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Extradição de Cesare Battisti

Cesare Battisti, nascido em Sermoneta, Itália, no ano de 1954, é escritor e ex-ativista do grupo
esquerdista Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), ativo em seu país no final dos anos
70. Pelas ações efetuadas junto ao PAC, Battisti foi condenado, em 1987, a prisão perpétua,
com privação de luz solar, pela autoria direta ou indireta de quatro homicídios, além de
assaltos e outros delitos de menor potencial ofensivo. Por tais ações, o Estado Italiano passou,
ainda, a considerá-lo ex-terrorista. Sua primeira prisão ocorreu em 1979, com pena de 12 anos
de detenção por participação em grupo armado, assalto e receptação de armas. Note-se que
nesse momento não havia imputação de homicídio. Em 1981, com ajuda de outros membros
do PAC, especialmente Pietro Mutti, Battisti fugiu da prisão, realocando-se clandestinamente
na França e, posteriormente, no México. Quando o presidente francês François Miterrand
indicou, por meio da Doutrina Miterrand, de 1985, que seu país receberia ex-ativistas ligados
ao comunismo italiano, desde que não mais adeptos da violência, Battisti providenciou seu
retorno a Paris, onde acabou preso em 1991, em razão de pedido de extradição feito pela
justiça da Itália. Nesse mesmo ano, a Câmara de Acusação de Paris declarou, por duas vezes,
que Battisti não era extraditável, pois seus crimes eram de caráter político, determinando sua
soltura. Nos termos da Doutrina Miterrand, só podia ser extraditado o ex-ativista que não
houvesse abandonado totalmente a violência e tivesse, em seu país de origem, condenação
advinda de julgamento imparcial por crime comum.

Tal política, contudo, foi abandonada no governo Chirac, o que acarretou na ordem de
extradição de Battisti em 2004, forçando sua fuga para o Brasil antes que fosse assinado o
Decreto Presidencial que determinaria, de forma irrevogável, seu retorno ao cárcere italiano.
Voltando ao final da década de 80, vê-se, na Itália, a reabertura do  processo contra Battisti,
motivado por depoimento de Pietro Mutti, que, valendo-se da delação premiada para diminuir
sua pena pelos delitos cometidos junto ao PAC, imputou a Battisti a autoria intelectual e
material de todos os homicídios praticados por seu grupo.

Então foragido, Battisti foi julgado à revelia e condenado à prisão perpétua, com privação de
luz solar.

De se ressaltar que, além de revel, o réu questiona até hoje a idoneidade das procurações
outorgadas a seus defensores, bem como especialistas de diversas áreas e países afirmam que
uma condenação tão severa não pode ser baseada exclusivamente em testemunhos
controversos e depoimentos de condenados diretamente interessados numa redução de pena.

No Brasil, a defesa alega que os delitos imputados a Battisti impedem sua extradição, visto que
são frutos de ação política, resguardados pela Constituição Federal e pelo quadro normativo
complementar. Há que se atentar, aqui, na diferenciação entre crime comum e político.
Naquele, a ilicitude é cometida por qualquer pessoa penalmente responsável, que lesa bem
jurídico de outrem ou da coletividade; neste, o delito somente coloca em risco a organização
política a que se pretende subverter, normalmente por razões ideológicas, sem atingir bens
individuais ou outros bens coletivos. Em nossas terras, Battisti foi preso em 2007. Em 2008,
teve seu pedido de refúgio negado pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE),
recorrendo imediatamente ao Ministro da Justiça, Tarso Genro, conforme preconiza o artigo
29 da Lei nº 9.474/97. Como resposta, em 2009 foi concedido ao ex-ativista o status de
refugiado político, nos termos do artigo 1º da lei supra. O Ministro da Justiça considerou que
os anos de chumbo vividos nos tempos de guerra fria ensejavam a possibilidade do
acometimento de abusos contra Battisti, tanto após seus atos quanto em seu julgamento ou
em um eventual retorno. Nesse ínterim, qualificou as imputações contra Battisti como crimes
políticos, onde o objetivo da conduta nao é um bem jurídico universalmente reconhecido, mas
uma forma de autoridade assentada sobre ideologia e/ou metodologia capaz de suscitar
confronto além dos limites da oposição regular num Estado Democrático de Direito.

