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CAPÍTULO 2

A UNIÃO EUROPÉIA E O MERCOSUL

Ao se falar de Direito da Integração não há como deixar de abordar a União


Européia, que atualmente consiste no mais avançado bloco de integração regional,
salientando-se que o estudo não se propõe a exaurir o tema, mas apenas tratar de alguns
pontos que têm pertinência com a análise do Direito da Integração regional.

Será estudado, também, em rápidas pinceladas, o Mercado Comum do Cone


Sul em razão de ser o bloco regional de que o Brasil faz parte, nos pontos atinentes ao assunto
em estudo.

2.1 A União Européia

Há 50 anos, a Europa estava esgotada, exaurida, restaurando-se de uma


guerra oriunda das tensões entre os Estados europeus. Mesmo totalmente dilapidada,
cooperaram os Estados para a criação de um novo sistema de poder transnacional e delegado,
partilharam aspectos de sua soberania e instituíram tribunais eficazes. Esta realização
decorreu não apenas de idealismos, mas também, e principalmente, de interesses próprios,
assim como hoje há interesses semelhantes no governo global, relevante para todos os
Estados 117 .

A idéia contemporânea de “um mundo de nações” foi responsabilidade da


compreensão da noção de Estado que, em certa medida, constitui “um conceito ocidental
moderno”. Esta concepção gerou a “configuração das nações como realidade central no
panorama histórico contemporâneo”, uma vez que embasaram-se as nações em uma estrutura
tanto cultural quanto econômica. As experiências em busca de poder levaram à junção de
nações que se consubstanciaram nas “superpotências” com base na “posse de superarsenais”,

117
GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social-
democracia. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 158-159.
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dando causa à denominada Guerra Fria e à conseqüente divisão mundial em “dois blocos
toscamente chamados Oriente e Ocidente”, consagrando duas áreas de exploração e
influência, com prioridade absoluta do poder eminentemente econômico e militar, impondo ao
mundo “uma espécie de fusão entre o infantilismo cultural e o colossalismo material” 118 .
Grifos no original.

A superação do quadro de “divisão bipolar” (Leste-Oeste), com o fim da


guerra fria, deu ensejo ao esboço de uma nova ordem mundial, onde, com o cessar da política
da desconfiança, as “fronteiras territoriais deixam de ser barreiras intransponíveis e passam a
ser pontos de contato, elos de ligação” 119 .

É neste novo contexto global que podem ser inseridos a União Européia e os
demais blocos regionais.

A União Européia iniciou-se como parte do sistema bipolar, mas consiste,


em verdade, em uma resposta à globalização. Pode-se dizer que ela define a “Europa” como
uma entidade, mas a circunstância que possui de mais importante é o fato de que estão sendo
desenvolvidas instituições sociais, políticas e econômicas que se estendem além do Estado-
nação e chegam até o indivíduo. Tendo sido criada por cooperação entre governos nacionais,
consiste em muito mais do que uma mera associação regional de Estados 120 .

118
SALDANHA, Nelson. O declínio das nações e outros ensaios. Recife: FUNDAJ, Editora Massagana, 1990,
p. 20, 23-25.
119
CHIARELLI, Carlos Alberto Gomes; CHIARELLI, Matteo Rota. Integração: direito e dever. São Paulo:
LTr, 1992, p. 203-204.
120
GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social democracia.
Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 154.
66

2.1.1 Fontes históricas que deram origem à Comunidade Européia

A Primeira e a Segunda Guerra Mundial arrasaram a Europa, com muita


destruição e milhares de mortos. Esta situação fez surgir uma semente de união entre os países
europeus.

