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MANUAL

DE APOIO

Curso/ Unidade: Formadora:


Intervenção Socioeducativa Fátima Caetano

Código: Carga horária:


10379 50 Horas de Formação
Índice

Índice ………………………………………………………………………………………………………………………………………….. 2
Objetivos ………………………………………………………………………………………………………………………………….…. 3
Conteúdos Programáticos …………………………………………………………………………………………………………… 4
Introdução ………………………………………………………………………………………………………………………………….. 5
1. Educação – Conceito geral ………………………………………………………………………………………………………. 6
2. Definição de (in)sucesso escolar e sucesso educativo ……………………………………………………………… 9
3. A escola como um quadro de interações sociais ……………………………………………….…………………… 11
3.1. Ao atores educativos e a comunidades escolar …………………………………….……………….. 11
4. Teorias explicativas do (in)sucesso escolar ……………………………………………………………………………. 13
4.1. Teoria dos dons naturais ……………………………………………………………………………………….. 13
4.2. Teoria do handicap sociocultural …………………………………………………………………………… 16
4.3. Teoria socioinstitucional ………………………………………………………………………………………… 20
5. Os diferentes códigos linguísticos …………………………………………………………………………………….……. 24
5.1. Código elementar ou restrito …………………………………………………………………………………. 25
5.2. Código elaborado …………………………………………………………………………………………………… 26
6. Práticas pedagógicas ……………………………………………………………………………………………………………… 27
6.1. Abordagem multinível ………………………………………………………………………………………….… 29
7. Abordagem transformadora/transformativa …………………………………………………………………………. 31
Bibliografia ……………………………………………………………………………………………………………………………….. 37

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Objetivos Gerais
 Reconhecer as diferentes dimensões da educação como um fenómeno social e
uma ferramentade transformação social.
 Identificar a pluralidade de fatores que contribuem para o (in)sucesso escolar e o
papel de todos os atores da comunidade escolar no sucesso do processo
educativo.
 Reconhecer a importância da escola e do contexto escolar como resposta social de
intervenção.

Objetivos Específicos
No final da formação, os formandos e as formandas deverão ser capazes de:

 Reconhecer o conceito de educação.


 Identificar as diferenças entre sucesso e insucesso escolar.
 Reconhecer a escola como uma ferramenta de transformação social.
 Reconhecer as teorias explicativas do insucesso escolar.
 Conhecer todas as teorias explicativas do insucesso escolar
 Identificar as características do código elementar ou restrito.
 Identificar as características do código elaborado.
 Planear as medidas pedagógicas de acordo com as características do aluno.
 Identificar os princípios de aprendizagem transformadora/transformativa.
 Demonstrar num teste de avaliação de pelo menos 50% dos conteúdos
desenvolvidos ao longo da formação.

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Conteúdos Programáticos
1. Educação – conceito geral
2. Definição de (in)sucesso escolar e sucesso educativo
3. A escola como um quadro de interações sociais
3.1. Os atores educativos e a comunidade escolar
4. Teorias explicativas do (in)sucesso escolar
4.1. Teoria dos dons naturais
4.2. Teoria do handicap sociocultural
4.3. Teoria sócio institucional
5. Os diferentes códigos linguísticos
5.1. Código elementar ou restrito
5.2. Código elaborado
6. Práticas pedagógicas
6.1. Abordagem multinível
7. Abordagem transformadora/ transformativa

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INTRODUÇÃO
A educação é tão antiga como a própria Humanidade, parecendo constituir um
dos primeiros sustentáculos da própria sobrevivência do Homem. Através da
educação, pretende-se que o ser humano se adapte ao meio/ambiente, criando
condições para a aquisição e desenvolvimento de conhecimentos, valores e atitudes
favoráveis a essa adaptação.
Para se fazer uma eficaz análise à situação atual da educação em Portugal, é
necessário atendera três vetores: os pais, a sociedade e a escola.
Cada vez mais, os pais delegam quase integralmente na escola a educação dos
filhos, limitando a sua ação educativa a castigos por maus comportamentos. A forma
como grande parte dos pais portugueses educa os filhos incentiva nestes a falta de
autoconfiança, a falta de iniciativa e de responsabilidade.
Deve reconhecer-se que o problema atual da educação das crianças e dos jovens
é um problemade toda a sociedade e de cada adulto.
Todos temos uma responsabilidade com as gerações futuras. Compete-nos
preparar os jovens para a vida adulta, preparando-lhes um tipo de sociedade onde seja
possível viver.
Durante muito tempo, a escola foi vista como única fonte de saber, capaz de
assegurar prestígio e posição social. Hoje, embora continue a ter um papel importante,
ela já não tem o "monopólio" do saber exclusivo, ou seja, atualmente há já muitas
outras fontes de informação igualmente credíveis. Nestas novas fontes de informação
estão incluídas as novas tecnologias que são excelentes meios para a construção do
conhecimento.
A escola já não deve ser encarada como um espaço fechado e triste, mas sim
como um lugar de prazer e de aprendizagem. Para tal, o contributo do professor é
fundamental. O papel deste não se deve resumir à transmissão de teorias muitas vezes
já em desuso, mas em estar aberto à imprevisibilidade e às constantes mutações
socioculturais. O papel do professor não poderá limitar-se a uma comunicação
unilateral entre este e os seus alunos. Este papel terá de ser ativo e criativo, para que a
educação decorra numa ação cooperativa e onde haja espaço para a criatividade de
alunos e professores.
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1. Educação – Conceito geral
Todos os sistemas educativos revelam as ideologias políticas dos regimes que as
enformam. Já no século XIX, Durkheim referia: "As transformações educacionais são
sempre o resultado de um sistema de transformações sociais em termos das quais
devem ser explicitadas. Para um povo sentir, num dado momento, a necessidade de
mudar o seu sistema educacional, é necessário que novas ideias e necessidades tenham
emergido e para as quais o velho sistema já não está adequado".
Se é certo que o mundo sempre tenha estado em crise, a mesma afirmação é
mais válida hoje pelo que a transitoriedade é um feito incontroverso e a crise parece
ter-se acentuado nos últimos tempos.
Assistimos sem dúvida, a um desmoronamento dos modelos educativos
tradicionais, põe-se mesmo em causa a existência da escola, o modelo de homem e de
sociedade para que educar. Face à escola autoritária opõe-se a libertadora, face ao
conservadorismo o progresso... A conceção antinómica da escola parece ter absoluta
vigência.
Têm aparecido teorias e modelos que tentam resolver esta crise: pedagogias
não diretivas, não repressivas, libertárias e libertadoras, morte da escola, escolas novas,
etc.
Philip H Coombs analisou o problema em profundidade, as suas causas e
consequências, acentuando a ideia de que até o mesmo conceito de Educação se
alterou, especialmente a partir dos anos 70.
Para esta crise contribuíram também fatores específicos que Coombs analisa
cuidadosamente destacando entre eles a inesperada explosão escolar, a escassez de
recursos, o incessante incremento dos custos, a ineficácia dos atuais sistemas educativos
não adaptados à realidade atual, etc.
No entanto, é certo que as origens da crise se remontam a tempos pretéritos
como mostram as diversas reformas e inovações levadas a cabo, especialmente a partir
dos finais do século passado. A Escola Nova é um bom exemplo, apesar da conhecida
informação de que “não há novidade mais velha do que a escola nova».
Trata-se de um movimento que pretende modificar e aperfeiçoar a educação
com a aplicação de técnicas e conceções inovadoras. Nela se destaca o pai do centrismo, a
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vida em situação semelhante à da família, a educação moral, o trabalho manual, a
coeducação, o auto governo, a participação coletiva, etc.

