MARÇO | #1

Investir em Valor
A revista de referência sobre Value Investing

Entrevista com

Marc
Garrigasait

Softbank:
tese da
investimento
Emérito Quintana

Tese da Alibaba Entrevista Tese da Sea Limited Tese da Yum China Com a colaboração de:

Albert Millan Carlos Otermin Karel Escobar Joaquín Blanco

Especial de Investimento na Ásia

 2 3
Salva Marqués Com esta 1ª edição da revista Investir em Valor encerramos
2020, um dos anos mais complicados que vivemos durante as
Editor
últimas décadas, a nível mundial.
Foi um ano que nos apresentou muitas dificuldades em todas
as áreas e que, dentro do setor económico e financeiro, não
deixou ninguém indiferente.
No início do ano e em pouco mais de três meses, sofremos
a queda mais rápida da bolsa na história, quando em março
os índices caíram mais de 30% numa questão de dias. Tudo
parecia indicar que estávamos a enfrentar a maior crise da
história da humanidade, mas nove meses depois, contudo, as
bolsas mundiais não só recuperaram uma boa parte dessa
queda, como em alguns casos chegaram mesmo a atingir no-
vos máximos de todos os tempos.
Neste momento, como investidores a longo prazo, devemos
saber que existem oportunidades de investimento a nível glo-
bal e por isso queremos dar destaque neste especial “Investir
na Ásia”, numa geografia que está a crescer a dois dígitos, algo
que é impensável no Ocidente.
Apresentamos abaixo a 1ª edição da revista Investir em Va-
lor, onde poderá encontrar artigos que o ajudarão a conhecer
melhor o continente asiático, entrevistas e sobretudo teses
de investimento de empresas como a Alibaba, Sea Limited,
Nintendo, Softbank Group... e muito mais!
Bem-vindo à revista Investir em Valor!
Bem-vindo à revista Investir
em Valor!
Investir em Valor Voltar ao índice
O objetivo da revista Investir em Valor é oferecer con-
¡Muito obrigado a todos
teúdos de qualidade para todos aqueles amadores ou
profissionais cuja filosofia de investimento se baseia na que fazem possível
compra de um ativo abaixo do seu valor intrínseco, ou
Investir em Valor!
seja, para os amantes do Value Investing.
Por esta razão, temos autores que se dedicam profis-
sionalmente, mas também participam pessoas que são
amadores muito talentosos no mundo do investimento
e que querem partilhar as suas ideias com o resto da
comunidade.
Já são muitos os investidores que deixaram a sua marca
em Investir em Valor: Alejandro Estebaranz (True Value),
Miguel de Juan (Argos), Pablo Martínez Bernal (Amiral
Gestion), Jesús Domínguez (Valentum), Víctor Alvargon-
zález, Antonio Aspas (Buy & Hold), Luis García Álvarez e
Michael Morosi (Mapfre AM), Xavier Brun (Trea AM), Car-
les Figueras (Fortior Capital EAF), Andrés Allende (Cobas
AM), Marta Escribano e Guillermo Nieto (Salmón Mun-
di), Jose Ruiz de Alda (CIMA Capital), Santiago Domingo
(Magallanes), Antonio Marquina (Solventis), Jaume Puig
(GVC Gaesco), Alfonso Batalla (Metagestión) Rafael Soto,
Tomás García Purriños, Alberto Ayuso, Solrac, Theveri-
tas, Tomeu Ramón, Ipar, Emgocor e um longo etc. de
participantes.
Sabemos que existem centenas de livros para aprender
a investir, milhares de páginas web com informações
sobre o mercado de ações, milhões de artigos publica-
dos... mas apenas uma revista compila e selecciona os
melhores conteúdos e teses de investimento em por-
tugués.
Queremos continuar melhorando e a nossa maior mo-
tivação é saber que Investir em Valor é útil para os leito-
res: você é a principal razão pela qual nos esforçamos
para levar a cabo este projecto.
 4 5 Voltar ao índice

Índice 02 Introduçao 34 Tese de

Salva Marqués investimento
de Yum China
Joaquín Blanco

06 Tese de investimento
da Alibaba (BABA)
Albert Millan 40 Entrevista
Rafa Galán del Río

12 Tese da Hollysys
Automation 44 Di-investindo com
Technologies a Nintendo
Rubén Rodríguez Emilio Gómez
Cabezas

50 Softbank Group:
18 Entrevista um investimento
Marc Garrigasait na revolução
digital a um preço
de pechincha
Emérito Quintana
22 Fujii Sangyo, uma
pequena net-net
japonesa
Álvaro Jover
54 Entrevista
Carlos Otermin

28 A Sea Limited é uma

empresa Bárbara?
Karel Escobar 58 Créditos
 6 7
TESE DE
INVESTIMENTO
DA ALIBABA (BABA)
Por Albert Millan
Investidor particular e autor do blog Enterprise Value
A Alibaba é uma empresa chinesa, fundada em 1999 por Jack
Ma, com o objetivo de tirar partido do mundo emergente da
Internet, para ajudar as pequenas empresas a expandir
o seu mercado. Inicialmente, foi criada como comércio
eletrónico B2B (business-to-business, ou seja, para
transações entre empresas) com os domínios Alibaba.
com e 1688.com e é atualmente a maior empresa
de comércio eletrónico a nível mundial (medi-
da por GMV, Gross Merchandise Value, vendido).
Desde o início definiram o lema “Customers
First, Employees Second, Shareholders third”,
que marca a sua estratégia. O negócio da Ali-
baba concentra-se em fornecer a infraestru-
tura tecnológica e de marketing necessária
para ter sucesso na era do comércio onli-
ne, embora tenha um negócio altamen-
te diversificado, com as seguintes linhas
principais: core commerce, cloud computing,
meios digitais, e innovation initiatives.
DESCRIÇÃO DO NEGÓCIO
Core commerce
Ao analisar a linha de comércio online, devemos distin-
guir o seu negócio na China do resto, bem como entre
o retail e o wholesale.
A Tmall e Taobao operam na retail China. A principal
diferença entre os dois é que o modelo da Taobao é
C2C e o da Tmall é B2C. Ambas são responsáveis por
65% das receitas de 2020. Ambas são líderes nos seus
segmentos, sendo a Taobao o maior site e-commer-
ce da China, e a Tmall a terceira maior plataforma, a
nível mundial, para marcas e retalhistas (a experiência
é semelhante à de um centro comercial on-line,
com páginas personalizadas para cada marca, o que
melhora muito a experiência de compra). Incluem algu-
mas características novas e muito bem-sucedidas,
tais como live streaming para vendas (também alarga-
da a outras filiais, como a Lazada), e, tendo em conta
o seu sucesso, é muito provável que se mantenham
também nas plataformas ocidentais. Rentabilizam a
Tmall através de comissões e a Taobao através
da sua plataforma Alimama, que utiliza a extensa
informação disponível sobre clientes para melhorar a
correspondência entre vendedores e compradores
e permite o marketing P4P (pay-for-performance).
Têm um programa de marketing de afiliados.
Para o cross-border retail, têm outras marcas. No Su-
deste Asiático operam a Lazada, que terminou o ano
(fiscal) com mais de 70 milhões de clientes únicos e,
embora não tenham disponibilizado uma discriminação
com númerosespecíficos, destacaram um crescimento
de >100% YoY! Vale a pena recordar o forte crescimen-
Voltar ao índice
to económico verificado na região da ex-China da APAC
e a grande oportunidade que ele representa para esta
filial. Têm também a Aliexpress, que permite a clientes
de todo o mundo comprar a produtores chineses, e a
Tmall Global, que funciona ao contrário, para marcas
e retalhistas fora da China. Estão presentes no e-com-
merce turco (que prevê ser a economia “europeia” de
crescimento mais rápido nos próximos anos) através da
Trendyol e no Paquistão e Bangladesh com a Daraz.
No wholesale, são líderes na China através do 1688.
com, permitindo aos retalhistas um acesso fácil aos
grandes grossistas e, para o resto do mundo, utili-
zam o domínio Alibaba.com, que completou tran-
sações com mais de 190 países em 2020.
Para além do e-commerce mais tradicional, estão a des-
envolver novas iniciativas como o Freshippo, onde
combinam o online e o offline. Neste caso, trata-se da
sua própria cadeia alimentar, onde utilizam lojas de
retail para fazer fulfilment das encomendas online, ao
mesmo tempo que permitem compras onsite.
Sem serem diretamente commerce, têm também dois
serviços muito relevantes e em crescimento, que
estão intimamente relacionados com o seu negócio
principal:
• Possuem 33% do Ant Group. Oferece um conjun-
to completo de pagamentos digitais e serviços fi-
nanceiros através de partnerships (seguros, fundos
de investimento...). É uma sinergia muito forte para
pagamentos e crédito com o resto das linhas de
negócio da empresa.
• Desde 2013, operam a Cainiao Network, uma plata-
forma de dados logísticos e uma rede global de ful-
fillment, com um forte enfoque na utilização de da-
dos para melhorar a gestão logística. Têm também
a Fengniao, especializada na entrega de alimentos
e consumíveis. Nos últimos resultados trimestrais,
os números da Cainiao mostraram um crescimento
de 73% YoY.
Cloud Computing
O cloud computing é a tecnologia através da qual os
serviços informáticos são oferecidos através de uma
rede (geralmente a Internet). Embora relativamente jo-
Tese de investimento da Alibaba (Baba) / Albert Millan
vem, conseguiu capturar praticamente todo o mer-
cado (espera-se que processe 94% do workload total
até 2021) e está a crescer a um ritmo altíssimo
(CAGR projetado = 18% até 2023). Neste contexto de rá-
pido crescimento, a Alibaba Cloud é o terceiro maior
player a nível mundial e o maior na APAC. Oferece
o conjunto completo de serviços na nuvem: BBDD,
armazenamento, computação elástica, segurança, big
data analytics, IoT, etc. Este ano cresceu muito acima do
mercado (60% YoY) e já representa 10% das receitas
totais da empresa.
A importância, rentabilidade e crescimento deste setor
têm atraído muita concorrência (desde o início, em
2006, pela Amazon, através da AWS) e de grande ca-
libre, como a Microsoft (Azure), Google Cloud, IBM,
Tencent... de modo que as margens se reduzem,
acrescido do facto de que os fossos defensivos são es-
treitos, por não existir um forte custo de mudança.
Meios digitais e entretenimento
No mundo do streaming e do vídeo, a Alibaba tem a
Youku, a terceira maior plataforma de long-form video
da China. Complementa o core business, utilizando a in-
formação do cliente para oferecer conteúdos relevan-
tes e personalizados. Tem mais de 500 milhões de uti-
lizadores mensais ativos e todos os dias reporta mais
de 800 milhões de visualizações. Está a crescer muito,
aproveitando, em parte, a proibição do YouTube e com
o empurrão do boom do streaming, que beneficia, de
forma colateral, do crescimento do setor dos videojo-
gos e e-sports.
Innovation initiatives
Para além das principais linhas de negócio, têm mui-
tas outras iniciativas que complementam ou di-
versificam os seus serviços. Estas incluem a Amap,
o maior fornecedor de navegação, cartografia digital e
informação de tráfego em tempo real na China, a Fliggy
como plataforma para viagens online, a ele.me, empre-
sa líder no delivery local, a Koubei, que ofrece informa-
ción personalizada sobre serviços locais (restaurantes,
lojas…), e aporta muito valor para os comerciantes, per-
mitindo um maior conhecimento do cliente.
8 9
Como vemos, contam com muitas linhas de negócio
com fortíssimas sinergias entre elas, de modo que se
cria um ecossistema que cobre a maior parte das
áreas de serviços prestados a um cliente: consumo,
pagamentos, envios, comida, entretenimento, etc. Além
disso, a maioria delas operam em setores em expansão
e com grandes perspetivas de futuro.
ANÁLISE DA EMPRESA
A Alibaba opera em setores com fortes ventos favo-
ráveis: comércio online, cloud computing, streaming, de-
livery… e num mercado em expansão, pelo que tem
um potencial único. Nos últimos 5 anos, multiplica-
ram os seus rendimentos 5 vezes (com uma média
de CAGR de 38%), aumentando simultaneamente o seu
Gross Merchandise Value vendido por mais de 2 vezes. O
crescimento dos números dos negócios ocorreu em
todas as suas linhas de negócio, destacando-se os
números do seu negócio core de e-commerce.
A sua margem operacional tem vindo a diminuir, à
medida que incorporaram novas linhas de negócio, al-
gumas das quais ainda não são rentáveis porque ne-
cessitam de massa crítica, passando de 28,8% em 2016
para 18% em 2020. Têm x50B$ em dinheiro, 50B$
em ações e investimentos e 47B $ na Goodwill como
ativos mais relevantes (este é um negócio de asset-light,
muito mais do que a Amazon, por intervir apenas como
mercado, em geral). Tem dinheiro líquido. Embora,
como é comum nestas empresas tecnológicas de cres-
cimento rápido, exista um esquema de compensação
em ações, estas cresceram a um ritmo relativamen-
te lento de 1,5% por ano durante os últimos 6 anos.
Não precisam de um grande investimento em mar-
keting para expandir a sua base de utilizadores, de-
vido ao forte efeito de rede criado para os clientes
(procura), e aos benefícios para as empresas (oferta) e
especialmente as PYMEs, que obtêm acesso aos pro-
dutos de análise e gestão da Alibaba, que de outra
forma estariam fora de alcance. A seu favor estão as
economias de escala e o facto de se tratar de um ne-
gócio ligeiro em ativos, que não requer tanto pessoal
como a Amazon, por exemplo, uma vez que a maior
parte da sua atividade está em formato marketplace.
O efeito da COVID tem sido positivo para os negócios
da empresa, uma vez que acelerou, ao longo de vários
anos, a transição do mundo retail para o mundo online.
Esta tendência, constante e imparável, deu um salto na
adoção da Internet devido a restrições de mobilidade
ou a precauções sanitárias instaladas em várias áreas.
Além disso, este efeito é maior do que em alguns dos
Voltar ao índice
seus concorrentes ocidentais, uma vez que é combina-
do com a rápida recuperação económica em vários
países nos quais opera. O efeito pode ser sentido
em todas as suas linhas de negócio (todas têm uma
tendência muito forte para o mundo online e digital).
No segundo trimestre de 2020 (FY 2021 para a Alibaba,
que termina o ano em março) apresentaram números
espetaculares, com um aumento global de 30% nas
receitas YoY, aproximando-se dos três dígitos em al-
guns segmentos, tais como o Cloud ou o Cainiao.
VALORIZAÇÃO
A Alibaba, atualmente, capitaliza 750B$, tornando-a a
sexta maior empresa do mundo, atrás da FAAMG e
da Saudi ARAMCO, com um aumento de 38% no seu
valor nos últimos 12 meses. Num mercado que valori-
za o crescimento de forma muito generosa, os múlti-
plos surpreendentes em que o $BABA é negociado são
bastante razoáveis (37x PER), especialmente quando já
é rentável e comparado com outros peers. Devido a
semelhanças comerciais (negócio retail, cloud, mercea-
rias, media) e embora tenham algumas diferenças
claras (Alibaba como marketplace e Amazon como inter-
mediário/retailer online, negócio grossista, novas inicia-
tivas ...) e um TAM muito superior (para acesso e pe-
netração na APAC), a sua comparação mais direta é
a Amazon (capitaliza pouco mais de 2 vezes, com um
múltiplo de valorização de 2,5 vezes) e, de forma mais
parcial, outras como a MercadoLibre (esta, muito mais
pequena, 0,1 vezes, mas sem lucro, por enquanto). As
chaves para a comparação são:
• A Alibaba tem um crescimento mais elevado
(nos últimos 5 anos, multiplicou a sua receita por 5,
enquanto que a Amazon a multiplicou por 3).
• A Alibaba apresenta margens operacionais
mais elevadas (18% vs 5%).
• Vantagem na diversificação de negócios e com
um mercado em expansão (APAC + China) para
a Alibaba.
• Melhores métricas de retorno sobre capital
para a empresa China.
• Negócios muito mais leves em ativos e especial-
mente em pessoal.
Tese de investimento da Alibaba (Baba) / Albert Millan 10 11 Voltar ao índice

• Ambas enfrentam, como principal risco, a ameaça regulamentar/política, embora no caso da Alibaba este
risco seja maior, devido às particularidades políticas do seu principal mercado, a China.

