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[ Recursos humanos ]

Escreva bem ou pereça


Cursos e serviços ajudam
pesquisadores a redigir
um bom trabalho científico

Fabrício Marques
ilustrações Nelson Provazi

P
ressionados a produzir conhecimento e prestou serviço a muitas instituições. Agora, com
a publicá-lo em revistas especializadas, apoio da FAPESP, está promovendo uma série de
os pesquisadores brasileiros são con- workshops nas universidades de São Paulo (USP)
tinuamente desafiados a demonstrar e Estadual de Campinas (Unicamp).
uma habilidade que vai além do talento Em seus cursos, um pequeno grupo de pes-
científico: a capacidade de escrever de quisadores passa uma semana debruçado sobre
forma lógica e correta – e em inglês, a tarefa de escrever um artigo. “Trabalhamos
que é a língua da ciência. A novidade é que com dois ou três alunos dedicados a cada paper.
está crescendo a oferta de serviços e iniciativas Começamos na segunda-feira e na sexta o artigo
talhados para ajudar os pesquisadores nessa está escrito. Em geral são manuscritos que es-
tarefa – na forma de workshops promovidos tavam na gaveta”, diz Andrea. O trabalho se dá
por especialistas, serviços de tradução e revi- em dois planos: na organização estratégica do
são e programas de computador capazes de dar texto e na correção do inglês. “Percebemos que
forma a artigos científicos. a questão principal não tem a ver com o inglês,
O exemplo que melhor representa essa ten- mas com a argumentação do artigo. Discutimos,
dência talvez seja o da empresa Publicase, que, então, como torná-lo interessante para buscar
além de oferecer serviços de tradução e revisão a publicação de mais alto impacto nos limites
de artigos, também criou oficinas e cursos de do seu conteúdo”, afirma. Um gargalo comum,
treinamento para orientar pesquisadores inte- segundo Andrea, remete a uma discussão exis-
ressados em colocar seus achados no papel. A tencial: qual, afinal, é a pergunta daquele paper?
empresa tem como sócias as biólogas Marcia “Muita gente não consegue definir com clareza
Triunfol Elblink e Andrea Kaufmann-Zeh, que qual é a sua pergunta”, diz. “Nosso trabalho é
trabalharam como pesquisadoras no exterior e resgatar e ressaltar a relevância das perguntas
depois enveredaram para a comunicação cientí- e dos resultados. Chamamos isso de marketing
fica. No início da década passada, atuaram como científico”, define. Nos workshops, de duração
editoras, respectivamente, das revistas Science mais curta, a Publicase oferece uma coleção de
e Nature. A Publicase foi criada em 2007 e já dicas sobre, por exemplo, o formato adequado

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de cada tipo de artigo ou o modo de escolher USP, contratou a Publicase para verter ao inglês
a publicação com maior prestígio possível. Se- um artigo sobre os efeitos de dois antibióticos
gundo Andrea, um paper com uma grande no- no sistema hematológico de ratos. As sugestões
vidade permite sonhar com revistas de grande de mudança reduziram o tamanho do texto.
impacto. Mas se o passo dado pelo pesquisador, “Recomendaram que eu retirasse referências
embora interessante, é pequeno, pode valer a sem relação direta com o meu achado. Não fiz a
pena escolher um formato enxuto. “A saída po- conta, mas tive a sensação de que o artigo ficou
de ser produzir o chamado short communication 30% mais curto”, afirma Flávia, que já submeteu
e colocar todo o foco no achado. Assim, fica o artigo a uma revista.
mais fácil cativar o editor”, diz. Outra dica está relacionada à carta ao editor,
uma espécie de bilhete de apresentação anexado

A
máxima atribuída a Ernest Hemingway, se- ao artigo. É comum, segundo Marcia Triunfol
gundo a qual um escritor deve “cortar todo Elblink, que os autores tratem o bilhete de mo-
o resto e ficar no essencial”, ajuda a preve- do lacônico e burocrático. “É um erro, pois a
nir acidentes na redação científica. Um pecado carta pode ajudar a salvar um artigo da gave-
comum apontado pelas sócias da Publicase é o ta”, diz. “O autor pode ressaltar o resultado de
uso do que elas chamam de “frases suicidas” nos sua pesquisa de forma mais coloquial e ousada
artigos. “É quando o autor resolve contar que do que fez no artigo”, afirma. A carta também
outros artigos já chegaram à mesma conclusão. pode evitar que o artigo caia nas mãos de um
Se o editor concluir que não há novidade, vai revisor preconceituoso. “O pesquisador pode pe-
se desinteressar”, diz Andrea. “É mais produtivo dir que o paper não seja enviado para avaliação
dizer qual é o forte daquele artigo. Por exemplo, de competidores ou desafetos, citando-os”, diz
que ele fez experiência com doentes e não com Marcia. Fabio Klamt, professor de bioquímica
voluntários saudáveis como em artigos anterio- da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
res.” A farmacêutica-bioquímica Flávia Paina, ficou impressionado com a carta de apresen-
que acaba de concluir o doutorado na Faculdade tação que Marcia o ajudou a reescrever, num
de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da artigo que seu grupo publicou na revista Cancer.