Autores como J. H. Badley, H. Lietz, J. Duwey, M. Montessori, A. Ferriére, D.


Decroly, são, sem dúvida os expoentes máximos deste movimento, que se destacam
pela qualidade de criadores de escolas, pela formulação de ideologias que as sustentam,
assim como pela conceção de métodos adequados ao seu desenvolvimento.
No entanto, para o que se convencionou chamar de «crise da educação» em
sentido restrito, deve remontar-se aos acontecimentos da Universidade de Berkeley em
1964 e prosseguidos em Paris,em maio de 1968.
Independentemente das implicações políticas que puderam subjazer, é
evidente que o desajuste entre os sistemas educativos tradicionais e uma sociedade em
plena e rápida evolução incidiram no fenómeno educativo em geral e propiciaram este
espírito de contestação. Tanto as estruturas como o pensamento e a prática educativa
parecem reclamar uma mudança rápida.
A solução para esta crise não é fácil; no entanto os planos foram vários. Um
deles, a Educação Permanente é para os seus defensores mais radicais quase uma
panaceia, ou pelo menos o remédio mais eficaz para reformar a educação.
Por outro lado, é demasiadamente conhecida a existência de outros meios que
hoje representam alternativas face aos tradicionais. Os mass média e os meios
audiovisuais, a educação informal e a não formal..., recursos que à margem da escola ou

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em paralelo com ela, constituem inapreciáveis meios, que confirmam a ideia de que a
escola não é o único local onde se realiza a educação.

Quem sabe se aqueles meios precisam de um apoio maior para adaptar a


educação às necessidades do nosso tempo e desse futuro que parece ter começado no
atual presente.
O contexto político, económico e sociocultural da sociedade portuguesa parece
apontar para que o subsistema de ensino não superior se oriente de acordo com os
seguintes princípios:

 Sistema de ensino em e para uma sociedade democrática, assente em valores


de liberdade, justiça, solidariedade e participação social;
 Sistema de ensino articulado com as necessidades atuais e futuras do
desenvolvimento global da comunidade nacional, contribuindo para o
crescimento económico e progresso social e capitalizando na formação e
potencial dos recursos humanos;
 Sistema de ensino ao serviço da correção de assimetrias de desenvolvimento
regional e local, contribuindo para a diminuição progressiva das diferenças
económicas, sociais e culturais entreregiões e comunidades locais;
 Sistema de ensino empenhado na defesa e valorização da cultura nacional,
estimulando a diversidade sociocultural existente nas várias regiões e
comunidades, como forma de reforçar a coesão social;
 Sistema de ensino que prepare os indivíduos para o sentido da «cidadania
mundial», promovendo a compreensão da interdependência global das
comunidades nacionais na análisee solução solidária dos problemas mundiais;
 Sistema de ensino diversificado e flexível, sem centralismo exagerado e
potenciando a iniciativaregional e local.

Esta escola, que será no nosso entender, a Escola do futuro, será uma escola que
pensa e é feita por pessoas que pensam e que aprendem a pensar. Que quer dizer
literalmente que promovem uma discussão contínua, um interrogar-se continuamente,
um observar, em que cada um controla a própria discussão, consciência,

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responsabilidade, pensamento ético, pensamento cultural. O que é necessário é que a
escola pense e para pensar fazem falta muitas cabeças. Uma cabeça só pode pensar,
pode chegar longe, mas, no campo da educação é necessária a discussão conjunta, é
necessário entrar em crise.

2. Definição de (in)sucesso escolar e sucesso educativo


No senso comum, falar em insucesso escolar é o mesmo que falar em
reprovações — há um grande insucesso quando as reprovações abundam. A este
simplismo se tem reduzida a ideia de insucesso escolar. Será no entanto assim? A
resposta desde já se adivinha negativa. Na verdade, a problemática do insucesso escolar
é complexa e multiforme. Daqui uma primeira necessidade, antes mesmo de
descrevermos esta realidade: a de analisarmos as causas e as relações com outros

aspetosda vida escolar e do meio social em que vivemos.

O fenómeno “insucesso escolar” não é redutível à sua visualização imediata,


devendo ser tomado como algo complexo que resulta de disfuncionalidades presentes
no indivíduo, escola e sociedade e ainda da forma como estas três entidades se
articulam. O (in)sucesso escolar numa das entidades referidas tenderá a transferir-se
para as outras, o que torna difícil discernir e equacionar as suas causas quando nos
reportamos apenas a uma delas. Como é evidente, o tipo de conhecimento que se tem
sobre um determinado fenómeno irá influenciar, de forma determinante, as políticas
tendentes à sua resolução.

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As causas dominantes do insucesso escolar são de natureza:
1. Económica e cultural (família e origem dos alunos);
2. Sociocultural e escolar;
3. Escolar (sistema de ensino).

De facto, não existe uma definição universal de insucesso escolar. Para começar
diremos que não existe um, mas vários insucessos escolares. Depende tudo da
perspetiva em que nos colocamos: insucesso em relação a quê? — Em relação ao aluno
ou em relação à escola?
Pode dizer-se que há insucesso ou fracasso escolar quando algum ou alguns dos
objetivos da educação escolar não são alcançados. Ora, a educação escolar tem como
finalidade instruir, estimular e socializar os educandos. Ou, dito por outros termos, visa a
aquisição de determinados conhecimentos e técnicas (instrução), o desenvolvimento
equilibrado da personalidade do aluno (estimulação) e a interiorização de determinadas
condutas e valores com vista à vida em sociedade (socialização). Se algum destes
objetivos, que constituem outras tantas dimensões da educação, não é atingido, pode
dizer-se que há insucesso na educação escolar. Sendo assim, os dados referentes à
percentagem de reprovações no ensino são só por si insuficientes para caracterizar o
insucesso escolar.
Eles dizem-nos que houve insucesso em relação à instrução, mas não nos
permitem diretamente concluir que este insucesso também se verifica nas outras
dimensões educativas. Todavia,não deixa de ser indicativo que muitas análises correntes
tomem como elemento de referência do insucesso dados referentes à instrução escolar.
Isso revela que na escola é valorizada a instrução em detrimento de uma conceção mais
ampla de educação onde a dimensão personalista (formação de uma personalidade
equilibrada, estimulação das potencialidades individuais) e a dimensão socializadora
(criação de hábitos de cooperação, espírito crítico, participação em decisões comuns) são
claramente inferiorizadas
Frequentemente acontece que estas dimensões não são tomadas em
consideração num juízo global sobre sucesso ou insucesso escolar, quando realmente
elas são essenciais para caracterizar a eficácia do projeto educativo.