Com estas premissas e assumindo que se mantém o múltiplo de avaliação, as margens EBITDA estáveis (~25%) e
um crescimento um pouco inferior (30% projetado vs 38% observado), teríamos a seguinte evolução (assumindo um
crescimento anual de 1,5% no número de ações):

Se, além disso, adicionarmos variações múltiplas, o valor final teria de ser ajustado. Devido ao crescimento,
diversificação e ventos favoráveis, não seria surpresa se, a médio prazo, se tornasse a empresa líder em termos de
capitalização de mercado a nível mundial.

Existem alguns catalisadores para a cotação, tais como a IPO da ANT, que, embora ligeiramente dificultada pela
sombra do risco político, presumivelmente após as declarações críticas de Jack Ma contra o governo chinês, tem
um enorme potencial e faz sobressair o valor para a Alibaba ao ir a público de forma independente. Por outro lado,
o horizonte da guerra comercial com os USA desvanece-se após a vitória de Joe Biden que, embora eu acredite
que não poderia ter um efeito material a longo prazo, lançou uma sombra sobre a cotação. Em resumo, a Alibaba
tem vários fatores que a tornam atrativa como ideia de investimento:

• Grande valor de marca e é líder mundial no seu negócio.

• Um fosso defensivo gigantesco.
• Crescimento rápido e valorização atrativa (em relação aos peers).
• Ecossistema completo com fortes sinergias entre áreas.
• Vento favorável no e-commerce e na região em que opera.
• Digitalização total, integrada na cultura.

E, por outro lado, embora quase único, apresenta um risco muito relevante no campo político/regulamentar.
 12
TESE DA HOLLYSYS
AUTOMATION TECHNOLOGIES:
Uma aposta no crescimento das linhas
ferroviárias de alta velocidade na China
Por Rubén Rodríguez Cabezas
Investidor individual e autor do blogue Invirtiendo en mi
Nesta nova edição, que enfatiza o investimento na Ásia, vou concentrar-me em
explicar uma das teses em que tenho trabalhado ultimamente e que é o cres-
cimento do investimento no que é conhecido como High-Speed Rail (HST
a partir de agora), com especial ênfase no mercado chinês. Depois
disso, vou expor a tese de uma empresa de que já falei no meu
Blog, a Hollysys Automation Technologies.
Muito do que é conhecido como o “milagre chinês” de-
ve-se a um forte empenho do Governo Popular da
China em infraestruturas, incluindo ferrovias, es-
pecializadas em alta velocidade. Além disso, a Chi-
na planeia continuar a ganhar peso e influência,
pelo menos na Ásia. Prova disso é a recente
assinatura da Parceria Económica Global Re-
gional (RCEP), o maior acordo de comércio
livre do mundo, que também inclui países
como o Japão, Coreia do Sul, Austrália,
Nova Zelândia e os dez países da Asso-
ciação das Nações do Sudeste Asiático
(ASEAN), o que pode ser um incentivo à
exportação do seu modelo de apoio a in-
fraestruturas para outros países.
13
Para contextualizar um pouco o setor ferroviário, entre
1990-2018, a China acrescentou cerca de 120.000 km
de caminhos-de-ferro, 3,7 milhões de km de estradas e
740.000 km de linhas costeiras à beira-mar aos seus ser-
viços de transporte público. Este impulso para estimular
a conectividade no seu território é lógico num país com
um território vasto e disperso, no qual vivem 1,3 mil mil-
hões de pessoas e onde a desigualdade entre territórios
é palpável, com a maior parte do desenvolvimento a ter
lugar no leste do país e principalmente em áreas urbanas
de alta densidade.
Para além do acima referido, desde 2008, a China in-
vestiu e construiu mais quilómetros de TAV do que
o resto do mundo junto, o que nos dá uma ideia da
magnitude dos seus planos a este respeito. Os quilóme-
tros de via que estão atualmente em serviço na China ex-
cedem os 36.000 (seguidos pela Espanha, com mais de
3000, a propósito). Na imagem seguinte, pode-se ver o
crescimento que a rede de pistas TAV teve e a sua dis-
tribuição entre as diferentes categorias (200, 250 e 300
km/h) até 2017. É uma visão incompleta, mas é suficiente
para ver a evolução que tem tido.
Mais importante do que o número de quilómetros que
existem é a procura destas ligações e, sim, justifica-se
pensar que estes quilómetros de vias irão aumentar no
futuro.
Segundo o Statista, em 2019, o volume de passageiros
que viajaram em HST atingiu os 2,3 mil milhões, um nú-
mero enorme.
Voltar ao índice
INVESTIMENTO EM INFRAESTRUTURAS
Se tivermos em conta que o governo chinês quer que
todas as cidades com mais de meio milhão de habitan-
tes sejam ligadas pela TAV nos próximos 15 anos, pode-
mos deduzir que o investimento em infraestruturas, bem
como as indústrias que beneficiarão destes investimen-
tos, irão aumentar.
Contudo, a TAV tem concorrentes dentro deste territó-
rio: o carro particular, o autocarro, o avião, bem como a
concorrência de ter diferentes segmentos de comboios
a operar a diferentes velocidades. Mas serão estes con-
correntes uma ameaça real? O que um consumidor pro-
cura quando faz uma viagem é basicamente: conforto,
segurança, pontualidade e, claro, preço. As três primeiras
qualidades, penso que poderiam ser satisfeitas por todos
os concorrentes (talvez à exceção do carro em longas dis-
tâncias). Em termos de preço, os preços das viagens HST
são muito competitivos, ultrapassando mesmo o autoca-
rro no segmento de 200-250 km/h (viajando em segunda
classe).
Como se pode ver, o comboio é muito mais barato em
todas as linhas, excepto no segmento 300-350km/h (em
primeira classe, como no resto das categorias). Quanto
às longas distâncias, resta ver, embora possa ser uma
boa opção em termos de preço (especialmente se não
for em primeira classe) se conseguir ganhar quota de
mercado sobre o avião, uma vez que a poupança de tem-
po é importante. Se olharmos para distâncias curtas, ve-
rificam-se tensões nos voos, fazendo com que algumas
companhias reduzam a sua oferta de voos ou preços
para competir contra o comboio.
Tese da Hollysys Automation Technologies / Rubén Rodríguez Cabezas 14 15 Voltar ao índice

Por curiosidade, o crescimento dos voos Pequim-Guan- Em termos de posicionamento no mercado chinês de • Mudanças internas: o CEO não tem experiência di- crise Covid-19 e a sua exposição ao setor do Petróleo e
gzhou tem vindo a diminuir e, embora ainda positivo, energia nuclear, a HOLI é o único fornecedor local de reta nos setores IA e Rail, que são os mais impor- Gás viram esta situação agravar-se.
tem sido afetado pela oferta de viagens TAV. E isto ten- sistemas de controlo para centrais nucleares. Na China, tantes e os mais representativos em termos de re-
do em conta que a economia de tempo corresponde a este é um mercado em crescimento, uma vez que se ceitas / lucro operacional. As vendas da ABB e da Honeywell diminuíram a uma
metade: cerca de 8-9 horas de viagem para 4-5 horas voltaram a concentrar na produção de energia nuclear taxa de -5% desde 2015, embora seja verdade que a
de avião. para ajudar a satisfazer o aumento esperado da procu- As principais opcionalidades (sem contar com a Honeywell registou, desde 2009, vendas +4% CAGR e
ra, com várias centrais em construção. baixa valorização em que se encontra) são: +12% CAGR de rentabilidade.
Há pouco falámos que estes investimentos irão aumen-
tar, mas quanto? A China Railway Corporation espera A distribuição dos contratos e o backlog destes três • Países asiáticos como Taiwan, Tailândia, Indoné- Quanto ao perigo representado por estas empresas,
que os quilómetros das vias TAV aumentem de 36 000 segmentos durante o último trimestre, bem como o sia ou Índia irão aumentar a sua procura destes penso que é limitado pelo protecionismo chinês con-
km para 70 000 km nos próximos 15 anos e as vias crescimento e às margens previstas (de acordo com a produtos, impulsionada pela sua crescente in- tra setores sensíveis (energia nuclear, serviços de con-
convencionais passem dos atuais 141.000 km para empresa) para cada um dos segmentos é a seguinte: dustrialização e desenvolvimento, e a HOLI tem trolo...) em que a HOLI opera. Face aos regulamentos
200 000 km. uma presença nestes países. dos líderes chineses, as empresas chinesas seriam fa-
• Energia nuclear: a regulamentação na China não vorecidas, uma vez que seriam mais bem vistas pelo
Isto irá beneficiar não só as empresas de construção, é tão rigorosa como na Europa, o que torna o mer- regulador.
mas também as indústrias que fazem parte da cadeia cado de energia nuclear um mercado em cresci-
de valor. Uma dessas empresas, e da qual vou falar hoje, mento na China. Tendo em conta que a HOLI é o
é a Hollysys Automation Technologies, uma empre- único fornecedor local de sistemas de contro- VALORIZAÇÃO
sa que oferece tecnologias de automação e controlo lo, os ventos favoráveis são evidentes.
Se olharmos para a avaliação, as hipóteses que tomei
centradas nos setores industrial, ferroviário e mecâni-
para a realizar são as seguintes:
co-eléctrico. Recentemente, estão a oferecer produtos Relativamente aos últimos resultados, na IA e Rail, que
• Crescimento do ganho médio durante o período de
e serviços a outras indústrias tais como a petroquími- são os dois segmentos-chave, os novos contratos au- CONCORRÊNCIA 2,2%
ca, a farmacêutica, embora o impacto na declaração de mentaram 28% e 15%, respetivamente. O segmento
A maior parte da concorrência “forte” é na Europa com • Margem bruta histórica de 36,7% vs 34% que to-
rendimentos destes serviços seja ainda pequeno. agravado foi o M&A (-64%).
a Siemens, a Bombardier e a ABB, para dar alguns mou de referência para o período da previsão
exemplos. (2021-2029).
Como mencionei, divide as suas operações em três E, embora possam ganhar contratos com uma margem
• Margens EBIT de 18,7% histórico vs 17,8% que as-
segmentos: Automação Industrial (IA), Ferrovia (con- inferior (durante estes meses tem sido este o caso), a
A indústria tem sofrido um declínio nas vendas. Algu- sumo como referência.
trolo e automatização de comboios e metro de alta ve- estratégia é ganhar em recorrência, fazendo o cliente
mas empresas, como a Rockwell Automation, viram
locidade, principalmente) e M&E (soluções mecânicas “morder” e aumentar as margens para serviços deriva-
as suas receitas cair a uma taxa de 0,5% CAGR e, com a Em suma, temos os seguintes números recolhidos na
e de eletrificação). A posição de mercado em cada um dos da manutenção do contrato principal e não com
avaliação:
destes segmentos varia consideravelmente. o contrato principal, estabilizando as margens a longo
prazo.
Em relação ao negócio de alta velocidade, é um dos 30/06/21 30/06/22 30/06/23 30/06/24 30/06/25 30/06/26 30/06/27 30/06/28 30/06/29 TV
três fornecedores aprovados no segmento de velo-
EBIT 56,56 107,48 101,72 98,03 102,97 101,91 113,39 109,39 110,35 110,35
cidade dos 300-350km/h, bem como um dos três for- GRANDES RISCOS E POSSIBILIDADES Minus: taxes over 10,86 20,64 19,54 18,83 19,78 19,57 21,78 21,01 21,19 21,19
necedores aprovados no segmento dos 200-250km/h,
Esta empresa é uma das que oferece opcionalidade, EBIT
atuando numa posição de oligopólio na China.
mas também grandes riscos e possibilidades de que o
EBIT x (1 - t) / 45,70 86,84 82,18 79,20 83,19 82,34 91,61 88,38 89,15 89,15
preço que a avaliação inclui acabe por não acontecer.
É o principal fornecedor de sistemas SCADA para lin- NOPAT
Vejamos os principais riscos:
has de comboio na China. Estes sistemas são essenciais Phas: Dep. & 8,30 8,72 9,16 9,52 9,81 10,05 10,25 10,41 10,51 10,51
para controlar e monitorizar processos à distância e Amort.
• Elevada dependência das mudanças regulamenta-
não vão ser deixados de lado numa situação em que se Minus: Working -5,63 24,10 1,96 -1,36 5,20 5,26 5,88 -0,34 1,07 1,07
res e governamentais na China.
espera que seja feito um investimento em mais vias. A Capital Variations
• Concorrência e necessidade constante de inovação
automatização destes mecanismos de controlo permi- Minus: CAPEX -5,06 -5,80 -7,19 -6,16 -6,69 -6,80 -7,13 -7,26 -7,10 -10,51
• Sem comunicação com o investidor
te aos clientes da HOLI reduzir os custos operacionais
com os trabalhadores, ao mesmo tempo que reduz o Total Free Cash 43,31 113,85 86,10 81,21 91,51 90,85 100,61 91,18 93,63 90,22
número de erros humanos nos processos de controle. Flow
Tese da Hollysys Automation Technologies / Rubén Rodríguez Cabezas
Um FCF médio anual de 90M, com um cash líquido
de quase 650 milhões, com uma posição de mercado
vantajosa na China e crescimento opcional no resto da
Ásia, que não está incluído na avaliação.
Aplicando um crescimento perpétuo de 1% e avaliando
com diferentes WACC, temos desde a perspetiva mais
pessimista ($22 de valorização com um WACC de 15%)
até à mais positiva ($32 com um WACC de 7,9%, que
seria o WACC que uma empresa europeia com as con-
dições financeiras da HOLI teria).
O mais razoável para mim é aplicar um WACC de 10%
(dessa forma assumo e ajusto o risco de exposição ao
mercado chinês, fazendo com que os fluxos de caixa
da empresa valham menos), resultando numa valori-
zação de $27; ou o que é o mesmo, um aumento de
110% em relação aos preços atuais (quarta-feira, 25 de
Novembro de 2020).
Neste sentido, mesmo que assumirmos ganhos com
todos os outros fatores iguais (e um WACC de 10%), o
preço deveria ser de 16 dólares, pelo que mesmo neste
cenário em que o mercado desconta uma estagnação
secular de ganhos e EBIT para a próxima década, não
perderíamos dinheiro, considerando a avaliação atual.
CONCLUSÕES
A Hollysys é uma empresa pequena, pouco seguida,
com uma posição financeira sólida e perspetivas razoá-
veis de crescimento, especialmente se executar bem
nos próximos anos e se concentrar em setores que
oferecem e continuarão a oferecer oportunidades, tais
como o Rail.
16
Embora também apresente os riscos que mencionei,
não é menos verdade que o seu declínio coincide com o
início da guerra comercial que, talvez (e só talvez), com
Biden a questão pode ser relaxada ou posta de lado.
Isso somado a algumas luzes que o management
lançou (ou insinuou) em reuniões passadas com inves-
tidores, tais como a intenção de utilizar dinheiro em
excesso para fusões e aquisições ou abrir a por-
ta à recompra de ações, pode servir de catalisador
para o aumento do preço das ações. Se estas luzes se
materializarem, poderia motivar o preço das ações a re-
gressar a valores mais “razoáveis”.
NOVAS NOTÍCIAS: PROPOSTA DE COMPRA DA HO-
LLYSYS (A UM PREÇO DE PECHINCHA)
A 7 de Dezembro, 79º aniversário de Pearl Harbor e dia
da infâmia, a SEC foi notificada do seguinte: O Sr. Shao
(antigo CEO da empresa) e a CPE Capital, um fundo de
private equity australiano especializado na compra de
empresas com EV entre $250m-$750m, lançaram uma
proposta de compra “preliminar não vinculativa” sobre
a empresa sobre a qual desenvolvi esta tese, a Hollysys
Automation Technologies.
A oferta, longe de me agradar, incomoda-me muito.
Embora seja verdade que desta forma posso ter algum
lucro e esquecer a ação, o preço pelo qual se pretende
comprar é uma pechincha e um verdadeiro insulto aos
acionistas.
A ação era negociada antes da oferta a cerca de $11-
$12, uma avaliação ridícula, é verdade, mas de algu-
ma forma lógica quando se tem uma gestão que não se
preocupa com o investidor. O consórcio formado pelo
Sr. Shao (que detém 7% da empresa) e a CPE oferece
um preço de 15,47 dólares por ação para, de acordo
com o documento fornecido à SEC, fazer sobressair
17 Voltar ao índice
um pouco desse valor oculto e poder oferecer li-
quidez e certeza ao investidor, como se fosse esse o
objetivo!
A avaliação que fiz acima implica que o preço deve du-
plicar em relação aos níveis atuais (a ação subiu 14%
até atingir quase os $15 após o anúncio da compra).
Compreendo que, num negócio deste tipo, a parte ad-
quirente tentaria não pagar o preço que correspon-
deria, e mais ainda tratando-se de uma empresa chi-
nesa. Mas 15 dólares? Não seria mais correto que o
antigo CEO (e um dos principais acionistas) encoraja a
atual gestão a empreender ações como a recompra
de ações ou aumentos de dividendos, em vez de
lançar uma oferta sobre o total de ações em cir-
culação? Para contextualizar o negócio, a compra en-
volveria um desembolso em dinheiro de cerca de 950
milhões de dólares, com 650 milhões de dólares
em dinheiro...negócios redondos, para eles!
Li recentemente o livro “Returns on Capital” de Edward
Chancellor. Este livro dedica um capítulo inteiro a falar
sobre o investimento na China e a razão pela qual a Ma-
rathon Asset Management não participava neste mer-
cado. E como vivê-la não é o mesmo que lê-la... Embora
não me surpreendesse se este fosse um simples truque
para fazer crescer o preço da ação, já que têm a possi-
bilidade de retirar a oferta sempre que quiserem, sem
qualquer tipo de penalização, assim veremos.
A verdade é que é uma pena ser um investidor de re-
talho quando este tipo de coisas acontece. Imagino que
alguém irá reclamar. Harvest Fund Management, Cape
Ann Asset Management, Yiheng Capital Management...
embora muito provavelmente ninguém o faça, todos
nós iremos obter essa liquidez e pronto.
 18
ENTREVISTA COM
MARC GARRIGASAIT
Gestor dos fundos de investimento Japan Deep Value, Panda
Agriculture & Water e Koala Capital Sicav
1. Hoje, o seu trabal-
ho no mundo financeiro
é bem conhecido com a sua
gestão da Koala Capital SICAV,
bem como do Panda Agriculture
& Water Fund e do Japan Deep Value
Fund. Mas concentremo-nos neste últi-
mo: como surgiu este projeto?
O Koala Capital Sicav (nascido em Outubro de
2007) é o nosso laboratório de ideias e tendências.
Estamos sempre a analisar ações, setores e países.
Como resultado da procura de novas ideias e da ne-
cessidade de investir nelas, criámos pela primeira vez
o Panda Agriculture & Water Fund em 2013. Em 2016,
após termos descoberto um tesouro no Japão, sob a
forma de pequenas empresas, na sua maioria familiares,
com avaliações não vistas em qualquer outro mercado fi-
nanceiro, decidimos concentrar grande parte dos esforços
da nossa equipa de investimento na terra do sol nascente.
19
2. Porquê o Japão? O que torna este país diferente
dos outros onde a Gesiuris investe?
Porque não há outro país desenvolvido com a trans-
parência empresarial e contabilística do Japão que
tenha tido um ciclo de 30 anos de queda na bolsa de
valores. A maior parte destas empresas tem vindo a
desalavancar e a sobreviver à longa depressão durante
três décadas e muitos dos seus concorrentes não so-
breviveram.
Uma informação importante: o rácio médio entre o múl-
tiplo e o fluxo de caixa livre pago pelas empresas dos
EUA no índice S&P 500 a partir de Novembro de 2020 é
de 48,8 anos (valor da empresa / fluxo de caixa livre). A
média do mesmo múltiplo ao qual as nossas empresas
japonesas estão listadas no Japan Deep Value Fund, FI,
é inferior a 5 anos.
3. Se tivesse de destacar uma ação na carteira da
Japan Deep Value, qual seria e porquê?
Como estas empresas são praticamente desconhecidas
no Ocidente, penso que é mais relevante falar de se-
tores. O curioso é que a enorme subvalorização entre
as pequenas empresas japonesas pode ser encontrada
não só nas empresas locais tradicionais (industriais, de
construção, alimentares ou supermercados), mas tam-
bém em pequenas empresas tecnológicas e mesmo em
empresas de “qualidade” com margens de lucro muito
superiores à média.
A nossa maior posição no fundo em 2020 é a Hirano
Tecseed, uma empresa de maquinaria industrial prin-
cipalmente para o setor alimentar. Foi lançada na bolsa
de valores de Osaka em 1962. Em 2019 registou um
resultado recorde e a sua geração de fluxo de caixa li-
vre em apenas doze meses foi equivalente ao seu valor
bolsista líquido de dívida.
Outra empresa relevante é a Murakami Corp. Funda-
da em 1880, é o maior fornecedor japonês de espelhos
retrovisores para a indústria automóvel. O seu principal
cliente é a Toyota, mas também vende a outras mar-
cas japonesas. Comercializa com um múltiplo de ape-
nas 2-3 anos da sua geração de fluxo de caixa líquido.
Voltar ao índice
Controlada pela família Murakami, é uma empresa sem
dívidas com grande prestígio, apoiada por ser um forne-
cedor da Toyota Motor. Temo-la na nossa carteira des-
de 2016. Em 2019, o famoso investidor Michael Burry
anunciou à Bloomberg que tinha comprado ações de
várias pequenas empresas japonesas, incluindo a Mu-
rakami Corporation.
4. Como é que o Japão está a lidar com este 2020,
em comparação com outros países asiáticos?
O mercado japonês teve melhores resultados no pânico
da venda de Fevereiro-Março e até ao Verão foi um dos
melhores mercados num período muito nervoso. Após
o Verão, na fase mais optimista/altista do mercado, o
mercado recuperou um pouco menos do que outros
mercados mais agressivos, como a China.
5. E se falarmos de setores, qual é que acha que
sairá reforçado no Japão em 2020?
Nas recuperações econômicas históricas do Japão, o
setor industrial tem sempre muito peso. A construção
poderia beneficiar de um aumento do investimento em
infraestruturas, o que é necessário após um longo pe-
ríodo em que o investimento em infraestruturas tem
sido muito baixo.
6. O que diria aos investidores que estão a ficar
interessados no Japão e o que devem eles consi-
derar ao investir lá?
Como em todos os mercados asiáticos, a cultura social e
corporativa é completamente diferente da ocidental, o
que faz com que seja muito difícil entendê-los. Embora
o sistema de contabilidade japonês seja exemplar pela
sua prudência e boas práticas, não posso recomendar
o investimento direto em empresas. Recomendo inves-
tir em um veículo de investimento coletivo.
E agora vamos falar sobre o gestor.
Entrevista / Marc Garrigasait 20 21 Voltar ao índice

