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Desenvolvimento Rural
Sidemar Presotto Nunes
A agricultura mundial passou, a partir da segunda guerra mundial, por uma série de
transformações decorrentes do processo de modernização, conhecida como Revolução Verde.
A modernização consistiu na utilização de máquinas, insumos e técnicas produtivas que
permitiram aumentar a produtividade do trabalho e da terra. A Revolução Verde permitiu um
pequeno aumento da oferta per capita mundial de alimentos. Esse aumento ocorreu ao mesmo
tempo em que a população mundial crescia, a população rural decrescia e a área agrícola se
reduzia (1,91% entre 1975 e 2005).
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O presente texto irá compor o segundo capítulo da dissertação de mestrado que estou desenvolvendo na UFPR.
Contou com o inestimável apoio de várias pessoas da equipe do DESER através da leitura e sugestões à versão
preliminar, a quem sou muito grato. Thiago de Angelis contribuiu com a preparação de grande parte dos dados
aqui apresentados, particularmente os que tiveram origem no banco de dados da FAO.
Tabela 1 – Indicadores da evolução populacional e da produção agrícola
mundial entre 1975 e 2005
Indicadores 1975 2005 Variação (%)
População total (milhões) 3.693 6.453 74,74
Produção (milhões de toneladas) 1.225 2.219,4 81,18
Área cultivada (milhões de hectares) 695 681,7 -1,91
Produtividade média (mil kg/hectare) 1,76 3,26 84,71
Oferta per capita anual (kg) 310,00 340,00 9,68
Fonte: FAO, 2006.
Verifica-se, com base nos dados apresentados na Tabela 1, que a oferta mundial de
alimentos não foi comprometida com a queda da população rural e com a queda da área de
produção. Apesar dos resultados positivos conseguidos por meio da modernização da
agricultura, cabe considerar que se trata de um processo que ainda tem curta duração, pouco
mais de 50 anos, substituindo as formas de produção agrícola utilizadas a milhares de anos.
A intensificação da agricultura tem demonstrado resultados prejudiciais ao meio
ambiente, principalmente no que tange à disponibilidade e qualidade da água, à qualidade do
ar e dos alimentos e ao surgimento, quase todos os anos, de novos problemas fitossanitários
resultantes do desequilíbrio ecológico (ano a ano tem crescido a utilização de inseticidas e
fungicidas na agricultura mundial e na agricultura brasileira). A agricultura ecológica tem sido
colocada como alternativa a esses problemas. No entanto, há alguns limites à ampliação desse
tipo de agricultura e, em conseqüência, à democratização do consumo: uma maior penosidade
do trabalho e uma baixa produtividade do trabalho na maior parte dos produtos agrícolas, não
em todos.
9.000.000
8.000.000
7.000.000
6.000.000
Total
5.000.000 Rural
Urbano
4.000.000
3.000.000
2.000.000
1.000.000
1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020 2030
O gráfico acima demonstra que por volta do ano 2010 a população rural e urbana
mundial deve se igualar e que, somente em 2000, a população rural iniciou um processo de
queda em termos absolutos, embora já estivesse decrescendo em termos relativos. Apesar da
redução da população rural na maioria dos países que passaram por um processo de
modernização de suas agriculturas, a China e a Índia, os dois países mais populosos do
mundo, ainda possuem a maior parte de seus habitantes vivendo no meio rural e de atividades
agrícolas. Com a abertura comercial da China, país que possui uma das maiores produções
agrícolas e o maior consumo em diversos produtos alimentícios, poderá acontecer grandes
transformações no meio rural daquele país, culminando em uma elevada queda da população
rural.
Hobsbawm (1995) afirma que a mudança social mais importante e de maior alcance na
segunda metade do século XX, e “que nos isola para sempre do mundo do passado”, é a
mudança do perfil demográfico. Para o autor,
Desde a era neolítica a maioria dos seres humanos vivia da terra com seu
gado ou recorria ao mar para a pesca. Com exceção da Grã-Bretanha,
camponeses e agricultores continuaram sendo uma parte maciça da
população empregada, mesmo em países industrializados, até bem adiantado
do século XX. (...). Mesmo na Alemanha e nos EUA, as maiores economias
industriais, a população agrícola apesar de estar de fato em declínio
constante, ainda equivalia mais ou menos a um quarto dos habitantes; na
França, Suécia e Áustria, ainda estava entre 35% e 40%. Quanto aos países
agrários atrasados – digamos, na Europa, a Bulgária e a Romênia -, cerca de
quatro em cada cinco habitantes trabalhavam na terra (Hobsbawm, 1995, pp.
