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REVISTA DO LABORATÓRIO DE ARQUEOLOGIA E PALEONTOLOGIA DA UEPB

ISSN 2179 - 8168

INTERPRETAÇÕES ARQUEOASTRONÔMICAS DA SUPERNOVA 1054 NO SÍTIO


ARQUEOLÓGICO LAGOA DO ESCURO E NA TOCA DOS ASTROS

Felipe Sérvulo Maciel Costa1

RESUMO

Em 04 de julho de 1054, d. C., a quietude do céu noturno foi interrompida quando surgiu no céu um
brilho intenso na direção da constelação de Touro. O evento – uma explosão de supernova – ocorreu a
uma distância de 6.500 anos-luz da Terra e pôde ser visto de diversas partes do planeta (incluindo à luz
do dia) e testemunhado por muitos povos que aqui viviam, entre eles, os chineses, japoneses, árabes
e europeus. Através da observação e datação de pinturas rupestres em Chaco Canyon (Novo México,
EUA), foi proposto, nos anos 1970, que a supernova também foi observada pelos povos Anasazi.
Considerando a dimensão do evento, diversos outros povos também podem ter testemunhado o
mesmo evento e registrado em rochas por meio da arte rupestre. O presente trabalho tem como
finalidade lançar luz sobre a existência de evidências arqueoastronômicas da SN 1054 em território
brasileiro, especificamente, as figuras rupestres no Sítio Arqueológico Tocas dos Astros, no município
do Congo-PB, e figuras rupestres encontradas no Sítio Arqueológico Lagoa do Escuro, localizado no
município de Taperoá-PB, que possuem semelhanças com outros registros rupestres da supernova.
Palavras-chave: Arqueoastronomia. SN 1054. Supernova. Astronomia.

1 Professor titular de Física, Escola Cidadã Integral Técnica Melquíades Vilar, Rua José Limeira da Costa, nº 40,
Taperoá-PB - E-mail: felipeservulo@outlook.com

Revista Tarairiú, Campina Grande - PB, Vol.1 - Número 19 – janeiro / junho 2022
ISSN 2179 8168

ABSTRACT

On July 4, A.D. 1054, the stillness of the night sky was interrupted when an intense glow appeared in the
sky in the direction of the constellation Taurus. The event - a supernova explosion - occurred at a distance
of 6,500 light-years from Earth, and could be seen from many parts of the planet (including daylight) and
witnessed by many peoples living here, among them the Chinese, Japanese, Arabs and Europeans. Through
the observation and dating of cave paintings in Chaco Canyon (New Mexico, USA), it was proposed in the
1970s that the supernova was also observed by the Anasazi peoples. Considering the size of the event,
several other peoples may also have witnessed the same event and recorded it on rocks through rock art.
This paper aims to shed light on the existence of archaeoastronomical evidence of SN 1054 in Brazilian
territory, specifically, the rock figures in the Tocas dos Astros Archaeological Site, in the city of Congo-PB, and
rock figures found in the Lagoa do Escuro Archaeological Site, located in the city of Taperoá-PB, which have
similarities with other rock records of the supernova.

Keywords: Archeoastronomy. SN 1054. Supernovae. Astronomy

INTRODUÇÃO

Desde o seu alvorecer, a humanidade vislumbra o firmamento a procura de respostas


sobre os eventos e efemeridades que ocorriam nos céus. A partir dessa necessidade, surgiu
a astronomia, considerada a primeira ciência da humanidade. A observação sistemática do
céu deu origem aos primeiros calendários fixos que nortearam os povos antigos em suas
atividades de caça, colheita, plantio e pesca. Percebeu-se que essas atividades coincidiam
com o surgimento e o desaparecimento de certas constelações no céu ou a posição do sol
ou da Lua no decorrer do ano. Isso fez com que os astros no céu, bem com os fenômenos
que ocorriam no firmamento, se elevassem a um nível máximo de importância para aqueles
povos. Além disso, por meio das primeiras manifestações de arte, foram realizados diversos
registros de eventos astronômicos esporádicos que também despertavam a atenção dos
povos antigos.
Um exemplo desses eventos é uma supernova – um poderoso evento astronômico
luminoso resultante da explosão de uma estrela de grande massa, e que, por alguns instantes,
o seu pico de luminosidade supera o da própria galáxia hospedeira. Uma supernova, quando
vista da Terra, gera um brilho maior do que qualquer objeto no céu noturno, ficando visível
durante 653 noites, incluindo 23 dias visível à luz do dia, até ficar invisível a olho nu.
Uma dessas supernovas, chamada de SN 1054, foi um evento amplamente observado e
foi registrado pela primeira vez em 4 de julho de 1054 d.C. pelos chineses e japoneses (CLARK