7. Como é que Marc Garrigasait investe?
Invisto todos os meus ativos nos três fundos/sicav onde
sou o gestor de investimentos.
8. De onde vem a sua paixão por este país
asiático?
Embora seja um país único para visitar e conhecer, es-
pecialmente para turistas, a decisão de criar um produ-
to de investimento específico e dedicar os milhares e
milhares de horas que a nossa equipa lhe dedica é ape-
nas porque vemos ali uma oportunidade única numa
geração.
financeiros e porque os fluxos financeiros se movimen-
tam mais facilmente.
11. E, finalmente, para terminar, quais são os seus
três livros favoritos sobre investimento e o que
aprendeu com eles?
Para não se continuar a dizer que não se compreende o
comportamento e os ciclos da bolsa, é preciso ler André
Kostolany e os seus livros sobre acontecimentos históri-
cos e comportamento do investidor (psicologia).

9. Quais teriam sido os seus maiores erros ou

lições aprendidas desde que começou a investir?
E especificamente com o Japão Deep Value?

A experiência tem sido muito positiva, apesar da volati-

lidade dos mercados nos últimos anos. Não é diferen-
te de investir nas bolsas de valores europeias ou nor-
te-americanas. As lições aprendidas com a experiência
de investimento também são úteis no Japão.

Percebemos que não ser japonês era, de momento,

uma grande vantagem. Os próprios analistas profissio-
nais e financeiros locais são muito pessimistas e não
vêem a oportunidade histórica que têm à sua frente.

Em pouco mais de quatro anos, o fundo valorizou 46%,

apesar de um ano de baixa na bolsa como foi 2018 e
da Covid em 2020. Como os lucros destas empresas
em que estamos a investir continuaram a melhorar, o
rendimento anual esperado a médio e longo prazo está
claramente acima dos dois dígitos.

10. Que lições está a aprender como investidor em

2020?

Que as fases de pânico e euforia do investimento que

sempre vivemos são hoje mais curtas e mais rápidas.
Provavelmente porque os bancos centrais atuam mais
rapidamente do que em crises históricas nos mercados
 22
FUJII SANGYO,
UMA PEQUENA
NET-NET JAPONESA
Por Álvaro Jover
Investidor particular e autor do blog “En la búsqueda de valor”
Falar de Benjamin Graham é falar de Value Investing. O considera-
do pai do valor desenvolveu novas formas de investimento que
mais tarde foram replicadas pelos melhores investidores.
Uma das suas estratégias mais conhecidas, e com a qual
foi muito bem-sucedida, foi a conhecida net-net. Este
tipo de empresas são aquelas cujo limite de mercado
é inferior ao valor líquido dos seus ativos correntes,
de modo que se a empresa fosse liquidada, have-
ria probabilidades de obter um retorno positi-
vo. Quando estas empresas também têm uma
grande parte dos seus ativos sob a forma de
numerário e equivalentes de numerário, a
segurança aumenta.
No caso de uma posição de grande liqui-
dez, pode também acontecer que só o
dinheiro exceda o valor da capitalização de
mercado, resultando num valor
empresarial negativo (EV).
23
Então, atualmente é interessante comprar ações de
empresas net-net, ou é algo desfasado dos tempos da
Grande Depressão e, portanto, deve ser descartado? A
minha resposta é que se pode encontrar muito valor se
fizer os seus trabalhos de casa e souber onde procurar,
como para qualquer tipo de investimento.
O país por excelência onde estes fatores tendem a
ocorrer tem sido o Japão, na sua maioria pequenas
empresas. Sem ir mais longe, recentemente na Value
DNA obtivemos uma oferta pública de aquisição sobre
a Joban Kaihatsu (1782.T), uma empresa de pequeno
porte (small-cap) que negociava por apenas 40 milhões
de euros e com uma posição em dinheiro de cerca de
50 milhões de euros, cujo negócio se estava a aguen-
tar bem em 2020 e estava a negociar a um P/E5 baixo.
A oferta deu-nos um retorno de cerca de 60% desde
Outubro de 2019, embora seja verdade que o iene se
depreciou durante o mesmo período.
Após este evento, fui encorajado a começar a escrever
uma pequena tese sobre uma empresa semelhante
que também partilha um setor com a já mencionada
Joban Kaihatsu.
A empresa de que vamos falar chama-se Fujii Sangyo
(9906.T), a negociar a ¥1470 à data de publicação deste
artigo, pelo que a sua capitalização atual é de cerca
de ¥12.5B, cerca de 100 milhões de euros, para aque-
les que não estão familiarizados com o valor do iene.
Em suma, uma pequena capitalização.
DESCRIÇÃO DA EMPRESA
Como regra geral, ao analisar uma net-net coloco nor-
Voltar ao índice
malmente mais ênfase no estudo do balanço e das
necessidades de capital do que no estudo do negócio,
fazendo projeções de ganhos, margens, etc. Mas deve
ser sempre obrigatório compreender o negócio e des-
cobrir se é estável e rentável para evitar a compra de
“problemas”.
A Fujii Sangyo é uma pequena empresa, dentro de um
setor estável e com poucas expetativas de grandes mu-
danças a médio prazo.
Neste caso, os segmentos ou sub-setores em que po-
deríamos dividir a Fujii Sangyo seriam 5:
• Equipamento elétrico: aqui incluiremos a ven-
da de materiais necessários para a instalação
de equipamento de iluminação, painéis elétri-
cos, ar condicionado ou cablagem de edifícios.
(45% vendas)
• O setor dos sistemas industriais é responsável
pela venda e instalação de equipamento de con-
trolo de produção, equipamento de informação e
software. Esta parte está mais centrada no forne-
cimento de soluções para o setor industrial. (14%
das vendas)
• O segmento de construção vende materiais de
construção, mas também fornece serviços inte-
grados de conceção e construção, principalmente
para edifícios industriais. (32% das vendas)
• Quanto ao setor das energias renováveis, é atual-
mente responsável pela construção de parques so-
lares e pela instalação de painéis solares nos telha-
dos. (1% de vendas, mas graças à margem mais
elevada contribui com 8% do lucro).
• Finalmente, a secção de máquinas vende, aluga e
fornece serviços de manutenção para escavadoras,
empilhadoras e outras máquinas pesadas da marca
Komatsu. (7% das vendas)
Fujii Sangyo, uma pequena net-net japonesa / Álvaro Jover 24 25 Voltar ao índice

OFERTA DO MR. MARKET
Agora que temos uma breve compreensão do que a
empresa faz, vejamos que fatores sobre a Fujii Sangyo
me atraíram. mas vamos apresentá-la de uma forma
diferente.
Suponha que é proprietário de uma empresa industrial
e, como todos os outros, teve um 2020 difícil. As pers-
petivas a curto prazo são duvidosas e um dia aparece
um potencial comprador e pede-lhe as suas contas e o
balanço atualizado, mostrando os seguintes dados:
• Edifícios, maquinaria e equipamento
• Inventários e contas comerciais
• Dinheiro e equivalentes a dinheiro
TOTAL: ¥41.5B
• Passivo total
• Património líquido:
O investidor olha para as contas e faz-lhe uma oferta
por ¥12.5B. Você a venderia? Parece uma piada, certo?
A oferta nem sequer cobre a quantidade de dinheiro
que a sua empresa tem neste momento. Além disso,
embora a sua empresa tenha tido menos receitas este
ano, continua a ter lucro e este ano tudo aponta para
uma diminuição de 15% a 20% no lucro. Por isso
recusa a proposta (ou assim espero).
A oferta parece ainda mais ridícula quando se apercebe
que a mesma corresponde apenas a 6 vezes os lucros
do ano passado e muito provavelmente significará um
escasso PER7 do 2020.
MÉTODOS DE AVALIAÇÃO com os resultados semestrais, estimo um agravamento Management ao estilo Smaug
das receitas que afetará negativamente a margem,
Dito isto, vamos ao que interessa e vamos ver o que Tal como o dragão Smaug na saga Hobbit, os gestores
pelo que chego a uma projeção conservadora para
podemos esperar da Fujii, dependendo do método de japoneses parecem não se importar de estar enterra-
o EBIT e o rendimento líquido de cerca de ¥2300B e
avaliação que escolhermos. dos em dinheiro. Isto significa que podem passar anos
¥1600B, respetivamente.
e anos sem que os acionistas “vejam” esse dinhei-
ro sob a forma de novos investimentos, aquisições, divi-
NCAV Dado que a Fujii negociou em média nos últimos 10
dendos ou recompra de ações.
Utilizando o famoso Valor Líquido do Ativo Corrente anos a P/E 7,5, atingindo um pico de quase P/E 15, não
(Net Current Asset Value) tornado popular por Graham, parece que estejamos atualmente com uma valorização
Divisa
chegaríamos à seguinte avaliação: Ativo Corrente - historicamente elevada. Apenas com uma expansão
Passivo Total = ¥15.12B, ou por outras palavras, um para um múltiplo de 10x, poderíamos estar a falar de Outro ponto a ter em conta é a moeda. Como é evi-
preço por ação de ¥1780, o que significa um potencial preços próximos de ¥1900/ação. dente, existe um risco de divisa que pode corroer o
de valorização “imediato” de 20%. nosso investimento. Além disso, muitos investidores
¥7.2B
No que diz respeito ao EBIT, quando se tem em conta a preferem limitar a sua exposição a um pequeno núme-
¥17.8B
Na verdade, o desconto para o NCAV é o maior nos úl- magnitude de dinheiro no balanço, o possível lado posi- ro de divisas e limitar-se à Europa e aos EUA, tornando
¥16.5B
timos 8 anos. tivo expande-se fortemente. Apenas aplicando x5 EBIT a visibilidade destas empresas japonesas baixa.
chegamos ao valor atual da bolsa de valores da Fujii. Se
adicionarmos dinheiro, o preço médio por ação não cai
¥22.4B AÑO PRICE/NCAV
abaixo de ¥2500. FATORES A FAVOR
¥24.8B
2012 1.32 O capital tem vindo a fluir para o Japão recentemente,
Como pode ver, a Fujii Sangyo parece atraente de qua-
como se vê no seu índice principal, o Nikkei 225. Isto
2013 1.53 se todos os ângulos. Mas, como tudo o resto, tem os
pode ser um sintoma de uma possível transferência de
2014 1.76 seus inconvenientes.
liquidez em busca de avaliações mais atrativas, em
comparação com os EUA ou a Europa.
2015 1.10
PONTOS CONTRA
2016 1.08 Este facto é evidente ao observar-se que o índice está
Margens baixas em níveis não vistos desde 1991, quase 30 anos, o que
2017 1.15
é, no mínimo, um eufemismo.
Como empresa industrial, a Fujii Sangyo tem margens
2018 0.86 de lucro baixas, que podem rapidamente conduzir a
perdas, caso as vendas sofram a médio prazo. Apesar
2019 0.83
de receitas estáveis, a perda de clientes devido à falta
2020 0.79 de competitividade pode atingi-los duramente.

