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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ/UFPI

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS/CCHL


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS/DCJ
INTRODUÇÃO AO DIREITO
PROF ª DRª OLIVIA BRANDÃO

PEDRO MANOEL MOURA QUEIROZ SILVA

FICHAMENTO CRÍTICO:
“A LUTA PELO DIREITO”,
RUDOLF VON IHERING

TERESINA-PI
2021
1. AUTOR E CONTEXTO HISTÓRICO

Rudolf Von Ihering (1818-1892) foi um jurista e romancista alemão, nascido na cidade de
Aurich em uma família de advogados. Ele estudou Direito na Universidade de Heidelberg,
onde também fez seu doutorado. Foi adepto do método teleológico e um dos primeiros a usar
a ideia do Direito como produto da sociedade na qual está inserido. Professor universitário,
Ihering e sua obra influenciam a cultura jurídica ocidental. Sua obra mais famosa é Geist des
römischen Rechts, na qual expõe o seu trabalho em quatro volumes.
O autor assumiu uma tendência teleológica, ou seja, finalista. Para ele, a aplicação do Direito
possui uma finalidade, que, neste caso, é a sua aplicação efetiva da Lei, fazendo valer o
direito objetivo e mantendo ativo o ideal subjetivo. Para ele, o Direito e a sociedade na qual
está inserido estão amplamente correlacionados, sendo, portanto, indissociáveis para o seu
entendimento integral. Além disso, é dogmático, prezando por uma concepção de Direito
baseada na luta constante para sua plena efetivação, na teoria e na prática. Nesse ponto,
diferencia-se diametralmente de Savigny, o qual defende a ideia de um Direito como
construção natural, assim como a Linguagem. Com o fito de comprovar sua tese que
apresenta o Direito como algo a mais que a simples aplicação (ou não) de leis, invoca
conceitos supralegais, como a história, a honra, a moral e os valores que orientam os atores
sociais.
A sua obra “A Luta pelo Direito”, que aqui está sob análise, foi publicada em 1872, no século
XIX. Historicamente, situa-se no período de surgimento e ascensão do Positivismo Jurídico e
possui o espaço de apenas um ano com o que se convencionou como o fim do processo de
Unificação do Estado Alemão. Dessa forma, a obra surge em um contexto de incipiência do
Direito Alemão, após o surgimento do novo Estado, o qual precisava, como condição
primordial, constituir seu próprio sistema jurídico, com todo o aparato legal e burocrático que
o cerca. O autor trata, dentre outras coisas, sobre a importância da luta do Direito Privado, por
intermédio da luta individual, como prerrogativa para a consolidação do Direito Público e,
consequentemente, do próprio Estado e suas instituições. Seu trabalho mostra-se, portanto,
profundamente relacionado com o período histórico no qual foi produzido. Isso evidencia não
apenas o seu caráter jurídico, mas também nacionalista, à medida que anseia por um Estado
legalmente bem estruturado nos planos objetivo e subjetivo.

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2. PONTOS FUNDAMENTAIS

I. Contrapondo-se a Savigny, o Direito se conquista pela luta, não sendo um


processo vis inertiae.
p. 157 - “[...] a batalha é o eterno trabalho da lei. A frase: “Do suor do seu rosto ganharás o
seu pão” está no mesmo nível que esta outra: “Através da luta ganharás os seus direitos”. No
momento em que a lei renuncia apoiar a luta, ela se abandona [...]”

p. 69 – “Como nenhum direito legal, seja o direito de um indivíduo, seja o de uma nação, está
isento deste perigo, segue que essa batalha pode ser repetida em qualquer esfera da lei – tanto
nos vales do direito privado, como também nas alturas do direito público e internacional.”

II. Lutar pelo Direito é, sobretudo, uma luta pela existência moral.
p. 90 - “Prova esse fato serve apenas para colocar às vistas a verdade de algo muito maior,
que cada homem que tem um direito legal defende as condições de sua existência quando ele
defende esse direito.”

III. O sentimento de Direito é relativo aos valores particulares e a perpetuação de


injustiças pode o destruir.
p. 92 - “Resumindo, a reação do sentimento de direito legal, de Estados e de indivíduos, é
mais violenta quando eles se sentem ameaçados em condições de existência peculiares a
eles.”

p.134 – “Não há sentimento de direito legal, não importa o quão saudável seja, que pode, a
longo prazo, resistir à influência de leis ruína; ela se torna fraca, e padece. Pois a essência do
direito legal é, como já demonstrei, a ação.”

IV. A luta pelo Direito Privado é a luta pelo Direito Público, pela Lei, pelo Estado.

p. 109 – “A existência de todos os princípios de direito público depende da fidelidade das


autoridades no desempenho dos seus deveres e dos princípios de direito privado, no poder das
motivações que induzem a pessoa cujos direitos foram violados a defende-los: o seu interesse
e o seu sentimento de direito legal.”
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p. 117 – “[...] meu direito legal é a lei; quando meu direito legal é violado, a lei é violada;
quando ele é afirmado, a lei é afirmada.”