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3. A escola como um quadro de interações sociais
3.1. Os atores educativos e a comunidade escolar
O desenvolvimento humano está relacionado com a evolução contínua traçada
ao longo de todo o ciclo de vida, sendo que esta, nem sempre linear, se dá em diversos
campos da existência, como o afetivo, o cognitivo, o social e o motor. “Este caminhar
contínuo não é determinado apenas por processos de maturação biológicos ou
genéticos”, sendo o meio (cultura, sociedade, práticas e interações) o “fator de máxima
importância no desenvolvimento humano”, pois através da interação social o indivíduo
aprende a desenvolver-se (Rabello & Passos, s/d, p. 1).
Para teóricos construcionistas, como Piaget, “o desenvolvimento é construído a
partir de uma interação entre o desenvolvimento biológico e as aquisições da criança
com o meio”, já numa abordagem sociointeracionista, como defende Vygotsky, o
desenvolvimento humano dá-se “nas trocas entre parceiros sociais, através de processos
de interação e mediação” (Rabello & Passos, s/d, p. 2), sendo que ambas as teorias têm
em comum o reconhecimento da importância das interações (embora distintas) para o
processo de desenvolvimento.
No que concerne à aprendizagem, este conceito emergiu de investigações levadas
a termo com base no pressuposto de que todo o conhecimento provém da experiência,
significando isto que o sujeito adquire, através dos sentidos, as impressões do mundo
que, associadas umas às outras, dão lugar ao conhecimento, sendo este um conjunto de
ideias formado a partir do registo dos factos vivenciados (Giusta, 2013). Assim, é
possível afirmar que as caraterísticas e as atitudes individuais de cada sujeito estão
diretamente relacionadas com as interações que este constrói com os outros e com o
meio, querendo isto dizer que mesmo o que achamos ser a característica mais individual
e específica de um indivíduo, esta foi construída a partir da sua relação com o meio e
com os outros (Vygotsky et al., 1988, citado por Rabello & Passos, s/d).
Sendo a escola “determinante para o desenvolvimento cognitivo e social” da
criança e sendo este (desenvolvimento) essencial “para o curso posterior da sua vida”, é
neste ambiente “que se constrói parte da identidade de ser e pertencer ao mundo”,
pois é nele que se adquirem “os modelos de aprendizagem” e os “princípios éticos e

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morais”.

Assim, e sabendo que a criança chega à escola fazendo-se acompanhar de


aspetos constitucionais e vivências familiares, este ambiente escolar será também
substancial para o seu crescimento, sendo estes três elementos – aspetos
constitucionais, vínculos familiares e ambiente escolar – a base do processo educacional
(Outeiral, 2003). Vygostky (s/d), “tem como um dos seus pressupostos básicos a ideia de
que o ser humano se constitui enquanto tal na sua relação com o outro social” (Silveira,
2012, p. 6), sendo que este “desenvolvimento social implica aprender a evitar as
condutas consideradas socialmente indesejáveis e a aquisição de determinadas
habilidades sociais” (Borsa, 2007, p. 2), de forma a que as crianças
consigam viver em sociedade,
apropriando as suas regras e
valores. Assim, Piaget defende
que o desenvolvimento se
processa através da
assimilação e da acomodação,
devendo a aprendizagem
colocar em ação estes dois
mecanismos.
No que concerne à
aprendizagem, os alunos
devem assumir um papel
ativo neste
processo, desempenhando, as interações sociais, um papel de destaque no processo de
construção de conhecimento (Machado, 2014), sendo estas (interações) “facilitadoras
fundamentais no desenvolvimento cognitivo” (Piaget, s/d; citado por Machado, 2014),
pois proporcionam e ajudam na construção das aprendizagens. Vygotsky e Wallon (s/d,
citados por Martins & Franco, 2009) consideram a criança como ser social desde o
nascimento, razão pela qual afirmam que o seu desenvolvimento emerge através do seu
contacto com o mundo social, interações estas que constituem a base fundamental para
o desenvolvimento humano (Valsiner, s/d, citado por Martins & Franco, 2009) e atuam
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como “mediações constitutivas da linguagem, da emoção, da cognição e do
conhecimento, enfim, do sujeito” (Oliveira, Guanes, & Costa, 2004, citado por Martins &
Franco, 2009,
p. 3908), comprovando-se assim a importância das interações sociais no processo de
desenvolvimentohumano.

4. Teorias explicativas do (in)sucesso escolar


4.1. Teoria dos dons naturais
A partir da 2ª Guerra Mundial e até ao final da década de sessenta, a
responsabilidade do insucesso escolar esteve imputada ao aluno. Nesta abordagem do
insucesso terá prevalecido a teoria dos “dons” ou dos “dotes” individuais, tida como
teoria explicativa das causas deste insucesso.
A teoria em causa explicava o rendimento escolar por “dons” pessoais e naturais
do próprio aluno, ou seja, era a inteligência de cada um que ditava o sucesso na escola.
Cada discente apresentava um conjunto de “aptidões”, inatas e naturais destes, que
influenciavam o ritmo da sua aprendizagem. Um baixo nível intelectual expresso no Q.I.
(Coeficiente de Inteligência) influenciava negativamente o seu aproveitamento escolar.
Como refere Benavente (1989), citada por Ministério da Educação (cf. 1995:7), “o
sucesso/insucesso é explicado pelas maiores ou menores capacidades dos alunos, pela
suainteligência, pelos seus dotes naturais”.
Considerando-se que a “teoria dos dons” assenta na origem animal e no carácter
fisiológico da atividade psíquica, argumenta-se então que a inteligência da criança é
hereditária e que os fatores genéticos têm uma importância fundamental para se
compreender as diferenças entre classes sociais. O fracasso escolar das crianças é
atribuído aos seus genes e não ao contexto, conteúdo e metodologia pedagógica.
Atribui-se assim, à natureza do indivíduo, a responsabilidade pelas desigualdades
intelectuais e considerou-se que as mesmas eram determinadas pela hereditariedade.
Também Le Gall (1978) suporta a ideia de que a origem do insucesso escolar do
aluno está no seu “quociente intelectual”. Nesta mesma linha de pensamento, Pires,
Fernandes e Formosinho (cf. 1991:189) acrescentam ainda que a “inexistência de
aptidões do aluno” podem ser de origem “psicossomática (alunos deficientes) como de

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origem intelectual (determinada através de quocientes de inteligência) ”. Peixoto
aponta igualmente o nível intelectual como um aspeto ligado ao insucesso escolar,
quando nos diz que “à medida que caminhamos do alto para o baixo nível intelectual
diminui a percentagem de sujeitos com zero reprovações” (cf. 1999:138), acrescentando
a autoestima e referindo-a como sendo outro aspeto que funciona como um fator
relacionado com o insucesso escolar.

Segundo o mesmo estudo, à medida que caminhamos da alta para a baixa


autoestima diminui a percentagem de sujeitos com zero reprovações. Para além do nível
de inteligência também são apontados outros fatores relativos ao aluno e que poderão
conduzir a situações de fracasso escolar.

A preguiça em resposta à obrigatoriedade de cumprir as tarefas escolares, que


provavelmente, muitas delas, não fazem parte do leque de interesses do aluno, pode ser
um indício de uma atitude de desmotivação pelo trabalho perante o embaraço em
ultrapassar dificuldades. O aluno como sente que tem insucesso refugia-se na preguiça,
funcionando assim este fator como um efeito do insucesso.
A lentidão, ou mesmo recusa, na sua realização poderá funcionar como forma de
importunar o professor e de agravar a distância dos restantes colegas em termos de
aprendizagem, funcionando desta forma, como uma causa do insucesso. A preguiça é
um fator causal de insucesso avançado por Avanzini (s.d.) que a nosso ver, poderá ser

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simultaneamente uma causa/efeito de situações de insucesso escolar. A diferença de
atitudes e comportamentos dos alunos em contexto escolar interfere, direta ou
indiretamente, “na realização e satisfação escolares”. Assim encontramos o
desinteresse, a falta de participação e de confiança, a ansiedade durante a avaliação, a
fraca assiduidade escolar, uma precária alimentação, a falta de cuidados de saúde e
higiene, sobretudo no que diz respeito aos olhos, ouvidos e dentes, e ainda a presença
de deficiências congénitas e mentais como sendo elementos referenciados que
interferem no rendimento escolar.