É evidente que se as coisas correrem mal, têm muito

Se a empresa continuar a gerar dinheiro, o rácio conti-
Bem, o exemplo acima reflete os dados mais recentes
nuará a diminuir se o preço não acompanha, pelo que a
publicados pela Fujii Sangyo e no mercado de ações,
margem de segurança será ainda maior.
por incrível que pareça, por vezes é possível encontrar
casos como este.
No caso da avaliação começar a ajustar-se, podemos
ver na tabela que a Fujii negociou acima de 1,5x P/
Como bónus, e embora normalmente não lhe preste
NCAV, pelo que poderíamos estar a falar de retornos
muita atenção, paga um dividendo anual de ¥50/
mais elevados.
ação e tem vindo a crescer e a manter-se bastante es-
tável durante a última década.
Múltiplos de avaliação
Com base nos últimos resultados anuais, a Fujii nego-
ceia a um múltiplo de PER 6. Para 2020, de acordo
dinheiro para gastar durante uma longa temporada
sem grandes problemas. Mas se já está barato com lu-
cros, acho que com perdas o preço reagiria agressiva-
mente (ou talvez nem sequer vacilar, não sei).
Fora do radar
A maior desvantagem que estes tipos de empresas ja-
ponesas tendem a ter é que podem ter avaliações ab-
solutamente ridículas durante muito tempo, porque
passam despercebidas. Pode levar muitos anos até
que haja um catalisador ou mudanças internas que
atraiam investidores.
Continuaremos a ver entradas de capital para o Japão
em busca de avaliações mais atrativas? Não faço ideia.
Estamos a investir com uma ampla margem de segu-
rança ao adquirir empresas como a Fujii Sangyo? Na
minha opinião sim, mas também podemos ver o merca-
do continuar a ignorar este tipo de empresas e a empu-
rrar os índices nos EUA para novos máximos e depois
recuperar terreno na Europa, o que seria um doloroso
custo de oportunidade.
Fujii Sangyo, una pequeña net-net japonesa / Álvaro Jover 26 27 Voltar ao índice

Mas esta estratégia é sobre paciência; não nos deve-

mos importar de passar um (longo) tempo com uma
cara de póquer até que alguém com mais dinheiro do
que você descubra essa empresa ou haja alguma mu-
dança interna na empresa que atue como um catalisa-
dor do seu valor.

CONCLUSÕES

Recapitulando brevemente, não quero tornar este arti-

go demasiado longo.

Do meu ponto de vista, pode ser interessante ter uma

percentagem da carteira em empresas japonesas com
balanços saudáveis, negócios simples e fáceis de
entender como forma de proporcionar à carteira uma
maior margem de segurança, graças às suas posições
em dinheiro e avaliações muito deprimidas. Não faço
ideia de quando ou como o mercado ou o preço das
ações da Fujii Sangyo irão ajustar-se, mas acredito que
isso irá acontecer.

Com isto também não pretendo isentar de riscos, pode

nem sequer resultar por uma razão ou outra, mas no
fim de contas a estratégia de comprar o mais barato
possível nunca é uma má estratégia.

A Fujii Sangyo é apenas um exemplo que vos queria

apresentar, mas asseguro-vos que existem verdadeiros
tesouros escondidos no Japão à espera de serem des-
cobertos pelo mercado. Se souber fazer um bom filtro,
poderá obter bons resultados, aplicando inteligente-
mente esta abordagem de investimento.

E como comecei a falar de Benjamin Graham, vou des-

pedir-me com uma das suas citações: “Um investidor
tem razão, não porque há muitos que concordam
com ele, mas porque a sua análise e os seus fatos
estão correctos”.

Obrigado pelo seu tempo e pela sua leitura.

