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Jornal de Negócios, 3-4-09

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Jeffrey D. Sachs
A transição para a sustentabilidade
© Project Syndicate, 2008. www.project-syndicate.org

A crise económica global vai acompanhar-nos durante uma geração, e não apenas durante
um ano ou dois anos, porque na realidade é uma transição para a sustentabilidade. Nos
últimos anos, a escassez das matérias-primas primárias e os danos das alterações climáticas
contribuíram para a desestabilização da economia mundial que resultou na actual crise. A
subida dos preços dos alimentos e dos combustíveis e os grandes desastres naturais
ajudaram a minar os mercados financeiros, o poder de compra das famílias e mesmo a
estabilidade política.

Assim, para ultrapassar esta crise os países desenvolvidos e em desenvolvimento devem


assumir políticas de construção de infra-estruturas ajustadas ao século XXI. Estas incluem
redes eléctricas eficientes alimentadas por energias renováveis, redes de fibra e sem fios que
transmitam a ligação telefónica e a banda larga de Internet, sistemas de água, irrigação e
saneamento que usem e reciclem de forma eficiente a água potável, sistemas de transportes
urbanos e inter-urbanos; auto-estradas mais seguras; e redes de protecção de áreas naturais
que conservem a biodiversidade e os habitat de espécies ameaçadas.

Estes investimentos são necessários no curto prazo para anular a queda dos gastos de
consumo a nível mundial, que está na base da recessão global. Mais importante, são
necessários no longo prazo porque um mundo cheio com 6,8 mil milhões de pessoas (e
continua a aumentar) não pode, simplesmente, sustentar o crescimento económico a não ser
que adopte tecnologias sustentáveis que economizem os escassos recursos naturais.

Na prática, a crise global significa que os investimentos sustentáveis estão a ser reduzidos,
em vez de aumentados no mundo em desenvolvimento. À medida que se perde o acesso a
empréstimos bancários internacionais, a emissão de obrigações e ao investimento directo
estrangeiro, os projectos de infra-estruturas previstos estão a ser adiados, ameaçando a
estabilidade política e económica de dezenas de países em desenvolvimento.

De facto, em todas as partes do mundo há importantes investimentos em infra-estruturas que


estão atrasados. Chegou a hora de fazer um esforço global concertado para realizar esses
projectos. Não é algo fácil de fazer. A maioria dos investimentos em infra-estruturas requerem
a liderança do sector público para criar parcerias com o sector privado. Normalmente, o
sector público realiza acordos com as empresas privadas não só para construir as infra-
estruturas mas também para as explorar como um monopólio regulado ou em regime de
concessão.

Em geral, falta aos governos capacidade técnica para desenvolver estes projectos, criando as
condições para o favoritismo e a corrupção na concessão de contratos importantes. É
provável que estas acusações sejam lançadas contra os governos mesmo quando não são
verdadeiras. No entanto, com demasiada frequência elas são verdadeiras. Assim, o atraso
destes projectos está a provocar estragos na economia mundial. As maiores cidades do
mundo são uma combinação de trânsito e poluição. A atmosfera está cheia de gases que
provocam o efeito de estufa devido a intensa utilização de combustíveis fosseis. A escassez
de água está a afectar praticamente todos os centros económicos importantes, desde a
América do Norte à Europa, Índia e China.

Os governos deviam, assim, reforçar os seus ministérios de infra-estruturas (incluindo


energia, estradas, água e saneamento, e tecnologias de informação e comunicação), bem
como os seus bancos nacionais, de forma a que estes possam desenvolver projectos e
programas de infra-estruturas de longo prazo. A capacidade de contrariar a crise de forma
construtiva através da criação de parcerias público-privadas vai determinar o sucesso dos
países e das regiões. É interessante que os Estados Unidos estejam, pela primeira vez, a
ponderar criar um Banco Nacional de Infra-Estruturas.
Ainda assim, os conselheiros económicos norte-americanos e europeus acreditam que um
intenso e curto estímulo é suficiente para repor o crescimento económico. Estão equivocados.
O que será necessário é uma revisão da economia mundial no sentido da sustentabilidade.

Além disso, os decisores políticos dos países ricos acreditam que podem continuar a
negligenciar o mundo em desenvolvimento ou deixá-los abandonados à sua sorte nos
mercados globais. Isto é também uma receita para o fracasso e, mesmo, para futuros
conflitos.

Os países desenvolvidos têm que fazer muito mais para ajudar os países pobres na sua
transição para a sustentabilidade. Apesar de até agora a maior parte da legislação de
"estímulo" ser de curto prazo e virada para dentro, o aumento do financiamento para
estruturas sustentáveis em países pobres deveria dar um poderoso impulso às economias dos
países ricos.

Os países desenvolvidos deveriam canalizar poupanças para os países em desenvolvimento


de forma a financiar investimentos sustentáveis. Isto pode ser feito directamente ou numa
base bilateral. Por exemplo, através de empréstimos de longo prazo das agências de crédito à
exportação dos países desenvolvidos. Pode ainda ser feito de forma multilateral, aumentando
os fluxos de investimento em infra-estruturas do Banco Mundial e dos bancos de
desenvolvimento (incluindo o Banco de Desenvolvimento Inter-Americano, o Banco de
Investimento Europeu, o Banco de Desenvolvimento Africano e Banco de Desenvolvimento
Asiático). Ambos os canais podem ser usados.

Os países desenvolvidos também não reconhecem que um aumento do financiamento em


infra-estruturas sustentáveis no mundo em desenvolvimento - especialmente de transmissão
e geração de energia sustentável - é impossível chegar a um acordo global sobre as
alterações climáticas no final deste ano (ou em qualquer altura).

Os países ricos de alguma forma esperam que os países pobres restrinjam os uso de
combustíveis fósseis sem ajudas significativas ao financiamento de novas e sustentáveis
fontes de energia. Em quase todas as propostas dos países ricos sobre metas, limites,
compromissos e licenças de dióxido de carbono, dificilmente existe uma palavra para ajudar
os países pobres a financiarem a transição para tecnologias sustentáveis.

A cimeira do G20 em Londres oferece a esperança de que é possível um verdadeiro esforço


global para reparar a queda da economia mundial. Este é o tempo e o lugar para lançar um
impulso mundial no sentido da sustentabilidade. Se falharmos neste objectivo, a crise
colocará o mundo em perigo durante muitos anos.

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