Diversas foram as conseqüências que advieram da Segunda Guerra


Mundial; entre elas ocorreu o “declínio e a descentralização da Europa no cenário mundial”.
Duas novas superpotências surgiram com o início da Guerra Fria, bipartindo a Europa tanto
geograficamente quanto politicamente; os Estados Unidos da América (EUA) de um lado e a
União das Repúblicas Socialistas e Soviéticas (URSS) de outro. Com a injeção de capital
americano, em decorrência do Plano Marshall, iniciou-se a recuperação da Europa Ocidental,
que passou a ser ameaçada em razão da tensão entre a França e a recém criada República
Federal da Alemanha. A divergência consistia no fato de a região metalúrgica do Sarre, que
era almejada pela França, ter sido incorporada ao território da Alemanha. Foi quando surgiu o
Plano Shuman do Ministro das Relações Exteriores da França, Robert Shuman, propondo a
integração da siderurgia francesa e alemã “sob o comando de uma alta autoridade e aberta a
outros países”, tendo surgido a Comunidade Econômica do Carvão e do Aço (CECA). O autor
intelectual deste plano foi Jean Monnet que hoje é considerado símbolo da União Européia.
Com o mecanismo de fusão supranacional do setor industrial, a França e a Alemanha
delegaram, voluntariamente, parcela de soberania, fenômeno esse que consistiu no “embrião
da entidade supranacional em que se constitui a atual União Européia” 121 .

O surgimento da União Européia, que nasceu com a Comunidade Européia


do Carvão e do Aço (CECA) e com a Comunidade Européia de Energia Atômica (CEEA),
constitui um ponto importante que dispensa “maiores digressões”, tendo sido responsável pelo
estreitamento das distâncias, ultrapassando barreiras das relações entre os países europeus 122 .

121
NOGUEIRA, Aloysio Pereira. União Européia: Os tratados básicos. In LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo
(Coordenador). Direito Comunitário e jurisdição supranacional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2000, p.
59-60, 62.
122
ANDRADE, Everaldo Gaspar Lopes. O Mercosul e as relações de trabalho: relações individuais, relações
coletivas, relações internacionais de trabalho. São Paulo: LTr, 1993, p.18.
67

Assim, em 1957, com a assinatura do Tratado de Roma, foi instituída a


Comunidade Econômica Européia (CEE) que deu origem a uma nova forma de integração, o
mercado comum, possuindo como finalidade não só a unificação, mas também buscando,
primordialmente, o crescimento, ensejando melhores condições de vida, através da livre
circulação de bens, pessoas, serviços e capitais.

Iniciou-se a Comunidade Econômica Européia com seis países. Além da


França e da Alemanha, como já citado, aderiram mais quatro parceiros – Itália, Holanda,
Bélgica e Luxemburgo 123 .

Em 1962 ocorreu o lançamento da política agrícola comum. Em 1968 tem


início a união aduaneira e em 1979 o Sistema Monetário Europeu (SME) que resultaram no
Tratado de Maastricht em 1991 sobre a União Européia 124 .

São três os Tratados que constituíram a Comunidade Européia: primeiro o


Tratado de Paris, em 1951, que instituiu a Comunidade Européia do Carvão e do Aço
(CECA); posteriormente, em 1957, o Tratado de Roma relativo à Comunidade Européia de
Energia Atômica (CEEA ou EURATOM) e a Comunidade Econômica Européia (CEE); por
fim, com o Tratado de Maastricht, as Comunidades Européias passaram a utilizar a
denominação de União Européia e a Comunidade Econômica Européia passou a ser designada
apenas como Comunidade Européia, uma vez que deixou de perseguir somente fins
econômicos 125 .

Surge, a partir deste momento, quase que um novo país cujas divisas são as
que cercam o bloco regional, ficando abertas as fronteiras internas para que os cidadãos
circulem livremente, trabalhem, residam e invistam em todo o espaço comunitário.

Em 1993, chegou-se à fase de Mercado Comum, quando doze países já


integravam o bloco. Atualmente, quinze países participam da União Européia.

123
NOGUEIRA, Aloysio Pereira. União Européia: Os tratados básicos. In LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo
(Coordenador). Direito Comunitário e jurisdição supranacional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2000, p.
60.
124
ROCHA, José de Moura. Comunidade Européia, Mercosul, jurisdição. In BARBOSA MOREIRA, José
Carlos (Coordenador). Estudos de Direito Processual em memória de Luiz Machado Guimarães. Rio de Janeiro:
Forense, 1997, p. 220.
125
JAEGER JUNIOR, Augusto. Mercosul e a livre circulação de pessoas. São Paulo: LTr, 2000, p. 63.
68

Com a formação do mercado comum em 1993, esgotaram-se os objetivos do


Tratado de Roma, que passou por uma revisão, surgindo o Tratado de Maastricht ou Tratado
da União Européia que agora, alcançados os objetivos do mercado comum, procura avançar
ainda mais com a unificação da moeda (o euro), a cidadania e a defesa únicas 126 .