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“O texto fez uma defesa poderosa do vier, uma das maiores editoras de livros
meu achado e o artigo foi aceito para e revistas científicas, com sede na Ho-
publicação”, afirma. “Eu havia escrito: landa, criou um programa internacional
esse é o trabalho com seguinte título, de workshops para editores de revistas
muito obrigado. Ela sugeriu uma forma científicas e também para autores de ar-
mais arrojada: seus leitores vão gostar tigos, levado a vários países. “Os eventos
do artigo porque ele diz o seguinte...” O fazem parte da parceria da Elsevier com
artigo tratava do desenvolvimento de as instituições de pesquisa clientes”, diz
um marcador molecular para câncer Ana Heredia, editora de publicações
de pulmão. O paper mais importan- científicas da Elsevier no Brasil. Só no
te da carreira de Klamt, segundo sua ano passado, promoveu esses workshops
avaliação, não é o da Cancer, mas um na Costa Rica, Panamá, Colômbia, Peru,
anterior publicado na Nature Cell Bio- Chile, Uruguai e Brasil.
logy, resultado de um pós-doutorado Nas universidades norte-america-
que ele fez nos Estados Unidos. Daquela nas é comum que os grupos de pesqui-
vez teve ajuda de sua supervisora norte- sa sejam assessorados por especialistas
-americana. Agora solicitou assessoria em redação científica, que os ajudam
da Publicase. a formatar artigos, refinar traduções,
preparar figuras e organizar referên-

O
mercado de serviços para autores de cias. Emilio Moran, diretor do Cen-
artigos científicos cresce no mun- tro Antropológico para Treinamento
do inteiro. Desde 2008, a Nature e Pesquisa em Mudanças Ambientais
Publishing Group (NPG), editora que Globais da Universidade de Indiana,
publica a revista Nature, disponibiliza conta que tem sido importante para
um serviço de edição de papers. O NPG a produtividade de seu grupo a ajuda
Language Editing é dividido em duas de uma profissional incumbida inclu-
categorias. No serviço ouro, o texto é sive de redigir a versão final de artigos
retrabalhado por dois editores especia- científicos. “Ela ajuda em várias frentes,
listas no assunto e revisto por outros como a parte gramatical e a revisão do
dois profissionais. No serviço prata, há inglês, mas é comum que pegue o ras-
um editor a menos no processo. A NPG cunho feito pelo pesquisador com suas
não faz traduções – e deixa claro que
o serviço não implica compromisso de
aceitação do artigo pelas revistas da edi-
tora. Outro exemplo é a empresa norte-
-americana American Journal Experts Roteiro para escrever um bom artigo
(AJE), que reúne uma rede de doutores
em vários campos do conhecimento. A
AJE começou a operar em 2004 com
ênfase na edição, tradução e revisão de
artigos escritos por pesquisadores que
não têm o inglês como língua nativa. Planeje na fase do projeto Organize as ideias
Hoje presta serviços mais amplos, como
a recomendação de periódicos talhados Escolha revistas em que sua Antes de começar a escrever,
para cada tipo de artigo, e até uma si- pesquisa poderia ser publicada analise os dados e veja a que
mulação de peer review, na qual o paper
e analise nelas artigos de pes- conclusões você pode efetiva-
é submetido a um especialista que tenta
antecipar as críticas que o revisor poderá quisadores com o mesmo per- mente chegar. Exponha oral-
fazer. “Nossas recomendações permitem fil que você tem – afinal, eles mente aos colegas e faça isso
que o autor faça mudanças no manus- viveram as mesmas dificulda- até constatar que seu traba-
crito e aumente as chances de aceitação”, des para publicar que você lho está claro. Escreva primei-
afirma Lisa Pautler, diretora da AJE. A
empresa traduz manuscritos em seis enfrentará. Estude as exigên- ro o resumo, para garantir
idiomas, mas as traduções do português cias de um trabalho desse que tem o domínio sobre
para o inglês são as mais requisitadas, tipo e tente adequar seu o conjunto dos dados e está
segundo Lisa. “Os textos são traduzidos projeto de pesquisa a elas. pronto para iniciar a redação.
por um editor especialista na área e de-
pois revistos por outro pesquisador que
tem o inglês como língua nativa.” A Else-