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& STEPHENSON, 1977). Ela também foi uma das oito supernovas ocorridas na Via Láctea que
são rastreadas no tempo através de documentos históricos. Sabe-se que, na noite em que ela
explodiu, a magnitude chegou a um valor de -6.0, ou cerca de seis vezes mais brilhante que
o planeta Vênus, o suficiente para chamar atenção daqueles que estavam habituados com a
quietude e harmonia do cosmos.

Registros históricos da SN 1054

Como mostrado por Brandt & Williamson (1979), os primeiros a registrarem a SN 1054
foram os chineses e japoneses. Na manhã do dia 04 de julho de 1054, na China, durante o
reinado do imperador Renzong da dinastia Song (960-1259) a supernova foi registrada pela
primeira vez. A aparição foi nomeada de “estrela convidada” e surgiu, segundo os textos,
na direção leste, sob a vigilância da estrela Tiānguān (Zeta Tauri). O registro foi publicado
por Song Shi e Song Huiyao nos anais da Dinastia Song. O último avistamento da supernova
mencionado por Song Shi ocorreu em 06 de abril de 1056. A supernova ficou visível no céu
noturno, portanto, durante 642 dias, de acordo com Song Huiyao. Esses registros podem
ser encontrados nos trabalhos do sinologista Édouard Biot e o seu pai, o astrônomo Jean-
Baptiste Biot em 1843.
No Japão, registros detalhados da supernova de 1054 foram relatados nos textos
Meigetsuki e Ichidai Yoki. Ambos os textos mencionam uma “estrela convidada” que surgiu
no quarto mês lunar (entre 30 de maio a 8 de junho de 1054 no calendário juliano) emergindo
próximo à Zeta Tauri e com um brilho tão intenso quanto Júpiter.

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. FIGURA 1 – A “ESTRELA CONVIDADA” REGISTRADA POR ASTRÔNOMOS CHINESES EM 1054. A MARCAÇÃO EM AMARELO
REFERE-SE À OBSERVAÇÃO DA SUPERNOVA. FONTE: PANKENIER (2006).

No mundo árabe, existe um único relato que menciona a SN 1054, um testemunho do médico Ibn
Butlan, transcrito no Uyun a-Anba, um livro compilado por Ibn Abi Usaibia (1184 – 1270). A ausência de relatos
da supernova na literatura árabe pode ser explicada pelo fato de que os astrônomos árabes tradicionalmente
eram interessados em fenômenos cíclicos, regulares e previsíveis, e eventos como supernovas e cometas
eram ignorados. Isso pode ser explicado pela influência de Aristóteles, que defendia a imutabilidade dos céus
(BRECHER, LIEBER & LIEBER, 1978).

Vários autores (UMBERTO, 1980; WILLIAMS, 1981; GUIDOBONI, ET AL., 1994; MCCARTHY E BREEN,
1997; COLLINS, ET AL., 1999), sugerem que a supernova também foi vista pelos europeus, como o relato
escrito por Jacobus Malvecius, em uma crônica, no século 15: “E naqueles dias uma estrela de imenso brilho
apareceu dentro do círculo da Lua alguns dias após sua separação do sol” (Umberto, 1980, p 10-17).

Há outros documentos nos quais alguns autores defendem que a supernova foi relatava,
como a Crônica Rampona (WILLIAMS, 1981), a Crônica da igreja Oudenburg (GUIDOBONI,
ET AL), a História de Albertus, uma crônica armênia, bem como algumas menções nos
anais irlandeses (MCCARTHY E BREEN, 1997). Entretanto, em nenhum desses documentos
são encontrados registros precisos, que mostrem a localização exata do evento no céu,
ou sejam compatíveis com a datação chinesa. Estes documentos, portanto, se tornaram
astronomicamente inutilizáveis.
O motivo da escassez de relatos europeus da SN 1054 ainda é desconhecido, entretanto,
alguns autores apontam, inclusive, que a supernova foi visível na Europa antes mesmo dos
registros chineses, como defendem Collins et al. (1999).