Interessante circunstância que vale a pena ser ressaltada é que, inicialmente


havia a supremacia do fator econômico, tendo sido relegado o aspecto social ao fato de serem
buscadas melhorias de condições de vida e de trabalho. No entanto, esta situação alterou-se de
forma substancial a partir do Tratado de Maastricht, tendo decorrido, esta alteração, de um
“clamor institucional”, uma vez que a Europa buscava, mais do que simplesmente a questão
econômica e a instituição de uma cidadania européia, buscava avanços na área social 127 .

A União Européia é a mais ousada experiência de integração econômica e


política e a segunda maior associação econômica internacional do mundo 128 .

Recentemente, em 17 de junho de 1997, foi assinado o Tratado de


Amsterdam, ainda não ratificado pelos quinze integrantes da União Européia, e que possui
quatro objetivos primordiais, a saber: fazer do emprego e dos direitos dos cidadãos o eixo da
União; suprimir os últimos obstáculos à livre circulação e reforçar a segurança; fazer com que
a voz da Europa se ouça melhor no mundo; fazer mais eficaz a arquitetura institucional da
União com vistas à próxima ampliação.

2.1.2 Fases de implantação do mercado comum na União Européia

Na Comunidade Européia a implantação do mercado comum deu-se em


duas fases, cuja finalidade consistiu em adequação das economias às novas realidades 129 .

126
ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia – Estrutura Jurídico-institucional. Curitiba: Juruá, 2000,
p. 67.
127
JAEGER JUNIOR, Augusto. Mercosul e a livre circulação de pessoas. São Paulo: LTr, 2000, p. 104.
128
RIBEIRO, Maria de Fátima. O Euro e as perspectivas de implantação de uma moeda única no Mercosul.
Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, a. 8, n. 31, 2000, p.
12.
129
BAPTISTA, Luiz Olavo. Impacto do Mercosul sobre o sistema legislativo brasileiro. In BAPTISTA, Luiz
Olavo; MERCADANTE, Araminta de Azevedo; CASELLA, Paulo Borba (Organizadores). Mercosul: das
negociações à implantação. São Paulo: LTr, 1994, p. 18.
69

A primeira fase, a de coordenação, tinha como escopo a efetivação de ações


coordenadas, mantendo-se, entretanto, todos os aspectos da soberania.

A segunda fase, denominada de integração, “redundava na constituição de


uma formulação de aspectos da soberania de maneira supranacional e integrada”130 .

O mais importante tratado é o da Comunidade Econômica Européia, uma


vez que estabeleceu um mercado comum 131 .

A constituição do mercado comum, da “Europa unida”, integrada no âmbito


econômico, social e político, impôs o surgimento de um ordenamento jurídico fundado em um
sistema constitucional e institucional 132 .

Na segunda fase da implantação do mercado comum na União Européia, se


fez necessário a realização de um novo contrato social. Neste, certos aspectos da legislação de
cada país seria objeto de acordos internacionais, com a finalidade de ser implantada a
integração e, depois, a Comunidade, que passaria a ter normas comuns, de natureza superior,
com atuação sobre a vida de cada um dos países integrantes. A partir dessa análise, surge uma
nova figura jurídica que está baseada na união entre o Direito Internacional e o Direito
Constitucional. Em razão do nascimento deste novo ramo do direito, profundas mudanças
ocorreram nos sistemas jurídicos dos países europeus 133 .