 28
A SEA LIMITED
É UMA EMPRESA
BÁRBARA?
Por Karel Escobar
Investidor de tecnologia tanto em startups como em empresas cotadas
e autor do blogue “Bárbaros a las puertas”
Procurar empresas para investir não é uma
tarefa fácil. Todos nós temos os nossos
atalhos, rácios e processos mentais pe-
los quais podemos deduzir se uma
empresa pode fazer parte da nossa
carteira.
Chamei a este processo de estudo
“Bárbaros às portas” para referir
as empresas que estão a derru-
bar as paredes das empresas
que estão sentadas no trono.
Neste artigo falaremos sobre a
empresa Bárbara, a Sea Limited.
29
Comecei a estudar a Sea devido à sua elevada presença
em blogs e fóruns internacionais, a falar com outros ges-
tores e a estudar empresas em rápido crescimento.
É uma empresa que tem um bom posicionamento em 3
mercados em expansão: pagamentos online, comér-
cio online e videojogos. Tem um carismático fundador
que iniciou a sua empresa depois de ouvir o famoso dis-
curso de Steve Jobs como estudante em Stanford.
Para o investidor europeu, a Sea é uma empresa difícil de
analisar devido às questões que o seu posicionamento
sugere:
• Geografia: empresa que opera principalmente no
Sudeste Asiático. Preocupações crescentes sobre o
mercado regulador e a evolução deste mercado. Fal-
ta de conhecimento das tendências macroeconómi-
cas nestes países.
• Produtos: os seus produtos são da mais recente tec-
nologia e baseiam-se em tendências que ainda preci-
sam de ser mais desenvolvidas. A sua principal arma
na divisão de jogos de vídeo “Free Fire”, pagamentos
online e o risco regulamentar envolvido.
• Múltiplos: A Sea Ltd comercializa a x27 vezes as ven-
das. Muitos de nós não nos sentimos confortáveis
com uma empresa com este preço. O P/E e outros
múltiplos terrenos não são sequer mencionados.
Não vamos desanimar e vamos dar uma olhada mais pro-
funda à Sea Limited e descobriremos uma história fasci-
nante, que vale a pena manter no nosso radar.
Voltar ao índice
No blog “Bárbaros às portas”, menciono as principais ca-
racterísticas de uma empresa para ser considerada Bár-
bara. Vamos ver se é o caso:
A Sea Limited atua no mercado por meio de três produ-
tos: Garena, Shopee, Sea Money. Está sediada em Singa-
pura e opera principalmente no Sudeste Asiático, LATAM
e, em menor escala, internacionalmente.
Como podemos ver no parágrafo anterior, a SEA opera
em 3 segmentos a priori diferentes e com ritmos de mer-
cado diferentes. Investiguemos um a um:
PRODUTOS
Entretenimento Digital: Através da plataforma Gare-
na Digital Entertainment, utilizada para aceder a jogos
online, operações de e-sports, live streaming e fóruns de
jogos.
A principal fonte de receitas da Garena é através das ven-
das que ocorrem no âmbito dos jogos que têm no merca-
do. O jogo de vídeo mais importante, Free Fire, tem sido
um sucesso nos países do sudeste asiático e da LATAM.
Dentro da Garena, posiciona-se como uma divisão de
alto rendimento e baixo risco: licenciamento dos jogos
mais populares, operações dentro do jogo. Em contras-
te com outras empresas de jogos de vídeo que contam
com o elevado risco de criar os seus próprios jogos, bem
como com a sua distribuição.
A Sea Limited é uma empresa Bárbara? / Karel Escobar
Garena é a plataforma líder do Sudeste Asiático com
mais de 570 milhões de jogadores ativos, criando um
forte posicionamento para os jogadores descobrirem
jogos populares e que possam estar na moda.
Shopee, integra infraestruturas logísticas, serviços para
vendedores por grosso e a retalho. A Shopee, tal como
a Garena, também é o líder de mercado e uma das apli-
cações mais populares do comércio eletrónico.
Recordamos que o valor das mercadorias trocadas
(Gross Merchandise Value, GMV) aumentou 15 vezes em
3 anos, atingindo 17.6B em 2019. Durante este ano, as
encomendas processadas também subiram 16 vezes
para 1.2B de compras.
Nesta divisão, a Sea Ltd compete contra empresas
com grandes recursos e infraestruturas, principal-
mente a Lazada (apoiada pela Alibaba), atores globais
como a Amazon e também empresas locais como a
Tokopedia e a Bukalapak. No entanto, a Shopee man-
tém uma posição de liderança na área, tanto em núme-
ro de downloads como em utilizadores mensais ativos.
A Shopee foi também a 2ª aplicação mais descarregada
a nível mundial na sua categoria.
Ao contrário da sua divisão de jogos de vídeo, a Shopee
tem de lidar com a diversidade geográfica e social da re-
gião em que opera. Embora geograficamente próximos,
cada país tem diferentes línguas, culturas, costumes e
tipos de comida, bem como diferenças económicas sig-
nificativas. As preferências dos consumidores mudam
significativamente, assim como as práticas comerciais e
regulamentares.
O e-commerce tem o eterno desafio de operar à escala
global para ter maiores economias de escala, enquanto
30
se adapta às particularidades dos mercados locais. A
Shopee alcançou uma posição relevante, forte e consis-
tente nos mercados em que opera.
SeaMoney: Um conjunto de iniciativas financeiras para
apoiar o comércio na Shopee, incluindo uma e-wallet e
outros serviços financeiros. A Sea Money posicionou-se
como um grande aliado das pequenas empresas. Em
muitos casos, precisamos de estar cientes de que nem
todos os vendedores estão associados a bancos, por
isso a utilização da e-wallet da Shopee é uma ótima fe-
rramenta para que começarem a vender online.
31
Contudo, podemos ver que o Sea Money é um produto
que ainda está na sua infância.
Podemos usar o caso Ant Group & Alibaba como re-
ferência. Desta forma, podemos ver o importante papel
que o Sea Money pode desempenhar na evolução da
plataforma Shopee e consolidar-se como o canal online
para milhões de pequenas empresas.
Os analistas concordam em não dar demasiada impor-
tância a esta linha de negócio, dada a sua curta história
e a pouca importância que tem no balanço da empre-
sa. No entanto, consideramo-la como um produto que
pode crescer em número de serviços e monopolizar
grande parte da futura bancarização do Sudeste Asiá-
tico.
MERCADO
Uma das regiões que registrou o maior crescimento
nos últimos anos e que está melhor posicionada para o
futuro é, sem dúvida, o Sudeste Asiático.
A Sea Limited oferece os seus produtos principalmente
no Sudeste Asiático, incluindo países como a Indonésia,
Vietname, Tailândia, Filipinas, Camboja e Singapur. Em
conjunto, esta área é o lar de 670 milhões de pessoas e
de um PIB per capita crescente.
No entanto, a métrica que nos deve interessar é o nú-
mero de utilizadores da Internet e o seu crescimen-
to. Vemos que esta é uma região onde a conectividade
móvel é extremamente importante. Até 2025, haverá
594 milhões de utilizadores a aceder à Internet através
de smartphones, especialmente para pagamentos onli-
ne, e-commerce e videojogos. Só para comparação, os
Estados Unidos têm 284 milhões de utilizadores.
Destaque-se a importância dos videojogos entre a po-
pulação. Muitos cafés e bares têm voltado o seu mode-
Voltar ao índice
lo para espaços desportivos eletrónicos e competições
locais. As receitas desta indústria têm crescido expo-
nencialmente nos últimos anos.
Como podemos ver no gráfico seguinte, espera-se um
crescimento sólido desta indústria até 2023. Há ainda
um longo caminho a percorrer no desenvolvimento dos
desportos eletrónicos em geral e no Sudeste Asiático
em particular.
O E-commerce e os pagamentos online também irão
experimentar um aumento. Com o crescimento da In-
ternet, a geração mais jovem está a aumentar significa-
tivamente a sua utilização da Internet nas 3 áreas acima
mencionadas.
Na Indonésia, 96% dos utilizadores entre os 16 e 64
anos de idade pesquisaram na Internet um produto
para comprar.
Num estudo recente da Google-Temasek-Bain, esti-
ma-se que os serviços financeiros na região irão cres-
cer 22% CAGR entre 2019 e 2025, atingindo 38B em
receitas até ao final de 2025.
Quem está por detrás do sucesso da Sea Limited?
Podemos considerar a Sea Limited uma empresa com
um CEO fundador, Forrest Li, bem como um COO,
Gang Ye, que têm uma percentagem relevante da em-
presa. Vemos que têm interesses alinhados com os
seus accionistas, uma vez que grande parte da sua for-
tuna está ligada à evolução da Sea Limited.
Relação com a Tencent: a empresa chinesa detém 10%
da empresa. Esta boa relação pode beneficiar a Sea Li-
A Sea Limited é uma empresa Bárbara? / Karel Escobar
mited, uma vez que a Tencent é proprietária de vários
jogos de vídeo a serem explorados na Garena.
Vemos que existe um investidor de referência, bem
como um CEO e um COO alinhados com a evolução da
empresa.
FUNDAMENTAIS
Concentramo-nos agora em mais aspetos quantitativos
e vemos como podemos dar sentido à valorização da
Sea Limited.
Vemos como a empresa tem taxas de crescimento
próximas dos 100% Y/Y. Sem dúvida, um número
mais do que notável.
Também o rácio preço/vendas para o próximo ano é
estimada em 13x, contando com um crescimento próxi-
mo dos 100%, presença em múltiplos países e com um
mercado potencial de 600 milhões de consumidores,
faz com que estes números possam vir a justificar uma
valorização tão elevada.
A margem bruta para 2019 é de 27%. É aqui que en-
tra em jogo a disparidade dos modelos empresariais,
misturando linhas de alto valor (Garena) com linhas de
baixo valor (Shopee). Ao longo dos últimos anos conse-
guiram manter a margem bruta em linha.
As despesas com marketing e salários continuam a cres-
cer e anunciaram recentemente a contratação de mais
de 200 colaboradores para a sua sede em Singapura.
Isto pode dar-nos uma ideia dos planos de crescimento
para o futuro, embora possam prejudicar a margem a
curto prazo.
32
De acordo com o acima exposto, a empresa não regis-
tou um EBITDA positivo nos últimos 4 anos e conti-
nua mesmo com um crescimento do EBITDA negativo.
Isto coloca o acionista numa situação delicada e assus-
tadora em relação ao futuro e mostra o que poderia
acontecer se os planos de crescimento e de receitas da
empresa não fossem cumpridos.
A este respeito, não encontramos qualquer comentário
nos relatórios trimestrais ou anuais da empresa, todos
muito centrados no crescimento.
Como demonstração do foco da Sea Limited no cresci-
mento, vale a pena notar os aumentos de capital que
realizou nos últimos anos, passando de 257 464 para
436 602 ações.
O nível da dívida de curto prazo não é motivo de
preocupação, uma vez que é x0,5 do passivo corrente,
face ao ativo corrente.
Vemos nesta secção como o impressionante percurso
da Sea Limited levou a empresa a um preço de ações
historicamente elevado de 24x Preço/Vendas. O preço
das ações está a negociar muito próximo dos seus
máximos históricos. Contudo, analisando o mercado, o
posicionamento do produto e o crescimento das recei-
tas, acreditamos que podem melhorar as suas métricas
de funcionamento.
A DEFENSA DO CASTELO
Um dos principais Moats que as empresas tecnológicas
têm é o network effect. Uma vez alcançado, produz um
efeito de bola de neve que provoca um crescimento ex-
ponencial nas empresas que o têm.
Na Sea Limited vemos como estes efeitos de rede são
aplicados nas suas 3 divisões:
• Garena: no mundo dos videojogos sociais, despor-
tos eletrónicos, chats e fóruns é necessária uma
grande base de utilizadores, criando conteúdos en-
volventes e que façam com que seja a plataforma
por excelência dos jovens que a utilizam nos seus
tempos de lazer.
33 Voltar ao índice
• Shopee: quanto mais vendedores houver, mais Durante estes meses, a sustentabilidade do crescimen-
felizes serão os compradores. E quanto mais uti- to experimentado pela Sea Limited tem sido questiona-
lizadores virem a sua oferta, mais felizes serão os da, com razão. A empresa tem sido sem dúvida um dos
vendedores. Este efeito de rede em lojas online, beneficiários claros da pandemia COVID-19 e do au-
mercados e outros é um dos principais trunfos das mento da procura do comércio eletrónico e dos paga-
plataformas de comércio eletrónico de maior su- mentos digitais. No entanto, no terceiro trimestre não
cesso nos últimos anos. assistimos a nenhum declínio no número de utilizado-
• Sea Money: a priori não tem um efeito de rede, res e o crescimento de 98,7% na Garena demonstra
mas funciona como uma plataforma que facilita as a força desta empresa.
trocas que têm lugar no Shopee. No entanto, como
vimos nas apresentações da empresa, pretendem Durante a última apresentação dos lucros, a empresa
expandir os casos de utilização do Sea Money, para aumentou as expetativas para o resto de 2020. De-
que este possa ser utilizado em todos os tipos de monstrando a aceleração nas 3 linhas de negócio da
transações financeiras. Aqui faria muito sentido Sea Limited e o crescimento explosivo que ainda pode
confiar na extensa base de dados da Shopee e da experimentar a médio prazo.
Garena para acelerar o tempo de colocação no
mercado e alcançar efeitos de rede o mais rapida- A Sea Limited não está isenta de riscos, mas é uma boa
mente possível. oportunidade para ganhar exposição a mercados e pro-
dutos que vão crescer em dígitos duplos nos próximos
anos.
CONCLUSÃO
A Sea Limited é uma empresa que, apesar da sua capi-
talização ($89B) e do crescimento que experimentou no
último ano, multiplicando a sua capitalização por4, nos
deixa com uma certa sensação de atingir os máximos.
Como poderia uma empresa de comércio eletrónico
que não opera em mercados líderes atingir $100B de
capitalização?
Olhando para o futuro, a Sea Limited tem ainda muitas
lacunas a preencher no mercado.
O mercado dos videojogos e dos e-sports começa
a ganhar adesão noutras regiões, como a América
Latina, onde o Free Fire está entre os jogos mais des-
carregados. Isto desbloqueia um mercado potencial de
600 milhões de pessoas.
A utilização de plataformas de e-commerce irá regis-
tar um rápido aumento nos próximos anos nos
mercados em que a Shopee opera, juntamente com
melhorias na logística e nas operações de serviços. No
lado da Sea Money, a incorporação de milhões de pe-
quenos operadores no mercado fazem-a ter um grande
futuro à sua frente em termos de transações operadas
dentro da plataforma.
 34
TESE DE
INVESTIMENTO DE
YUM CHINA (YUMC)
Por Joaquín Blanco
Gestor do fundo Esfera II Gesfund Aqua FI,
conhecido no Twitter como @gesfund
É um prazer participar novamente na revista Buscando Valor, ex-
pondo uma das ações chinesas que compõem a carteira do fun-
do que administro: a YUM China (YUMC).
O Esfera II Gesfund Aqua FI é um fundo de ações global
independente, bem diversificado por setor e capita-
lização de mercado, que investe a longo prazo em
100 empresas de qualidade com perspetivas de
crescimento. O nosso universo de investimento
está limitado às empresas cotadas nos princi-
pais mercados dos EUA, o que não significa
que não possamos comprar empresas es-
trangeiras, como a tese demonstra.
35
A razão para isto é principalmente porque preferimos
o quadro regulamentar e legal dos EUA, mas também
pela simplicidade operacional; os mesmos horários de
abertura e fecho do mercado, gestão do risco cambial,
férias, etc. Além disso, não perdemos muitas oportuni-
dades de investimento excelentes, uma vez que mui-
tas das grandes empresas asiáticas e europeias estão
cotadas em Wall Street. De facto, ironicamente, a YUM
China tornou-se pública mais cedo na NYSE (Novembro
de 2016) do que em Hong Kong (Setembro de 2020),
devido ao spin-off das Marcas YUM.
Não ter exposição ao gigante asiático significa negli-
genciar uma economia flutuante que reúne aproxima-
damente 23% da população mundial e é a segunda
maior locomotiva do planeta. Embora seja verdade que
a demografia e o crescimento do PIB da China têm vin-
do a abrandar nos últimos anos, espera-se que o PIB
do país, em termos absolutos, cresça muito significa-
tivamente. Algumas estimativas prevêem mesmo que
a China será capaz de ultrapassar os Estados Unidos
na década de 1930. Ou seja, depois de amanhã, a uma
escala histórica.
DESACELERACIÓN DE LA ECONOMÍA CHINA
Fonte: Fundo Monetário Internacional
O gráfico acima mostra que o PIB chinês deverá man-
ter taxas de crescimento entre 5% e 6% nos próximos
anos, comparadas com uma média de 2% nos EUA. A
economia chinesa deverá, portanto, acrescentar mais
de 6,5 mil milhões de dólares até 2024.
Voltar ao índice
O que é relevante para a nossa tese de investimento (se-
tor da restauração) é o crescimento esperado da classe
média chinesa, que de acordo com vários estudos é e
será o segmento da população que mais crescerá pro-
porcionalmente. Além disso, o número de pessoas que
vivem em extrema pobreza no país está a diminuir mui-
to rapidamente e tornar-se-á praticamente irrelevante
num futuro próximo. Segundo dados das Nações Uni-
das, a população urbana da China cresceu 20,3% entre
2010 e 2018 e a classe média irá atingir mais de 550
milhões de pessoas nos próximos anos.
Fonte: Boston Consulting Group
ANÁLISE QUALITATIVA
A Yum China Holdings (YUMC) emergiu do spin-off da
Yum! Brands (YUM) em 2016 e, como o seu nome suge-
re, opera exclusivamente na China. A empresa está pre-
sente no setor da restauração, gerindo franquias bem
conhecidas de restaurantes de fast food como o KFC,
Pizza Hut e Taco Bell. É também proprietária da proprie-
dade intelectual das suas próprias marcas, tais como
a Little Sheep (hot pot ), COFFii & JOY (café), Huang Ji
Huang (restaurante mais casual) e East Dawning (ser-
viço rápido nas estações de transporte público).
No total, no final do terceiro trimestre de 2020, a YUMC
atingiu 10 150 restaurantes em mais de 1400 cidades
do gigante asiático e é a maior cadeia de restaurantes
do país, empregando mais de 450 000 pessoas.
A empresa abriu uma média de dois novos restaurantes
por dia nos últimos 5 anos e pretende manter esta taxa
de crescimento. De acordo com as suas próprias dire-
trizes, acreditam que ainda existe uma oportunidade de
desenvolvimento significativa na China e querem con-
centrar os seus esforços em aumentar a sua presença
geográfica noutras cidades por todo o país.
Tese de investimento de Yum China (YUMC)
A empresa é gerida por uma equipa de gestão empen-
hada na criação de valor e liderada por Joey Wat, antigo
chefe da KFC China, e por uma das 37 mulheres CEOs
da Fortune 500. Alguns dos acionistas maioritários da
YUMC são empresas de prestígio como a Invesco, que
detém 9,9% das ações, ou a BlackRock, com 8,2%.
Os principais concorrentes da YUMC são marcas oci-
dentais de QSR - Quick Service Restaurant - como o
Starbucks, McDonald’s, Burger King, Domino’s, etc. e,
em menor proporção, outras marcas domésticas. Con-
tudo, de acordo com as estimativas da FactSet, as mar-
cas YUM são responsáveis por uma quota de receitas
de dimensão extraordinária no setor:
Destes, o KFC é claramente responsável pelo sucesso
da YUMC, representando 6700 restaurantes, ou seja,
dois terços do total. Como anedota ilustrativa, o pri-
meiro KFC a abrir as suas portas em Pequim fê-lo em
1987. A seguir ao KFC veio a Pizza Hut, com nada me-
nos do que 2200 restaurantes, com a sua primeira pre-
Fuente:
sença no país em 1990. FactSet
Estas marcas de restaurantes
são conhecidas por serem muito populares em todo o
mundo e têm modelos de negócio muito fáceis de en-
tender, respeitando assim duas das regras básicas de
investimento de Warren Buffett.
É verdade que a Yum China é uma empresa criada re-
centemente (2016), mas temos o historial comprovado
da sua antiga empresa-mãe, que tem sido negociada
publicamente desde 1997. Uma das razões para o spin-
off foi dar à marca uma sensação mais local, menos oci-
dental, o que consideramos estar a ser feito com suces-
so, tanto com o aspeto dos restaurantes como com os
vários menus.
36
Outra das grandes vantagens da YUMC vem dos dife-
rentes caminhos que tem de percorrer para crescer.
Antes de mais, como vimos no início, espera-se que o
consumo global cresça a um bom ritmo, graças à notó-
ria ascensão da classe média. A Associação Nacional de
Restaurantes dos EUA previu no ano passado que o se-
tor da restauração da China será o maior do mundo em
2023, crescendo a uma CAGR de 8%, contra 2% na UE e
3% nos EUA. Penso que estas projeções são até mesmo
conservadoras, porque não têm em conta a velocidade
a que a entrega ao domicílio se está a desenvolver.
Neste sentido, a YUM China está perfeitamente posi-
cionada para absorver grande parte deste crescimento
impulsionado pela inovação, concentrando-se na digita-
lização (pagamentos, encomendas, entrega, takeaway,
inteligência artificial) e na inovação culinária. Com recur-
so à utilização de big data, a empresa pode aumentar
significativamente as vendas e reduzir os custos, atra-
vés do envolvimento com os consumidores (fidelida-
de) e da personalização da experiência (interação). Um
exemplo simples desta última é o das propostas perso-
nalizadas baseadas no perfil do utilizador e no históri-
co de encomendas. Por outro lado, produzem-se pou-
panças, graças ao aumento das encomendas digitais
(tanto em restaurantes, como em entregas ao domicílio
e takeaway), e à redução das encomendas em dinheiro.
Além disso, todas estas tendências aceleraram logica-
mente com a emergência da pandemia em 2020.
E não é tudo: ao contrário do resto do mundo, o setor
da restauração na China é dominado por restaurantes
independentes, que representam 91% do total. Este va-
lor é comparado com 64% em Hong Kong, 65% em Tai-
wan e 47% nos Estados Unidos. Por conseguinte, é de
esperar que a quota de mercado das cadeias de QSR na
China se expanda acentuadamente para, pelo menos,
alcançar os seus pares.
Outra forma de observar esta realidade é comparar o
número de restaurantes KFC ou Pizza Hut por milhão
de habitantes entre diferentes países. A seguir, pode
ver que estão claramente sub-representados na China,
com 5,8 pontos de venda por milhão de habitantes, em
comparação com 33,5 na Malásia ou 35,5 nos Estados
Unidos. Por outras palavras, em comparação com a Chi-
na, as marcas YUM estão 4 a 6 vezes mais presentes,
37
tanto nos países desenvolvidos como nos emergentes.
Isto dá-nos uma ideia do nível de crescimento que a
YUMC atingirá nas próximas décadas, tendo em conta
que ainda existem cerca de 1000 cidades chinesas para
se instalar.
Fonte: YUM IR 2019
A empresa tem vindo a utilizar múltiplos formatos de
restaurante centrados em todas as quotas de consumo
diário: pequeno-almoço, almoço, chá da tarde, café e
jantar, com a intenção de aumentar as vendas. No início
de 2019, a YUM China anunciou um acordo estratégico
com a China National Petroleum e a Sinopec para ope-
rar restaurantes com franquia nas estações de serviço
das duas empresas (entre eles operam algo como 48k
estações de serviço).
Outra via para o desenvolvimento é a adoção crescente
do café no país asiático, através da própria marca da
empresa, a Coffii & Joy. Ainda não se sabe se o surgi-
mento do café terá o seu lugar na cultura culinária chi-
nesa em larga escala, mas saudamos o posicionamento
da YUMC neste segmento (no final de Junho é proprie-
tária de 55 pontos de venda da Coffii & Joy). Além disso,
em abril, a Yum China anunciou a sua parceria com a
prestigiada marca de café Lavazza para explorar e des-
envolver o conceito de cafetaria Lavazza na China.
Finalmente, a YUMC enfrenta certos fatores de risco
que precisam de ser controlados e geridos, tais como
lançamentos de produtos falhados, doenças, aumento
do preço dos frangos, reputação, erros de expansão,
etc.
ANÁLISE FUNDAMENTAL
Antes do surto do vírus, as receitas da YUMC estavam a
crescer a uma taxa anual composta de 5% desde 2015.
Durante o mesmo período, a rentabilidade também
Voltar ao índice
aumentou significativamente, tendo a margem líquida
obtida aumentado de 4,68% em 2015 para 8,12% em
2019. O rendimento líquido subiu para 713 milhões de
dólares no ano passado. As outras margens também
aumentaram, atingindo uma média de 16% para a mar-
gem bruta e 10% para a margem operacional. Do mes-
