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Coleção Debates
Dirigida por J. Guinsburg
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TENTATIVAS
DE MITOLOGIA

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.Equipe' de realização - R~visão: Sergio Buarque de Holanda;
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Produção: Plínio Martins Filho.
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4. SOCIEDADE PATIUARCAL

A publicação, em texto refundido, e consideravel­


mente ampliado, de Sobrados' e Mocambos de Gilberto
Freyre, pode fornecer uma perspectiva hábil para os que
desejem interpretar todo o alcance da contribuição do
escritor pernambucano para o melhor conhecimento da
sociedade brasileira.
Com os volumes impressos, esse trabalho verdadei":
ramente monumental já adquire unidade orgânica bem
definida. Em Casa Grande e Senzala, primeira parte da
série, estudara-se o nascimento, formação e definição da
sociedade brasileira sob os auspícios da economia patriar­
cal. Aos cinco volumes até aqui publicados da obra inte­
gral, deverá seguir-se um sexto, há muito anunciado com
o titulo de Ordem e Progresso, que abordará o "progresso
de desintegração das sociedades patriarcal e semipatriar­
cal no Brasil sob o regime do trabalho livre". O ciclo
,orgânico (nascimento, maturidade,' declínio, morte da
sociedade patriarcal) há de completar-se - ' desconta­
p
99
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dos alguns volumes subsidiários - com uma última parte
já projetado, que se chamará, de modo expressivo, Jazigos tirpe whitmaniana, que ele se acostumou a admirar du­
e Covas Rasas. rante seus anos de aprendizagem na América do Norte,
não a de um cientista ocupado em medir, relacionar e ! II
:g possível que para conhecer a palavra final deste confrontar os fatos. Ele próprio admite, e defende-a, a
livro seja necessário aguardar ainda sua parte final. Co­ presença, aqui, dessa visão poética endereçada a certas
mo no grande romance de Proust, que Gilberto Freyre intimidades mais inacessíveis em geral ·ao estudo sim­
gosta de invocar quando se trata de defender sua obra plesmente histórico ou sociológico: "algumas delas", es­
contra os censores mais impacientes, com o último volu­ creve "só se abrem ao conhecimento ou ao estudo psico­
me teríamos a chave do· edifício, naturalmente bem com­ lógicos; várias só ao conhecimentq poético, vizinho
posto e segundo uma ordem velada, mas tão inflexível
do cientificamente psicológico".
em realidade como à ordem que rege os progressos bioló­
gicos. Destas planícies poderemos rever o curso do caminho A atenção presa aos fatos concretos, mais do que às
por ele trilhado, e já suspeitamos a outra vertente e o que abstrações e idéias, e empenhada em penetrar seus des­
ainda falta percorrer. vãos mais secretos só se torna verdadeiramente eficaz,
. E a tarefa de quem se proponha, diante da obra tão entretanto, quando movida por um intenso calor afetivo.
ambiciosa, ir além de um simples comentário à margem, A sua é uma "visão próxima", amorosa até na re­
como o presente, será grandemente facilitada com a lei­ pulsa; por isso naturalmente parcial e exclusivista. Seu
tura de Nordeste, publicado quase ao mesmo tempo, em zelo tantas vezes manifesto em favor da preservação dos
segunda edição aumentada e que visa, a ser uma espécie estilos e valores regionais em todo o Brasil e movido por

de ensaio complementar do trabalho amplo que se iniciou um zelo fervoroso - em alguns casos, quase se pode

com a publicação de Casa Grande e Senzala. Ensaio, dizer nostálgico - por certos valores e estilos tradicio­

esse, mais deliberadamente impressionista do que' os de­ nais da área dominada, no passado, pela monocultura

mais, e que chegou a requerer do autor, segundo sua latifundiária e, em primeiro lugar, pela lavoura canaviei­

mesma confissão, um trato prolongado e meio francis­ ra, fundada no braço escravo.

cano coDi a paisagem, a natureza e a gente mais típica Nessas condições chega a admitir, e admite mesmo,

de sua terra natal. sem reservas, que outras regiões do Brasil tiveram for­

Graças, principalmente, àquela estrutura orgânica, mação até certo ponto dessemelhante; que a presença,

pôde ele dominar, enfim, dando-lhe forma, sentido e ora do latifúndio rural e da monocultura,. ora do escra­

valor, um material imenso e muitas vezes incompatível vo negro não tenha marcado nelas tão decisivamente o

com toda abordagem fundada nos recursos das ciências passado rural e at~ o presente rural: enfim, que o símile

da natureza. Semelhante abordagem exigiria, sem dúvi­ mais apropriado para apresentar nosso desenvolvimento

da, um interesse mais detido pelos condicionamentos ou histórico seria o de um arquipélago ou o de uma cons·

nexos que relacionam entre si os aspectos freqüentemente telação, não o de um continente compactamente unitário.