2.1.3 O surgimento do Direito Comunitário

O direito constitui uma realidade social de dupla feição. Como integrante


das atividades humanas é marcado, naturalmente, pelas formas de organização de cada

130
BAPTISTA, Luiz Olavo. Impacto do Mercosul sobre o sistema legislativo brasileiro. In BAPTISTA, Luiz
Olavo; MERCADANTE, Araminta de Azevedo; CASELLA, Paulo Borba (Organizadores). Mercosul: das
negociações à implantação. São Paulo: LTr, 1994, p. 18.
131
JAEGER JUNIOR, Augusto. Mercosul e a livre circulação de pessoas. São Paulo: LTr, 2000, p. 63.
132
FORTE, Umberto. União Européia – Comunidade Econômica Européia (Direito das Comunidades
Européias e harmonização fiscal). Tradução de Ana Tereza Marino Falcão. São Paulo: Malheiros Editores,
1994, p. 30.
133
BAPTISTA, Luiz Olavo. Impacto do Mercosul sobre o sistema legislativo brasileiro. In BAPTISTA, Luiz
Olavo; MERCADANTE, Araminta de Azevedo; CASELLA, Paulo Borba (Organizadores). Mercosul: das
negociações à implantação. São Paulo: LTr 1994, p. 18.
70

sociedade e pela cultura. “Mas é uma realidade singular”, porque ao mesmo tempo em que
representa o reflexo de uma sociedade, ele constitui o projeto de atuar sobre ela. O direito
adequa-se ao estado da sociedade, é por ela influenciado, ao tempo em que também influencia
sobre a sociedade, quando exerce o seu papel de organizador da vida social, através da tarefa
normativa 134 .

As vinculações, os processos, as relações e as disposições de dominação e


apropriação, incompatibilidade e integração, ultrapassam delimitações, mares e oceanos. As
ciências sociais defrontam-se com vários problemas, que parecem exceder a capacidade
interpretativa das definições já existentes 135 .

Por esta razão, o direito deve procurar compatibilizar-se com os novos


instrumentos que têm aparecido nos dias hodiernos. É necessário que os estudiosos, valendo-
se das ricas experiências do substrato social, criem novas figuras jurídicas ou que procedam a
uma adequação das existentes, em face dos inúmeros novos processos que vêm sendo
observados.

A disciplina responsável pela análise da nova figura jurídica, que emergiu


de uma perspectiva marcadamente econômica, foi denominada de Direito Social Comunitário,
ou Direito Comunitário, em razão de “referir-se a um ramo do direito que estuda a questão
social no interior da Comunidade Econômica Européia”, hoje União Européia 136 .

Interessante situação que merece ser relatada, porque de suma importância,


é o fato de o Direito Comunitário garantir a possibilidade de acesso do trabalhador da
Comunidade a qualquer Estado-membro, circunstância que foi responsável por assegurar um
alto nível de emprego nos anos sessenta e setenta, tendo sido, posteriormente, criada a Rede
Européia de Serviços (EURES) 137 .

134
ASSIER-ANDRIEU, Louis. O direito nas sociedades humanas. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São
Paulo: Martins Fontes, 2000, p. XI.
135
IANNI, Octávio. A sociedade global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 167.
136
CHIARELLI, Carlos Alberto Gomes; CHIARELLI, Matteo Rota. Integração: direito e dever. São Paulo:
LTr, 1992, p. 205-206.
137
JAEGER JUNIOR, Augusto. Mercosul e a livre circulação de pessoas. São Paulo: LTr, 2000, p. 75.
71

A Comunidade Européia criou um novo “centro de produção de direito e de


aplicação de normas” que se superpõem ou geram grande influência nas leis nacionais dos
Estados-membros 138 .

O Tratado que criou a Comunidade Européia do Carvão e do Aço, ainda que


limitado ao campo carbo-siderúrgico, consistiu em ser a “primeira efetiva superação do
princípio da soberania nacional e constituiu um novo modelo de estrutura supranacional”,
tendo, em verdade, significado o surgimento de uma nova dimensão no campo jurídico, a
comunitária, gerando, em conseqüência, o nascimento do Direito Comunitário 139 , que
representa, indubitavelmente, “um novo direito”, “uma concepção absolutamente inédita das
relações entre direitos nacionais e a esfera supranacional” 140 .

Significa um novo aspecto concebido a partir das relações entre direitos


nacionais e as normas emanadas de organismos supranacionais, afastando-se, de forma
incontestável, da concepção clássica do Direito Internacional.

O Direito Comunitário não constitui, como dito, simples ramo do Direito


Internacional, Público ou Privado. Não se trata, também, de mero direito interno dos Estados-
membros. É um novo ramo do direito, complexo, na medida em que aborda tanto matérias
atinentes ao direito público como ao direito privado 141 .