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No campo da arqueoastronomia, há diversos registros rupestres que estão associados


à supernova 1054. Uma das mais conhecidas dessas representações são as figuras rupestres
de Chaco Canyon, no Novo México, Estados Unidos, que foi defendida por vários autores
(BRANDT E WILLIAMSON, 1979 e POVENMIRE & BEACH, 2004), como sendo uma evidência
do registro da SN 1054 pelos ameríndios.
O petróglifo de Chaco Canyon foi descoberto em 1970, está localizado no Penãsco
Blanco e foi produzido pelo povo Anasazi, no século 11 d.C. No local há três pinturas rupestres
(Figura 2), na qual pode-se observar uma lua crescente voltada para baixo ao lado de um
objeto celestial brilhante à esquerda, o que seria a representação artística da supernova
quando ela explodiu na manhã do dia 05 de julho de 1054. Este período corresponde ao auge
da civilização Anasazi. Logo acima da lua crescente, há uma pintura de uma mão esquerda,
indicando uma espécie de assinatura do artista ameríndio como sugere Clottes & Lewis-
Williams (2001):

“Estas mãos não são uma imagem inventada. Foram realizadas colocando a mão e
por vezes o antebraço contra a parede rochosa e cobertas de tinta. Depois a mão
era retirada deixando o seu contorno em negativo. Criavam “desenhos” das suas
mãos, alguns com dedos incompletos ou mesmo ausentes, seriam “assinaturas”
individuais” (CLOTTES & LEWIS-WILLIAMS, 2001).

FIGURA 2 – PETRÓGLIFOS EM CHACO CANYON, NOVO MÉXICO. FOTO TIRADA POR ALEX MARENTES,
EM 06 DE MARÇO DE 2006.

Dezenas de outros petróglifos que também mostram uma conjunção astronômica


foram descobertos espalhados em sítios próximos, em estados vizinhos, como as figuras

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rupestres descobertas pelo fotógrafo William C. Miller em 1953 (MILLER, 1955) e por Hermut.
A. Abt em 1954 (FOUNTAIN, J e ABT, H. A., 2018), ambas no nordeste do Arizona. Um terceiro
petróglifo, descoberto em 2012, no parque Nacional Água Fria, mostra o que seria uma figura
circular com capsulares seguindo o mesmo padrão, com destaque para o que pode ser a Lua
e a supernova 1054, e outras figuras que podem representar asterismos/constelações que
estavam em destaque no céu quando o evento ocorreu, como as plêiades e Órion.

FIGURA 3 – MOSAICO MOSTRANDO OUTROS POSSÍVEIS REGISTROS DA SUPERNOVA 1054 ENCONTRADAS NOS SÍTIOS
ARQUEOLÓGICOS DE WHITE MESA, NAVAJO CANYON E ÁGUA FRIA, DA ESQUERDA PARA A DIREITA, RESPECTIVAMENTE.
FONTES: ABT & FOUNTAIN (2018) E ZULLO PHOTOGRAPHY HTTP://WWW.ZULLOPHOTO.COM/3482.HTML

Todos esses exemplos apontam que a supernova de 05 de julho de 1054 estava em


conjunção no céu com a lua em fase crescente quando explodiu, formando um asterismo que
se destacou no firmamento.
Embora plausível, a possibilidade aqui apresentada ainda permanece com algumas
lacunas, como o motivo desses povos terem registrado a supernova 1054 ao invés da
supernova do ano 1006, que teve um brilho muito maior, e que também foi vista pelos povos
Anasazi. É possível que a conjunção da supernova com a Lua tenha despertado uma atenção
maior desses povos, assim com os povos Anasazi.