contraditórios da realidade, do que por esses mesmos Sim, mas desde que a forma assumida pela família de

aspectos, apresentados em cores cruas e sugestivas. O tipo patriarcal, nas regiões onde predominou a mone­

processo, sobretudo cumulativo do autor? não deixa de cultura latifundiária e o trabalho escravo, represente ver­

realçar os traços que, ferindo fundo a imaginação, pare­ dadeiramente o alfa dessa constelação.

.cem. animar os acontecimentos de uma vida própria, in­ Este ponto mereceria exame porque parece formar
.capaz de refletir-se em escritos onde prevaleça um rigoro­ o principal dos obstáculos opostos até agora a uma acei­

:so raciocínio discursivo. tação mais generalizada da perspectiva adotada por .Gil­

A força de sugestões que cabe nesse processo pode­ berto Freyre em sua obra histórico-sociológica e dos cri­

se dizer que é a de um poeta, de um desses poetas da es­ térios dependentes dessa perspectiva. Critérios e perspec­

tiva que serviriam, sem dúvida admiravelmente, se apli­


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cados a uma parte do Nordeste brasileiro e de certo modo obstinadamente para o conteúdo e a substância, não para
às outras áreas onde imperou quase sem contraste, entre a forma sociológica dos acontecimentos e dos fatos.
n6s, a grande lavoura açucareira, mas que se revelariam .:E: esta forma o que serve, em suma, para conciliar
menos aptos para o estudo das demais regiões do país. entre si as mais ásperas contradições, emprestando ao
, 'No' próprio Nordeste elas mal se prestariam, por todo uma harmonia e mesmo uma "unidade" (pág. 42)
exemplo, para as zonas onde a lavoura e mesmo o braço verdadeiramente soberanas. Nos seus livros é provável
escravo não tiveram papel mais saliente. Ou no planalto que ela apareça muito manchada de massapé negro,
paulista, onde' durante a maior parte do período colo­ muito lambusafa de mel de tanque para não transviar às
nial, pôde prevalecer, em ,grande escala, uma forma par­ ·vezes algum espírito desprevenido, mas tudo isso é de
ticular 'de policultura. Ou ainda no extremo-norte, onde pouca conta quando se trata de distinguir o essencial
se praticou largamente a indústria extrativa e a coleta através das aparências mais ou menos precárias.
florestal. Ou: nas terras minerais e sobretudo nos campos Entretanto esse princípio formal, de significação tão
sulinos onde parecem francamente inexistentes muitos decisiva, não se deixa claramente precisar para quem
traços que o autor pernambucano prende de modo indelé· estude os múltiplos escritos de um autor tão vivameri'ce
vel ao seu retrato de nossa civilização de raízes patriar­ empolgado, ele p.róprio, pelos element;os materiais da
cais e escravocratas. existência e do convívio humano. Ou seja - no seu
Aié onde serão explicáveis e mesmo justificáveis pr6prio vocabulário - pelo'. "conteúdo" ou "substância"
,muitas. dessas resistências? Que o assunto parece ao pró­ dos acontecimentos e dos fatos. Reduzido à expressão
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prio autor, de importância singular, mostra-o a insistência mais simples e mais genérica, o verdadeiro princípio orga­
com que volta a ele, muitas vezes em tom defensivo e nizador estaria em determinado tipo de organização pa­
triarcal da vida e da família: traço comum, em sua fase
polêmico,. nas suas últimas publicações, em particular
de desenvolvimento, a todas as manifestações regionais
nesta nova edição de Sobrados e Mocambos. Aos leitores,
particulares. E é a esse único traço - "forma" indepen~
por outro lado, e aos críticos, o exame da mesma ques­
dente do "conteúdo" - que invariavelmente se reporta
tão pode fornecer acesso para a melhor inteligência dessa Gilberto Freyre quando algum crítico tenta negar o cará­
obra, de sua alta significação e de seu verdadeiro alcance.
ter transregional das suas interpretações, lembni.ndo a
'Já às primeiras páginas da introdução que escreveu ausência, como força social e econômica dominante, nes­
para o texto refundido e ampliado de seu livro. Gilberto ta ou naquela região brasileira com "passado hist6rico",
Freyre volta a um tema que, desde 1933, pelo menos, vem de alguns elementos à primeira vista inseparáveis do painel
acompanhando de perto seus estudos hist6ricos e sociais: que ele nos pinta: ausência, por exemplo, da casa-grande
o da unidade da formação do Brasil em torno do regime (no sentdo estritamente "material" da expressão); ausên­
da economia patriarcaI.Essa unidade estaria sujeita a cia da senzala ou sequer do braço escravo; ausência, em
um ,mesmo' denominador comum. grande escala, da própria lavoura, substituída pela mine­
De modo que, ao fixar o sistema patriarcal da colo­ ração ou (no extremo-norte) pela coleta florestal; -ausên­
nização portuguesa, partindo das áreas onde terá alcan­ cia da grande propriedade; ou melhor, da grande lavoura
çado uma das suas expressões extremas e melhor defini­ comercial na grande propriedade, ausência da monocul­
das - as áreas onde veio a imperar a monocultura lati­ tura.
fundiária amparada no braço escravo - ele pretende que Neste ponto cabe, porém, uma pergunta: seria o
suas interpretações sejam perfeitamente válidas para o patriarcalismo, tal como o descreve Gilberto Freyre, uma
Brasil inteiro. E busca explicar as objeções opostas por criação originária e específica das áreas de colonização
aqueles que não logram distinguir o caráter transregional sobretudo lusitana nesta parte da América, criação' surgi­
'de: suas pesquisas, sugerindo que tais críticos se orientam da de preferência à sombra da Casa Grande, e capaz, só