O Direito Comunitário vincula os Estados-membros e tem supremacia sobre


o direito nacional, o que vale dizer: a legislação comunitária há de ter precedência sobre a
legislação interna.

A diferenciação entre o clássico ramo do Direito Internacional e o


novíssimo Direito Comunitário consiste em que o Direito Internacional não se impõe à ordem
jurídica dos Estados. Já no que se refere ao Direito Comunitário, ocorre uma subordinação das
ordens jurídicas internas ao Tribunal Comunitário Supranacional.

138
FARIA, José Eduardo. Direito e globalização econômica: implicações e perspectivas. São Paulo: Malheiros
Editores, 1998, p. 49.
139
FORTE, Umberto. União Européia – Comunidade Econômica Européia (Direito das Comunidades
Européias e harmonização fiscal). Tradução de Ana Tereza Marino Falcão. São Paulo: Malheiros Editores,
1994, p. 30.
140
FRADERA, Vera Maria Jacob de. A jurisprudência da Corte de Justiça da Comunidade Européia como
orientadora do novo direito. Revista do Senado Federal. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições
Técnicas, a. 36, n. 143, 1999, p. 270.
141
SEINTEFUS, Ricardo; VENTURA, Deisy. Introdução ao Direito Internacional Público. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2001, p. 184.
72

Quanto ao direito interno, a diferença consiste em que os tribunais


comunitários possuem competências específicas 142 .

Diferentemente, os Tribunais dos Estados respondem pela manutenção de


todo o ordenamento jurídico interno, consistindo, inclusive, em princípio basilar a jurisdição,
que, em última medida, corresponde ao poder em abstrato de aplicar todo e qualquer direito,
ou seja, a possibilidade de apreciação, pelo poder judiciário, de qualquer lesão ou ameaça a
direito 143 , obedecida a circunscrição territorial do Estado.

Interessante concepção adota Flávio Augusto Saraiva Straus para quem não
se impõe uma preponderância do Direito Comunitário sobre o direito interno nem mesmo do
direito nacional sobre o comunitário. O que existe, em verdade, é uma “efetiva interação entre
ambos” 144 .

O sistema de Direito Comunitário que rege a União Européia não impõe a


necessidade de os Estados se desligarem das suas legislações nacionais 145 .

Circunstância que consiste, também, em mérito do Tratado da União


Européia, é o fato de ter procedido à clara distinção entre o âmbito de competência exclusiva
dos Estados e da Comunidade e a delimitação da área onde esta competência é concorrente,
criando o princípio da subsidiariedade, pelo qual, no âmbito da competência concorrente a
Comunidade somente intervirá, quando os objetivos da ação pretendida não possam ser
suficientemente realizados pelos Estados-membros, ou quando possam ser melhor alcançados
se realizados ao nível comunitário 146 .

As decisões do Tribunal de Justiça da União Européia, que é sediado em


Luxemburgo, formam jurisprudência que serve de orientação para o próprio Tribunal e para
os Tribunais Nacionais dos Estados-membros. Podendo ser afirmado que, no campo do

142
DEL’OLMO, Florisbal de Souza. O Mercosul e a nacionalidade: estudo à luz do Direito Internacional. Rio
de Janeiro: Forense, 2001, p. 155.
143
Cf. o artigo 5o, inciso XXV da Constituição Federal do Brasil.
144
STRAUS, Flávio Augusto Saraiva. Soberania e integração latino-americana: uma perspectiva constitucional
do MERCOSUL. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 56.
145
HESPANHA, Benedito. Uma visão crítica de problemas constitucionais no direito comparado, no Direito
Comunitário e no Mercosul. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, a. 8, n. 30, 2000, p. 23-35.
146
JAEGER JUNIOR, Augusto. Mercosul e a livre circulação de pessoas. São Paulo: LTr, 2000, p. 102.
73

Direito Comunitário, prevalece a autoridade do Tribunal da União Européia sobre a


autoridade dos tribunais dos países-membros 147 .

Constituem fontes do novo ramo da ciência jurídica as definições contidas


nos tratados que deram origem à União Européia.