mo modo, gostaríamos de destacar os bons níveis ROA
e ROE que a YUMC apresentou em 2019, respetivamen-
te 12,3 e 24.
Fazendo um balanço, acreditamos que a YUM China es-
tava em excelente saúde financeira antes da pandemia.
Isto traduz-se em capital próprio que representou 44%
do Ativo Total e um rácio de liquidez que não tinha sido
inferior a 1,3x nos últimos 4 anos. Além disso, a YUMC
tornou-se uma máquina de fluxo de caixa, gerando uma
média de mil milhões de dólares em fluxo de caixa livre
nos últimos anos. Esta capacidade de gerar dinheiro e
o seu comportamento não diluitivo têm sido os pilares
para que o balanço seja suficientemente sólido e tenha
sido capaz de enfrentar a posteriori a crise de liquidez.
Fonte: Morningstar
Por razões óbvias, a YUM China foi uma das primeiras
cadeias de QSR a sofrer as consequências da pande-
mia. Durante o mês de Fevereiro, as receitas da empre-
sa diminuíram entre 40% e 50% YoY, devido ao exigente
confinamento em algumas geografias do país e ao ence-
rramento de cerca de um terço dos seus restaurantes.
Olhando para os últimos ganhos do terceiro trimestre,
vemos sinais de otimismo sobre a velocidade da recu-
peração e a resiliência do modelo de negócio. A YUM
China conseguiu adaptar-se às atuais restrições sociais
e já recuperou 94% das vendas de YoY, com quase to-
dos os restaurantes abertos. A empresa apresentou re-
sultados sólidos do ponto de vista das receitas, uma vez
que estas regressaram ao território positivo +1% YoY
(melhorando desde -24% YoY no primeiro trimestre e
Tese de investimento de Yum China (YUMC)
-11% YoY no segundo). O lucro operacional aumentou
em 556 milhões de dólares no trimestre para 781 mil-
hões de dólares YTD (2020).
A melhoria dos ganhos também foi louvável, com um
aumento da margem de restauração acima de +0,9%
YoY, ficando a um nível muito decente de 18,6%. Con-
siderando o difícil cenário macroeconómico, o facto de
a YUMC ter conseguido expandir as margens manifesta
a sua grande resiliência durante períodos turbulentos.
Estamos também muito satisfeitos por verificar que o
fluxo de caixa livre da empresa se tornou positivo du-
rante o ano e que a alavancagem permanece baixa.
A pandemia apenas acelerou as tendências de digitali-
zação de longa data. As vendas de entregas represen-
tam agora 27% do total de vendas para o KFC (vs. 15%
em 2018 e 19% em 2019), e 32% para a Pizza Hut (vs.
~25% em 2018 e 2019). Entretanto, as vendas takeaway
já representam 30% do total para o KFC e 7% para a
Pizza Hut. Pensamos que o dinamismo demonstrado
pelas vendas digitais da YUMC irá aumentar ainda mais
a sua quota de mercado no setor.
Fonte: YUMC 3Q presentation
A Pizza Hut foi o principal motor da expansão das mar-
gens no terceiro trimestre, graças a uma maior eficiên-
cia nas vendas de entrega, e a uma melhor gestão da
mão-de-obra e dos produtos. É realmente espantoso
ver o seu rendimento operacional aumentar 59% de
ano para ano, num ano como o que estamos a passar.
Graças a isto, as margens dos restaurantes melhoraram
em 5,3%, e permitiram-lhes atingir um novo máximo de
16,7% (contra 13,8% em 2018 e 11,4% em 2019).
Há também sinais de melhoria no KFC; embora as
vendas ainda estejam a diminuir em -6% YoY, recupe-
38 39 Voltar ao índice
raram consideravelmente em relação aos trimestres
anteriores. As margens dos restaurantes KFC apenas
diminuíram 0,7%, totalizando 19,4% (muito semelhante
a 19,2% em 2018 e ligeiramente abaixo dos 20,1% em
2019). No interesse de aumentar estas margens, a em-
presa planeia adotar um formato de restaurante mais
pequeno nas grandes cidades para incentivar a entrega
e o takeaway.
A curto e médio prazo, a YUMC planeia reinvestir os
seus lucros na construção de novos restaurantes e na
remodelação dos já existentes, bem como noutros in-
vestimentos digitais. Historicamente, a empresa tem
gerado um ROIC (retorno do capital investido) acima da
média a partir destes reinvestimentos, pelo que a nossa
confiança na sua estratégia e visão é elevada.
CONCLUSÃO
Acreditamos ser altamente provável que a YUM China
possa continuar a replicar o sucesso da sua empre-
sa-mãe num país que está a crescer muito mais rapi-
damente do que o ocidente e que está a caminho da
liderança global. A YUMC é o líder indiscutível no seu
setor e pode tornar-se um compounder atrativo graças
às possibilidades de crescimento da indústria da res-
tauração na China e às suas características surpreen-
dentes. Os fundamentos pré-COVID-19 da empresa são
excecionais e a gestão da crise está a mostrar uma resi-
liência encorajadora.
Comprada pela primeira vez em Junho de 2019 a $43,05
por ação, a YUM China representa atualmente 0,71% da
carteira Sphere II Gesfund Aqua FI (ES0131444020). A
nossa exposição total à Ásia é de 5,5% no final de No-
vembro, investindo em outros nomes como a Huazhu,
TAL Education, GSX, Broadcom Corporation e Lumen-
tum Holdings, cujas atividades geográficas estão con-
centradas neste continente em expansão.
Disclaimer: A análise neste artigo não é uma recomendação
de compra. O fundo gerido, Esfera II Gesfund Aqua FI, detém
ações da empresa.
 40
ENTREVISTA A
RAFA GALÁN DEL RÍO,
“PERPE”
1. Quem é o Perpe
e como é que o Perpe
investe?
Bem, por detrás do apelido Perpe
nas redes sociais e no site perpe.es,
como muitas pessoas sabem, está Rafa
Galán del Río, um engenheiro de teleco-
municações que tem vindo a investir há um
quarto de século, inicialmente com mercado-
rias, tais como fundos de investimento, e sem
um sistema muito elaborado, e depois aumen-
tando o conhecimento e seguindo outros mer-
cados talvez não tão populares, digamos mais
“exóticos” para o público em geral.
41
2. Como é que um engenheiro de telecomunicações
começa a dedicar-se à economia e finanças?
Sempre me senti atraído pela economia e mais especi-
ficamente pela macroeconomia, razão pela qual, mais
tarde, estudei Administração e Gestão de Empresas. Na
realidade, é quase a evolução natural de muitos engen-
heiros que querem passar para outros cargos na sua ca-
rreira profissional. No meu caso, este interesse avançou
para a monitorização e análise das macro magnitudes
económicas e, claro, também dos mercados bolsistas. É
verdade que, em muitas ocasiões, em certos dias, quan-
do são publicados dados relevantes, não vemos uma
correlação direta entre a economia e a bolsa de valores,
mas a médio e longo prazo, quando um país tem um
melhor desempenho económico, acaba por se refletir
num melhor desempenho dos seus mercados.
3. Os seus gráficos e análise de dados são ampla-
mente seguidos pela comunidade no Twitter com
quase 20 000 seguidores na sua conta pessoal.
Como chegou lá? Que papel pensa que as redes so-
ciais e as novas tecnologias estão a desempenhar
na disseminação do conhecimento financeiro?
No início supunha que a maioria das pessoas abordava
as redes sociais como simples observador ou leitor de
conteúdo e depois comecei a publicar dados e gráficos,
o que também despertou o interesse de muitos segui-
dores. Como sabemos, existe frequentemente um certo
preconceito, dependendo de quem comenta a mesma
notícia, mas tento ser o mais objetivo possível, para que
cada um possa ter a sua própria opinião. Graças ao seu
imediatismo e difusão, as redes desempenham um pa-
pel muito importante neste maior conhecimento finan-
ceiro, mas não há dúvida que é preciso saber “filtrar”
de alguma forma os bons conteúdos e que contribuem
positivamente, rejeitando outros que geram confusão
ou mesmo as agora tão famosas “notícias falsas”. Na
medida do possível, devemos tentar verificar os dados
e as informações expostos por aqueles que geram con-
teúdo. Ir à fonte original ou conhecer o contexto dos
dados é muito importante para formar uma opinião.
No que diz respeito à literacia financeira, existem várias
iniciativas de vários colegas que fornecem explicações
diárias de conceitos que, embora possam parecer bá-
Voltar ao índice
sicos, podem por vezes causar confusão. Em qualquer
caso, não é apenas o trabalho das redes sociais, mas o
sistema educativo deve encorajar e até criar disciplinas
específicas. Há muitas vozes que há apelam para isto e
eu apoio-as totalmente.
4. E agora vamos concentrar-nos na Ásia. Como
surgiu o seu interesse na economia chinesa?
Todos nós sabemos há várias décadas que a China
será o líder económico mundial e, de facto, já o é em
muitos aspetos ou medidas. Após a hegemonia que fez
dos Estados Unidos o número um durante 150 anos,
em breve veremos essa mudança na ordem económica
mundial. Vivi em Xangai nos últimos 10 anos e vi este
dinamismo na economia chinesa por mim próprio. Esta
transformação conduziu não só a um forte crescimento
da sua economia, mas também ao lançamento de pro-
jetos globais como a One Belt One Road ou o recente
acordo comercial assinado com outros 14 países asiá-
ticos, conhecido como Regional Comprehensive Econo-
mic Partnership (Parceria Económica Global Regional).
5. Se tivesse de definir a economia asiática em 3
palavras/adjetivos, quais seriam?
Mais de 3 palavras, tenho de resumir as ideias: visão
a longo prazo, adaptabilidade e orientação para obje-
tivos.
6. Como está a China a lidar com a pandemia, que
setores estão a sofrer o maior impacto e quais são
os que estão a emergir mais fortes?
Em geral, o controlo da pandemia foi efetuado de for-
ma relativamente rápida com confinamentos rigoro-
sos, controlos através de aplicações, encerramento de
províncias... por isso é algo que quase é tomado como
superado. Tiveram alguns surtos ocasionais, mas nen-
huma segunda vaga, o que permitiu que a atividade vol-
tasse ao normal desde há meses. Existem tendências
em setores, como tudo o que está relacionado com as
compras online, que estiveram em curso durante anos
e que aceleraram, como aconteceu noutros países. Em-
Entrevista / Rafa Galán del Río, “Perpe”
bora a China não seja um dos principais recetores de
turistas a nível mundial, o setor da população e turismo
doméstico será um dos mais afetados, juntamente com
os relacionados com a indústria do lazer. Em qualquer
caso, o governo lançou estímulos ao consumo e eu não
excluiria que o fizesse mais tarde para este tipo de ati-
vidade.
7. Como vê as perspetivas de investimento na Chi-
na a curto prazo? E na Ásia?
Para os investidores que consideram países emergen-
tes, certamente que uma boa parte tem de estar na
Ásia. Com 60% da população mundial, não só a China,
mas também a Índia, a Indonésia e outros países vão
contribuir com uma grande parte da população para
aumentar a classe média na próxima década, o que sig-
nificará mais procura, não só de produtos de primeira
necessidade, mas também de mais produtos de valor
acrescentado e, claro, um mercado de luxo em que os
chineses já representam um terço do total mundial.
Deve ter-se em conta que, em termos de consumo
agregado, a Ásia é apenas um quarto do total global,
pelo que as empresas com exposição a estes merca-
dos participarão neste crescimento, sendo que o cres-
cimento nos países desenvolvidos é muito moderado.
Além disso, a recuperação económica está a ser mais
rápida na Ásia, com um setor industrial a operar a ple-
na capacidade e no qual a robotização está a provocar
cada vez mais aumentos de produtividade.
8. Para além da China, que outros países asiáticos
estão a emergir nos últimos anos e que poderiam
ser interessantes para os investidores? Porquê?
Em termos económicos, alguns países da região a que
costumo chamar “periféricos asiáticos” vão ter um forte
crescimento nos próximos anos. Entre eles destacaria
o Vietname, que visitei várias vezes e que considero
estar bem posicionado, entre outras razões, porque é
mais aberto ao acordo de comércio livre assinado com
a União Europeia, é o principal exportador para os Esta-
dos Unidos entre os países da ASEAN e tem uma popu-
lação relativamente jovem e bem educada. As Filipinas
são também outro mercado interessante, mas neste
42 43 Voltar ao índice
caso devido a uma procura de infraestruturas e tam-
bém de liderança em alguns setores, tais como os se-
micondutores ou mesmo em serviços com muitos cen-
tros de chamadas a mobilizarem-se para aquele país. A
Coreia é também um dos mercados que tem tido um
desempenho muito bom este ano, pois espera-se que a
sua economia tenha uma retração limitada.
9. O que recomendaria a um investidor que pre-
tende entrar nas finanças chinesas? Quais seriam
as chaves para começar a investir lá (ou as razões
para não o fazer)?
Para quem quer fazê-lo com mais cautela, aconselho a
procurar fundos mútuos ou ETF’s que reproduzam os
índices, algo relativamente fácil de seguir. Para a Chi-
na existem alguns setores específicos, mas eu também
escolheria alguns da região, tais como o Vietname ou a
ASEAN.
Mas para quem procura empresas, as que já estão
estabelecidas, concentradas no mercado “doméstico”
asiático, mas com expetativas de expansão e mesmo
de internacionalização global, seriam as mais atrati-
vas. Atualmente podem não existir muitas que satis-
façam estes requisitos, mas continuaremos a assistir
a avanços no setor tecnológico por parte de empresas
que irão ter um forte crescimento nos próximos anos.
Deve ter-se cuidado ao rever as empresas, pois temos
visto vários escândalos de “maquilhagem” de lucros,
mesmo com grandes empresas. É difícil de detetar, por
isso é bom acompanhar as notícias que são divulgadas,
mesmo nos meios de comunicação locais, embora isto
seja complicado por causa da língua.
10. Que lições tira a partir de 2020 no domínio do
investimento?
Que os “cisnes negros” existem, embora seja algo que
já sabíamos, porque já conhecemos mais do que um.
Mas que as recuperações também podem ser explosi-
vas, como vimos. Muitas vezes o mercado pode ser im-
previsível, mas não devemos ficar obcecados com uma
ideia, mas sim analisá-la da forma mais objetiva e seguir
a tendência.
 44
DI-INVESTINDO
COM A NINTENDO
Por Emilio Gómez “emgocor”
Autor do blogue em Rankia “Compounders: Componiendo a largo plazo”
Desde já, se há uma marca japonesa que eu adoro acima de to-
das as outras, é a Nintendo Co. Ltd. Uma empresa que está no
mercado há 130 anos, ou seja, desde 1889 a gerar valor,
algo mais do que a chamada FAANGMAT, hoje em dia.
45 Voltar ao índice
Além disso, os anos seguintes coincidiram com um
grande desenvolvimento da economia japonesa e nos
anos 90 estalou a guerra entre a Nintendo e a Sega
para dominar o mercado mundial de videojogos. Foi a
batalha do Porco-espinho Azul (Sonic), contra o Canali-
zador Vermelho Bigodudo (Super Mario). Nessa altura,
insisti tanto que finalmente consegui que os Três Reis
Magos me trouxessem uma Super Nintendo novíssima,
a nova consola com o conhecido Street Fighter, que
veio dominar a sala de estar da minha casa, relegando
História dos logos da Nintendo. os salões recreativos do final do século ao ostracismo
Fonte: Openlab
econômico. Lembro-me de passar pelas montras das
lojas da minha aldeia e para sempre a caminho de casa
INTRODUÇÃO AO NEGÓCIO para ver o Super Nintendo, enquanto a minha mãe me
repreendia por chegar atrasado para comer.
A Empresa foi fundada no final do século XIX (23 de Se-
tembro de 1889) por Fusajiro Yamauchi e no seu início
Em 1998, e com a geração de consolas de jogos de 16-
dedicou-se à produção e comercialização de cartas de
bit em pleno declínio (veja-se a rapidez com que o se-
jogo Hanafuda ou cartas de jogo japonesas. Como pode
tor da memória e dos microprocessadores evoluiu), a
adivinhar, o comércio eletrónico era inexistente, embo-
SEGA lançou uma nova e espetacular consola de jogos
ra o Sr. Yamauchi já estivesse apaixonado pelo jogo e
de 32-bit, a Dreamcast, com um poder nunca antes vis-
pela diversão dos seus clientes. Numa palavra: “diver-
to e um design futurista. Mas os gestores esquecem-se
são”.
de um pequeno detalhe: a magia não está no hardware,
mas sim no software, nas personagens e nas histórias
Só nos anos 60 é que a Nintendo se tornou uma em-
por detrás daquela pilha de circuitos. Foi o fim da luta
presa cotada na bolsa, como a conhecemos hoje, sob o
entre a SEGA e a Nintendo, que apesar de ter sofrido
nome Nintendo. Em 1977 distribuiu a sua primeira con-
uma quebra, continuou a cultivar as suas personagens
sola de videojogos no Japão, a Color TV Game, que teve
Mario, Luigi, Bowser, Princesa Peach, Zelda ou Donkey
pouco impacto na Europa e nos EUA. O seu verdadeiro
Kong, e em 2002 lançou o Nintendo 64 para conquistar
sucesso veio nos anos 80, tornando-se nessa altura o
novamente o mercado, sem a temida SEGA.
líder mundial na indústria dos videojogos, com títulos
como o lendário Donkey Kong (1981), Super Mario Bros
Mais tarde, surgiram novos concorrentes, como a famo-
(1985), a Lenda de Zelda (1986) ou Tetris (1989), título
sa Playstation, que com os seus jogos de corrida para
que serviu para criar o Game Boy.
adultos, como o Gran Turismo ou o Metal Gear Solid,
conseguiu abrir o entretenimento eletrônico a outro
Nos anos 80, a Nintendo lançou a N.E.S. (Nintendo En-
tipo de cliente que tinha permanecido à margem. A Nin-
tertainment System), a consola que se tornou popular
tendo continuou fiel aos seus princípios, permaneceu
nas casas de todo o mundo. Muitas outras tinham vindo
em segundo plano nas consolas de secretária e passou
antes, como o Sinclair ZX Spectrum ou a própria TV a
a liderar as consolas portáteis, principalmente com o
cores da Nintendo, com a qual se podia jogar ping pong
Game Boy, e mais uma vez, com as melhores licenças,
com os paus, mas a magia do canalizador de bigode
como no caso do Pokémon, que se tornou um sucesso
e da Princesa Zelda ainda não tinha chegado às tele-
mundial.
visões domésticas. Lembro-me de passar horas e horas
a jogar Super Mario em casa dos meus primos. Tal era o
Atualmente, a competição é muito mais dura, com a
seu poder hipnotizante, que todos nós crianças quería-
XBOX da Microsoft e a Playstation da Sony. Embora a
mos ter uma Nintendo, e aí reside a chave do sucesso
Nintendo tenha continuado a liderar o setor do entre-
nos negócios. Quando a sua marca se torna genérica,
tenimento portátil, com êxitos como a Nintendo Wii ou
como os Chupa Chups ou os Kleeenex.
Di-invirtiendo con Nintendo / Emilio Gómez
a atual Nintendo Switch, que deu à empresa um cresci-
mento muito importante, tendo-se tornado um 4 bag-
ger nos últimos anos.
Apesar da concorrência, é um negócio que movi-
menta atualmente mais de 150.000 milhões de dó-
lares no mundo, ultrapassando mesmo a indústria
cinematográfica.
MANAGEMENT
O fundador da empresa foi Fusajiro Yamauchi e o atual
presidente da Nintendo é Shuntaro Furukawa, desde
2018, tendo obtido grande sucesso desde então.
Contudo, o que deve ser compreendido sobre a Ninten-
do é que o seu verdadeiro sucesso se deve ao seu Di-
retor Criativo, Conselheiro e lenda criativa dos videojo-
gos, Shigeru Miyamoto (Kyoto, 1952). O Sr. Miyamoto
é considerado o pai dos jogos de vídeo modernos, ou
como eu gosto de lhe chamar, o Walt Disney do entrete-
nimento eletrônico. Criou as franquias mais importan-
tes da história, tais como Super Mario, Donkey Kong ou
The Legend of Zelda. Em 2012 recebeu o Prémio Prín-
cipe das Astúrias para a Comunicação e Humanidades.
Como sinal de gratidão, o povo espanhol paga-lhe um
salário mensal vitalício, embora ele provavelmente não
precise dele.
O seu primeiro grande sucesso foi o jogo de vídeo
Donkey Kong, em 1982. Miyamoto estava na Nintendo
desde 1977, quando conheceu o Sr. Hiroshi Yamauchi
através de um contacto do seu pai. No seu primeiro
ano, o Donkey Kong teve um valor bruto superior a 190
milhões de dólares.
Não vou continuar por muito mais tempo, há muita
informação sobre o Sr. Miyamoto. Se eu estivesse no
ramo dos jogos de vídeo, gostaria definitivamente de
ter o número 1 ao meu lado para toda a vida.
46
“A delayed game is
eventually good,
but a rushed game
is forever bad”
- Shigeru Miyamoto
Fonte: Pinterest
MOAT OU VANTAGEM COMPETITIVA
Lembro-me do final dos anos 80, quando eu tinha ape-
nas 6 anos e a N.E.S. invadia lojas e bazares. Nessa
altura, o simpático canalizador bigodudo e os seus ca-
pangas já eram conhecidos em todo o mundo. Criou-se
uma marca com personagens de há mais de 30 anos,
com excelentes produtos, que só podem ser compara-
dos à magia da Disney. Não há outra empresa no mun-
do a esse nível.
Lembro-me de um amigo, a quem deram a Y.E.S., que
era uma cópia chinesa da N.E.S., mais barata, mas na
qual os jogos originais não funcionam, pelo que não
podia jogar Super Mario ou Zelda. O trauma para esta
criança foi tal que não conseguiu recuperar desde en-
tão...
Outra anedota de que me lembro é da Super Ninten-
do. No início da década de 90 houve jogos japoneses
que levaram anos a chegar ao velho continente, como
os jogos do Dragon Ball. Alguns deles nunca chegaram
sequer, apesar de terem sido vendidos pela quantida-
de não negligenciável de 12 990 pesetas no El Corte
Inglés; uma fortuna, para a época. Houve pessoas que
compraram adaptadores para a Super Famicom japo-
nesa e compraram jogos importados por 20 000 pese-
tas, quando o salário de um trabalhador não qualificado
podia ser de 100 000 pesetas por mês. Isso dá-nos uma
ideia do que a Nintendo conseguiu alcançar.
47 Voltar ao índice
ANÁLISE QUANTITATIVA
A parte menos excitante, certamente para mim. Ainda
trar-se no lançamento de remakes ou “rehashes” para
tirar partido das suas atuais licenças e lançar novos
não conheci um diretor financeiro que tenha enrique-
cido a investir na bolsa de valores, mas conheço quem
produtos sem grande investimento de capital, o que se
está a revelar extremamente lucrativo.
tenha perdido tudo. Contudo, não se pode ignorar a
análise quântica, porque se não o fizermos, podemos Por exemplo, lançaram o Super Mario Bros, o Pokemon
apanhar um susto ou dois (leia sobre o caso Gowex,
Popular ou sobre a futura Tesla, onde até o porteiro da
e o Super Mario Kart para telemóveis, jogos que apenas
têm custos de desenvolvimento e chegam a ter 1000
milhões de downloads. Sim, leu bem, 1000 milhões de
minha quinta investiu).
clientes...
O desempenho da Nintendo nos últimos 5 anos tem
As receitas da empresa no último ano fiscal foram de
sido excecional, devido às novas estratégias de jogos
1300 mil milhões de ienes, com um lucro de 258 mil mil-
portáteis e ao sucesso da Switch. Valorizou 159%. Co-
hões de ienes, resultando num Preço/Lucro de 27 vezes
meti um erro ao não comprar, como já avisei em algum
sobre a capitalização de 7 mil milhões. Embora não seja
fórum da Internet há uns anos, mas infelizmente não há
um preço de arromba, se o atual crescimento de dois
dinheiro para comprar tudo no mercado.
dígitos se mantiver, será um bom preço.
Fonte: Morningstar
Fonte: Google Finance
Nos últimos 3 anos, as vendas cresceram 38%. É um nú-
É uma empresa muito conservadora, como uma boa
mero extraordinário, é tudo. Especialmente para uma
empresa ancestral japonesa. Não tem dívidas. Na rea-
empresa tão madura. Implica claramente uma nova
lidade, o capital próprio excede o passivo total em 5
estratégia de gestão e que a sua implementação está
vezes.
a ser bem-sucedida. Se esse crescimento continuar, a
ação será muito barata durante anos.
Para os amantes de dividendos, que sabem que eu não
sou, porque o IRS “convida-nos” a dar 21%, a empresa
O ROE situou-se em 17% e a margem em 27%. São nú-
distribui 1,8% ao preço atual.
meros muito bons, embora não estejam ao nível das
FAANGMAT, uma vez que a Nintendo tem de investir
A dependência da Switch é excessiva, embora nos
grandes quantidades do seu FCF na inovação e desen-
próximos anos veremos se a empresa é capaz de di-
volvimento de novos jogos de vídeo e sistemas de en-
versificar-se para outras plataformas, tais como telemó-
tretenimento. Uma das suas fraquezas, discutiremos na
veis, onde está a ter um forte crescimento.
próxima secção. Atualmente, a empresa está a concen-
Di-invirtiendo con Nintendo / Emilio Gómez 48 49 Voltar ao índice

