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um docente nada mais é do que um acidente ou a mera posição de sua essência, o que
leva a sua própria individualidade à perdição.
Ou, em palavras mais duras: se dois docentes são em si perfeitamente iguais,
portanto, símiles, indistinguíveis, não há mais nenhuma razão intrínseca para que sejam
dois. Se não há mais qualquer distinção entre diferentes indivíduos, por serem eles
totalmente indiscerníveis, cai por terra o próprio princípio de individuação. Por isso é
que os indivíduos-docentes não diferem, apenas temporal ou espacialmente, por meio de
determinações extrínsecas, mas, entre eles, há diferenças que lhes são atribuídas por
qualidades intrínsecas.
4. Virtualidade
O ser-docente não resulta de algum modelo de substância nem da bipolaridade
forma-e-matéria, mas trata-se de um sistema tenso, supersaturado, carregado de tensões
pré-individuais, para as quais a individuação é solução, sem jamais esgotar tais tensões.
Com a Filosofia da Diferença, não se pensa mais o ser-docente por meio das categorias
de unidade ou de identidade, na medida em que elas não se aplicam ao devir do ser,
como aquele docente que se desdobra e se defasa ao individuar-se.
As qualidades intrínsecas de cada indivíduo fazem do docente um ser
eminentemente virtual, como argumenta Duns Scott (cf. Antonello, 2002), isto é, um ser
não formado por possibilidades de ser, à espera de um ato externo a ele, que o faça ser-
docente, mas um ser dotado de essências plenamente determinadas, embora ainda não
explicadas em alguma forma de ser. O docente, assim, não é um ente particular – não é
este docente –; nem mesmo é uma multiplicidade de entes particulares – o conjunto dos
docentes –; e tampouco pode ser confundido com um universal – o conceito de Docente
–, dado que não pode predicar-se do mesmo modo pelo qual um universal se predica de
um singular, ou seja: posso dizer que Paulo é um docente, mas não posso dizer que
Paulo é a Docência.
O docente potencial carrega, em si, alguma forma de indeterminação originária e
possui uma pura potencialidade de atualizar-se, como conceito universal, predicável de
todos os indivíduos-docentes, ou como indivíduo-docente singular impredicável. Nesse
ponto decisivo de nossas Artistagens Docentes, é preciso sublinhar, agora, que nenhuma
determinação pode individuar um docente, pois a individuação não exige nem a
universalidade nem a singularidade, é indiferente ao uno e aos muitos, por ser
virtualidade e abertura.
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depende de uma cartografia feita com mapas, caminhos, planos de viagem, encontros e
muito pouco, quase nada, de memória.
VI. O devir-gradiente do docente é vivido num plano de vida pré-subjetivo,
enquanto graus de potência ou diferenças intensivas. Plano para o qual não há
subjetividade, pessoalidade nem humanidade, por ser definido, ontologicamente, pelas
populações de afetos e de intensidades de que o docente é capaz.
VII. Devir-turbilhão: de docentes vivos, em efervescência do caos, que efetuam
o trânsito das intensidades mais radicais.
VIII. Devir-bebê: o docente se deixa afetar pelo último texto de Deleuze, A
imanência: uma vida (Dossiê, 2002, p.10-18). Fica, assim, dotado de uma vida
indefinida, impessoal – a Vida de um Bebê –, na qual os afetos e os problemas são
transformados em signos puros da arte, em intensidades de um rosto que afirma a
grandeza de uma vida.
IX. Devir-multiplicidade: desde os conceitos de impessoal e de individuação,
singularidades extensivas, como trajeto e meio, bem como intensidades, enquanto
afectos, são introduzidas na problemática do docente, fazendo com que ele não possa
mais ser pensado sem os dinamismos dessa realidade complexa e diferenciada, que o
torna, em si mesmo, uma multiplicidade. Multiplicidade interconectada ou vivendo
entre multiplicidades, numa rede de conexões fora da qual não há individuação, o
docente entra em movimentos que fazem dele um ser tenso, agitado por problemas,
afetos e intensidades.
X. Devir-coletivo: ao individuar-se, o docente integra uma problemática vasta e
participa de sistemas de individuação amplos, estabelecendo aí relações, de modo que a
realidade pré-individual, que se agita em cada um, reúne-se à realidade dos outros
docentes e o leva a participar de uma operação de individuação coletiva. Os processos
de individuação do docente supõem, então, não um simples somatório de indivíduos-
docentes, mas um estado trans-individual, dotado de problemáticas e de modos de
resolução, com seus potenciais de transformação e de constituição de novas
individuações. Da mesma maneira, em direção contrária ao que afirma um senso
comum disforme, supersticioso, obtuso e equivocado epistemologicamente, alimentado
por quem acredita que o indivíduo é um ponto de partida imediato, desde o ponto de
vista da ética, no coletivo, a singularidade não se dilui (cf. Simondon, 2003). Não
apenas não se dilui, mas, a vida em grupo é o momento por excelência de uma ulterior e
mais complexa individuação. Longe de ser regressiva, na esfera pública, a singularidade
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_____. “A imanência: uma vida...” Trad. Tomaz Tadeu. In: Dossiê Gillles Deleuze.
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_____. “O indivíduo e sua gênese físico-biológica” [1966]. Trad. Luiz B.L. Orlandi. In:
ORLANDI, Luiz B. L. (org.) A ilha deserta e outros textos. Textos e entrevistas (1953-1974).
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DOSSIÊ GILLES DELEUZE. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 27, n. 2, julho-
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HEUSER, Ester M.D. Pensar em Deleuze: violência às faculdades no empirismo
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