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Epé Layé (Terra Viva)

Nando, na verdade Fernando, sentia-se um nada diante da imensidão dos


problemas do mundo.
Dez anos apenas era a sua idade, mas a sua cabeça era povoada por
problemas que, se não lhe pertenciam, pelo menos deveriam pertencer ao mundo
dos adultos.
Porque tanta gente passando fome?
Porque tantas crianças jogadas na rua?
Porque com tanto serviço a ser feito e as mães preferem usar seus
filhos para pedir esmolas?...
A pergunta de Nando era outra:
O que eu posso fazer para diminuir os problemas do mundo?
Nando fazia essa pergunta a si e aos outros.
Dos outros ele recebia a seguinte resposta:
Nada! Você não pode fazer nada!
Ninguém pode fazer nada!
Resposta simples, muito simples, para uma pergunta tão complexa.
Do seu coração, Nando obtinha outra resposta:
“Você pode! Você pode muito! Um muito que pode parecer pouco, mas é
um pouco que é muito!”
Ouvir o coração é uma arte e ser artista, um privilégio.

Nando escutou, pensou sentiu:


Ouvir o coração é uma arte...
“O que, então, posso fazer?
E resolveu:
Vou plantar uma árvore!
É o mínimo que posso fazer.
Nando plantou Epê Laiê (Epé Layé – palavra yorubá, que significa Terra
Viva).
Epê Laiê nasceu, cresceu e herdou de Nando as mesmas preocupações:
O que eu posso fazer para ajudar a diminuir os problemas do mundo?
Laiê tinha raízes, estava preso. Não podia agir, mas podia sonhar.
E sonhava com um mundo muito mais harmonioso.
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(Ossãe (Osanyin) dá o dom da locomoção a Epê Laiê)

Ossãe (Osanyin) – o orixá (òrìsà) feiticeiro, conhecedor dos poderes das


folhas – ouviu os pensamentos e sentimentos de Epê Laiê. Retirou, então,
de uma de suas cabaças, um pó mágico e soprou em Epê Laiê, dando-lhe o
dom da locomoção, o poder da ação. Ossãe nada falou, Ossãe não fala!
Mas o seu inseparável companheiro Aroni disse:

“Epê Laiê, agora você já pode ocupar-se com os assuntos que tanto lhe
preocupam”.

(Exu aconselha Epê Laiê a procurar ajuda dos deuses)

Foi uma vitória, uma grande vitoria. Mas Epê Laiê sentia que sozinho
seria muito difícil fazer alguma coisa.

Buscou parceiros entre as arvores da sua idade, nada conseguiu; tentou


as mais velhas, e nada. Ele não sabia nem como, nem por onde começar.

Já estava ficando desanimado quando Exu (Èsù) – Senhor do movimento


e da ação – veio em seu socorro e disse-lhe que quando os nossos semelhantes
não nos ajudam, devemos buscar o apoio dos deuses.

A idéia foi bem recebida. Mas onde encontrar esses deuses – se


perguntou a esperta arvorezinha.

Exu, que não precisa que os homens falem para que ele os entenda, deu a
resposta:

“Na natureza. Procure os deuses na natureza.”

(Epê Laiê encontra Oxum)