IDENTIFICAÇÃO MODERNA DA SUPERNOVA

No âmbito da evolução das estrelas, é sabido que, quando uma supernova ocorre, ela
deixa para trás um resquício de gás e poeira que é chamado de nebulosa.
Nos tempos atuais, a identificação da supernova se deu através de telescópios potentes,
e partiu da observação da nebulosa do Caranguejo (também designada como M1 no catálogo

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de Charles Messier ou NGC 1952). Ela foi o primeiro objeto astronômico a ser associado à uma
explosão de supernova e foi descoberto em 1731, quando o astrônomo inglês John Bevis.
De forma independente, a nebulosa foi descoberta por Charles Messier em 1758,
embora ele tenha catalogado o objeto como um possível cometa (BARROW, 2006). O nome
da nebulosa veio em 1848, através do astrônomo finlandês William Parsons (conhecido
como Lord Rosse), que observou uma ligeira semelhança da nebulosa com um caranguejo e
esboçou um desenho da nebulosa (Figura 4) quatro anos antes, embora que, no seu desenho,
a nebulosa se pareça mais com uma lagosta ou com algum inseto do que com um caranguejo
em si.

FIGURA 4 - DESENHO DA NEBULOSA DO CARANGUEJO FEITO POR WILLIAM PARSONS EM 1844, APÓS OBSERVAR O OBJETO
COM SEU TELESCÓPIO DE 36 POLEGADAS. FONTE: HTTPS://WWW.MESSIER.SEDS.ORG/MORE/M001_ROSSE.HTML

Em 1913, o astrônomo estadunidense Vesto Slipher registrou o espectro da nebulosa.


Em 1921, o astrônomo Carl Otto Lampland identificou mudanças na estrutura da Nebulosa
do Caranguejo, o que foi confirmado algumas semanas depois por John Charles Duncan, do
Observatório Mount Wilson, que comparou fotografias de momentos distintos e descobriu
que a nuvem estava se expandindo (DUNCAN, 1921).
Também em 1921, o suíço Knut Lundmark mostrou, de forma independente, que a “estrela
convidada” dos chineses, na qual ele chamou de nova de 1054, estaria próxima à Nebulosa
do Caranguejo. Em 1942, o astrônomo holandês Jan Oort, investigou novas evidências sobre
a supernova de 1054 e sua ligação com a nebulosa (MAYALL e OORT, 1942).

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Em 1928, o astrônomo Edwin Hubble foi o primeiro a sugerir que a supernova ocorreu
próxima a constelação de Touro, e deu origem à nebulosa do Caranguejo (HUBBLE, 1928).
Em 1969, descobriu-se que no centro da nebulosa do caranguejo existe um pulsar
(estrela de nêutrons com campo magnético que gira como um farol em direção à Terra).
O objeto foi chamado de Pulsar da Nebulosa do Caranguejo. Essa descoberta, juntamente
com a composição química da nebulosa, sugere que a estrela que explodiu e deu origem à
supernova - e, por sua vez, à nebulosa do caranguejo - era uma estrela cuja massa variava
entre 9 a 11 massas solares, ou seja, uma estrela de grande massa. Hoje sabe-se que a
remanescente da SN 1054 está a uma distância de 6.500 anos-luz da Terra.

FIGURA 5 – IMAGEM FEITA PELO TELESCÓPIO ESPACIAL HUBBLE MOSTRANDO A NEBULOSA DO CARANGUEJO (M1), A
REMANESCENTE DA SUPERNOVA DE 1054. A IMAGEM MOSTRA FILAMENTOS EM VERMELHO E A RADIAÇÃO SINCROTRON
AMORFA (EM AZUL). FONTE: NASA/ESA J. HESTER AND A. LOLL (ARIZONA STATE UNIVERSITY)

Possíveis representações da SN 1054 no Brasil


Nos últimos anos, vem se destacando a importância de rastrear, através da história, a
observação do céu pelos indígenas brasileiros. Os mais antigos relatos remontam o século
16, por meio de registros de missionários naturalistas e etnógrafos, na época do Brasil
colonial, e hoje são estudados através de campos interdisciplinares, como a Etnoastronomia,
a Astronomia Cultural, que investigam o uso da astronomia dos nativos, por meio da tradição
oral, e que muitas vezes é fragmentada e subjetiva, e a Arqueoastronomia, cuja investigação
é mais objetiva, baseada em vestígios arqueológicos, como megálitos, monólitos, e pela arte

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rupestre (COSTA, 2021).