Outra situação que também pode influenciar a aprendizagem diz respeito às


relações interpessoais que o aluno estabelece. Se não se criar empatia entre o aluno e o
professor, se não se constituírem laços de amizade e confiança, potenciamos
determinados comportamentos como a timidez, a inibição, a falta de autoconfiança.
Estes comportamentos repercutem-se de forma negativa, levando à desconcentração,
nervosismo, ... As deficiências a nível dos sentidos, a pouca memória visual e a dislexia
podem também explicar dificuldades de aprendizagem.

A personalidade representa um papel colaborante no desempenho escolar. De


acordo com Le Gall (cf. 1978:15) uma grande percentagem de insucessos escolares
deve-se à “inadaptação da personalidade da criança às exigências escolares”, referindo

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que a personalidade de causa adjuvante e o desajuste das diferentes instituições de
ensino aos condicionamentos sociopsicológicos da população escolar incrementam o
insucesso. Aponta, ainda, que esta adaptação deveria ser concretizada pelo aluno e
professor, indo um ao encontro do outro e a escola deveria encaminhar tais ações de
forma convergente. A nosso ver, este desajuste da escola está relacionado com uma
teoria que a seguir abordaremos mais aprofundadamente, a teoria socioinstitucional.
Acrescente-se que muitos destes fatores exercem influência mesmo antes do aluno
iniciar a sua escolarização e prolongam os seus efeitos ao longo de toda a sua
escolaridade.

O período de gestação é outro fator importante, já que, qualquer alteração


psicológica da mãepode ter repercussões, por vezes graves, no sistema neurovegetativo,
assim como alguns fatores hereditários podem estar na origem do insucesso escolar.
Para Avanzini (s.d.) o aluno pode apresentardificuldades na aquisição de conhecimentos,
devido a insuficiência intelectual. Esta insuficiência pode dever-se a causas de tipo
neurológico ou ser uma consequência de um meio de origem pouco estimulante do
ponto de vista do desenvolvimento cognitivo, tendo assim a insuficiência intelectual um
carácter social. Esta perspetiva vai ao encontro da teoria explicativa do insucesso
escolar, que surgiu no final dos anos 60 e que apontava para a existência de uma
relação entre a origem socioeconómica e o insucesso escolar.

4.2. Teoria do handicap sociocultural


Considerando que a escola não detém o monopólio da instrução e da aquisição
de valores e atitudes democráticas inscritas numa participação ativa e consciente na
sociedade, a família surge como participante poderoso e ativo na aquisição dos saberes
e do “saber fazer” aparentemente mais "escolares", pois estes são parcialmente
construídos fora da escola, no seio familiar, começando pelo “saber ler”. Desta forma, o
estrato social familiar, a falta de estruturas sociais e escolares, o baixo nível cultural e
social das famílias, quando não proporcionam meios, estímulos, motivações, condições
de estudo e aprendizagem aos seus educandos, são entraves para o normal
funcionamento do processo de aprendizagem e estão na base do insucesso escolar.
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Após o 25 de Abril de 1974, surgiram no campo educacional, diversas
investigações, sobretudode natureza sociológica, que concorreram para o aparecimento
de uma nova teoria explicativa do insucesso escolar – a teoria do handicap sociocultural,
em que o “sucesso/insucesso dos alunos é explicado pela sua pertença social, pela
maior ou menor bagagem cultural de que dispõem à entrada na escola” (cf. Benavente,
1990:6). Estes estudos foram amplamente influenciados pela corrente francesa
sustentada por Bourdieu e Passeron (1976, 1978), Baudelot e Establet (1975) e
desenvolvidos em Portugal, particularmente, por Grácio e Miranda (1977), Miranda
(1978), Grácio e Stoer (1982) e Grácio et al. (1982) e Benavente (1988).
Os estudiosos do problema do insucesso estabelecem uma ligação estreita entre
este fenómeno e a origem social do aluno. Advogando então, uma teoria que observa o
insucesso escolar como um fenómeno social e que resulta de desigualdades sociais (cf.
Benavente, 1988). Na mesma linha de pensamento encontramos, ainda, Pires,
Fernandes e Formosinho (cf. 1991:189) que destacam os “fatores socioculturais como as
principais causas das carências do aluno que acede à educação escolar numa situação de
desvantagem”, relacionando a causa do insucesso escolar com fatores como “a cultura
informal da família e do meio ambiente, habitat do aluno (cidade/campo), nível
económico da família”. De acordo com Pereira e Martins (cf. 1987:43) os alunos com
insucesso escolar manifestavam primordialmente um défice “cultural, educativo,
linguístico e mesmo percetivo”.
Tendo em conta que as crianças são herdeiras da dimensão cultural da sua
família, Bourdieu e Passeron (1985) consideram que se estas são procedentes de meios
sociais desfavorecidos, onde o capital social e económico é baixo, têm menos
possibilidades de êxito na escola e são aquelas que mais insucesso apresentam. Afirmam
ainda que encontram na escola uma verdadeira barreira entre a sua cultura de origem e
os critérios culturais do sucesso escolar. (cf. idem, 1976, 1978).

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Os alunos das classes sociais baixas, que acedem ao patamar do sucesso,
legitimado pela escola apenas para os alunos das classes ditas socialmente privilegiadas,
é explicado por uma árdua aculturação escolar que pressupõe, em muitos casos, o
enfraquecimento dos laços com o meio social de origem. Rangel (1994), também
sustenta que a abordagem ao problema do insucesso escolar tem um núcleo central na
família e na sua herança ou cultura. Deste modo, esta teoria alega que as práticas e as
vivências são diferentes comparando crianças dos meios rurais com as crianças dos meios
urbanos.

A uma dimensão cultural, Martins (1991) acrescenta que a origem económica


das famílias dos alunos e o nível escolar das mesmas constituem causas dominantes de
insucesso escolar. Menciona aspetos como a distância entre a casa e a escola e a zona de
residência como elementos que potenciamo insucesso.

O primeiro aspeto remete-nos para o facto de não ser vantajoso impor aos
alunos, longas ou cansativas deslocações, uma vez que estas reduzem o tempo e a
disposição para se dedicarem ao estudo e a atividades recreativas. Relativamente ao
segundo, residir em zonas degradadas pode ter também consequências negativas para o
aproveitamento escolar. Uma família, com um nível socioeconómico baixo terá
provavelmente um acesso reduzido a uma boa e saudável alimentação, vestuário,
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habitação, bem como, a um escasso poder de compra de bens de cultura.
O rendimento económico familiar fraco pode ainda conduzir ao abandono
escolar na medida em que se torna necessário reduzir as despesas e aumentar o
rendimento per capita. Vendo a escola como um gasto desnecessário levará os jovens
com um historial de insucesso a iniciarem mais cedo o mundo profissional.