São princípios que regem o Direito Comunitário a aplicabilidade direta e


imediata de suas normas e a sua prevalência ou primazia sobre o direito comum.

Por aplicabilidade direta entenda-se a criação de direitos e obrigações pelo


órgão supranacional. A aplicabilidade imediata refere-se ao fato de não ser necessário
qualquer procedimento interno do Estado-membro para a eficácia das normas passarem a
integrar o ordenamento positivo de cada um dos países participantes.

Quanto ao princípio da primazia ou prevalência do Direito Comunitário


sobre as legislações nacionais, não resta qualquer dúvida de que a União Européia o adotou
como princípio basilar do seu sistema organizacional 148 .

A jurisprudência reiterada do Tribunal de Justiça da União Européia vem


demonstrando, indubitavelmente, a aplicação deste princípio da primazia do Direito
Comunitário.

Cabe ser feita a distinção entre o Direito Comunitário originário e o Direito


Comunitário derivado.

O Direito Comunitário originário tem como fundamentação os tratados


constitutivos dos blocos regionais a exemplo dos Tratados de Paris, Roma, Maastricht e
Amsterdam da União Européia. Pode ser afirmado que juntamente com os documentos,
protocolos e anexos, bem como com os estatutos das instituições criadas, os referidos tratados
“formam em seu conjunto, a Constituição escrita da União” 149 .

147
PIRES, Alice / FONSECA, Amanda / CROSHERE, Indira. Soluções de controvérsias no Mercosul. São
Paulo: LTr, 1998, p. 34.
148
PIRES, Alice; FONSECA, Amanda; CROSHERE, Indira. Soluções de controvérsias no Mercosul. São Paulo:
LTr, 1998, p. 34.
149
DEL’OLMO, Florisbal de Souza. O Mercosul e a nacionalidade: estudo à luz do Direito Internacional. Rio
de Janeiro: Forense, 2001, p. 158.
74

O Direito Comunitário derivado é subordinado ao Direito Comunitário


originário e consiste nos atos que as diversas instituições do bloco de integração emanam, no
exercício de suas funções 150 .

Na União Européia, a título de exemplo de Direito Comunitário derivado


podem ser citados os regulamentos, as diretivas, as decisões, as recomendações e pareceres 151 .

Como dito e demonstrado a União Européia constitui um bloco econômico


de natureza integrativa, enquanto que o Mercado Comum do Cone Sul, pelo menos até o
momento, tem a natureza de bloco econômico de cooperação. Análise que será encetada no
próximo item.

2.2 O Mercosul

A idéia de integração da América Latina não é recente e desde o século


passado vem sendo sustentada por autores do gabarito do chileno Andrés Bello e do argentino
Juan Bautista Alberdi, para quem o equilíbrio regional decorreria do equilíbrio das
potencialidades comerciais e não do poderio militar 152 .

Desde o século XIX, Simão Bolívar e José de San Martin, através do


Tratado de União, Liga e Confederação Perpétua entre as Repúblicas da Colômbia, Centro
América, Peru, e Estados Unidos Mexicanos e na consolidação da Gran-Colômbia, país que
unia a Colômbia, Venezuela, Bolívia, Equador e Peru buscaram a unificação dos povos latino-
americanos, sem que fosse alcançado qualquer sucesso 153 .

Nos últimos anos, as economias nacionais dos Estados caracterizaram-se


como uma economia de mercado, com uma tendência protecionista, intervenções excessivas e
regulamentação estatal. Porém, tal economia não proporcionou os benefícios que deveriam
ocorrer em face deste modelo econômico, principalmente no que tange à integração na

150
DEL’OLMO, Florisbal de Souza. O Mercosul e a nacionalidade: estudo à luz do Direito Internacional. Rio
de Janeiro: Forense, 2001, p. 159.
151
DEL’OLMO, Florisbal de Souza. O Mercosul e a nacionalidade: estudo à luz do Direito Internacional. Rio
de Janeiro: Forense, 2001, p. 160.
152
PABST, Haroldo. Mercosul: Direito da Integração. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1998, p. 7.
153
DEL’OLMO, Florisbal de Souza. O Mercosul e a nacionalidade: estudo à luz do Direito Internacional. Rio
de Janeiro: Forense, 2001, p. 78.

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