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ideias gerais e transforme num artigo Biociências do Instituto de Bioquími-
científico”, diz Moran, que já chegou a ca Médica da Universidade Federal do
Nas universidades compartilhar os serviços dessa redatora Rio de Janeiro e autora de uma tese de
até com a Nobel de Economia de 2009 doutorado sobre a barreira do idioma
Elinor Ostrom, docente da Universida- na comunicação científica.
norte-americanas de de Indiana. “Quem produz muito

N
acaba não tendo tempo para cuidar dos o Brasil esse tipo de iniciativa
os writing centers detalhes da preparação de um artigo.” começa a vicejar, mas por ora se
Os serviços de apoio não eximem os restringe ao problema mais pre-
ajudam a elaborar pesquisadores de aprender a escrever. O mente, que são a tradução e a revisão
próprio Moran leciona uma disciplina do inglês. É o caso do Espaço da Escrita
não apenas artigos que exige dos alunos de pós-graduação, da Unicamp, escritório criado em 2006
como trabalho final, a redação de um para ajudar pesquisadores das áreas de
mas também projeto de verdade a ser apresentado a humanidades e de engenharias a publi-
agências de fomento. car trabalhos em outros idiomas. Um
projetos de pesquisa Universidades norte-americanas
vêm investindo em writing centers e
total de 1.007 trabalhos já foram tradu-
zidos e revisados com a intermediação
escritórios de editoração, iniciativas do escritório. “Havia o diagnóstico de
que ajudam desde alunos de gradua­ que pesquisadores das áreas de física,
ção interessados em desenvolver o química e medicina publicavam bas-
talento da escrita até pesquisadores tante no exterior e não precisavam de
que buscam aumentar suas chances ajuda. Nosso foco eram as áreas com
de publicação. “Entre as motivações, menor inserção internacional”, diz Alcir
existe a preocupação de formar pro- Pecora, professor de teoria literária da
fissionais com maior autonomia para Unicamp e coordenador do Espaço da
argumentar ideias num texto científi- Escrita. O saldo do trabalho foi bastante
co em inglês, que é inclusive o idioma positivo nas engenharias. A Faculdade
nativo de muitos dos que recorrem aos de Engenharia de Alimentos responde
serviços desses centros”, afirma Sonia por 23% dos artigos traduzidos, se-
Vasconcelos, pesquisadora do Progra- guida pela Faculdade de Engenharia
ma de Educação, Gestão e Difusão em Agrícola, com 14%. Já no campo das

Escreva de trás para frente Capriche na carta ao editor Aprenda com fracassos

Comece pelas conclusões, A apresentação do artigo ao Se o manuscrito for rejeita-


destacando o que o artigo editor é uma chance de usar do, tente descobrir os moti-
traz de novo. Em seguida uma abordagem menos for- vos. O feedback do fracasso
escolha as figuras e redija mal para defender as conclu- é essencial para poder cor-
apenas os resultados que sões de seu artigo e cativar o rigir os erros do artigo ou
usou para chegar às conclu- editor e não deve ser menos- pelo menos para não repe-
sões. Depois parta para os prezada como ferramenta de ti-los na pesquisa seguinte.
procedimentos e a discussão. divulgação. Muitos pesquisa- Esse expediente também
Ao final, faça a introdução, dores perdem essa chance ao ajuda a aprimorar a reda-
que deve justificar os objeti- fazer apresentações burocrá- ção e a aprender a escolher
vos. Por fim, cuide do título. ticas e desinteressantes. o periódico adequado.
Fonte: Gilson Volpato, UNESP

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humanidades e ciências sociais o resul-
tado foi mais tímido. Usuária do Espaço
da Escrita, a professora Antonia Banko-
ff, da Faculdade de Educação Física da
Unicamp, elogia a agilidade nas tradu-
ções. “Consegui publicar mais e colocar
uma quantidade maior de estudos em
congressos internacionais”, afirma.
Os dois funcionários do escritório
treinados para ajudar os pesquisadores
a selecionar boas revistas só fazem essa
tarefa por demanda. “Queríamos fazer
mais, mas a avaliação da qualidade das
traduções monopoliza o nosso tempo”,
afirma Pecora. A Unicamp prepara re-
forços na estratégia de aperfeiçoar as
habilidades de redação científica de
pesquisadores. Nesse ano, vai oferecer
novos workshops com a Publicase e um
seminário com Carl Schwarz, diretor da
editora Elsevier, para atingir estudantes
de pós-graduação. “A intenção é ampliar
as iniciativas para um público cada vez
maior dentro da universidade”, diz Ed-
gar de Decca, vice-reitor da Unicamp.

