quem Tu desejas que eu seja”.
Há de chegar um dia em que a verdadeira igreja de Jesus se
manifestará em verdade e terá a ousadia de abraçar as pessoas
como elas realmente são. Assim, pararemos de trabalhar a estética
e nos aprofundaremos na verdadeira ética.
Você quer apresentar o seu defeito para Jesus? O Senhor sabe
que muitos têm vivido marginalizados no meio da multidão,
escondendo a realidade de sua vida, não falando profundamente,
com verdade. Apresente-se diante do Senhor como você é; tenho
certeza de que Ele não o rejeitará. Isso que hoje você tenta
esconder será o testemunho da transformação da sua vida. Cremos
num Jesus que é o Senhor da misericórdia. Ele pode mudar a sua
vida!
ORAÇÃO:

“Pai, estou diante de ti. O Senhor conhece o que se passa no meu


coração. Tu és onisciente, conheces os meus passos, a minha vida.
Tu conheces o meu levantar e o meu deitar. Tu conheces o profundo
do coração. Diante dos Teus olhos, assim como aquele primeiro
casal, eu não posso fugir. Os Teus olhos me alcançam. Também
creio que a Tua misericórdia me alcança através de Cristo Jesus. É
em nome de Jesus, Senhor, que rogo que o meu coração seja
profundamente quebrantado para reconhecer as minhas limitações
e fraquezas. Também quero declarar o Teu poder de restauração
sobre a minha vida, assim como Tu fizeste no passado. Creio que
Tu és o mesmo Deus ontem, hoje e eternamente.
Confio, ó Deus, nas Tuas infinitas misericórdias, que se renovam
a cada manhã. É em nome de Jesus que rogo pela
A ILUSÃO DAS APARÊNCIAS

Tua bênção. Suplico que a Tua graça seja transbordante para me


curar e santificar a cada dia, porque desejo manifestar, em toda a
minha caminhada, o bom perfume de Cristo Jesus”.
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