Epê Laiê sabia que na floresta onde nasceu e cresceu existia uma linda
cachoeira. Logo imaginou; aquele deveria um lugar escolhido para morada divina.
A arvorezinha não estava errada: nas cachoeiras e nos rios mora Oxum
(Ọṣun), a linda deusa que, coberta de ouro e com voz doce como mel, seduz a
todos. A charmosa e faceira Oxum que, dengosa, cobre de dengo os seus
protegidos.
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Esperançoso, Epê Laiê correu para a cachoeira. Qual não foi a sua
surpresa, quando da linda cachoeira de que tanto ouviu falar só restava um fino
fio d’água.
Como tinha aprendido com Exu, a divindade responsável pela
comunicação, a fazer as saudações necessárias para entrar em contato com os
deuses, Epê Laiê, emocionado, evocou Oxum dizendo:
Oxum, Ere iêiê ô! (Òsun Ore Yèyé) – Oxum, amiga que agrada, que faz
todas as vontades.
Epê Laiê esperou, esperou, esperou, mas a deusa não deu o ar de Sua
graça.
Ele ficou sem entender o estava acontecendo:
Porque a deusa das águas doces não atendia ao seu chamado?
E porque a cachoeira que ele tinha conhecimento que era tão linda, agora
estava tão suja, fraca, sem vida?
Sentou desolado e implorou:
Íbá àjé ò Ìbá
Íbá àjé ò Ìbá Òsun
(Saudações a você, Oxum).
Condoída, Oxum apareceu. Mas apareceu chorando...
E as lágrimas da deusa se uniram às de Epê Laiê.
Nada falaram. A cachoeira estava fraca.
Oxum estava fraca.
A forte e frágil arvorezinha pensou em desistir. Se até os deuses
estavam desistindo, o que poderia ele fazer?
Mas Exu surgiu, como sempre repentinamente, e argumentou:
“Epê Laiê, sempre se pode fazer algo; se Oxum está fraca, alimente-a.
Fortalecida, ela não lhe negará apoio’.

(Epê Laiê e a oferenda para Oxum)


Foi assim que mais uma vez orientado por Exu, Epê Laiê ofertou à deusa
Sua comida predileta: feijão fradinho com ovos – um omoluku-olelé.
(Epê Laiê encontra Yemanjá, a mãe de todos os Orixás)
Epê Laiê depositou aquele belo prato na beira da cachoeira e seguiu em
direção ao mar. Buscaria apoio em Yemanjá (Yemanjá), a deusa mãe de todos os
Orixás que, com firmeza e autoridade, é responsável pela cabeça dos homens e
por mostrar-lhes o caminho correto para que cumpram com dignidade os seus
destinos.
Que surpresa teve Epê Laiê ao ver o mar...
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Sentiu o mistério da vida vibrar dentro de si e encantado saudou:
Odôia! (Odò Iyá)
Yemanja não respondeu, esta irada!
As pessoas, irresponsavelmente, jogavam latas, garrafas, sacos...tudo no
mar.
Objetos que levam séculos para sumirem da natureza. A indignação da
Grande Mãe agitava fortemente as ondas, que devolviam aos homens o lixo que
eles depositavam na sua morada. Esta foi a forma que Yemanajá encontrou para
punir seus filhos e assim, mais uma vez, tentar mostrar-lhes as conseqüências
dos seus inconseqüentes atos.
Epê Laiê até podia ter tido medo de Yemanjá, mas não teve. Era raiva de
mãe. Raiva que brota do amor. Então ele pensou:
“Alimentei Oxum para que Ela ficasse forte, e Iyá, o que posso fazer
para acalmá-Lá?
Oura vez Exu, o mais humano dos deuses, veio ao seu socorro:
“Epê Laiê, o cheiro da folha alfazema sempre acalma, porém o melhor
calmante para uma mãe é continuar acreditando que seus filhos estão se
esforçando para estarem em harmonia consigo, com os seus semelhantes e com
a natureza como um todo”.
Era o que a arvorezinha precisava ouvir. Mesmo sozinha, começou a
retirar da areia da praia o lixo devolvido por Yemanjá. O mar revolto foi se
acalmando e yemanjá adormeceu. Epê Laiê preferiu deixá-La descansando.
Descanso de mãe é sagrado!
Outro dia ele voltaria para pedir Seus conselhos.
Epê Laiê sentiu que precisava voltar para a floresta.