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e amparar-seí em última análise, sobre simples preferên­ valor - , através de processos que conduzem à maturida­
cias. pessoais., Não creio, porém, que para a inteligência de, a plenitude, e, em certo sentido, à perfeição:
.de nosso passado e de nosso presente, seja forçoso admitir Amadurecendo numas áreas mais. cedo do que noutras, de­
um princípio formal em verdade tão elástico, próprio para clinando no Norte ou no Nordeste, antes por motivos ecológicos
lisonjear esta ou aquela preferência regional, servindo que pura ou principalmente econômicos -, quando apenas se
a sentimentos, ressentimentos, paixões, preconceitos, COn­ arredondava por iguais motivos, em formas adultas no Brasil
·veniência às vezes momentâneas e quase sempre polêmi­ meridional (pág. 41).
cas. ,À.obra de Gilberto Freyre ele nada acrescenta de É bastante significativo que, apesar do seu insistente
duradouro. Nem serve, certamente aos seus adversários, empenho de emancipar a "forma" social da "substância"
quando :se apóiam no mesmo critério, embora movidos ou do "conteúdo", Gilberto Freyre raramente consegue
por! sentiment~s regionais diversos dos seus. desunir estes elementos quando se trata de distinguir,
Aquelas noções a que tanto se apega, de "forma" entre· esta e aquela área de povoamento e ocupação do
e de "conteúdo" ou' substância, provinda, em última aná­ solo, as que lhe parecem expressões mais adultas ou
lise, 'de filosofia social de Sinunel, retiram toda a sua completas. :a, embora fingindo, em certos casos, dar es­
força da própria indefinição. ~ verdade que em Simmel casso valor sociológico aos "objetos materiais" ou às
elas:'n.ãó 'passam, ao menos teoricamente, de simples me· técnicas peculiares a cada região distinta, não há dúvida
táforas.Na versão, porém; que lhes dá o autor de Sobra­ que, em outros, chega a introduzir, entre os próprios
dos e Mocambos tende a dissipar-se, mesmo em teoria, objetos, uma espécie de escala hierárquica, manifesta na
esse nominalismo deliberado. De instrumentos de exposi­ medida em que eles parecem acomodar-se melhor à "for­
ção,: :'distinção, confronto, análise, convertem-se em rea­ ma" ideal e soberana.
lidades mais ou menos empíricas, servindo de base a Assim, por exemplo, a "grande casa estável de pedra
julgamentos de valor que mal se disfarçam. e cal", própria sobretudo dos engenhos de açucar do
< :' <Àssinl, é que, nos seus escritos, as "formas" sociais
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Nordeste, e também os sobrados de residência construí­
dos "mais nobremente" (pág. 404) da mesma pedra ou
se mudam com facilidade, ora em entidades reais, à ma­
neira :dos' orgailismos biológicos - e então se confun­ então de tijolos e cal de mariscos, comparam-se com
dem praticamente com" os "processos" sociais, capazes grande vantagem, em muitas das suas páginas, às. antigas
de crescimento, maturação e morte - ora em "idéias" de casas de São Paulo, feitas "quase todas de taipa". Como
saborhegeliano - ' idéias de onde hão de emanar mis­ explicar, então, que justamente em São Paulo, a área
teriosamente ~s próprios "objetos materiais. das casas de taipa correspondesse, na era colonial, às
: Neste último sentido ocorrem pelo menos uma vez terras mais prósperas - mais nobres? - de serra. acima,
quando, .em: revide a uma crítica de Afonso Arinos de em contraste com as da orla marítima, onde domina deci­
Melo' Frànco, o autor escreve, à página 817: didamente a construção feita, como' nos engenhos do
{.' I J: I •. • ,I; Norte, de pedra das pedreiras e cal das ostreiras litorâneas?
. . Em nossos estudos, acentuando a importância dos "objetos Além da presença de certos fatores materiais, de al­
materiais",. símbolos, .insígnias, mitos, não o fazemos por "mate­
rialismó": ou por desprezo aos valores invisíveis ou requintada­ gum modo privilegiados, é certo que entre os distintivos
mente iriteleCtuais' e espirituais, mas por considerar que os cha­ da maturidade social parecem inscrever-se, para ele, mo­
mados ;objetos materiais - até mesmo os móveis, trajos ou ali­ tivos "imateriais" nada irrelevantes. Assim, se a casa­
" mentos': são ,reflexos;. das chamadas realidades imateriais, nunca -grande corpulenta e sólida tem direito a melhor trata­
a~sentes dos: mesmos,. objetos.
mento é que lhe parece espelhar admiravelmente certas
:Spossível'dizer que aquelas formas soberanas e virtudes senhoriais, estabilizadoras e conservadores,' fa­
-imateriais· se realizam de certo modo, em nosso mundo voráveis talvez ao maior requinte ou à maior cultura do
efêmero. - e :neste ponto é que se inserem os juízos de espírito. Virtudes que ele tem na mais alta conta, assim