Na ótica de Avanzini (s.d.) a importância do ambiente cultural familiar no


aproveitamento escolar, é mais relevante que o próprio ambiente económico familiar.
Nas famílias em que a cultura (o saber) não é valorizada, não são estabelecidas as
condições ideais para um bom desempenho escolar dos alunos, já que o económico é
mais relevante que o social. Porém, as famílias que valorizam a cultura (saber escolar)
promovem condições que facilitam aos seus educandos melhores resultados escolares,
independentemente do estatuto económico familiar. É importante relembrar que
quanto maior é o nível socioeconómico mais facilidade existe no acesso a bens de
cultura, o que poderá influenciar positivamente o aproveitamento escolar.

Na perspetiva de Martins, os estímulos que advêm de ambientes socioculturais e


económicos diferentes, promovem nos alunos “aspirações e atitudes diferenciadas” (cf.
1991:14), que de certa forma atuam, quer ao nível do desenvolvimento cognitivo, quer
das opções escolares e profissionais, bem como, do próprio sucesso escolar. Avanzini
(s.d.) refere ainda, que as famílias com baixas expectativas quanto ao nível
socioeconómico associado à profissão futura dos filhos, vêm o ensino como pouco
interessante comparando-o com um ensino de carácter preparatório para o exercício de
uma profissão.

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As classes mais altas têm, por norma, expectativas mais elevadas para os seus
educandos tendendo a encaminhá-los para profissões mais prestigiadas, enquanto as
classes mais baixas procuram que estes atinjam objetivos a curto prazo em profissões
pior remuneradas e com menos prestígio social. Deste modo, é fundamental que o
currículo estabeleça corretamente a proporcionalidade entre o teórico e o prático para
que não ocorram casos de desinteresse que poderão originar situações de insucesso
escolar devido à não correspondência entre a realidade escolar e as expectativas quanto
ao futuro profissional.
A afetividade familiar em equilíbrio constitui também para Avanzini (s.d.) um
factor relevante para um bom aproveitamento escolar. Os problemas familiares como
desentendimentos conjugais, ciúmes, comportamento de agressividade e de
infantilidade, potenciam situações de insucesso escolar. A este respeito, Muñiz (cf.
1993:76) refere que “quando o casal não funciona adequadamente, os interesses da
criança são reabsorvidos pelos conflitos familiares, pelos receios deles derivados e,
portanto, a capacidade de se interessar e de enfrentar problemas e dificuldades
escolares fica diminuída e imbuída da problemática familiar”.

4.3. Teoria socioinstitucional


A teoria do handicap sociocultural começou por perder força, pois verificou-se
que nos países entendidos como desenvolvidos, a melhoria do nível de vida
socioeconómico não fez desaparecer o insucesso escolar. Questionou-se então o
insucesso escolar como um produto exclusivo do sistema social e passou-se a investir
mais na sua relação com o espaço onde ele era detetado – a instituição escolar.
No início dos anos 70 surge a teoria socioinstitucional, na qual sobressai o papel
institucional na compreensão do insucesso do aluno.
A corrente socioinstitucional sublinha a necessidade de diversidade e de
diferenciação pedagógica pondo em evidência o carácter ativo da escola na produção do
insucesso. Esta nova conjetura, que aponta para o espaço pedagógico como estando
intimamente relacionado com o insucesso escolar, assenta em investigações realizadas
em torno de um conjunto de dimensões como: condições de aprendizagem, ritmos de
progressão dos alunos, complexidade das tarefas e estruturas cognitivas, conteúdos

20
escolares e métodos de ensino.
Torna-se necessário apostar na transformação da própria escola, nas suas
estruturas, conteúdos e práticas, procurando ‘adaptá-la’ às necessidades dos diversos
públicos que as frequentam, elucidando subtis mecanismos de reprodução de diferenças
e procurando caminhos de facilitação dasaprendizagens para todos os alunos.
Esta teoria do insucesso escolar compreende o percurso individual e centra-se na
procura das condições educativas ideais, avaliando e distinguindo as que favorecem das
que inibem o trabalho escolar. Pires, Fernandes e Formosinho mencionam um conjunto
de fatores escolares que podem estar na base do insucesso escolar, como tipo de cursos
e currículos, estruturas e métodos de avaliação, formas de agrupamento dos alunos,
preparação científica e pedagógica dos professores.
Esta teoria coloca na escola a responsabilidade pelo insucesso escolar, alegando
que as práticas escolares e pedagógicas têm por base o modelo de “aluno ideal”,

penalizando com maior frequência os alunos mais desfavorecidos. De facto, a cultura


que a escola ministra, nomeadamente o seu código linguístico, é aquele que
«predomina» na sociedade. Se a criança o não possui, ela fica menos apta para vencer na
vida e, senão se lhe proporciona esse código, está-se a contribuir para agravar a
desigualdade social.

O insucesso escolar pode ter origem no próprio Sistema Escolar, uma vez que a
escola tende a valorizar os saberes académicos em detrimento dos saberes que se
enquadram melhor com a realidadeenvolvente dos alunos.
21
Os saberes académicos obrigam ainda a uma abstração que não está de acordo
com os códigoslinguísticos e posturas das classes mais baixas ou marginais ao sistema de
valores dominante.
A incapacidade e a não compreensão das mensagens por parte dos alunos vão,
desta forma, criar barreiras à aprendizagem e conduzir os alunos ao insucesso. De igual
forma, a não transição parece apresentar desvantagens para o aluno, já que este poderá
desenvolver comportamentos específicos negativos interiorizando o fracasso,
condicionando o bom aproveitamento escolar.
Existem indicadores de que quanto mais um aluno reprova, mais facilidade tem
em voltar a reprovar, uma vez que o insucesso escolar, além de massivo é também
considerado socialmente seletivo.

O insucesso escolar encontra-se também relacionado com a utilização do


método tradicional de ensino. Segundo Avanzini (s.d.), este método não tem em
consideração a realidade específica de cada criança. O professor tem por função tomar a
iniciativa na organização e programação de todas as atividades e tal é assumido
unicamente por este. Assim, este método é encarado como fator explicativo para
situações de insucesso escolar porque se baseia unicamente em interesses extrínsecos
aos alunos,não permitindo que estes se envolvam na construção do saber.
No entender de Jacinto (1991), e relativamente ao currículo, este defende que o
mesmo privilegia os alunos dos meios mais favorecidos, uma vez que os seus conteúdos
vão de encontro à sua cultura, à sua experiência do meio, colocando automaticamente
em situação de desvantagem os restantes alunos. Na ideia de Gomes (1987) e Luçart
(1978), um professor no início das aulas faz uma classificação das crianças em bons e
maus alunos, condicionando, desta forma, as expectativas que mantém face a estes. Ao
“rotular” os alunos, este poderá, ainda que indiretamente, promover o insucesso, uma
vez que esta atitude estará a selecionar os melhores (do seu ponto de vista) e não a
educar igualmente todos os seus alunos.
Também os programas e os manuais condicionam, muitas vezes, as práticas
pedagógicas desenvolvidas nas salas de aula, sendo as planificações meramente formais
e concebidas a partir do programa e não das necessidades reais dos alunos.
Os programas não deverão ser rígidos, mas adaptáveis às constantes mudanças e
22
necessidades dos alunos. Por sua vez, os professores também se sentem inseguros na
medida em que os programas são alterados com alguma frequência não sendo
acompanhados de estruturas de apoio que os ajudem a ultrapassar dificuldades
intrínsecas às mudanças. Devemos referir ainda que, a função da escola se encontra
muitas vezes comprometida, pelo insucesso escolar, uma vez que nem sempre consegue
preparar os alunos. Tal deve-se nomeadamente à forma como está estruturada, aos
conteúdos curriculares, tipo de ensino e processos de avaliação, que se articulam com a
origem social do aluno.
O insucesso escolar pode estar relacionado com a própria estrutura social no seu
conjunto, a escola é um agente educativo determinado pela sociedade.