A
USP prepara um programa abran-
gente para ajudar os pesquisadores
a publicarem mais e melhor. Se-
gundo Sueli Mara Soares Pinto Ferreira,
diretora técnica do Sistema Integrado ficas internacionais e em congressos. A os pesquisadores brasileiros, uma vez
de Bibliotecas (SIBi), a iniciativa terá, iniciativa teve início em 2001 e, desde que incorreções no texto costumam
a princípio, duas frentes. Uma é a pro- então, cerca de 200 docentes utilizam servir de argumento para a rejeição
moção, em parceria com a Pró-Reitoria o auxílio a cada ano. Dos 2 mil artigos de artigos, independentemente de seu
de Pesquisa, de sete workhops neste ano traduzidos ou revisados, 75% foram mérito. Carlos Eduardo Ambrosio,
organizados pela Publicase. A segunda aceitos para publicação. De acordo professor da Faculdade de Zootecnia
é a oferta de ferramentas computacio- com o professor Erivaldo da Silva, que e Engenharia de Alimentos da USP, em
nais capazes, por exemplo, de ajudar os coordena o programa na Pró-Reitoria Pirassununga, já usou os serviços da
pesquisadores a organizar a bibliografia de Pesquisa da Unesp, 90% das tradu- Publicase e da American Journal Ex-
de seu artigo e formatá-lo. No futuro, ções ou revisões são para o inglês. No perts para fazer revisões do inglês de
a USP vai adquirir softwares que auxi- universo de pedidos, 65% são para tra- seus artigos científicos. O expediente
liem os editores de revistas científicas da duções completas e 35% para revisões. tem um duplo objetivo: evitar questio-
universidade a detectar plágios, além de “Os pedidos de tradução completa vêm namentos sobre a correção da língua
automatizar o fluxo editorial e gerar es- principalmente das engenharias e das e ajudá-lo em seu trabalho de editor
tatísticas de acesso e download. Também humanidades, enquanto em áreas como da revista científica nacional Pesquisa
deverá oferecer serviços de tradução e física e química são mais comuns os Veterinária Brasileira. “É bom que um
revisão gramatical, além de criar um pedidos para revisões”, afirma. Carlos nativo no idioma inglês aponte os er-
writing center. “E, quando tudo estiver Alberto Sampaio Barbosa, professor do ros. Muitas vezes os editores não fazem
implementado, vamos investir também Departamento de História da Faculda- isso e você fica sem saber se há mesmo
em ferramentas que nos ajudem a medir de de Ciências e Letras de Assis, utilizou um erro ou se é preconceito”, afirma.
o impacto da produção científica gerada o edital para verter para o espanhol um Ambrosio fez parte de seu mestrado
por essas iniciativas”, diz Sueli. capítulo de livro sobre a repercussão da nos Estados Unidos e continua a estu-
A Universidade Estadual Paulista Revolução Mexicana no Brasil. “O im- dar inglês. “Mas ainda cometo erros”,
(Unesp) criou, dentro do seu progra- pacto de uma publicação em inglês ou afirma. “Tem gente que não gosta de fa-
ma de internacionalização, um edital espanhol é muito maior. E, na minha lar isso, mas eu não tive uma educação
que oferece continuamente auxílio fi- área, poucos colegas do exterior leem bilíngue. Essa é uma realidade brasilei-
nanceiro para a revisão e a tradução em português”, afirma. ra. Quem se expressa bem em inglês,
de artigos e o eventual pagamento de A utilização de serviços de tradução em geral, teve a chance de passar uma
taxas de publicação em revistas cientí- e de revisão do idioma é comum entre boa temporada fora. Por isso preten-

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do fazer pós-doutorado no exterior”,
afirma o pesquisador, que aos 34 anos
é livre-docente da USP e teve bolsa do
programa Jovens Pesquisadores em
Centros Emergentes, da FAPESP.