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q «civilizações" regionais brasileiras, conforme pretende o
como haverá quem prefira, em contraposição, outras,. I
sociólogo pernambucano. Seria entrar no terreno movedi­
mais dinâmicas e mais ativas. ÇO das preferências, dos interesses, dos sentimentos, dos
. E neste ponto interfere, ainda uma vez, a peeminên­ ressentimentos pessoais. Pensar, no entanto, que por sim­
cia atribuída aqui à "forma social", independente de fa­ ples ato de presença e independentemente das condições
tores .eéonômicos ou de outra natureza e sobreposta a materiais a que se 'acha inexplicavelmente ligado, o pa­
eles. A sociedade constituída em volta da grande proprie­ triarcalismo nordestino pôde suscitar aqueles valores é
dade monocultora e escravocrata se teria revelado, ape­ apegar-se a concepções um tanto místicas, que em todo
sar das suas flagrantes falhas, a mais criadora, entre caso desafiam um escrutínio plausível.
todas as do Brasil, de valores políticos, estéticos e inte­ Não é preciso certamente uma adesão às formas
lectuais. . mais crassas do materialismo histórico para admitir-se
.~.,,:e:o qu~ está dito nas palavras finais de seu livro que a pujança econômica pode favorecer certos recursos
.Nordeste. No mesmo livro, à página 288, afiança-se ainda: materiais e certos hábitos de ociosidade em nada desfa­
Màs' .foi justamente essa civilização nordestina do açucar ­ voráveis ao tipo de cultura i'ntelectual e trato político tão
talvez' a . mais patológica, socialmente falando, de quantas flo­ enaltecidos pelo autor. Assim ocorreu, sem dúvida, no
resceram no Brasil - que enriqueceu de elementos mais caracte­ Nordeste açucareiro, como ocorreu em outras áreas do
rísticos a cultura brasileira. .
Brasil colonial e imperial favorecidas pela fortuna. Quem
E não custa ao autor levantar os olhos em dado mo­ percorre a lista de estudantes brasileiros formados em
tmento,' dos canaviais do Nordeste patrillTcal para as Coimbra verificará, sem esforço, at~ que ponto isto é
oliveiras de .certa terra clássica de meio-dia da Europa. verdadeiro. O fato de Minas Gerais, na idade do ouro
Pois também a civilização helênica, escreve ele, e dos diamantes, ter fornecido um número maior de es­
tudantes do que o de todas as demais capitanias brasi­
f~i uma civilização mórbida segundo os padrões de saúde social leiras (nos três últimos decênios do século XVIII esse
em vigor entre os modernos. Civilização escravocrata. Civiliza­
ção pagã. Civilização monossexuaI. E entretanto estranhamente número ainda é de 132, para 122 do Rio de Janeiro,
criadora de valores pelo menos políticos, intelectuais e estético\;. 'j
108 da. Bahia, 68 de Pernambuco e 30 de São Paulo)
Muito' mais criadores desses valores do que as civilizações mais não pode ser indiferente a quem deseja estudar movi­
saudáveis que ainda se utilizam da cultura grega. mentos tais como o da Escola Mineira ou o da Incon­
Palavras estas, que extraídas, embora, de um livro fidência. A rápida e efêmera ascensão econômica do
confessadamente impressionista, ajudam, por isso mesmo, Maranhão coincidirá, 'por sua vez, com um aumento no­
a desvelar' o que vai, nas suas interpretações, de intenso tável no número de estudantes daquela capitania e pro­
calor afetivo, de amoroso e nostálgico enlevo pelo passa­ víncia nortista, que chegará a ultrapssar largamente, no
do de sua região natal e ancestral, envolvendo, não raro, meio século imediato, os próprios totais de Minas e os
as noções puramente teóricas que parecem querer intro­ de Pernambuco.
duzir-se em obras declaradamente mais sóbrias. Entre Não foi certamente por um milagre que tivemos a
essas noções, tentei destacar, nestes artigos, a da existên­ famosa "Atenas brasileira". Nem foi por acaso que a
cia de uma forma social separável de quaisquer elemen­ Bahia, beneficiada nesse período, e ainda em maior grau
tos materiais, isto é, de todo "conteúdo" ou "substância", pelas mesmas condições, se tornaria grande forja de
para usar suas mesmas palavras. estadistas do Império.
Não importa discutir aqui se os valores políticos, J
As explicações que não têm em conta semelhantes
·intelectuais,! estéticos, representados a seu modo - "cria­ fatores levam a pensar um pouco nas de Monsenhor
dos""diria Gilberto Freyre - pela "civilização do açú­ Pizarro, se não estou equecido, quando escreveu do açú­
car" terão sido os mais significativos ou os mais insignes car, que serve, não só para temperar os manjares como
'entre nós; comparados aos que se encarnavam em outras I
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os cOstumes, fazendo aqueles mais doces e estes mais cor­