A escola exerce uma tripla ação:

a) Seleciona os alunos originários dos estratos dominantes, garantindo-lhes o


acesso aos níveis superiores da educação escolar e abrindo-lhes, no termo
final da educação escolar, o acesso às ocupações sociais prestigiadas e mais
bem remuneradas;
b) Distribui através dos mecanismos de seleção e orientação escolares os
restantes alunos originários dos estratos subordinados para educações
escolares mais curtas e menos prestigiadas, ou afasta-os pura e
simplesmente da educação escolar (normalmente após a escolaridade
obrigatória) para ocupar os lugares subordinados que requerem mão-de-
obra menos qualificada e mesmo não qualificada;
c) Finalmente, interioriza nos alunos a convicção de que o seu fracasso escolar
não deriva de mecanismos de seleção escolar e de reprodução social, mas de
incapacidades naturais.

23
Como podemos concluir do anteriormente exposto, compreender a ocorrência
do insucesso escolar parece-nos uma tarefa interminável, uma vez que se trata de um
fenómeno dinâmico sobre o qual haveria muito mais a acrescentar.

5. Os diferentes códigos linguísticos

Durante alguns anos o fracasso escolar das crianças das camadas populares foi
alvo de diversos estudos e pesquisas que chegaram à seguinte conclusão: a linguagem
falada pelos estudantes da classetrabalhadora não era a mesma linguagem utilizada pela
escola.
A partir daqui, Bernstein procurou compreender a relação causal entre classe
social, linguagem e rendimento escolar, partindo dos dados concretos segundo os quais
os estudantes da classe média obtinham, contrariamente aos da classe trabalhadora,
êxito em sua vida acadêmica.
Nos seus estudos e pesquisas, que se basearam em vários estudos e
experiências, o sociólogo da linguagem encontrou características gerais que, segundo
ele, opunham completamente a linguagem da classe trabalhadora e a linguagem da
classe média. Daí deriva a teoria dos códigos linguísticos, o restrito e o elaborado.
Os resultados obtidos nesses testes comprovaram a vinculação dos códigos às
classes sociais porque o grupo da classe média alcançou praticamente a mesma
24
quantidade de pontos no teste verbal e no não-verbal, enquanto a classe trabalhadora
obteve pontuação maior no teste não-verbal.
O pensamento de Bernstein evoluiu durante toda sua produção intelectual, e alguns
conceitos básicos de sua teoria vão sendo modificados e complementados a cada
trabalho. Sendo assim, os seus primeiros trabalhos enfatizam os aspetos lexicais e
morfossintáticos na caracterização dos dois códigos, enquanto os posteriores voltam-se
para os aspetos semânticos. Nesse percurso, há inclusive alterações na terminologia
empregada: se, inicialmente, Bernstein emprega os termos “linguagem pública” e
“linguagem formal”, logo em seguida, passa a empregar “código restrito” e “código
elaborado”.
O uso do termo código não deve levar-nos a pensar que Bernstein refere-se à
língua enquanto sistema de regras, mas sim à linguagem, à fala enquanto atividade
concreta exercida pelos sujeitos falantes. Nesse sentido, vale a pena, desde já,
esclarecer que o conceito de códigos linguísticos do autor inglês não se confunde com o
de variedades linguísticas ou normas linguísticas, uma vez que, estas sim, são
relacionadas à língua como código.
O código restrito não é o mesmo que variedade popular e o código elaborado
não é o mesmo que variedade culta da língua.

5.1. Código elementar ou restrito


O “código restrito” define-se pela rigidez da sintaxe e pelo uso restrito das
possibilidades formais de organização verbal. É uma forma de linguagem oral
relativamente condensada, na qual determinados significados são restritos e a
possibilidade de elaboração é reduzida.

Há ainda as seguintes características:


 Sentenças curtas, gramaticalmente simples, quase sempre incompletas,
sintaticamente pobres e na voz ativa; aplicação simples e repetitiva das
conjunções (assim, então, porque);
 Uso restrito de orações subordinadas;
 Incapacidade para manter um assunto formal em uma sequência oral,
facilitando o surgimento de um conteúdo informativo desorganizado;
25
 Uso rígido e limitado de adjetivos e advérbios;
 Uso frequente de declarações nas quais os motivos e a conclusão se
confundem eproduzem uma afirmação categórica;
 Grande número de afirmações que indicam a necessidade de um
reforçamento dasequência oral anterior: “Não seria? Não é? Sabe?
etc.”;
 Ocorrência frequente de sequências e expressões idiomáticas (provérbios,
frases feitas);
 Uso largo de linguagem não-verbal (gestos, expressões faciais).

5.2. Código elaborado


O “código elaborado” é aquele no qual as possibilidades formais e a sintaxe são
muito menos previsíveis e as possibilidades formais de organização da sentença são
usadas para esclarecer o significado e torná-lo explícito.
Apresenta, ainda, estes traços:
 Sentenças gramaticalmente complexas, com ordem gramatical e sintaxe
precisas;
 Uso variado de conjunções e orações subordinadas;
 Uso frequente de preposições que indicam relações lógicas, bem como
de preposiçõesque indicam contiguidade temporal e espacial;
 Uso variado de adjetivos e advérbios;
 Uso variado de pronomes.
Como se pode verificar são características mais lexicais e sintáticas.

Um acréscimo importante é feito alguns anos depois para a definição dos dois
códigos,acréscimo esse que leva em conta aspetos semânticos.
A tese de Bernstein é que o fator determinante para o desenvolvimento dos
códigos seria as formas diferentes de socialização que a criança recebe no ambiente
familiar, isto é, haveria formas desocialização distintas nas famílias de classe média e nas
famílias de classe trabalhadora, e essas formas de socialização estariam diretamente
relacionadas à aquisição ou de ambos ou de apenas um dos códigos (Bernstein sustenta
que os indivíduos de classe média dominam os dois códigos, enquanto os indivíduos de
26
classe trabalhadora dominam apenas o código restrito).
Nas suas reflexões, o autor salienta a importância do tipo de organização das
famílias, que, segundo ele, são basicamente de dois tipos: a família posicional e a família
pessoal.
Na família posicional, as regras e decisões estão centradas na posição que o
membro ocupa na família (pai, mãe, filho, avó, neto). As diferenças individuais são fracas
e baseiam-se na autoridade. Consequentemente, a comunicação realiza-se por meio do
código restrito.

Na família pessoal, as decisões e os julgamentos estão direcionados às


qualidades psíquicas da pessoa, independentemente da posição que ocupa na família.
Nessa relação, a comunicação é abertae predomina o uso do código elaborado.
As crianças de famílias de classe trabalhadora (cujo tipo seria o da família
posicional) não são estimuladas a verbalizarem os seus pensamentos e sentimentos,
portanto aprendem uma linguagem cujos significados ficam implícitos e dependentes do
contexto em que a comunicação é efetivada. Já as crianças oriundas da classe média
(cujo tipo de família seria o da família pessoal) são estimuladas a verbalizarem as suas
subjetividades muito cedo, usando a linguagem para esclarecer e explicitar os
significados e sentimentos.
Em suma, o que vai influenciar decisivamente para o desenvolvimento de um dos
códigos é o meio social, ou seja, as formas de socialização que a criança recebe no seio
familiar. Na classe média e no tipo de família que a caracteriza, isto é, a família pessoal,
predomina a forma de socialização que orienta a criança para significados universalistas
e, portanto, leva à aquisição do código elaborado. Pelocontrário, na classe trabalhadora e
no tipo de família que a caracteriza, ou seja, a família posicional, predomina a forma de
socialização que direciona a criança para significados universalistas e
consequentemente, leva à aquisição do código restrito.

