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Universidade Federal de Uberlândia

Docente: Sérgio Bento


Discente: Letícia Maria Machado Arruda
Disciplina: Literatura Portuguesa II

Alves Redol, deu início ao neorrealismo português, período que defendia uma
literatura engajada e voltada para os problemas concretos do país. “…que deveria não só
denunciá-los, mas contribuir para a conscientização do público leitor dos mesmos
problemas e buscar meios para a transformação da sociedade.” (GAVASSI, 2017, p.135).
E, é nesse sentido, que o conto O rapaz não gostava das mãos é um exemplo do tal
movimento, que serve como veículo de denúncia do descaso, indiferença, opressão e
exploração dos trabalhadores da época.

Se trata de um conto curto, porém, forte. A história se passa em Bucelas, que hoje
pode ser taxado como local para dormir em Lisboa, mas que, antigamente, era uma região
pequena, do interior e pobre. Conforme a descrição do autor no primeiro parágrafo do
conto, um rapaz trabalhador chega a uma taberna na madrugada, provavelmente voltando
de mais um turno longo e cansativo de trabalho e, demonstrando angústia, euforia e
tormento, pede uma garrafa de vinho. A personagem descrita é denominada personagem-
tipo, isto é, não possui nome nem tem características físicas ou psicológicas. Nesse
sentido, o problema exposto no conto é generalizado, ou seja, a crítica é ampla e se dirige
aos trabalhadores oprimidos e explorados da época.

“Agarrava-se nas mãos a dor que não cabia dentro de si.” (REDOL, 1936, p.104).
Este trecho, que remete a angústia da personagem, antecede o desabafo em que se
descobre por qual motivo o rapaz não gostava das mãos. “...onde a camisa fraldiqueira e
suja lhe saltava das calças derreadas. Tinha cara de menino assustado”
(REDOL, 1936, p.104). Neste trecho, é possível perceber a fragilidade da personagem.

Narrado na terceira pessoa, o narrador não é protagonista, mas sim um comparsa,


uma voz e um homem que se encontrava no bar, e a focalização externa é característica
do neorrealismo. O rapaz não gostava das mãos, pois a exploração do trabalhador era
tanta, que ele não gostava do seu principal instrumento de trabalho, suas mãos. O
neorrealismo, período literário em que o conto foi escrito, defendia o proletariado e
apresentava as classes marginalizadas. “Abanava as mãos longas. Pensava que se as não
tivesse não estaria ali tão longe.” (REDOL, 1936, p.104). Devido a exploração do
trabalhador, a personagem abana as mãos, em uma forma de repugnância, pois são as
principais formas de trabalho. Conforme este trecho e esse “Pudera vir ao mundo lázaro
das duas e andaria agora pela sua terra...” (REDOL, 1936, p.104), também pensa que se
não tivesse as mãos, provavelmente não precisaria estar longe de casa e longe da sua
família.

A personagem é descrita voltando na madrugada, provavelmente, de uma alta


jornada de trabalho e, ao parar ali, pela primeira vez é realmente notado, “...sentiu que
reparavam nele, coisa que não lhe acontecia há muito tempo.” (REDOL, 1936, p.105),
afinal, a classe opressora somente se interessa pela mão de obra do proletariado. “Já agora
preparo a cama... Dorme-se melhor em cima de vinho do que numa esteira...”
(REDOL, 1936, p.105). A personagem diz que é preferível dormir em cima do vinho do
que na “esteira”, que provavelmente é uma cama, ou seja, as condições de
moradia também são precárias.

“Vão jornas a dezoito malréis. E é para quem quer... Quem não quer é
madraço.” (REDOL, 1936, p.105). Há, nesse trecho, mais uma crítica ao sistema
capitalista no que diz respeito às altas jornadas de trabalho e o salário baixo. A angústia
da personagem é tanta, que ele deseja que tivesse morrido logo quando nasceu, “Mais
valia que a minha mãe me tivesse desfeito a cabeça numa parede quando me viu nascer...”
(REDOL, 1936, p.105).

“Se não tivesse mãos, nunca abalava da minha terra.” (REDOL,1936, p.106).
Com teor pejorativo e a discriminação com os trabalhadores remetem à condição precária
desse homem sem privilégio. É importante mencionar as questões políticas, sociais e
ideológicas presentes no conto. Destaca-se a cuidadosa seleção de palavras que
descrevem as características (adjetivos) e a personagem instala um ponto de tensão na
narrativa, ou seja, questiona a situação que está vivendo mesmo sabendo que não pode
melhorá-la.

Por fim, O rapaz não gostava das mãos é um conto com inquietações sociais
claras. Redol consegue descrever muito bem a vida dos trabalhadores em Portugal em
meados do século XX. Não há nada de fantástico, afinal se trata do movimento
neorrealista.

Referências

ALVES, A. Histórias Afluentes, p.104-106. Lisboa: Portugália, 1936.

GAVASSI, Marisa. O neo-realismo em histórias afluentes de Alves Redol.Miscelânea:


Revista de Literatura e Vida Social.v.1 (1993). São Paulo, p.135-154, nov/2017.
Disponível em: https://seer.assis.unesp.br/index.php/miscelanea/article/view/830/807.
Acesso em: 07 fev. 2022.

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