Segundo Afonso e Nadal (2013), o primeiro a estudar alinhamentos de rochas no Brasil
foi o engenheiro Theodoro Fernandes Sampaio (1855-1937) em Monte Alto, sudoeste da
Bahia, em 1879. Sampaio descobriu rochas alinhadas com meio metro de altura. Sua primeira
publicação só veio em 1922, pois o autor queria evitar polêmicas, embora não conseguisse
fugir das críticas de céticos como Angyone Costa.
Segundo De Nader e Jalles (2018), os primeiros trabalhos que investigaram figuras
rupestres e sua relação com fenômenos celestes surgiram a partir de 1982, por meio de
pesquisadores do Museu Nacional/UFRJ, coordenados pela arqueóloga Maria da Conceição
de Moraes Coutinho Beltrão através do Projeto Central (Beltrão e Lima, 1986) no município
de Central, Bahia. O sítio contém diversas representações astronômicas espalhadas numa
área de 100.000 km², na região oeste do estado.
Os autores De Nader e Jalles (2018), propuseram que uma das representações,
conhecida como Fonte Grande 1, representa a conjunção da Lua com a SN 1054 (Figura 6).

FIGURA 6: FOTOGRAFIA FEITA EM 1989 DE UMA PINTURA RUPESTRE ENCONTRADA NA REGIÃO DO PROJETO CENTRAL, NA
BAHIA, CONHECIDA COMO FONTE GRANDE I. CRÉDITOS: DE NADER E JALLES (2018).

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A Toca dos Astros

Na Paraíba, no município do Congo, distrito de Carmo, há um afloramento rochoso


chamado de Tocas dos Astros com diversas pinturas e gravuras rupestres com representações
astronômicas, algumas com estética realista. Uma dessas pinturas (Figura 7) mostram
semelhanças com as figuras de Chaco Canyon, e em Fonte Grande I e também podem ter sido
uma tentativa de representar a SN 1054. No sítio, nota-se uma gravura, em baixo relevo, com
cinco raias emergindo de dois círculos concêntricos. Logo abaixo da figura, há um semicírculo
com raios voltados para baixo.
À esquerda da figura raiada, há uma pintura de uma lua crescente, e mais à esquerda,
um semicírculo com um círculo no centro em vermelho. Estas representações podem indicar
a posições da Lua durante os dias que sucederam a explosão da supernova, uma vez que ela
ocorreu próxima à eclíptica, e isto significa que ocorreram outras conjunções entre a Lua e a
supernova, uma vez que ela ficou visível por 623 noites e na luz do dia, em cerca de 23 dias,
o que aumenta a possibilidade que esses registros não só tenha sido uma tentativa de gravar
o dia exato da explosão no céu, mas uma sequência de visualizações, que podem ter sido
marcadas nas paredes da Toca dos Astros.

FIGURA 7 – DETALHE DAS FIGURAS RUPESTRES COM MOTIVOS ASTRONÔMICOS NO SÍTIO ARQUEOLÓGICO TOCA DOS
ASTROS, NO MUNICÍPIO DO CONGO, NO CARIRI PARAIBANO. CRÉDITOS: DENNIS MOTTA OLIVEIRA.

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Registro no Sítio Arqueológico Lagoa do Escuro

No Brasil, mais especificamente, no Sítio arqueológico Lagoa do Escuro, localizado na


zona rural de Taperoá-PB, é possível encontrar uma rocha com sua face voltada para o Leste
com diversos registros rupestres gravados com técnica de picoteamento (BRITO, 2015), alguns
aparentando semelhança com os baixos-relevos das Itacoatiaras de Ingá-PB.
Entre essas representações, é possível destacar, à direita do painel, uma figura
semelhante à pintura rupestre encontrada no Penãsco Blanco: uma Lua crescente com a
face iluminada apontado para o quadrante inferior direito da pedra (Figura 9). Logo acima,
observa-se um círculo com oito raias, semelhante aos que foram apresentados nos sítios
arqueológicos dos Estados Unidos. As duas figuras podem ser representações do asterismo
supernova-lua crescente, registrado pelos povos aqui viviam nos Cariris Velhos.
Essa possibilidade foi levantada pelo autor em 2013, durante a Oficina de Arte
Rupestre dos Cariris Velhos, organizada pelo artista plástico Manoel Dantas Suassuna.