V. O Direito atual (à época) assumiu um caráter materialista, desvirtuando-se e


preferindo por pequenas penas pecuniárias do que penas com real valor
pedagógico.

p. 146 - “[...] a nossa jurisprudência moderna tem perdido de vista a simples ideia já
demonstrada, de que, no caso da violação dos direitos legais de uma pessoa, não é apenas o
valor que está em jogo, mas o sentimento ferido do direito legal. A sua medida é o
materialismo mais vazio – dinheiro e nada mais.”

3. RESUMO E CRÍTICA

"A Luta Pelo Direito", como o próprio nome sugere, expõe os pensamentos de Rudolf Von Ihering
acerca da importância e do caráter intrínseco da luta para a conquista, perpetuação e plena
aplicação do Direito. Por meio de comparações entre os diversos ramos do Direito - e mesmo pela
análise de questões subjetivas -, Ihering propõe que, em menor ou maior grau, todos os direitos
foram conquistados por meio do esforço dos atores sociais e, como tais, seria de sua
responsabilidade lutar para garantir a efetivação dos mesmos, possibilitando, assim, a ordem e
coesão nas diversas esferas.

Embora essa concepção central seja de suma importância, especialmente para se manter a fé nas
instituições e na Lei, a visão expressada pelo autor é idealizada. Sob o amanhecer de um novo
Estado já consolidado, Ihering acaba por instituir que a busca pelo Direito – por mais penosa e
cara que seja o seu empreendimento – deve ser sempre objetivada, pois é, acima de tudo, a defesa
da existência moral. No contexto alemão, com a busca por mais liberdades e um cenário
relativamente estável causado por, dentre outras coisas, uma boa política econômica (o
Zollverein), essa luta torna-se mais palpável. Entretanto, a ascensão de um modelo capitalista
excludente, no qual a questão financeira é um imperativo e os serviços jurídicos são extremamente
elitizados, é um fator que impede até mesmo a luta daquele que possui um alto nível de
sofisticação moral e um grande apreço pelos seus direitos. Outrossim, o contexto social pode ser,
também, um fator impeditivo das investidas jurídicas. Em cidades interioranas, caracterizadas por
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relações mais próximas, é comum evitar que se procure o seu direito privado – especialmente
relacionado a pautas trabalhistas e de honra – a fim de evitar um “ostracismo” social.

É válido também lembrar das concepções de Von Ihering acerca da importância dos direitos
privados para o pleno exercício dos direitos públicos (e, em última análise, do fortalecimento do
Estado). É certo que a noção de direito subjetivo é imprescindível para o bom funcionamento do
direito objetivo, da Lei. Afinal, é o que dá bases e legitimidade para o Estado e suas ações. No
entanto, é cabível questionar como o mesmo direito que pode gerar esse fortalecimento estatal
pode, da mesma forma e eventualmente, ser usado contra ela, causando, assim, seu
enfraquecimento e, mesmo, constrangimento público. Afinal, são muitas as ocasiões nas quais o
próprio Estado representa um empecilho para o exercício total dos direitos de seus próprios
cidadãos. Tal fato pode ser evidenciado pelo confisco de poupanças por parte do Governo Collor,
o qual agrediu brutalmente os direitos das pessoas lesadas ao retirar quantias de dinheiro das suas
contas bancárias. Dessa forma, o Estado age pela destruição de direitos e, consequentemente, do
sentimento legal.

Ihering também menciona a relativização do sentimento de Direito, atribuindo, essencialmente, a


profissão (classe) de certo ator social como fator determinante para o que lhe atinge ou não no
âmbito moral quando se atinge algum direito. Dessa forma, não seria, pois, o Direito separado por
classes? E, caso o Direito seja fragmentado, como a luta individual, de diferentes atores sociais
pertencentes a diferentes classes, pode contribuir para a luta coletiva, como fora dito pelo jurista?
Motivados pelas mesmas questões que os fazem enxergar de modo diferente as diversas ofensas ao
Direito Privado, um camponês, um comerciante e um militar podem, também, possuir diferentes
visão acerca do Direito Público, o que, neste caso, esfacelá-lo-ia mais do que promover seu
fortalecimento.

Por fim, o professor Ihering explicita o caráter monetário que o Direito – à sua época – havia
assumido e a baixa relevância das sanções no direito privado. Contemporaneamente, esse fato
ainda é realidade em diferentes localidades do mundo. Em si, a busca pecuniária não é prejudicial.
Porém, ela não deve ser o fim de uma busca por direitos, mas sim o reconhecimento e
reestabelecimento integral desses. Exemplificando o segundo ponto, o sistema brasileiro oferece,
no âmbito do privado, sanções monetárias leves e moderadas, o que serve de recuo para aqueles
que impelidos a buscar seus direitos e de incentivo para aqueles que feriram esses mesmos
direitos. Dessa forma, há de ser ter um equilíbrio para que haja restituição e pedagogia.

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4. BIBLIOGRAFIA BÁSICA

VON JHERING, Rudolph. A Luta pelo Direito (2.ª ed.). São Paulo: Dominique Martins,
Hunter, 2012.

DE AZEVEDO, Gilson Xavier. Rudolf Von Ihering e Suas Contribuições para o Direito.
2020. Disponível em:
http://periodicos.unievangelica.edu.br/index.php/raizesnodireito/article/view/3496/2911.
Acesso em: 02 set. 2021

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