Na Itália, chegou-se a afirmar que a decisão de Genro colocava em xeque a democracia e os


mecanismos judiciais daquele país. Pressões para que o governo brasileiro deliberasse acerca
da extradição começaram imediatamente, movimentando o STF, órgão colegiado competente
para deliberar acerca de tais questionamentos. Além disso, o governo italiano impetrou
mandado de segurança contra a decisão do Ministro da Justiça, que sequer chegou a ser
julgado, por incompetância ativa. Restou, em curso, o pedido de extradição de Battisti
apresntado pelo Poder Público italiano ao STF, no qual o Procurador-Geral da República
Antonio Fernando Souza defendeu a incompetência daquela casa para decidir sobre o mérito
da extradição, entendendo que o pedido devia ser arquivado e que não havia razão para
manter Battisti preso.

Mesmo assim, o Ministro Relator do caso, Cezar Peluso, acompanhado de mais três Ministros,
votou pela anulação do refúgio concedido a Battisti, entendendo que seus crimes eram
comuns, e não políticos. Outros quatro Ministros entenderam legal o posicionamento adotado
pelo Ministro da Justiça. Coube, então, em 18 de novembro p.p., ao Ministro-Presidente
Gilmar Mendes o desempate, favorável à extradição. Ao final, também por apenas um voto, o
STF deliberou que, ainda que tenha autorizado a extradição, é de competência do Presidente
da República a execução ou não de tal ato, o que ainda não aconteceu. Nas palavras do
Ministro Carlos Ayres Britto, "na medida em que o Supremo declara a viabilidade da
extradição, não pode impor ao Presidente da República a entrega do extraditando ao país
requerente."

Aplicando a exegese que entende como política a conduta de Battisti, resta prontamente
afastada a possibilidade de sua extradição. In casu, por não se tratar de estrangeiro
naturalizado, aplica-se o inciso LII supra. Não foi dessa forma, contudo, o entendimento do
STF: conforme demonstrado, por 5 votos a 4 a casa optou por classificar seus crimes como
comuns. A competência do Supremo Tribunal Federal para julgar pedido de extradição feito
por Estado estrangeiro encontra-se descrita no artigo 102, alínea ‘g’, da Constituição Federal, e
no artigo 6º, alínea ‘f’, do Regimento Interno do órgão colegiado. Contudo, a casa delimitou
sua competência apenas ao pronunciamento da legalidade e da procedência do pedido face à
legislação vigente, conforme o artigo 207 de seu Regimento Interno. Essa é a razão pela qual a
deliberação final acerca da extradição é dada por meio de Decreto Presidencial.

Via de regra, ao Presidente da República não cabe discordar do decisum  prolatado pelo STF,
salvo por algumas exceções que serão oportunamente apresentadas. Se assim fosse, a
instância jurídica tornaria se inócua, sem sentido, servindo os Ministros apenas como meros
consulentes de uma deliberação pessoal. Sobre o caso Battisti, os artigos 208 e 213 do
Regimento Interno do STF trouxeram à baila a polêmica acerca do direito de liberdade. Ainda
que Battisti seja parte de processo penal originado em território nacional, é questionável, ante
seus bons antecedentes desde que renegou à luta armada, a obrigatoriedade de manter-se
preso como condição de andamento do processo de extradição, sobretudo em caso que os
prazos cominados pelo Regimento Interno não foram cumpridos pelo próprio Poder Público
nacional. Além disso, nos termos da legislação brasileira, não cabe a Battisti nenhum recurso
que possa reformar o posicionamento do STF (artigo 83 da Lei n. 6.815/80). Contra a decisão
colegiada cabem apenas Embargos de Declaração, nos termos do artigo 337 e seguintes do
Regimento Interno, visando sanar obscuridade, dúvida, contradição ou omissão no acórdão.

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