FIGURA 8 – MAPA DA LOCALIZAÇÃO DO SÍTIO ARQUEOLÓGICO LAGOA DO ESCURO,


NO MUNICÍPIO DE TAPEROÁ, ESTADO DA PARAÍBA. ARTE DO AUTOR.

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FIGURA 9 – À ESQUERDA, DETALHE DO PETRÓGLIFO DO SÍTIO ARQUEOLÓGICO LAGOA DO ESCURO QUE POSSIVELMENTE
REPRESENTA A SUPERNOVA 1054, LADEANDO A LUA CRESCENTE. À DIREITA, DESENHO DO AUTOR.

Com o auxílio do software Stellarium, é possível confirmar que, na madrugada de 05 de


julho de 1054, em Taperoá, a Lua estava a 3º no momento em que a supernova explodiu, na
direção Leste-Nordeste (Figura 10).
Diante do exposto, esta pesquisa tem como objetivo levantar uma hipótese comparativa,
a representação astronômica encontrada no Sítio Arqueológico Lagoa do Escuro (Figura 9)
com os petróglifos de Chaco Canyon (Figura 2) à luz da arqueoastronomia e poder localizar
temporalmente, de forma indireta, as figuras rupestres da lagoa do escuro.

FIGURA 11 – APARÊNCIA ASTRONÔMICA DO CÉU NOTURNO EM TAPEROÁ-PB NO MOMENTO DA EXPLOSÃO DA SUPERNOVA,


ÀS 04:00H, NA MADRUGADA DE 05 DE JULHO DE 1054. A LUA CRESCENTE ESTAVA COM A FACE VOLTADA PARA BAIXO. A
SUPERNOVA OCORREU À ESQUERDA DA ESTRELA T TAURI NA CONSTELAÇÃO DE TOURO. A LINHA DA ECLÍPTICA PASSAVA
EXATAMENTE NO MEIO DOS ASTROS NO MOMENTO DA CONJUNÇÃO
DO SOFTWARE STELLARIUM,COMO GRIFOS DO AUTOR.

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Se confirmada, a hipótese também irá evidenciar a presença dos povos indígenas


em terras caririzeiras quatro séculos e meio antes da chegada dos portugueses ao Brasil,
escrevendo um importante capítulo da história da astronomia no Brasil. Como apontaram De
Nader e Jalles (2018), é possível, em trabalhos próximos, a partir de um levantamento mais
apurado, agrupar as figuras rupestres semelhantes a fim de buscar algum padrão e compará-
lo com outras evidências.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O recente campo transdisciplinar da arqueoastronomia relevou que a arte rupestre


brasileira é uma importante fonte para rastrear o passado dos povos nativos do Brasil sob
um viés astronômico. Nos últimos anos, tem crescido o interesse da comunidade científica
em torno do tema, embora ainda tímido e marcado historicamente por falta de interesse ou
por ser um campo tão ousado que passou a receber críticas entre os próprios pesquisadores.
As hipóteses aqui apresentadas lançam mais uma luz sobre a interpretação astronômica
das figuras rupestres brasileiras, mostrando que elas não são fruto de ócio daqueles povos,
mas sim de um trabalho dedicado à arte e à observação sistemática dos fenômenos celestes
que tinham uma relevância impar para aqueles povos, uma vez que as estrelas norteavam
suas atividades diárias para sobrevivência.
Os próximos passos desta pesquisa serão a realização de prospecções e escavações
arqueológicas na tentativa de realizar uma datação e, portanto, fornecer mais evidências para
corroborar a hipótese do registro histórico da supernova 1054 no sítio arqueológico Lagoa do
Escuro em Taperoá-PB e na Toca dos Astros, no Congo-PB. Por fim, serão feitas prospecções
nos locais, na tentativa de descobrir alguns possíveis gnômons, fendas ou monólitos para
marcar solstícios ou equinócios.
Esta pesquisa também contribuirá com o banco de dados que está sendo levantado
gradualmente em todo o Brasil, e que poderá consolidar a Arqueoastronomia como um
campo de pesquisa científica de extrema relevância, e poderá motivar outros trabalhos e
levantamentos de sítios com representações semelhantes.

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Revista Tarairiú, Campina Grande - PB, Vol.1 - Número 19 – janeiro / junho 2022
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