6. Práticas pedagógicas
É hoje consensual que a Escola deve assumir uma perspetiva inclusiva. Devendo
ter em consideração as características singulares de cada aluno e tentando dar resposta

27
às suas necessidades. Mais do que transmitir conhecimentos, a Escola dos nossos dias
pretende formar futuros adultos que revelem competências, saberes e valores. Os
mesmos devem permitir-lhes ter um papel ativo na sociedade. A par disso, pretende
formar cidadãos empreendedores, interventivos, capazes de se adaptar a diversos
contextos. E, acima de tudo, pessoas felizes e integradas numa sociedade que os
valorize a si e às suas capacidades.
Neste sentido, a implementação do Decreto-lei n.º 54/2018 veio reforçar esta
perspetiva. O mesmo defende princípios e valores inclusivos, através da implementação
de medidas de política educativa que enquadrem a ação das escolas e comunidade
educativa. Levando-nos assim, a refletir ea alterar as nossas práticas educativas.

É importante perceber as dificuldades enfrentadas por aqueles que na sua


prática diária – professores, psicólogos, terapeutas, pais e muitos outros envolvidos no
contexto educativo – encontraram ao longo destes meses, enaltecendo também as
modificações e aspetos positivos que a mudança na lei trouxe à educação.

O Decreto-lei n.º 54/2018 veio reequacionar o papel da Escola. As principais


alterações têm a ver com o modo como esta olha para os alunos e como se organiza
para poder responder às necessidades de todos eles. Este decreto-lei abandona uma
conceção mais restrita de medidas de apoio apenas para alunos com “necessidades
educativas especiais”. O mesmo assume agora uma visão mais alargada, pensando na
Escola como um todo.
Este diploma assume ainda o pressuposto de que qualquer aluno pode necessitar
28
de medidas de suporte à aprendizagem ao longo do seu percurso escolar. Assim,
deixamos de ter um decreto-lei para alguns alunos, passando a ter um decreto-lei que
abrange todos os alunos. O foco está agora nas respostas educativas que a Escola deverá
dar aos mesmos. Estas vão colmatar as suas dificuldades e não categorizar os alunos.
Para além destas alterações fundamentais, este diploma reforça ainda a importância da
mobilização de outros recursos da comunidade no processo educativo. Os principais
são: recursos de saúde, emprego ou formação profissional.
É reforçada também a importância dos pais e encarregados de educação no
processo educativo e sucesso escolar dos filhos. Os mesmos são um elemento
determinante na definição das medidas educativas a adotar ao nível da educação
inclusiva.
O Decreto-lei n.º 54/2018 trouxe uma mudança de paradigma, introduzindo uma
nova abordagem nas práticas educativas e nas diferentes respostas dadas aos alunos.

6.1. Abordagem multinível


A abordagem multinível é orientada para o sucesso de todos os alunos. E isso
será alcançado através da organização de um conjunto integrado de medidas de suporte
à aprendizagem.
Trata-se de uma abordagem centrada nas intervenções de caráter universal,
dirigidas a todos os alunos e da responsabilidade de todos os que intervém no seu
processo educativo.
De acordo com o decreto-lei, as medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão
pretendem garantir a todos os alunos a equidade e a igualdade de oportunidades de
acesso ao currículo, de frequência e de progressão no sistema educativo.

Mas, conta com a colaboração dos pais ou encarregados de educação e outros


técnicos que intervém diretamente com o aluno. Desse modo, apela-se assim para a
responsabilização de todos noprocesso educativo e sucesso escolar do aluno.
Outra das mudanças introduzidas pelo Decreto-lei n.º 54/2018 é a criação da
equipa multidisciplinar de apoio à educação inclusiva (EMAEI).
Da equipa permanente fazem parte:
 Um docente que coadjuva com o diretor

29
 Um docente de educação especial
 Três membros do conselho pedagógico com funções de coordenação
pedagógica dediferentes níveis de ensino
 Um psicólogo
Cabe a esta equipa, entre outras funções:
 Propor as medidas de suporte à aprendizagem
 Acompanhar e monitorizar as mesmas
 Prestar aconselhamento aos docentes e orientá-los para práticas
pedagógicas inclusivas
 Elaborar os documentos definidos pelo decreto-lei

A equipa multidisciplinar poderá solicitar a participação de outros elementos nas


suas reuniões, nomeadamente, diretores de turma, outros docentes, técnicos que
intervenham com o aluno e pais. O contributo destes será fundamental pois conhecem o
aluno, as suas dificuldades e competências.

Se por um lado, a mudança de paradigma neste decreto-lei assenta em práticas


cada vez mais inclusivas que são de enaltecer, por outro lado tem trazido alguns
desafios na sua implementação. Deste modo, esbate-se a categorização e a segregação
dos alunos com maiores dificuldades (anteriormente designadas por necessidades
educativas especiais).
A verdade é que todos os alunos apresentam necessidades, sejam elas mais ou
menos marcadas. Outro dos aspetos que merece alguma reflexão é o facto de, com a
implementação deste diploma, o papel do professor se tornar fulcral no processo de

30
aprendizagem do aluno. Vai passar a privilegiar-se a sua autonomia e o poder de decisão
relativamente aos seus alunos e às práticas educativas que adota em sala de aula.
Este aspeto traz-lhe sem dúvida maior responsabilidade pelo sucesso ou
insucesso académico dos seus alunos. Apesar das mudanças, por mim consideradas
positivas, nem tudo tem sido fácil na implementação deste decreto-lei.
Um dos aspetos que mais dúvidas tem colocado aos professores, e
inclusivamente às equipas multidisciplinares, tem sido a operacionalização das
diferentes medidas de suporte à aprendizagem e inclusão. Isto porque são enumeradas,
mas não operacionalizadas no decreto-lei nem no respetivo manual de apoio à prática.
Constata-se então que cada pessoa interpreta e operacionaliza à sua maneira,
surgindo modos de atuação diferentes de escola para escola. Talvez não tenha sido ao
acaso esta falta de operacionalização, já que se espera cada vez mais autonomia e
flexibilidade por parte das escolas. Mas a verdade é que esta questão gerou (e ainda
gera) muita confusão. Tem sido fundamental o diálogo e a partilha entre as escolas para
se chegar a um entendimento e linguagem comuns.
Outro fenómeno que se pode observar é a multiplicação de documentos de
registo, grelhas de observação e monitorização. Tem havido uma preocupação por parte
dos professores e equipas multidisciplinares em registar todas as medidas adotadas
para determinado aluno, assim como, em criar grelhas de monitorização da eficácia das
mesmas.
Esperemos que esta preocupação se estenda efetivamente à implementação das
medidas no processo educativo do aluno e não se restrinja ao preenchimento desses
mesmos documentos.

7. Abordagem transformadora/transformativa
O último século marca uma importante viragem no universo económico, social,
político e comunitário, nomeadamente pelo aparecimento e desenvolvimento de uma
vasta pluralidade de sentidos e significados que a globalização trouxe.
Os conceitos de educação e de desenvolvimento são particularmente
importantes neste processo, na medida em que a sua concetualização, interpretação e
prática foram sendo enriquecidos por visões diversificadas e multidisciplinares.