284).
Verifica-se, com base nas informações da Tabela acima, que os países desenvolvidos
aplicam tarifas de importação altas aos produtos agrícolas, principalmente àqueles que são
pouco competitivos, de forma a garantir que o produto importado chegue a um preço mais
elevado de que os custos de produção naqueles países. Além das tarifas de importação, esses
países utilizam um sistema de cotas, limitando a uma certa quantidade de produto que poderá
ser importado anualmente.
É provável que as próximas reuniões da Organização Mundial do Comércio (OMC)
indiquem uma redução dos subsídios agrícolas por parte dos países desenvolvidos, o que deve
beneficiar a agricultura brasileira. Entretanto, também como resultado dessas negociações e
como moeda de troca, o Brasil facilitará a entrada de capital industrial, gerando prejuízos à
indústria nacional, grande e pequena. Se, de um lado, o setor agrícola brasileiro é valorizado
pela “vantagem comparativa” proporcionada pela extensão dos recursos naturais e por uma
menor remuneração do trabalho, de outro lado, perde-se a dinâmica que a indústria coloca à
economia nacional e, com isso, o País reserva-se do direito de ampliar a exportação de
commodities com baixo valor agregado (soja, açúcar, álcool, madeira, biodiesel etc.).
Tabela 4 – Evolução da área colhida dos principais cultivos agrícolas no Brasil (ha)
Var. %
Produto 1965 1975 1985 1995 2005
2005/1965
Cana-de-açúcar 1.705.081 1.969.227 3.912.042 4.559.060 5.767.180 238,2
Soja em grão 431.834 5.824.492 10.153.405 11.675.000 22.895.300 5.201,9
Milho 8.771.318 10.854.687 11.798.349 13.946.300 11.468.600 30,8
Laranja 150.257 403.192 663.063 856.419 808.379 438,0
Arroz 4.618.898 5.306.270 4.754.692 4.373.540 3.936.150 (14,8)
Fumo 273.849 253.736 268.992 293.425 492.889 80,0
Trigo 766.640 2.931.508 2.676.725 994.734 2.373.730 209,6
Feijão 3.272.525 4.145.916 5.315.890 5.006.400 3.812.040 16,5
Fonte: FAO, 2006.
Identifica-se, através da Tabela acima, a existência de uma tendência de ampliação da
área produtiva dos produtos destinados à exportação, em especial da soja, e uma redução da
área destinada aos produtos de mercado interno. A queda na área de cultivo dos produtos de
mercado interno foi compensada em parte pelo aumento da produtividade. No caso do feijão,
houve uma queda de 16,5% na área cultivada, mas um aumento de 34% na produção total.
Atualmente, a soja é o produto agrícola que mais ocupa área no Brasil e o que exerce
maior pressão sobre os recursos naturais através do desmatamento, da drenagem de áreas
alagadas, da redução da biodiversidade e das diversas formas de contaminação ambiental e da
saúde, devido à utilização de insumos agrícolas. Entretanto, não se trata de uma
particularidade da soja, nem é a soja a grande vilã. Deve-se às próprias mudanças nas relações
de produção em nível mundial, em decorrência do mercado (oferta, demanda, preços) e da
ação do Estado (políticas públicas, subsídios), que alteram as formas de produzir e as relações
sociais no campo. Ou seja, a soja atualmente ocupa um lugar de destacada importância na
pauta de exportações, mas, no médio prazo, poderá ser um outro produto agrícola qualquer
que ocupe espaço na mesma lógica da acumulação. Em virtude do estímulo à produção de
biocombustíveis, a cana-de-açúcar ampliará bastante a área de cultivo nos próximos anos.
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PLANETA ORGÂNICO. Diretor da Agropalma fala sobre Biodiesel ao Planeta Orgânico. Disponível em
http://www.planetaorganico.com.br/entrev-marcellobrito05.htm. Acesso em 10 de novembro de 2006.
família e ao fato de que a aquisição de terras por grandes agricultores ou empresas significa
uma alta imobilização de capital, que não poderá ser reavido em um curto prazo, salvo quando
se presta apenas à especulação imobiliária.
6. A política agrícola
Como toda política pública, as políticas agrícolas podem induzir mudanças desejadas
pelos governos no setor, através do arranjo de instrumentos que estimulem a produção
(preços, crédito, juros, seguro, formação de estoques, exportações, compras internas) e
promovam a distribuição social da riqueza da agricultura4. Sendo assim, a orientação dessas
políticas é dada pelo papel que se espera que a agricultura cumpra em um dado momento
histórico (liberar mão-de-obra, baratear o custo da cesta básica, promover as exportações de
determinados produtos, garantir a segurança alimentar, fortalecer a agricultura familiar ou
patronal, etc).
