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MUNANGA, Kabengele.

Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus


identidade negra. Petrópolis: Vozes, 1999, pp. 84-97.

Capítulo III
AMBIGÜIDADE RAÇA/CLASSE E A MESTIÇAGEM COMO MECANISMOS DE
ANIQUILAÇÃO DA IDENTIDADE NEGRA E AFRO-BRASILEIRA

Com base nos estudos de Carl Degler (1976), segundo Munanga (1986), a partir dos
relacionamentos entre homens brancos e mulheres negras, gerando as mestiçagens, houve
uma evolução nas atitudes raciais no Brasil, visto que o homem branco passava a ver o negro
como menos diferente e estranho.

Segundo o mesmo, nos Estados Unidos e no Brasil havia uma certa preocupação dos pais
brancos para com os filhos negros (embora não em 100% dos casos). Os mulatos eram, em
sua maioria, libertos, em números bem superiores ao número de negros em liberdade; eram
também menos escravizados.

Munanga (id.) chama atenção para o fato de que no Brasil a mestiçagem foi mais ampla e que
os libertos eram entregues “ao Deus dará”, sem manutenção e ensino de bons hábitos. O
mesmo aponta ainda que nos Estados Unidos os pais não reconheciam filhos mulatos tão
abertamente quanto aqui no Brasil.

Os mestiços eram filhos de latifundiários poderosos e influentes, mas possuíam um status


inferior ao dos filhos brancos. Aparentemente esse status influenciava no enfraquecimento de
solidariedade entre mulatos e negros.

Carl Degler, segundo Munganga (op. cit.), concluiu que no Brasil o mulato aceita o
branqueamento, gerando menos descontentamento entre as raças, diferentemente do que
ocorre nos Estados Unidos. Para Degler, esta é a razão pela qual não se tem aqui conflitos
raciais tão exacerbados quando lá.

Nos Estados Unidos, havia a One-drop rule (regra de uma gota de sangue), com a qual se
considerava como negro qualquer pessoa com uma única gota de sangue negro, ou seja, visão
de raça em esquema biológico. Consideravam o negro uma raça inferior. Degler concluiu,
segundo Munanga (id.), que no Brasil a ligação entre cor/classe foi um ponto chave na
discriminação.

Já para Marvin Harris (1967), segundo Munanga (id.), a falta de mão-de-obra branca fez com
que os senhores de escravos criassem grupos de mestiços, ficando entre eles e os escravos,
para exercer funções essenciais, inclusive militares.

Nos Estados Unidos, a regra de hipodescendência, mediante a qual os mestiços são


classificados como negros, teria se originado porque a entrada de africanos e a
emergência de um grupo de mulatos só ocorreram após o estabelecimento de uma
numerosa classe intermediária de brancos, não deixando, assim, lugar para um grupo
de pessoas de cor livres. (MUNANGA, op. cit., p. 87)

Para Oracy Nogueira (1985, p. 6), segundo Munanga (id., p. 88), o “disfarçamento de traços
negroides” (diploma, dinheiro e etc.) implica que o mestiço pode ser incorporado ao grupo
branco.

Um negro bem-sucedido que casa com uma branca terá descendentes, após 3 ou 4
gerações, integrados no grupo branco. Os sucessivos cruzamentos conjugados com o
status socioeconômico levam progressivamente ao branqueamento. Nos Estados
Unidos, tanto a mestiçagem como o status socioeconômico não participam do
processo do branqueamento e da aniquilação da linha de cor. No Brasil, a percepção
da cor e outros traços negróides é "gestáltica", dependendo, em grande parte, da
tomada de consciência dos mesmos pelo observador, do contexto de elementos não-
raciais (sociais, culturais, psicológicas, econômicas) e que estejam associados -
maneiras, educação sistemática, formação profissional, estilo e padrão de vida - tudo
isso obviamente ligado à posição de classe, ao poder econômico e à socialização daí
decorrente. (MUNANGA, id., p. 88)

Munanga explica que a maior parte dos afro-brasileiros sonha em um branqueamento, mudar
de status, empobrecendo o sentimento de solidariedade com os — palavras do autor — negros
indisfarçáveis. Essa questão aparece em ditados populares, como “dinheiro branqueia”, “o
preto rico é branco” ou “o branco pobre é preto” (id., p. 88).

Capítulo IV
MESTIÇAGEM CONTRA PLURALISMO

Munanga (1986, p.90) explica que no fim do século XIX a mestiçagem implicaria numa
sociedade unirracial e unicultural, mas que isso significaria uma aculturação por parte dos
negros e mestiços, aderindo ao “modelo hegemônico racial e cultural branco”. Em outras
palavras, implicaria na criação de “uma verdadeira raça e uma verdadeira civilização”
brasileiras; em contrapartida, não se pensou em uma sociedade plural.

“Na década de 70 surgem vozes discordantes, oriundas principalmente do mundo afro-


brasileiro, propondo a construção de uma democracia verdadeiramente plurirracial e
pluriétnica” (op. cit., p. 90). Abdias do Nascimento, militante negro intelectual, escreveu seu
livro O genocídio do negro brasileiro, no qual traz a ideia da igualdade plurirracial. Nele, o
mesmo defende que “Ou a sociedade brasileira é democrática para todas as raças e lhes
confere igualdade econômica, social e cultural, ou não existe uma sociedade [sic] pluriracial
democrática” (id., pp. 90-91). No livro citado, considera-se os negros como “estoques
africanos com tradições culturais e um destino históricos peculiares” (id., p. 91).

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