31
Numa sociedade cada vez mais complexa e global, fruto das transformações
constantes do universo económico e, por sua vez, também, político e social, a educação
aparece enquanto bandeira transversal para a compreensão e interação com o mundo. A
educação parece assumir, cada vez mais,um papel heterogéneo e plural, respondendo às
suas controvérsias e contradições, desafios e tensões.

Segundo Sacristán, isto acontece, entre outras razões, porque:

 Existe um conflito entre o propósito da educação – preparação para o


mundo do trabalho – e o efeito da globalização económica,
nomeadamente do neoliberalismo – distribuição desigual da atividade
produtiva. Coloca-se, por isso, a questão: como fazer coincidir a oferta
educativa e, por isso, também, o seu produto, com um sistema
económico e de trabalho em constante transformação?
 Embora a massificação da educação abra o sistema educativo a um
número mais alargado e abrangente de indivíduos, a globalização
parece, ao mesmo tempo, incentivar a sua exclusão. A contradição
impõe-se na necessidade de criar, neste sistema massificado onde as
desigualdades são cada vez mais evidentes, critérios de igualdade de
oportunidades educativa, não só ao acesso, mas também ao sucesso;
 Para o indivíduo, a globalização, na lógica da cultura, torna cada vez
mais evidente a necessidade de definir uma pedagogia crítica, que
assente, não só, na emancipação individual e social, mas na liberdade e
autonomia dos sujeitos. Releva-se a importância de um currículo escolar
que assente num modelo interdisciplinar, mais complexo e integrador
do ponto de vista da compreensão da realidade e dos significados do
mundo;

32
 Particularmente sobre o contexto educativo formal, a escola, na sua
função mais global, tem uma preocupação evidente com o
desenvolvimento da subjetividade e de identidades pessoais. A
globalização vem trazer a este processo uma vertigem complexa ao nível
da formação do indivíduo, na medida em que acrescenta, como antes
descrito, à assimilação natural da cultura do sujeito, uma compreensão

da realidade global, cominfluência na sua formação.

Estas consequências e preocupações fazem emergir uma série de questões, cada


vez mais controversas, sobre o desenvolvimento e a educação:
 Que sentido se atribui à educação, com cada vez mais influência do
desenvolvimento económico mundial, e qual a sua função e missão
neste mundo global?
 Como pode o indivíduo desenvolver-se, nas mais variadas esferas da
vida pública, considerando a dualidade entre o local e o global?
Ora, no sentido de responder a um mundo mais complexo e global, assumindo
ao mesmo tempo o poder socializador e democrático que a educação deve assumir,
entende-se que a educação é encarada como recurso que permite transcender o local e
o próximo, abrir-se a um mundo mais internacional, aproveitar as oportunidades que
oferece e criticar tudo o que se lhe oponha, dotando os sujeitos de competências e
atitudes necessárias para o poder fazer.

33
A condição global deve ser abordada a partir da complexidade dos esquemas
que são necessários para reorganizar os nossos saberes especializados que nos
incapacitam para a compreensão da realidade que nos afeta, para compreender as
responsabilidades que nos incumbem e para participar como cidadãos numa sociedade
cujos destinos se decidem como esferas e contextos nem sempre fáceis de identificar.
A partir destas preocupações e problemas, que desafiam a educação e o sentido
que esta deve assumir na contemporaneidade, mais global e ao serviço do
desenvolvimento humano, surge a Educação para o Desenvolvimento (ED). Assumindo a
ausência de uma definição consensual da ED, crê-se que a sua complexidade concetual e
das práticas que suporta e problematiza, a tornam mais ricae dinâmica.
Genericamente, a ED objetiva o seu propósito na transformação social,
assentando em valores e princípios para um mundo mais justo, equitativo, inclusivo e
sustentável. Promove, para isso, a participação social ativa, consciente e responsável,
para o exercício de uma cidadania informada, comprometida e crítica. Desta forma,
pois, procede-se à sensibilização e formação da opinião pública e à consciencialização
para a participação ativa para as questões globais e para o combate e prevenção de
desigualdades e injustiças sociais.
Fundamentalmente, e respondendo à premissa anterior, esta é uma orientação
cívica de participação enquanto exercício da ED, na medida em que se tornam mais
evidentes o sentido democrático e dialógico do processo. Ao mesmo tempo, a ED
procura, a partir da cooperação, assegurar a diversidade de perspetivas e experiências,
reconhecendo enquanto contexto a educação formal, não-formal e informal.
Subentende-se, pois, a ideia de que a ED se baseia intrinsecamente no princípio
de “educação ao longo da vida”, na medida em que, é preciso conhecer, questionar,
compreender, comprometer-se,criar alianças, refletir e avaliar.
No sentido da transformação social, a sociedade civil tem um papel fundamental
para a mudança de posturas, comportamentos e atitudes, sendo que, por isso, a
educação não-formal é um espaço privilegiado de aprendizagem.

Em suma, esta perspetiva coaduna-se com a abordagem de «Educação para a


Cidadania Global», quinta geração pensada por Manuela Mesa, que marca o período
desde os anos 90, até aos dias de hoje. De acordo com esta teoria, e face à globalização,
34
a ED tem como finalidade a orientação para a participação cívica, tendo por base a
conexão entre o desenvolvimento, a justiça social e a equidade.
Neste sentido, e assumindo a ED como processo educativo, identificam-se três
tipos de saberese dimensões que lhe estão subjacentes:
 Saber-saber, relacionado com os conhecimentos ou dimensão
cognitiva/conceitos etemáticas;
 O saber-fazer, ligado às competências e aptidões ou dimensão
procedimental;
 O saber-ser, que diz respeito às atitudes e valores ou dimensão
atitudinal/valores.
Releva-se aqui o princípio de ação da ED para a transformação social, uma vez que
se lhe atribui um propósito emancipatório e dialógico, tendo por base valores como a
justiça social e a equidade. Esta assunção é fundamental para a ED e para a formação de
uma cidadania participativa e reflexiva de mudança ENED.
Efetivamente, a participação e a aprendizagem contínua são instrumentos
individuais e coletivos de capacitação cívica, onde se pretende a compreensão, combate e
prevenção dos problemas de desigualdade e injustiça ao nível local e ao nível global. Ou
seja, os conteúdos balizados resultam da dinamização dos conceitos e das práticas de
desenvolvimento e estes devem estar de acordo com o princípio acima indicado – a
transformação social no sentido da justiça e equidade social.

35
A educação global é uma perspetiva educativa que decorre da constatação de que
os povos contemporâneos vivem e interagem num mundo cada vez mais globalizado.
Este facto faz com que seja crucial dar aos aprendentes oportunidades e competências
para refletirem e partilharem os seus próprios pontos de vista e papéis numa sociedade
global e interligada, bem como compreenderem e discutirem as relações complexas
entre questões sociais, ecológicas, políticas e económicas que a todos dizem respeito,
permitindo-lhes descobrir novas formas de pensar e de agir. Contudo, a educação global
não deverá ser apresentada como uma perspetiva a aceitar universalmente de forma
acrítica, pois são bem conhecidos os dilemas, tensões, dúvidas e diferenças de perceção
presentes em qualquer processo de educação sempre que se lida com questões globais.

36
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