T
raduções esmeradas e argumen-
tações afiadas não são suficien-
tes, como se pode imaginar, para
transformar um manuscrito redun-
dante ou equivocado em algo publi-
cável. Gilson Volpato, professor do
Faço minhas as suas palavras Instituto de Biociências da Unesp em
Botucatu, autor de vários livros so-
Quando o plágio tem vínculo com a dificuldade em escrever bre redação científica e ministrante
de cursos e oficinas nessa área desde
1986, chama a atenção para vícios da
comunidade científica brasileira que
Os recentes casos de plágio é muito diferente da anglo-saxônica”, comprometem a qualidade da produ-
científico em geral se associam afirma Sonia Vasconcelos, estudiosa ção em vários campos. “O problema
à má conduta e à pressão para dos plágios científicos, que abordou começa nos projetos de pesquisa. Se
publicar a qualquer custo, mas há o problema, em dezembro passado, no um projeto não for inovador e não ti-
pelo menos uma face do problema 1º Encontro Brasileiro sobre Integridade ver base teórica sólida, é impossível ge-
que se vincula à falta de habilidade na Pesquisa Científica e Ética em rar artigos de alto impacto mais tarde”,
dos pesquisadores de escrever. Em Publicações, realizado no Rio de Janeiro afirma o professor, que ministrou um
2007 um caso de plágio envolvendo e em São Paulo. “Na dificuldade de curso on-line de redação científica no
um artigo publicado na revista escrever, e com medo de deturpar a portal da Unesp (disponível em http://
Nature pôs a questão em evidência. ideia original, muitos pesquisadores se propgdb.unesp.br/redacao_cientifica/
Os acusados, um grupo de cientistas tornam escravos das palavras do outro. index.php). Qualidade científica neces-
turcos, defenderam-se na própria Além da exposição indesejável que uma sita ideia inovadora, robustez metodo-
Nature argumentando que copiaram, possível acusação de plágio pode trazer lógica, resultados evidentes e apresen-
sim, trechos do texto de outros a esses autores, muitos deles acabam tação impecável, prega Volpato.
trabalhos em inglês, mas não se tornando escritores acadêmicos Ele observa que algumas revistas
consideravam haver cometido plágio. dependentes da expressão e copiadores nacionais, mesmo publicadas em in-
Argumentaram que os trechos do padrão de argumentação de outros.” glês, divulgam artigos de baixa quali-
copiados foram usados na introdução Sonia ressalta que estabelecer regras dade – e isso atrapalha o aprendizado
do artigo, não nas conclusões. “Para e utilizar softwares para detectar cópias dos jovens autores. “As revistas brasi-
aqueles como nós, que não têm o de trechos, como faz a maioria das leiras precisam dar um salto de quali-
inglês como língua materna, usar revistas científicas, não é suficiente dade. Em certas áreas, as revistas são
frases bonitas publicadas em outros para prevenir o problema. “Precisamos razoáveis. Mas em outras publicam-se
estudos na introdução dos nossos formar pesquisadores que tenham artigos com amostras pequenas, con-
textos não é incomum”, disse Ihsan autonomia para argumentar em seu clusões equivocadas e recortes regionais
Yilmaz, um dos autores do estudo. idioma e em inglês, seja no contexto que não seriam aceitos em outros luga-
Se há pouco espaço para de publicações ou não. No Brasil, res.” O mais preocupante, diz Volpato,
discussão quando o plágio se vincula fortalecer o desenvolvimento dessa é a chamada cultura de repetição. “Já vi
à cópia de dados, entra-se num habilidade em nossos alunos é também orientador sugerir para o aluno não es-
terreno difuso quando se trata de uma questão de soberania”, afirma. tudar um determinado assunto porque
um empréstimo textual num artigo Num artigo publicado em janeiro, não existia nada publicado a respeito.
científico. De modo geral, os especialistas em ética Elizabeth Falta uma cultura empreendedora na
considera-se que uma referência Heitman, da Universidade Vanderbilt, ciência brasileira, no sentido de bus-
ao texto de outra pessoa deve estar e Sergio Litewka, da Universidade car o novo e o desconhecido”, afirma
marcada entre aspas. Ou então de Miami, sugerem que cientistas o professor. Para ele, os pesquisadores
usa-se a paráfrase, que consiste em norte-americanos mudem a estratégia só têm a ganhar se tentarem publicar
explicar a ideia do outro com as de prevenção de plágios em trabalhos em revistas in­ternacionais. “E têm de
próprias palavras. “Ocorre que pode de alunos estrangeiros que não escrever em inglês, pois, em português,
ser muito difícil desenvolver ideias dominam bem o inglês. A sugestão pouca gente vai ler e o pesquisador não
com as próprias palavras num idioma é que invistam no treinamento das recebe­rá críticas de cientistas renoma-
que não é o seu. Isso atinge bastante habilidades de redação dos estudantes, dos, que é o que faz o seu trabalho ser
os chineses, cuja estrutura linguística em vez de apenas divulgar normas. aperfei­çoado”, conclui. n

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