RESUMO E CONCLUSÃO

Atualmente, a empresa, como toda a tecnologia, está

sujeita a fortes poderes disruptivos. E de facto, antes
do lançamento da Switch, teve alguns anos muito maus.
Nos dias de hoje, tem muito futuro com a adaptação
dos seus personagens icónicos aos jogos portáteis, o
sucesso incontestável da Switch, um híbrido entre por-
tátil e de secretária, muito adaptado ao estilo da juven-
tude atual, que requer muita mobilidade, e uma nova
Distribuição de receita da Nintendo faceta que estreará nos Jogos Olímpicos de Tóquio
2021, recentemente adiada, que consiste em abrir um
parque de diversões ao estilo da Disney, para fidelizar
PONTOS FRACOS os fãs.
Já se pode adivinhar que há poucas coisas que não me
agradam na Nintendo. Uma delas é que é um setor onde O futuro é claramente da Nintendo, porque, como diria
há muita perturbação e inovação, que a pode deixar 4 Walt Disney, se conseguires sonhar, consegues fazê-lo.
ou 5 anos fora do jogo se lançar um mau produto ou
uma má consola de jogos, como foi o caso da Wii U. É
um facto que, como investidor, tenho de aceitar. E que
isso só pode ser compensado com a paciência de es-
perar que a empresa redirecione os seus resultados,
mantendo o rumo e criando novas histórias e conteú-
dos. Claro que, enquanto Miyamoto-san continuar, não
tenho dúvidas de que será esse o caso.

Durante a crise de 2008, a empresa também sofreu du-

rante alguns anos. A cultura japonesa é muito favorável
aos empregados e eles não querem fazer despedimen-
tos ou baixar os salários em tempos de fraqueza, pois
consideram-no uma vergonha e uma desmotivação
para os colaboradores. Isto, que a priori é mau para o
acionista, porque ele vê os seus lucros desaparecem, a
longo prazo motiva mais os colaboradores e estes com-
prometem-se com a corporação; algo muito japonês,
tanto ou mais do que o sushi.