teses e' políticos. Como terá acontecido em seus campos
dos Goitacases. :e: muito provável que sem uma espécie
de I.visão lírica, responsável, em parte, por esse tipo de
explicações,. o admirável esforço de compreensão e elu­
cidação de" nosso passado, empreendido por Gilberto
Freyre,. teria sido menos eficaz. Ela constitui, por assim -'

dizer,e para· empregar uma das suas comparações, o la­


do patológico, inevitável talvez, em uma obra realmente
criadora e. que .. deveria abrir novos caminhos para a
boa: inteligência da vida' brasileira.

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5. A PROP6SITO DE INGLESES NO BRASIL


-;
Na introdução que escreveu para seu livro sobre
Ingleses no Brasil (Rio de Janeiro, Livraria José Olym­
pio Editora, 1948), adverte-nos Gilberto Freyre que ele
representa apenas o primeiro de três volumes dedicados
ao assunto. Essa advertência fez-me hesitar algum tempo
em abordar para esta seção' a obra já triunfante e larga­
mente comentada do historiador pernambucano. A omis­
são, que seria talvez perdo?vel, pelo simples fato das
obras aqui estudadas não' serem sempre, e necessaria­
mente, as mais significativas ou que assim o pareçam a
quem redige estas notas, poderia apoiar-se em razões
ponderáveis.
Uma das virtudes de Gilberto Freyre e que contri­
buem para singular importância de seus ensaios, está em
que convida insistentemente ao debate e provoca, não
raro, divergência fecundas. E em realidade, não apenas
divergências partidas de historiador ou sociólogo, comO
ainda de leigos e diletantes cujas reservas opostas aos

1'10'
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