Pode-se considerar quatro fases na trajetória das políticas agrícolas brasileiras, após o
início da Revolução Verde: 1) 1965–1985: modernização conservadora. A agricultura se
modernizou, mas não alterou sua estrutura fundiária; 2) 1985–1995: desmonte das políticas
agrícolas e liberalização dos mercados; 3) 1995-2002: retomada da política de crédito com
juros controlados, mas com recursos privados; desenvolvimento de mecanismos privados de
escoamento e estoques da produção; 4) 2003 até agora (2006): fortalecimento da política de
crédito e pequena retomada de outros mecanismos, principalmente dos direcionados à
agricultura familiar (seguro agrícola, seguro de preços, compras institucionais, assistência
técnica etc.). É importante destacar que, embora tenha havido uma certa retomada da política
agrícola, isso não foi suficiente para conter o processo de ampliação do poder econômico das
grandes empresas inseridas no mercado mundial.
3BACHA, Carlos José Caetano. Economia e política agrícola no Brasil. Editora Atlas, São Paulo, 2004.
4Como exemplo, entre meados da década de 60 e meados da década de 80, o governo federal planejou
as políticas agrícolas nas áreas de pesquisa, de assistência técnica e de crédito, principalmente,
visando liberar mão-de-obra da agricultura para a indústria.
Nos últimos anos, além de buscar incrementar o saldo da balança comercial, as
políticas agrícolas brasileiras foram sendo desenvolvidas com vistas a reduzir o preço final
dos produtos agrícolas, permitindo assim que os setores urbanos mais pobres diminuíssem a
parcela dos gastos de suas rendas com a alimentação. Se, de um lado, o baixo preço de alguns
produtos agrícolas prejudicou os agricultores, de outro, permitiu a redução do custo da cesta
de alimentos e o aumento do consumo de alguns produtos, como o caso das carnes.
Atualmente o salário mínimo permite a aquisição de 2,3 cestas básicas, contra 1,3 em
dezembro de 2002. Nesse período, houve um aumento do poder de compra e do consumo
estimulados por um aumento real do salário mínimo em 26% e pela ampliação das
transferências sociais do governo federal.
7. A Reforma Agrária
Nos anos 60, quando a reforma agrária era colocada como necessidade ao
desenvolvimento nacional, via criação de um mercado interno de massas, colocou-se a
Revolução Verde como a grande promessa à resolução dos problemas sociais do campo. O
Estado estimulou, através de políticas de crédito, assistência técnica e pesquisa, a utilização
de máquinas, insumos e técnicas produtivas que permitiram aumentar a produtividade do
capital, do trabalho e da terra. Pela ausência de uma reforma agrária concreta e pela redução
do crescimento econômico e do nível de emprego, isso resultou em grandes problemas
sociais, empurrando milhões de pessoas para as grandes cidades, com grande parte se
concentrando nas favelas. A esse processo costuma-se chamar de modernização conservadora,
pois não provocou grandes alterações nas estruturas sociais do campo.
Apesar de se ter ampliado o número de famílias assentadas nos anos 90 em diante em
relação ao período anterior, a reforma agrária é um tema que passou a dividir opiniões no que
se refere a sua importância ao mercado interno. Apesar da pressão dos movimentos de luta
pela reforma agrária, particularmente o MST, a maior parte das famílias foram assentadas em
terras públicas ou de regularização (quilombolas, indígenas) e uma menor parte mediante
desapropriação. Apesar de se utilizar a idéia de reforma agrária, o que predomina hoje são os
assentamentos rurais.
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Quem defende essa idéia tende a afirmar que a agricultura familiar seria dotada de características sociais e
econômicas que, impulsionada politicamente, poderia apontar para um desenvolvimento diferente daquele que se
colocava até o momento e que gerava crises econômicas, sociais e ambientais.
grandes monocultivos com reduzida biodiversidade, uma vez que se pressupõe que bastaria
produzir “energias limpas”.
Na produção de biodiesel vários investimentos já foram anunciados por diversas
empresas. A Brasil Ecodiesel, empresa do setor termoelétrico que ficou responsável pelo
abastecimento energético brasileiro em virtude do risco de apagão, já tem diversos
investimentos em curso e outros em fase de implantação, principalmente a partir da mamona.
A empresa, que tem projetos espalhados por todo o Brasil e pretende se tornar líder no setor,
participa e tem ganhado vários leilões do governo brasileiro para a venda de biodiesel de
mamona.