Finalmente, o risco monetário. Devido à política do Ban-

co Central japonês, a sua economia não tem tido um
bom desempenho nos últimos 20 anos. Embora seja
verdade que a política de taxas 0 não afetou a Nintendo
nos últimos 5 anos, pode ser um risco que nos favorece
ou prejudica, dependendo da forma como se equipare
com a economia mundial. Do meu humilde ponto de
vista, estou convencido de que é positivo ter empresas
em diferentes países e divisas estáveis, para que quan-
do o dólar ou o euro se ressentirem, haja uma compen-
sação com o iene ou com o franco suíço.
SOFTBANK GROUP:
50
Um investimento na revolução digital a um
preço de pechincha
Por Emérito Quintana
Assessor do fondo Numantia Patrimonio Global
Investir em empresas significa muitas vezes, em última análise, investir em pessoas.
São as pessoas do dia-a-dia que fazem crescer ou diminuir as vantagens
competitivas, que decidem abraçar inovações ou tornar-se complacen-
tes, que se concentram em fazer a empresa durar a longo prazo ou
maximizar os lucros contabilísticos do próximo trimestre. São as
pessoas que acabam por criar os resultados financeiros do
futuro, para o bem ou para o mal.
No caso do Grupo Softbank, a figura do seu funda-
dor, Masayoshi Son, é a chave para compreender
a estratégia da empresa para 300 anos (não é
uma gralha). Com um avô coreano, ele cresceu
no Japão numa casa humilde, sem um número
de polícia na porta. Pela cultura japonesa foi
discriminado, devido à sua origem, e cres-
ceu com uma necessidade constante de
demonstrar o seu valor. Aos 16 anos,
ficou fascinado com um livro do fundador
da McDonald’s Japão, Den Fujita, um
dos homens de negócios mais famosos
da época. Após 60 chamadas mal-suce-
didas para as suas secretárias, comprou
um bilhete de avião para Tóquio e apare-
ceu no seu escritório:
51
— Vim porque as contas telefónicas estavam começando
a ser mais caras do que o bilhete de avião”, disse Masa.
— Mas o Sr. Fujita não recebe estudantes”, respondeu a
secretária.
— Não decida por ele, deixe-o decidir.
Finalmente teve uma reunião de 15 minutos, onde o prin-
cipal conselho que recebeu sobre o que estudar foi: “Não
olhe para as indústrias do passado, estude informática,
a informática é o futuro”. Viajou para os Estados Unidos e
assim fez, para se formar em Economia pela UC Berkeley
na Califórnia.
Foi um excelente aluno, o melhor da sua turma. Tinha
várias empresas a financiar os seus estudos, entre elas
uma importadora de slot machines. Existem certos para-
lelismos com Warren Buffett e o seu negócio de slot
machines ou com o famoso encontro de um jovem Buffett
com um executivo da GEICO. Tal como Buffett, Masa tin-
ha a ambição de ganhar muito dinheiro, mas não tinha
muito tempo para além dos seus estudos. Rapidamente
encontrou a forma mais rentável de utilizar o seu escas-
so tempo: inventar. Patenteou o primeiro tradutor au-
tomático eletrónico e vendeu-o à Sharp por 1,7 milhões
de dólares. Com o resto dos seus negócios acumulou
3,2 milhões de dólares e decidiu fundar a Softbank em
1981, não em Silicon Valley, mas no Japão, devido a uma
promessa que fez à sua mãe. É difícil traduzir a cultura
americana de mudança e inovação para o Japão, mas ele
transformou a adversidade em oportunidade.
Não, a Softbank não é um banco. Começou como
um “banco” de software no sentido de um conjunto de
programas para tirar partido do crescimento dos com-
putadores pessoais e nasceu com um plano estratégico
de 300 anos e uma visão: investir na revolução digital, na
revolução da informação e na singularidade da inte-
ligência artificial. Para isso, quer criar um ecossistema
que possa perdurar no tempo, muito depois do seu
desaparecimento.
Nos anos 90, já era um conglomerado de empresas de
tecnologia e serviços financeiros. Em 1994 tornou-se pú-
blico, angariando 140 milhões de dólares, e começou a
investir em empresas da Internet. Um dos investimentos
mais relevantes desses anos foi o de 350 milhões de dó-
lares na Yahoo Inc., entre 1995 e 1997, para além da
Voltar ao índice
criação em 1996 do Yahoo Japan, que é atualmente o
site mais visitado no Japão, ultrapassando o Google em
número de utilizadores. Para um anunciante no Japão, o
Yahoo Japan é um must em qualquer campanha. O in-
vestimento na Yahoo produziu ganhos de capital signi-
ficativos, com vendas parciais de 1999 a 2003, mas com
os seus altos e baixos. Na chamada Bolha da Internet, o
preço das ações da Yahoo Inc disparou com uma euforia
sem precedentes, mas na Softbank o exagero foi mais in-
tenso, devido à alavancagem
e a um prémio de 200%
sobre o seu valor
patrimonial líquido
(NAV), como veremos
agora no gráfico
histórico. Entre 95
e 99, a ações da
Softbank flutuaram entre 2000 e 12 000 ienes, mas numa
questão de meses passaram de 6000 para 148 000 ie-
nes. Ao mesmo tempo, em Janeiro de 2000, as ações da
Yahoo Japan tornaram-se as primeiras na história da bol-
sa japonesa a negociar a 100 milhões de ienes por ação.
Durante 3 dias, Masayoshi Son foi mais rico do que
Bill Gates.
Mas, como sabemos, a história não acabou bem: as ele-
vadas expetativas em relação às ações .com, aliadas à dí-
vida da Softbank e a uma valorização do triplo dos seus
investimentos cotados não augurava nada de bom. Nos
meses seguintes, o preço das ações caiu mais de 90%,
fazendo de Masa Son a pessoa que perdeu mais ri-
queza na história, 70.000 milhões de dólares. Se isso
não o curar ou não lhe tirar o optimismo, nada o fará.
No entanto, e independentemente dos preços das ações,
a empresa sobreviveu a nível operacional, investindo na
década seguinte em telecomunicações, banda larga
rápida e barata e mais tarde na rede móvel. Além disso,
os investimentos da Softbank em empresas da Internet
multiplicaram o seu valor 15 vezes nestes 20 anos. Como
Softbank Group / Emérito Quintana
é isto possível? Em parte, porque em 2000 se colocou
uma semente que germinou como nenhuma ou-
tra: o investimento de 20 milhões de dólares na
Alibaba, agora avaliado em 180 mil milhões de dóla-
res, mais do que a capitalização atual do Softbank
Group. Um investimento que faz lembrar o investimen-
to de Naspers na Tencent em 2001. Masa confiou em
Jack Ma, quase sem plano de negócios ou faturação,
ficando impressionado com o seu carisma, liderança
e visão empresarial que, segundo ele, podia ver-se “no
brilho dos seus olhos”.
O talento de investimento de Masa é por vezes menos-
prezado ao dizer-se que ele foi simplesmente “sortudo
com acAlibaba”. No entanto, não só é necessária grande
convicção e visão a longo prazo para manter esse
investimento durante 20 anos, como tem tido bastante
azar por estar à beira de fechar negócios que poderiam
ter gerado ainda mais valor.
Poucos sabem que mesmo antes da OPI da Amazon,
Masa partilhou uma refeição com Jeff Bezos e esteve
perto de comprar 33% da Amazon por 100 milhões
de dólares. Bezos disse-lhe que a Amazon valia 350
milhões de dólares, e não 300 milhões, e eles acabaram
por não chegar a um acordo. Esse investimento valeria
agora 500 mil milhões de dólares. A Softbank tam-
bém esteve perto de adquirir a Tesla em 2018.
Quando se investe no estilo VC da revolução tecnológi-
ca, é normal que os resultados provenham de um pe-
queno grupo de investimentos que se saem muito
bem, enquanto os meios de comunicação social falam
de todos os que correm mal, como o caso recente da
Wework, um mero 1% do NAV da Softbank. Em qual-
quer caso, Masa reconhece os seus erros e que o fluxo
de notícias negativas permite a existência de uma opor-
tunidade com tanta margem de segurança.
52 53 Voltar ao índice
Como podemos ver no gráfico acima, a criação de valor Há muitos mitos em torno da Softbank. Uma delas é Embora o desempenho do fundo não tenha sido este-
para o acionista nos últimos 20 anos tem sido excelen- a alta valorização, mas como vemos, o valor da holding lar, muitos acreditam que o Vision Fund está pratica-
te, com um aumento do NAV de 150 vezes. No entan- está na soma das partes e o EBIT ou FCF atuais não são mente terminado após o caso Wework. A realidade é
to, ao contrário do que se verificou em 2000, as ações representativos. A elevada dívida também é um mito, que os ganhos de capital acumulados no Vision
estão a ser negociadas com um forte desconto sobre embora faça manchetes. A consolidação contabilística Fund I já são de 9,6 mil milhões de dólares e 5 mil
o valor dos seus ativos. É típico das holdings negocia- entre empresas do grupo eleva-a artificialmente e gran- milhões de dólares no Vision Fund II.
rem com descontos entre 10% e 20%, mas o desconto de parte dessa dívida não tem qualquer recurso à em-
atual de 55% é claramente exagerado. presa-mãe. Quanto é a dívida líquida real a terceiros em Alguns investimentos bem-sucedidos, juntamente com
comparação com o NAV? Apenas 11,8%. as vezes em que o investimento inicial foi multiplicado,
Apenas o investimento na Alibaba, um ecossistema em são: Opendoor (3,1x), Relay (4,0x), Guardant (8,8x), Bei-
crescimento com o qual é muito difícil competir, já vale O Softbank Group está de facto a construir uma po- ke (4,7x), Slack (3,0x), 10xGenomics (10,9x), e se a próxi-
mais do que todas as Softbank. Estão a vender lenta- sição de caixa muito significativa para comprar ações ma OPI sair ao preço esperado, DoorDash (28,0x). As
mente ações da Alibaba para voltar a comprar ações de volta, reduzir a dívida e resistir a qualquer ce- taxas internas de retorno são espetaculares.
do Grupo Softbank, uma estratégia inteligente que nário. A minha suspeita é que, uma vez terminado o
acelerou nos últimos meses, mas querem manter a po- programa de recompra de ações, se houver liquidez Em muitos dos setores em que se investe, a revolução
sição a longo prazo. suficiente e o desconto permanecer elevado, é possível só agora começou. Se pudermos ser mais pacien-
que se tente uma privatização da empresa. Esperemos tes do que o investidor médio e resistir à contro-
Que outros ativos obtive- que não seja esse o caso e que possamos tirar partido vérsia com equanimidade, o futuro está do nosso lado.
mos ao investir na Soft- da criação de valor durante muitos anos. Perante uma tal oportunidade, onde estão os investi-
bank? Vejamos: o negócio dores em valor? Mantenha a calma e acredite na visão.
de telecomunicações da E o Fundo Vision I? Um fundo de quase 100 mil mil-
Softbank Corp; a parti- hões que muitos pensam ser um sorvedouro espe-
cipação na T-Mobile, re- culativo que vai levar a Softbank à falência. Nada
centemente fundida com poderia estar mais longe da verdade. De facto, mesmo
a Sprint; a empresa de que valesse zero, o Softbank Group continuaria a ser
design de arquitetura de grosseiramente subvalorizado.
chips ARM Holdings, pra-
ticamente uma portagem Masa angariou 45 mil milhões da Arábia Saudita com
no crescimento futuro uma reunião de 45 minutos, mil milhões por minuto,
global de chips de baixa e outros 40 mil milhões de investidores como a Apple,
potência; as participações a Qualcomm ou Larry Ellison. A estrutura do fundo
nos fundos Vision I e II; é muito inteligente, com dois tipos de ações que permi-
e investimentos em tec- tem à Softbank tirar partido da vantagem, em troca de
nológicas cotadas como a um juro fixo nas ações preferenciais, para além das su-
Amazon, o Facebook ou culentas comissões. Faço um pouco de cabeça, faço
a Microsoft. muito de cauda.
A ARM foi recentemente vendida à Nvidia em troca de
dinheiro e ações da nova Nvidia. A vantagem competiti-
va da ARM resistiu às alternativas de arquitetura aber-
ta e é certamente mais valiosa sob o guarda-chuva da
Nvidia.
Conseguimos mais alguma coisa? Talvez demasiadas dí-
vidas? Desta vez, não, a lição foi aprendida.
 54
ENTREVISTA A
CARLOS OTERMIN
1. Quem é Carlos
Otermin e como é que ele
investe?
Tenho 31 anos, sou de Madrid e depois
de estudar Administração de Empresas e
Finanças na Universidade Carlos III, passei 5
anos a trabalhar em consultoria, centrado na
estratégia e corporate finance.
Como resultado dessa experiência, comecei a
investir em startups a nível privado e através de
alguns veículos, especialmente na fase de semen-
te. Embora a maior parte do meu patrimônio se
encontre na bolsa de valores, sempre tentei ter um
perfil conservador, com empresas de grande consu-
mo como a Unilever, P&G, Nestlé, etc., ou empresas
de infraestruturas como a Ferrovial ou a BAM.
Nos últimos anos tenho vindo a mudar o meu perfil para
a tecnologia, uma vez que tenho estado mais envolvido nes-
te mundo, começando com a BABA, e depois acrescentando
a PDD e a MSFT à minha carteira. Mas a minha maior posição
é a BABA, representando atualmente mais de 70% da minha
carteira.
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2. Como é que um licenciado em ADE, nascido em
Madrid, chega às Filipinas?
Por volta de 2014, a Rocket Internet, um acelerador de
empresas dos irmãos Samwer, com bom financiamento
e um historial de sucesso bastante positivo, começou
a contratar muitos consultores e bancários de investi-
mento em diferentes países da Europa, para fortalecer
os seus negócios na Ásia e na América Latina.
Comecei na parte do comércio eletrónico na Malásia,
mas eles tinham outros negócios como a Zalora, a Foo-
dpanda ou a Easytaxi. Na Malásia fui o principal res-
ponsável pelas operações e pelo C2C. Depois de um
ano mudei-me para Manila como VP responsável pelas
vendas. Queria vir para as Filipinas, pois é um país com
muita proximidade cultural com Espanha e tremendas
oportunidades
3. O que recomendaria aos jovens que estão a
entrar no mundo do trabalho em tempos como
estes?
Penso que o mais importante hoje em dia é procurar
oportunidades para aprender- Há uma tendência para
focalizar a carreira no trabalho em grandes empresas,
mas penso que as grandes empresas de ontem não são
os melhores lugares, porque tendem a ter muita estru-
tura e falta de oportunidades e exposição. O mercado
de trabalho valoriza cada vez mais as pessoas que estão
despertas, com a capacidade de aprender e enfrentar
diferentes desafios.
Penso que é essencial desenvolver competências como
a gestão de projetos, negociação, falar em público, etc.,
que infelizmente não são suficientemente ensinadas
nas universidades espanholas. Também penso que,
independentemente do setor, é muito importante ter
alguma exposição à tecnologia, compreender como uti-
lizá-la para trabalhar eficientemente e a melhor forma
de escalar os negócios, pacotes de soluções, fazer mar-
keting online, etc..
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4. Diga-nos, como é a sua experiência na Lazada
Filipinas? Como é a Alibaba a partir do interior?
É uma experiência muito interessante. A verdade é que
viver um scale up de uma empresa que cresce e tem
recursos para investir até à aquisição pela Alibaba, a
integração dentro da holding, toda a transferência de
tecnologia, melhoria de processos e adaptação de sis-
temas e formas de trabalhar é incrível.
A Alibaba é uma empresa espetacular com um enorme
potencial. Muitas pessoas em Espanha associam-na à
Aliexpress, mas a realidade é que tem mais de 20 em-
presas de todos os tipos e existe uma cultura incrível de
inovação, desenvolvimento empresarial e ajuda a em-
presas. É uma empresa com uma tremenda capacidade
para desenvolver projetos.
Desde a forma de crescimento da Antfinancial e toda a
experiência e integração do utilizador (as pessoas saem
de casa praticamente sem carteira e paga tudo através
da Alipay) até ao negócio de logística da Cainiao ou da
cadeia de supermercados Hema, as empresas da hol-
ding estão constantemente a mudar e a melhorar, es-
crevendo o futuro todos os dias.
5. Conhecemos o investimento na Ásia, mas o
que pode dizer-nos sobre a economia e o investi-
mento nas Filipinas? O que a diferencia de outros
países asiáticos e como é que a pandemia os tem
afectado?
As Filipinas são um país espetacular, tem uma econo-
mia bastante diferente do resto da Ásia, já que preva-
lecem as remessas (há milhões de filipinos a trabalhar
em todo o mundo em áreas como a restauração, tri-
pulação, enfermagem, etc.) e o outsourcing. É uma das
capitais do mundo para centros de atendimento tele-
fónico e há muitas empresas multinacionais que têm a
maior parte do seu serviço ao cliente nas Filipinas, uma
vez que os filipinos têm um bom sotaque inglês e muito
boa mentalidade de serviço e apoio.
A economia filipina tem vindo a crescer muito fortemen-
te há muitos anos e tem projeções muito favoráveis,
uma vez que ainda têm de investir em infraestruturas
Entrevista / Marc Garrigasait
e este governo tem um programa agressivo chamado
“build build build”. Também o turismo está numa fase
muito incipiente, mas o país tem todos os recursos, il-
has e atrativos para triplicar o número de turistas nos
próximos 10 anos.
As Filipinas decidiram ter uma política muito restritiva
para controlar a propagação do vírus, o que teve um
impacto importante. Desde o início da crise, confinaram
a maioria das áreas e ainda hoje existem muitas limi-
tações em matéria de transportes, recolher obrigatório
e outros controlos. Em consequência disso, a economia
sofreu, mas espera-se uma forte recuperação no próxi-
mo ano.
6. Que setores e/ou empresas se destacam na eco-
nomia filipina?
É uma economia onde se destacam certamente as em-
presas internacionais de outsourcing e os conglome-
rados locais. Existem várias grandes empresas como a
Ayala, que é uma holding diversificada com interesses
em telecomunicações, imobiliário, infraestruturas e
banca; a SM, que é o maior operador de centros comer-
ciais e tem uma forte presença nos tijolos e na banca; a
Jollibee, a maior empresa de restaurantes do país, com
mais do dobro de restaurantes que o McDonald’s e um
incrível reconhecimento da marca; ou a San Miguel, que
tem uma carteira diversificada entre infraestruturas e
alimentos e bebidas.
7. O que se pode esperar da economia asiática nos
próximos anos?
Ouço muitas pessoas a dizer que a Ásia é o futuro, mas
na minha opinião é o presente absoluto... 50% da popu-
lação vive num raio de voo de 4 horas e a força da China
e do seu investimento nos países vizinhos está a fazer
descolar muitas economias.
A grande questão vem mais do lado geopolítico, mas
penso que, em qualquer caso, os países do Sudeste
Asiático beneficiarão, particularmente o Vietname, que
tem sido gerido espetacularmente bem durante uma
década e tem sido capaz de industrializar o país e ge-
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rar um desenvolvimento tremendo. A Indonésia é um
país com um crescimento tremendo e uma das maiores
populações do mundo, apostando muito claramente na
tecnologia e na digitalização. E, na minha opinião, as Fi-
lipinas, pelos fatores acima mencionados.
8. Prós e contras de investir na Ásia: que setores
pensa que podem beneficiar desta crise?
Penso que a Ásia vai ser o vencedor absoluto desta cri-
se e que mesmo países como o Japão ou a Coreia, que
estão 20 anos à frente da Europa, têm oportunidades
tremendas.
Na minha opinião, o grande desafio é ter informação
suficiente, uma vez que em geral, o que chega ao Oci-
dente vem sempre de fontes com conhecimentos limi-
tados, em muitos casos sem falar a língua do país ou
conhecer a cultura. Penso também que é difícil con-
centrarmo-nos nas ações e a realidade dos mercados
é que em muitos casos o crescimento económico de
um país pode não se traduzir num grande arranque das
cotações, uma vez que muitos países têm peso do setor
privado ou ainda têm dificuldades em angariar capital.
Dito isto, acredito que com a melhoria da gestão des-
tes países, com as perspetivas da ASEAN e dos acordos
comerciais e a melhoria da classificação da dívida e do
custo de financiamento destas economias, o potencial é
tremendo e vamos assistir a muitas histórias de suces-
so nos próximos anos.
9. Porquê investir no Sudeste Asiático e não na
Ásia em geral? Dentro do Sudeste Asiático, em que
país escolheria investir?
Penso que depende muito do perfil de investimento: a
realidade é que estas são, sem dúvida, as economias
com maior crescimento e certamente o maior potencial
de valorização das ações. No entanto, têm um perfil de
risco mais elevado e, em muitos casos, maior incerteza.
Penso que os três países acima mencionados são mui-
to interessantes, a nível empresarial. Tanto Singapura,
como a Malásia e a Tailândia têm grandes empresas e,
57 Voltar ao índice
em geral, têm uma boa governação empresarial. Nos
últimos anos tem havido muitas saídas de conglome-
rados na Tailândia, com um perfil conservador e uma
interessante geração de dinheiro, e a Malásia tem mui-
tas empresas que são adequadas para perfis conser-
vadores.
10. Que livro ou livros marcaram um antes e um
depois nos seus investimentos?
Quase todos os livros de Peter Lynch. Penso que ele é
um dos melhores que se pode ler. No entanto, a nível
pessoal sou um grande fã de Taleb e penso que ele é
uma leitura obrigatória, especialmente para pessoas
que têm perfis de valor demasiado elevado e tentam
encontrar certezas absolutas.
Que aprendizagens em matéria de investimentos e
mercados se retiram de 2020? Qual foi a sua pior e a
sua melhor compra este ano e porquê?
Penso que 2020 nos ensinou que, em situações ex-
traordinárias, os bancos centrais estão dispostos a in-
tervir. E que a realidade é que é preciso investir para
não perder estas situações e, como sempre em tempos
de fortes declínios, é preciso tomar posições...
Algo cada vez mais claro é que, quando o dinheiro é
gratuito, há uma enorme predisposição para pagar pelo
crescimento: se acrescentarmos a isso a incerteza dos
fluxos de caixa das empresas mais tradicionais, penso
que os múltiplos em empresas tecnológicas, de softwa-
re e afins estão aqui para ficar.
A minha melhor compra este ano foi o PDD. Não tive
mais compras, mas sim mais vendas. Livrei-me das min-
has ações da Shopify e da SEA demasiado cedo, pois
considerei-as sobrevalorizadas, mas a realidade é que
acabei por perder uma oportunidade significativa de
revalorização.
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Créditos 58 59

Créditos
Colaborações Equipa editorial

Miguel Arias
• Albert Millan / Tese de Investimento da Alibaba (BABA)
CEO
• Rubén Rodríguez / Tese da Hollysys Automation Technologies

• Marc Garrigasait / Entrevista

Salva Marqués
• Álvaro Jover / Fujii Sangyo, uma pequena net-net japonesa Editor

• Karel Escobar / A Sea Limited é uma empresa Bárbara?

Luis Ángel Hernández
• Joaquín Blanco / Tese de investimento de Yum China (YUMC)
Head of Investment
• Rafa Galán del Río / Entrevista

• Emilio Gómez / Di-investindo com a Nintendo

Xiaoying Zhou
• Emérito Quintana / Softbank Group
Editorial Assistant
• Carlos Otermin / Entrevista

Laura Such
Design and layout

Diana Costa
Content Specialist

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pretado como uma recomendação para comprar ou vender qualquer activo financeiro. Os autores podem ou não ocupar cargos em qualquer empresa
aqui discutida. Qualquer acção que tome como resultado de informação, análise, ou conselho neste sítio é da sua responsabilidade final.
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