(Epê Laiê encontra Ogum e Orixá Okô)


No caminho de volta encontrou Ogum (Ògún), o deus que abandonou as
caçadas para dedicar-se ao ofício de ferreiro e assim ajudar os homens no
trato com a terra.
Ogum andava rápido. Epê Laiê O saudou, mas Ogum continuou andando
em passos largos. Parecia ter destino certo.
Indo em busca do apoio de ogum, Epê Laiê seguiu o seu rastro e O
encontrou em uma conversa nervosa com Orixá Okô – o deus da agricultura.
A arvorezinha nem ousou saudá-Los, pois tinha conhecimento do jeito
explosivo de Ogum. Além do mais, seria muita falta de educação interromper a
conversa de dois deuses.
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Mesmo afastado, Epê Laiê não deixou de ouvir a conversa entre os
deuses, devido ao tom de voz de Ogum e até mesmo de Orixá Okô, que
conhecidamente calmo, também estava exaltado. Não era para menos, tanto
empenho tiveram para ajudar o homem a sobreviver: Ogum pra criar a enxada,
o facão e outras ferramentas necessárias para arar a terra; Orixá Okô para
criar e desenvolver a agricultura de forma sustentável, e agora via os homens
simplesmente fazendo queimadas, que só contribuem para que o planeta fique
mais destruído?!

(Epê Laiê resolve voltar para casa)


Da ira de Iyemanjá, Epê Laiê não teve medo, mas da ira de Ogum, sim. E
preferiu, realmente, voltar logo para sua “casa”, onde pensava encontrar a
tranqüilidade necessária para refletir sobre sua “peregrinação”.
Mas a floresta que vira Epê Laiê crescer estava uma confusão só:
máquinas e mais máquinas derrubando as suas companheiras. Agora não tinha
mais jeito! – pensou Epê Laiê – Não contava com ninguém, nem mesmo com os
deuses, só lhe restava desistir.

(Epê Laiê volta a encontrar Exu e Nando, o rapaz que lhe


plantou trazendo os outros orixás)
Nesse momento, no entanto, Epê Laiê viu de longe um permanente
companheiro seu, acompanhado de alguém que ele sabia conhecer, mas não
identificava quem era.
Exu então, disse-lhe:
“Estamos aqui, meu amigo!
Eu e Nando, o rapaz que lhe plantou.
Olhe para aquela montanha!
Veja o que ninguém vê: todos os deuses estão descendo.
Não só os deuses que você conhece, como também:
Xango (Sangó) Deus da Justiça,
Oxalá (Osalá) A Divindade da Paz,
Omolu (Omolu) Médico por excelência,
Oiá (Oya) Deusa dos Ventos e das Tempestades,
Oxumare ( Osumaré) Senhor do Equilíbrio e Euá (Ewa)
Sua companheira inseparável,...
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Todos eles sendo guiados por
Oxossi ( Ososi) O Deus protetor dos animais e das florestas”.
Epê Laiê, ao ouvir as palavras de Exu e visualizar a chegada dos Deuses,
percebeu que nunca esteve só e que sua peregrinação foi necessária apara
descobrir a sua capacidade de acreditar nos outros.

(Os orixás fazem uma assembléia para decidir como


ajudar Epê Laiê)
Os orixás, sentados em círculo, fizeram uma assembléia, um conselho
(Gbimoran), para decidir como cada um deles poderia ajudar Epê Laiê na sua
nobre missão: Oxalá e Xangô fariam uma mistura de quiabo com ígbín
(caramujo) para por nas águas, a fim de limpá-las; Orixá Okô e Ogum
trabalhariam no sentido de transformar a sujeira da terra em energia
aproveitável; Yemanjá orientaria os homens e Oxum as crianças, para que se
ocupassem mais com os problemas que fossem comum a todos; Oxossi pediria às
aves que pusessem os seu dejetos em lugares apropriados, de forma que se
transformassem em vegetais. Oxumarê, responsável pelo equilíbrio cósmico,
deixaria cair chuva de forma organizada.
Nesse evento, Exu, como sempre, fora indispensável.
Ele é o grande amigo dos homens, aquele que entende como nenhum outro
as necessidades e conflitos humanos.
Os orixás seguiram para o Orun, não sem antes deixar uma mensagem
escrita nas nuvens para todos os homens do planeta:
E você, o que pode fazer para contribuir com o equilíbrio do mundo?

Fim

(Epé Layé de Maria, Stella de Azevedo Santos,


Salvador – Bahia – Brasil - 2009, Mãe Stella de
Oxóssi
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