Divulgou-se também que empresas americanas e francesas estariam interessadas em
adquirir ou arrendar áreas de 20 mil a 50 mil hectares no estado da Bahia, na expectativa de
que a mamona possa ser estimulada pelo Programa Nacional de Biodiesel. Para isso seria
necessário o desenvolvimento de cultivares de mamona com porte baixo e período de
maturação uniformes, visando a colheita mecânica. Atualmente, a aquisição e o arrendamento
são estimulados pelo preço baixo, já que o estímulo econômico da mamona provocaria um
aumento do preço da terra e do valor do arrendamento. A produção de mamona, assim como
outros produtos destinados à produção de biocombustíveis, também poderia ser incluída nos
projetos de seqüestro de carbono e possibilitar ganhos econômicos às empresas que
investirem.
Outro setor importante nesse contexto, particularmente ao seqüestro de carbono, é o
florestal. De um lado estão as florestas naturais e de outro as florestas cultivadas
(silvicultura). No primeiro caso, verifica-se o investimento privado na aquisição direta ou
indireta (através de ONG´s, por exemplo) de florestas que atualmente possuem baixo valor de
mercado, mas que poderão se elevar e proporcionar ganhos econômicos pelo seqüestro de
carbono e pela renda fundiária, dada pelo aumento do preço da terra. No segundo caso, das
florestas cultivadas, verifica-se também a aquisição de áreas com o objetivo de se ganhar com
o seqüestro de carbono e pela expectativa de redução da oferta mundial de madeira. No
município de Pelotas (RS), uma empresa nacional está adquirindo 300 mil hectares com esse
fim. Suspeita-se também que empresas madeireiras e produtoras de óleo vegetal utilizam
áreas de produção integradas com agricultores para comercializar créditos de carbono, ficando
para si os lucros dessa operação, e através da comercialização dos produtos a um preço mais
elevado.
Embora se afirme que os biocombustíveis sejam ecologicamente corretos, em virtude
da baixa emissão de gás carbônico, normalmente não se leva em consideração os impactos
decorrentes da produção destes. Extensas áreas cultivadas com cana-de-açúcar, mamona, soja,
dendê ou florestas cultivadas tendem a manter um baixo nível de biodiversidade animal e
vegetal. Nos cultivos temporários também há alta utilização de agroquímicos (adubos,
herbicidas, inseticidas, fungicidas – cujo crescimento tem sido exponencial) que contribuem
para contaminar os recursos naturais. Cabe considerar que ambos os processos podem se dar
em regiões em que predominam ou pequenas ou grandes propriedades, ao menos é isso que se
observa atualmente nas regiões tipicamente produtoras de grãos. Nessas regiões verifica-se o
predomínio de um único cultivo em toda a paisagem e redução no nível das águas pluviais. As
áreas de mata ciliar e de preservação permanente tendem a ficar bem abaixo do que estipula a
legislação em vigor.
Sem levar em consideração os impactos sociais e ambientais que poderão decorrer
com o desenvolvimento da produção de biocombustíveis, fala-se, normalmente, que o Brasil
está diante de uma grande oportunidade de desenvolvimento econômico. No âmbito
internacional, está se criando condições que facilitem os investimentos na produção de
biocombustíveis, pois se daria em “benefício de toda humanidade”. Em nome da produção de
energias limpas e sem considerar o aumento da pressão sobre os recursos naturais, o discurso
do grande agronegócio está se renovando. Assim, os problemas fundiários e sociais do campo
tendem a ficar ofuscados. Com o apoio internacional e concessões do Estado brasileiro,
veremos, nos próximos anos, uma reedição da Revolução Verde e da modernização
conservadora, semelhante àquela dos anos 60 e 70.
Referências bibliográficas
BACHA, Carlos José Caetano. Economia e política agrícola no Brasil. Editora Atlas,
São Paulo, 2004.
FAO – Food and agriculture organization. The world agricultural production. Disponível
em http://faostat.fao.org/site/339/default.aspx. Acesso em setembro de 2006.
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: o Breve Século XX (1914-1991). Companhia das
Letras, São Paulo, 1995.
MELLO, Fernando Homem de. Construindo uma nova política agrícola. Congresso da
Sober, Fortaleza, 2006.
PLANETA ORGÂNICO. Diretor da Agropalma fala sobre Biodiesel ao Planeta
Orgânico. Disponível em http://www.planetaorganico.com.br/entrev-marcellobrito05.htm.
Acesso em 10 de novembro de 2006.